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  • Escrevendo Documentário com Michel Carvalho

    Conversamos com o roteirista Michel Carvalho ("Torre das Donzelas", "Mussum - Um Filme do Cacildis" e “Prazer em Conhecer”) para entender como é construído um roteiro de documentário Há algum tempo recebemos perguntas sobre como desenvolver um roteiro de documentário. Como escrever? O quanto podemos prever do filme em si? Que etapas e reflexões fazem parte do processo? Para entender melhor esse importante assunto conversamos com o roteirista, pesquisador e antropólogo Michel Carvalho, responsável por projetos documentais como "Torre das Donzelas", "Mussum - Um Filme do Cacildis" e “Prazer em Conhecer”, entre tantos outros. Michel Carvalho divide com a gente questões essenciais para o seu processo de desenvolvimento de documentários e imagens exclusivas de alguns dos seus roteiros. Ficou curioso? Não perca as dicas e informações a seguir! Quem é Michel Carvalho? Graduado, Mestre e Doutorando em Antropologia pela UFRJ, Michel pesquisa questões relacionadas a gênero, raça e sexualidade no cinema. Estudou roteiro com Patrick Vanetti, diretor do Conservatório Europeu de Escrita Audiovisual, cursou a Oficina de Roteiristas e a Oficina de Escrita de Humor da Rede Globo de Televisão. Segundo suas próprias palavras, “foi a pesquisa que me levou ao audiovisual, foi assim que comecei a construir a minha carreira”. Estudar Antropologia certamente trouxe a Michel Carvalho ferramentas muito úteis para o documentário e mesmo a ficção. “Acho essencial a base que a pesquisa nos dá para qualquer coisa. Quando fazemos uma obra audiovisual, possivelmente não estamos falando da gente, estamos falando de um outro. Até quando falamos de nós, precisamos fazer o exercício de ‘nos tornar personagem’. Como a gente acessa o outro? Uma das possíveis respostas para isso é a pesquisa. A pesquisa é você sair literalmente do seu lugar e fazer um exercício de escuta - que é primordial - e um exercício de entendimento acerca de como o outro pensa”. - Michel Carvalho Com mais de 20 projetos desenvolvidos (como roteirista e pesquisador), seu primeiro trabalho no audiovisual veio através da pesquisa. Carvalho trabalhou em uma série chamada “Mulheres em Luta”, sobre o mesmo universo do que depois veio a se tornar o documentário “Torre das Donzelas” (Premiado como Melhor Filme em festivais no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Uruguai), filme dirigido pela sua parceira de trabalho Susanna Lira, que apresenta as experiências cruéis a que as mulheres prisioneiras foram sujeitas durante o período da Ditadura Militar brasileira. A partir daí Michel trabalhou em diversos projetos documentais, mas também na ficção, algo que ele se dedica cada vez mais agora; onde se destacam as séries "Perrengue" (MTV), "Matches" (Warner Channel) e "Temporada de Verão" (Netflix); os longa-metragens documentais "Mussum - Um Filme do Cacildis" (Amazon Prime) e "Prazer em Conhecer" (Festival Mix Brasil, Indie Doc Pro, Festival For Rainbow, AtlantiDoc e Festival Internacional de Cine Independiente) e a série documental "Favela Gay - Periferias LGBTQI" (Canal Brasil). Michel Carvalho também se dedica à narrativa ficcional autoral, principalmente com seu projeto de longa “A Mais Forte”, contemplado em edital do Ministério da Cultura e também na adaptação de um romance para o cinema. Além de tudo isso, o autor também faz parte da equipe de roteiristas de uma das próximas novelas da Rede Globo e dá aulas de Cinema e Diversidade na Roteiraria. O papel da pesquisa “No documentário a gente não consegue começar um projeto sem a pesquisa”, comenta Michel Carvalho. Isso é verdade: pesquisa é fundamental. Afinal, documentário envolve recortes de realidades que partem do domínio sobre determinado assunto. Durante muitos anos, Michel Carvalho trabalhou com a diretora Susanna Lira desenvolvendo diversos projetos e utilizando a internet como primeira fonte de pesquisa. “Às vezes a gente tinha prazo de edital, então não tínhamos tempo de ir a campo. A internet é muito útil nessas horas”. Quando falamos em pesquisa, o que está envolvido nisso? Carvalho responde: “Eu lembro que eu falava com pessoas do Brasil inteiro - desde levantar informações, até trocar contatos. Não dá para construir um projeto de documentário para qualquer objetivo - do edital às buscar por parcerias com produtoras - sem essa pesquisa inicial”. Um projeto de documentário não depende apenas de informações levantadas. É preciso pensar na sua condução, principalmente para quem está em fase de desenvolvimento e em busca de parceiros que viabilizem o seu projeto. É aqui que entramos em outro assunto essencial levantado por Carvalho: os dispositivos narrativos. Encontrando os dispositivos narrativos “O que me fascina no documentário é a forma como você conta”, revela Carvalho, que dá continuidade ao raciocínio: “o assunto pode até ser banal, mas a forma como você conta é capaz de transfigurar totalmente a narrativa”. É através da forma que o documentário apresenta o seu potencial narrativo. Michel Carvalho divide conosco que durante toda a sua parceria com Susanna Lira, eles mantém sempre o desejo de “experimentar um novo formato”. Esses formatos dependem muito de encontrar dispositivos narrativos para o desenvolvimento da trama. “O roteiro de documentário é construído muito a partir de dispositivos narrativos. Como você vai contar aquela história? Em ‘Torre das Donzelas’ a gente foi construindo formas de acessar a memória daquelas mulheres”. - Michel Carvalho Em “Torre das Donzelas” Michel Carvalho atuou como pesquisador, assistente de direção e colaborador de roteiro, tendo acesso a diferentes perspectivas sobre o mesmo processo de feitura. Durante o processo de desenvolvimento do roteiro “era muito importante para o projeto entender o que levava essas mulheres à luta armada, o que levava essas mulheres a enfrentar aquele status quo”, responde. Encontrar dispositivos narrativos eficientes para evocar as memórias dessas personagens passou necessariamente por uma pesquisa muito bem direcionada. “O que essa pesquisa traz? Elas passavam por uma dupla revolução. A revolução dos costumes - a chegada na pílula anticoncepcional, o feminismo chegando com muita força, essas mulheres entendendo os seus corpos no campo social - e ao mesmo tempo elas queriam fazer frente ou se opor àquele regime de opressão do Regime Militar”. - Michel Carvalho Antes da pesquisa com personagens, Michel não fazia ideia da amplitude do tema. “Essas mulheres me trouxeram essa dupla revolução. Só fazia sentido pensar na vida delas a partir dessas duas coisas. Elas não eram apenas revolucionárias, elas eram mulheres revolucionárias”, reforça o roteirista. Para acessar as memórias, Michel, Susanna e equipe recriaram o espaço onde aquelas mulheres estiveram presas por tanto tempo - uma verdadeira “torre”. Objetos emprestados por personagens também fizeram parte dessa construção material das suas memórias, transportando-as (junto do espectador) a um outro tempo, disparando a narrativa para os caminhos propostos pelo documentário. “Tudo o que a gente tinha no set era das décadas de 60 e 70”, confirma Carvalho. “Quando elas entraram no ambiente, elas foram catapultadas para aquele lugar. Eu conversava com cada uma delas, ia na casa delas, fazia um inventário de tudo o que elas iam emprestar para a gente”. Não apenas elementos materiais, como outros dispositivos musicais e televisivos foram utilizados para guiar as entrevistas: “A gente provocava também. A gente colocava músicas que elas ouviam na época, a gente colocava a Copa do Mundo que elas acompanharam, a novela ‘Irmãos Coragem’ que elas assistiam. O que a gente construía no roteiro era como essa série de provocações poderia fazer aquelas personagens falar sobre suas vivências”. - Michel Carvalho Mesmo com o melhor dos roteiros, nem tudo pode ser previsto em um documentário. Ou melhor: nem tudo deve ser previsto, uma vez que o documentarista precisa exercitar sua atenção ao material sensível devolvido pelas personagens. Sobre isso, Michel Carvalho comenta: “a gente também precisa ouvir o que as personagens estão dizendo”. Dispositivos narrativos não servem para controlar a realidade capturada, mas para criar provocações que permitam que ela se desenvolva da melhor forma, dentro das suas expectativas narrativas. “A última coisa que o Coutinho perguntava às personagens era: tem alguma coisa que você queira falar que eu não perguntei? O que você quer falar? Ele tinha essa generosidade de perguntar para a pessoa. Às vezes a gente vem com toda a nossa pauta, com toda a nossa agenda e a pessoa fala: ‘cara, sério?’. A realidade é soberana e as personagens vão trazer suas questões”. - Michel Carvalho “Mussum - Um Filme do Cacildis” e o humor no documentário “Quando o projeto chegou para a gente, era só a ideia - um documentário sobre o Mussum”, Michel Carvalho comenta sobre o início do projeto que viria a se tornar o filme “Mussum - Um Filme do Cacildis”, que retrata a trajetória do humorista e sambista Antônio Carlos Bernardes Gomes, o eterno Mussum. “Eu e o Bruno [Passeri] decidimos que tínhamos que fazer um documentário engraçado, mas como fazer um documentário engraçado?” Assim, Michel Carvalho afirma que iniciou um longo trabalho de pesquisa para buscar referências que incorporam humor à linguagem documental. Que mecanismos existem por trás do humor? Que técnicas poderiam ser aplicadas para fazer jus à história do grande humorista brasileiro Mussum? O projeto partiu de uma biografia do artista, o livro "Mussum Forévis: Samba, Mé e Trapalhões", do jornalista Juliano Barreto, mas assume várias liberdades artísticas durante o processo. “A gente fez uma sala de roteiro junto com o Bruno Passeri, o outro roteirista, literalmente - nos encontrávamos todos os dias durante mais ou menos um mês”, revela. Durante os encontros, muitas referências foram absorvidas com intuito de montar esse quebra-cabeças da vida do Mussum. “A gente decidiu: vamos colocar esse desafio - cada página precisa ter pelo menos uma piada. As pessoas precisam sair da sessão rindo, a gente não quer que as pessoas saiam tristes”. Como foram definidos os artifícios de linguagem? Michel Carvalho comenta um pouco sobre o processo: “a gente queria usar muita imagem de arquivo com um tratamento diferenciado. Então a gente chegou nessa ideia de cinejornais. Estávamos fazendo pesquisa para outro projeto documental, então chegamos naqueles cinejornais que existiam na época da Ditadura Militar que eram usados como propaganda do governo”. A estética própria desses cinejornais inspirou a pegada mockumentary utilizada pelo filme para tratar alguns elementos. “A gente queria tratar de coisa séria, a gente queria falar de racismo, a gente queria falar de pessoas negras ascendendo a cargos de poder também”, afirma Carvalho, que completa: “mas a gente não queria ficar só na entrevista, queríamos encontrar outra forma de narrar”. “Ilha das Flores”, curta-metragem icônico do cineasta Jorge Furtado, foi outra referência que influenciou bastante certos aspectos estilísticos e narrativos do documentário. Michel Carvalho salienta que o primeiro tratamento do roteiro era “gigantesco” - “cem páginas mais ou menos”, mas lança um recado importante: “O que me dá muito orgulho no ‘Mussum…’ é saber que 80% do que a gente escreveu tá lá na tela”. - Michel Carvalho “Prazer em Conhecer” e o recorte de vida “É o primeiro projeto que eu criei da ideia inicial até o último dia de montagem”, comenta Michel Carvalho sobre “Prazer em Conhecer”, filme que aborda a sexualidade e o HIV através de um olhar sensível que perpassa aplicativos de encontro, espaços de pegação, formas de prevenção e uma pluralidade de vivências na cidade de São Paulo. “Tem algo de ‘Mrs. Dalloway’. É um dia só - se você perceber começa pela manhã e termina de madrugada. Tem uma idéia cíclica de eterno retorno, meio nietzschiana. Um dia na vida daquelas pessoas e naquele dia toda a sua vida”, Carvalho discorre sobre sua obra. Michel Carvalho afirma que “Prazer em Conhecer” é seu último documentário (ao menos por enquanto), pois agora seu grande foco está nos projetos de ficção que o autor vem desenvolvendo. No filme, Carvalho comenta sobre a busca por dispositivos para tratar do sexo como um dos assuntos centrais. “Como a gente conta a história a partir desse frenesi? A partir dessas imagens”, reflete o autor. A resposta veio de muita pesquisa de campo com intuito de entender as diferentes dinâmicas que compõem o universo do filme. O resultado? Um roteiro repleto de estímulos e referências para construir uma narrativa palpável e visual. “Eu construí um roteiro muito imagético, um roteiro que tem música, um roteiro que literalmente leva a sério a concepção do áudio e do visual. Eu tinha muitas referências e resolvi escrever um roteiro com as minhas referências”. A série de documentários “In Their Room”, do diretor Travis Mathews, surge como uma grande referência para a concepção do filme, onde personagens falam abertamente sobre a sua relação com o próprio corpo. Segundo Carvalho, a potência do filme se apoia muito “no dispositivo dos encontros”. “Prazer em Conhecer” é um filme que não cai em recursos tradicionais como a entrevista direta (talking heads), mas aposta em diálogos abertos entre personagens que se encontram em um lugar de troca. O autor reforça que “o filme só poderia existir através desse contato”. “No documentário é essencial construir em parceria. A Susanna [Lira] tem uma frase que eu gosto muito, que acabei adaptando um pouco: o documentário é um encontro entre a equipe e as personagens”. - Michel Carvalho Michel Carvalho reforça que além de um encontro, o ponto da parceria é essencial para a confecção de um documentário. Até então tratamos do documentário a partir do momento da sua construção, mas e quando é preciso apresentá-lo como projeto em busca de financiamento? Michel Carvalho também divide alguns toques e reflexões sobre esse processo. Trabalhando documentários para editais e fundos “A realidade às vezes não faz sentido nenhum”, começa Carvalho, apontando para o caos natural da nossa existência. “Pela realidade ser tão soberana, os players precisam ser convencidos de que aquela realidade é palpável, que você não a inventou. Às vezes a realidade é tão maluca que você precisa mostrar que aquilo de fato existe”. Por conta disso, muitas vezes conquistar meios de produção de um documentário pode envolver grandes desafios, como a confecção de um teaser sobre aquele determinado universo. Afinal, é preciso apresentar o que o roteirista chama de “prova de verdade”. “Tem uma espécie de prova de verdade que às vezes torna muito mais difícil de você apresentar um projeto”, reflete Carvalho, acostumado a desenvolver projetos documentais há muitos anos. “Talvez seja um pouco injusto - tudo isso é trabalhoso. Ir atrás, pesquisar, conhecer, registrar, tudo isso a ‘fundo perdido’, na promessa de conquistar um apoio, um fundo”. O que tiramos como conclusão disso tudo? Um projeto de documentário não pode ser apenas uma ideia e uma promessa. É preciso apresentar uma pesquisa ampla, mas também bem direcionada. Não adianta contar com uma enciclopédia de informações, mas nenhum recorte ou proposta de condução narrativa. É importante salientar a forma de narrar e o porquê você é a pessoa mais indicada para contar aquela história. Uma maneira de encontrar esse recorte pode envolver justamente a busca por referências. Assista a documentários que inspirem você e reflita sobre seus dispositivos. O que esses projetos utilizam como meio condutor da narrativa? É tudo costurado através de entrevistas? Ou quem sabe são os espaços, os sons, o choque entre as personagens, etc.? O mercado audiovisual O desenvolvimento de qualquer projeto audiovisual depende de alguma inserção no mercado. Por isso, não podemos deixar de lado esse tão importante tema. Michel Carvalho divide conosco algumas das suas opiniões sobre a relação entre roteiristas e o mercado de trabalho: “a gente precisa entender os mecanismos, como eles funcionam, assim como em qualquer outra profissão”. Sobre o assunto, Carvalho completa: “tem o tempo do estudo, tem o tempo do amadurecimento, tem o tempo de dar com a cara na porta, tem o tempo de receber ‘não’. Isso tudo é muito importante”. O que observamos muitas vezes é que a ansiedade do criador é colocada à frente do seu amadurecimento. Como Carvalho comenta, é “preciso ter repertório, vivência para construir um projeto seu”. E isso não tem relação necessariamente com idade, mas “em termos da relação que você estabelece com o mercado e com seu próprio projeto”. O tempo de amadurecimento e de desenvolvimento de um projeto podem muito bem andar juntos. Assim como as ideias, o profissional também sofre transformações, precisa se adaptar e encontrar seus próprios meios de inserção no mercado. O que não pode é ter pressa, pois como mencionamos em outros textos - os projetos normalmente são lidos uma vez só. #cinema #audiovisual #documentário #roteiro

  • Como ser seu próprio consultor de roteiro, com a diretora Ela Thier

    Confira as 5 dicas que a cineasta compartilhou com o No Film School sobre como fortalecer a versão final do seu próprio roteiro Todos conhecemos aquela sensação incrível de alívio e satisfação ao finalizar um roteiro. Mas e agora? Como revisá-lo? Como deixá-lo ainda mais intrigante? Por onde começar a analisar os pontos fortes e os mais fracos? Revisar um roteiro não precisa ser um processo estressante, cheio de insônia e angústia existencial. Ao invés de gastar muito dinheiro com consultorias caríssimas ou script doctors que prometem maravilhas por muita grana, existem algumas etapas específicas que você mesmo pode seguir para revisar seu próprio trabalho antes de levá-lo para um núcleo criativo, inscrever em laboratórios ou dividir com alguém de confiança. Sabendo que cada processo é diferente, existem algumas reflexões e práticas que podem ajudar na hora de reescrever qualquer tipo de roteiro. Por isso, traduzimos e adaptamos o texto que a diretora, roteirista, produtora e professora Ela Thier escreveu para o No Film School, onde ela elabora 5 questões importantíssimas para qualquer processo de revisão e reescrita. Leia a seguir! 1. Identifique o que você realmente adora no roteiro Faça uma lista completa do que você gosta em seu roteiro. Não pule esta etapa e não economize. Na minha experiência, é o aspecto mais importante do processo de revisão. Você não pode gostar de temperar uma sopa se você odiar a sopa. O que você ama no seu roteiro? Pode ser algo muito geral ou super específico: 'gosto que mostra uma mulher sendo genial; Eu gosto que mostra um cara sendo vulnerável ao invés de machista; Gosto de uma personagem; Eu gosto que a página 40 me faz rir; Gosto dessa linha de diálogo quando ele pergunta a ela que horas são'. Se você se perder nessa reflexão, pode sempre observar a excelente intenção por trás do roteiro: “Gosto do fato que tentei escrever um cara vulnerável” e seguir nisso. Não vá pelo caminho de “Eu gosto da personagem de Mandy, mas os outros personagens são uma porcaria”. A crítica é um vício que torna o processo de revisão impossível. Apenas continue gostando de Mandy. Muitos de nós cometem o erro de pensar que o processo de revisão trata apenas de consertar problemas. Uma boa reescrita geralmente envolve explorar por completo o que é ótimo em um roteiro. Você deseja encontrar os elementos que brilham e, em seguida, expandir esses elementos. De volta à faculdade, quando escrevi um dos meus primeiros roteiros de longa-metragem e pedi ao meu namorado na época para lê-lo, tudo o que ele disse foi: “Gosto da relação entre Jake e Dora”. Em retrospecto, percebo o quão generoso ele foi. Era um roteiro mal escrito e ele deve ter ficado entediado de tanto ler. Mas sim, essa personagem muito secundária, Dora, era a parte mais interessante. Ela foi a personagem com a qual me identifiquei e foi a mais fácil de escrever. Quando ele fez esse comentário, fiquei animada em me livrar de todo o resto naquele roteiro e escrevê-lo do zero, focando apenas em Jake e Dora. A escrita se tornou muito mais divertida e as coisas começaram a se encaixar. Acabei optando por esse roteiro e, quando foi vendido, paguei com ele os empréstimos da faculdade. O que você adora em um roteiro é sua melhor orientação. Um problema comum do primeiro rascunho é não maximizar totalmente os aspectos mais divertidos e emocionantes dele. 2. Evite criar uma longa lista de problemas Essa lista inútil de tudo que há de errado com seu roteiro não levará a um esboço melhor, mas sim a lugar algum. Realizar muitas críticas não é sinal de inteligência e gosto exigente, é sinal de um bloqueio criativo e não há nada de inteligente nisso. A abordagem de lista de problemas é um exercício de futilidade porque a maioria dos problemas em um roteiro geralmente resulta de um único problema de abordagem, seja este qual for. O que interessa é o esforço de identificar aquele problema-chave que, quando resolvido, faz com que a maioria dos outros problemas menores desapareça. O único momento em que a lista de problemas é solicitada é quando um roteiro está quase concluído e você está na fase de polimento. As sequências estão todas no lugar. Cada personagem, local e cena existe por uma razão. Você mal pode esperar para filmar essa história. Agora você pode ajustar os detalhes de acordo com seus desejos. Quando se trata de realizar uma consultoria em seu próprio roteiro, tenho boas notícias: o que é ótimo em um roteiro varia de roteiro para roteiro. Mas o que não está funcionando é quase sempre o mesmo. Então, vamos ver qual é provavelmente o “problema principal” em seu trabalho, a seguir. 3. Faça sua personagem suar Em 95% dos roteiros que vejo que ainda não funcionam, o problema é a falta de conflito. Quando digo conflito, não quero dizer que coisas ruins acontecem. Não me refiro a pessoas se odiando, discordando ou gritando umas com as outras. Por conflito, quero dizer que alguém quer algo, mas outra coisa está no caminho. Se eu ando pela rua e um caminhão passa e respinga em mim, isso não é conflito. Isso é apenas uma coisa ruim que aconteceu. Se eu andar pela rua a caminho de uma entrevista para o emprego dos meus sonhos e um caminhão passar e respingar em mim: temos conflito. Eu tenho um objetivo e algo me atrapalhou. Se eu tenho três filhos famintos e gastei até o último centavo na minha roupa para esta entrevista, um caminhão me respinga de lama, agora temos um filme! O conflito nem precisa significar que algo ruim está acontecendo. Se meu namorado e eu estamos empolgados em passar minha noite de aniversário sozinhos e meu melhor amigo aparece sem avisar com 30 pessoas para a festa surpresa que eles estão planejando, temos conflito. Eu queria algo e um obstáculo está no meu caminho. Há conflito aqui, embora duas coisas totalmente incríveis estejam acontecendo. Se uma cena em particular não estiver funcionando, ou o roteiro em geral não dê aquela vontade de virar a página, verifique se a narrativa está sofrendo uma falta de conflito. Alguém claramente quer algo? Eles estão tomando medidas para alcançá-lo? Eles querem muito? Há algo que você possa fazer para aumentar as apostas, de modo que eles tenham que agir e não demorem mais? Gosto de pensar em meu personagem como o último tantinho de pasta de dente no tubo. Aperte-os para que eles tenham que sair. Talvez aquele meu namorado deixe o país na manhã seguinte, então eu tenho que fazer meu melhor amigo aquelas 30 pessoas irem embora, mesmo que fiquem com o coração partido. Quanto mais seu personagem tiver de suar, mais engajado seu leitor e público ficarão. 4. Corrija um roteiro "de enredo" O segundo problema mais comum na maioria dos roteiros é ser excessivamente complicado. Claro, o incidente incitante está na página certa e tudo mais, mas fica parecendo um negócio de ligar os pontinhos. Você pode corrigir esse problema concentrando-se no relacionamento principal da história. As melhores partes da maioria dos filmes são seus relacionamentos essenciais. Se "Homem-Aranha" fosse sobre o Duende Verde, teríamos um videogame. "Homem-Aranha" é sobre Mary Jane. Os maiores filmes, que são mais espalhafatosos e mais cheios de ação, no fundo, tratam de um relacionamento. Examine seu roteiro e descubra como o relacionamento-chave avançou a cada dez páginas ou mais. Você pode até mesmo criar um esboço que ignore o enredo e apenas traçar a progressão dessa relação chave. Exemplo: Pág. 10 - Sam e Lisa se encontram quando ambos são trancados do lado de fora da lavanderia e suas roupas estão dentro. Eles se odeiam. Pág. 20 - Eles estão presos tendo que trabalhar juntos. Eles vão engolir e lidar. Pág. 30 - Lisa encobre Sam quando o chefe percebe um erro. Pág. 40 - Sam revela seu grande segredo e Lisa agora entende porque ele trabalha lá. Pág. 50 - Eles têm a oportunidade de se dividir e trabalhar separadamente, mas escolhem trabalhar juntos. Pág. 60 - Sam descobre que Lisa está grávida de um ex-namorado e está com nojo dela. Pág. 70 - Sam, mascarando sua dor no coração, deixa o emprego e eles se separam para sempre. Pág. 80 - Sam implora que ela não faça um aborto e se oferece para ser pai com ela. Ou Sam descobre que Lisa é uma alienígena e torna-se protetor com ela. Ou o Duende Verde vem raptá-la... Você entendeu. Concentre-se no relacionamento. Toda boa história é, em última análise, sobre um relacionamento. Se o relacionamento-chave continuar atingindo a mesma nota ao invés de evoluir, certifique-se de que ele evolua. Isso vai transformar um roteiro "de enredo" em uma história guiada pela personagem, o que geralmente contribui para um filme mais bem-sucedido. Sua grande e importante decisão no final da história pode ser enorme ou pequena em escopo, mas sempre é enorme em significado. 5. Crie um final significativo Quando um roteiro é bem escrito, intuitivamente percebemos o “problema” da sua personagem (ou o problema que ela enfrenta e que outra personagem encarna) no momento em que a conhecemos. Sabemos instintivamente que estamos prestes a assistir a um drama se desenrolar, no qual sua personagem muda. Se elas têm medo de se comprometer, vamos vê-las se comprometer. Se evitam lutar, precisamos vê-las lutar. Não nos importa se ganham ou perdem. Não nos importa se ficarão com a pessoa com quem finalmente decidiram se comprometer, mas precisamos vê-las assumir esse compromisso. Sua grande e importante decisão no final da história pode ser enorme ou pequena em escopo, mas sempre será enorme em significado. Agora que escolheu lutar, a personagem poderá destruir uma cidade inteira para salvar alguém do monstro. Também pode ser tão simples quanto uma personagem pegar o telefone e finalmente ligar para sua mãe. O que torna um final chamativo é o quão significativa é sua “Grande Decisão” no final da história. Boa reescrita!

  • Escrevendo Drama Policial com Davi Kolb

    Roteirista de “Bom Dia, Verônica” (Netflix) e "Impuros" (Fox Premium) divide experiências e inspirações para escrever Graças às novas plataformas de streaming e o fomento à produção audiovisual que testemunhados em um passado não tão distante assim, hoje vemos uma diversidade de títulos brasileiros ganhando muita atenção no mercado. Títulos esses que cada vez mais se voltam a diferentes gêneros e subgêneros narrativos. Pensando nisso, hoje inauguramos uma nova série de entrevistas no Writer’s Room 51 - voltada exclusivamente a conversar com roteiristas de destaque no mercado audiovisual brasileiro para refletir sobre a escrita em diferentes gêneros. O assunto de hoje, como o próprio título revela, é o Drama Policial. Para entender melhor os desafios e prazeres de desenvolver obras do tipo, falamos com o roteirista Davi Kolb, que escreveu séries como “Impuros” (Fox Premium) e o sucesso “Bom Dia, Verônica” (Netflix), que teve sua segunda temporada confirmada pela plataforma. Kolb dividiu com a gente várias dicas de escrita, mas também conselhos sobre o mercado e um pouco sobre os bastidores de “Bom Dia, Verônica”. Veja a seguir a matéria completa! Quem é Davi Kolb? Davi é roteirista formado em Cinema e Vídeo pela Universidade Federal Fluminense (UFF), fundador da produtora Segunda-Feira Filmes, onde atuou como roteirista e diretor, tendo vídeos para empresas como: Facebook, Instagram, Petrobras, entre outras. Atuou como roteirista-chefe em salas de roteiro de projetos como “Corumbá”, desenvolvida para Fox Premium, e na minissérie “Jungle Pilot”, que estreou em 2019 na Universal TV. Também escreveu a segunda temporada de “Impuros”, para Fox Premium, e de “Bom-Dia, Verônica”, para Netflix. Atualmente, Davi Kolb está envolvido em projetos que se encontram em pré-produção além de estar em nova sala de roteiro de um projeto de ficção para a Netflix. O convite para “Bom Dia, Verônica” A ponte para a sala de roteiro de “Bom Dia, Verônica” veio a partir do roteirista Gustavo Bragança, colega de faculdade e criador de séries como Mandrake (HBO). Gustavo já conhecia Raphael Montes, co-autor do livro homônimo que deu origem à série, escrito junto com a escritora e criminóloga Ilana Casoy. “Eu fui uma das pessoas entrevistadas, acabei indo para o Rio fazer entrevista, conversar com eles”. Segundo Kolb, a identificação com o livro já existia: “Eu já tinha lido alguns livros do Raphael, sabia quem era a Ilana. O universo deles combina um pouco com o meu universo”. Essa identificação é muito importante para determinar os rumos do trabalho, uma vez que ajuda a manter a equipe integrada aos objetivos da série. Sobre a apresentação profissional no mercado, Davi reforça a importância de ter samples, exemplos de roteiros que você envia para produtoras e possíveis parceiros com intuito de apresentar suas afinidades e competências narrativas. A sala de roteiro de “Bom Dia, Verônica” “Eu nunca tinha participado de um processo assim”, comenta Davi Kolb, destacando alguns pontos sobre a sala de roteiro da série: “O Raphael é um cara muito da estrutura, você vê pelos livros dele. Ele já vendeu a série como uma série que é para ser viciante, é para você assistir, ficar grudado e maratonar - com muito gancho, muita virada”. Completa: “e ele entregou isso”. Se de um lado existia o apreço estrutural de Raphael, do outro havia um profundo estudo de personagem por parte da Ilana. “A Ilana era muito da personagem, até pela formação dela de criminóloga”. Com uma vida dedicada a dissecar os mais famosos crimes brasileiros, Ilana já publicou uma dezena de livros como “A Prova é a Testemunha”, um relato inédico do Caso Nardoni, além de “O Quinto Mandamento - Caso de Polícia”, dedicado ao assassinato do casal Richthofen. “É bom você ter um time de roteiristas na sala que seja plural, que tenha habilidades que se completem". - Davi Kolb Kolb aborda um assunto muito interessante: as habilidades complementares em uma sala de roteiro. Escrever em conjunto envolve muito equilíbrio e divisão de tarefas. Naturalmente, o trabalho tem muito a ganhar quando existem perfis diferentes que funcionam melhor de forma colaborativa. “A Carol [Garcia], por exemplo, é uma tremenda dialoguista. Ela escreveu comédias, já. O Raphael e a Ilana trouxeram a Carol porque viram que depois de terminar toda a estrutura, nos tratamentos 2, 3 dos roteiros, a Carol ia trazer uma mão que ninguém na sala tinha", completa. O roteirista se refere à comicidade e coloquialismo que marcam os diálogos da série em certos momentos, agregando à construção de personagens tridimensionais e reforçando a proximidade entre o público e a trama. Construindo investigações inteligentes Ao falar em maiores detalhes sobre o seu trabalho em “Bom Dia, Verônica”, Davi destaca seu apreço por escrever sequências de ação, comentando que Raphael, showrunner da série, preferia trabalhar em cenas onde o foco está no suspense. “O Raphael é muito bom em quase tudo, mas ele mesmo fala que não gosta muito de escrever sequência de ação, de fazer o beat a beat da sequência de ação... E eu adoro!”, responde Kolb. Como “Bom Dia, Verônica” é uma adaptação literária, já partimos de personagens, tramas e investigações muito bem descritas no material original. Afinal, esse fator auxilia os roteiristas, ou também traz alguns desafios? Davi Kolb responde: “No livro você tem focos narrativos diferentes, narradores diferentes, capítulos… A Verônica tá em uma investigação, mas acabou o capítulo e ela vai para outra investigação”. Como solução, Kolb conta que a melhor opção foi “blocar mais os casos”, justamente para que as investigações não criassem mais confusão ao espectador, mantendo o clima de tensão que hoje vemos na tela. Além do livro, outras referências fazem parte do repertório de Davi Kolb e foram importantes durante a construção da série, como é o caso de “True Detective” (HBO). Kolb destaca principalmente a sutileza na apresentação das pistas durante o seriado americano. “A série policial, de mistério, tem uma coisa de você ser meio mágico. Você faz o movimento maior aqui, que é onde o público tá olhando, mas você está fazendo um outro movimento menor aqui, que é onde está acontecendo a mágica de fato". - Davi Kolb “É um jogo de ilusionismo”, completa Kolb, ressaltando seu gosto por “desvendar a máquina por trás dos mistérios”. A jornada emocional da trama policial Nem tudo é ação em uma série policial. Não podemos nunca esquecer um ponto de extrema importância: independente da série, nós acompanhamos personagens. Acompanhamos suas dores, seus desejos, suas transformações. Os recursos próprios do gênero, assim, servem para estes principais objetivos. “Você não quer saber tanto os detalhes - se o carro vai para a direita, se vai para a esquerda… Você tem que acompanhar a personagem. No fim das contas o que está na tela é menos do que a gente escreveu, que era muito detalhado, e mais acompanhar a personagem emocionalmente mesmo”. - Davi Kolb É fácil se perder nos detalhes da ação quando construímos sequências de muita tensão, mas Kolb reforça a importância de não romper o elo emocional entre espectador e personagem. Mais do que a expectativa de “capturar o criminoso” ou “se safar da morte”, buscamos o que há de transformador na jornada das nossas personagens em cada cena. A construção das personagens Com essa deixa anterior, entramos em um novo tópico: a construção de personagens. Em um drama policial há muitos clichês que podemos evitar, ou mesmo apresentar por uma nova ótica. Kolb usa o exemplo da série “Impuros” para tratar do assunto. A dualidade entre as personagens Morello e Evandro, uma herança criativa dos roteiristas da primeira temporada da série, chamou a atenção de Kolb: “Em ‘Impuros’, o Morello é o cara que está do lado da lei fazendo as coisas erradas. O Evandro está do lado errado, do crime, mas fazendo as coisas certas. A série cria uma dualidade, duas personagens que são fortes e tem uma contradição em si que é boa”. - Davi Kolb “Bom Dia, Verônica”, por sua vez, traz outras peculiaridades. “As personagens já tinham uma voz bem definida” - Davi comenta que quando a sala de roteiro começou, Raphael e Ilana já tinham alguns tratamentos do piloto escritos, além do livro de onde a série parte. Por outro lado, Davi afirma que os próprios autores o estimularam a “esquecer um pouco do livro”. Na literatura, construir personagens densos tem outros artifícios, como o acesso a sua subjetividade. A transposição para a tela traz desafios próprios. “A gente às vezes fica encantado pelo plot, por uma virada muito boa, que é muito esperta, mas para isso você precisa dar uma ‘torcida’ na personagem, em características dela para caber no plot. A Ilana não deixava a gente fazer isso, mantinha a gente com os pés no chão para não perder o caráter das personagens”. - Davi Kolb Com exemplos como a figura sombria de Brandão, interpretado pelo ator Eduardo Moscovis, Kolb nos aponta uma questão essencial: apresentar personagem não é sempre o caso de criar mais e mais camadas dramáticas. Às vezes é exatamente o contrário. É preciso ter um poder de síntese e entender até onde o backstory trabalha a favor da história e quando os elementos começam a prejudicá-la. “Foi muito difícil ‘limpar’ as histórias, como o Brandão. O Brandão no livro tinha muito mais camadas. O que ficou na série acho que tá na conta certa, porque não tinha mais tempo de tela para apresentar outras camadas do Brandão”, responde, acrescentando que esse não é um processo óbvio. “É aquela coisa - você precisa ‘tirar tudo o que não é cavalo’, mas até você encontrar uma forma… É difícil”. “A Janice, irmã da Janete, por exemplo, é uma adaptação. A delegada Anita também é uma adaptação. Adaptações foram feitas para a série para o produto audiovisual funcionar”. - Davi Kolb A própria Verônica, segundo Kolb, é “muito mais heavy metal no livro e faz certas coisas questionáveis”. Na adaptação, Verônica se tornou uma figura mais empática. Recado para os roteiristas Vendo o sucesso de séries como “Impuros” e “Bom Dia, Verônica”, resta uma pergunta: como trabalhar em projetos desse calibre? No próprio Writer’s Room 51 recebemos muitas perguntas sobre “apresentar projetos à Netflix”. “Geralmente você é contratado por uma produtora. Então os roteiristas que estão tentando se inserir no mercado precisam procurar as produtoras e os próprios roteiristas e diretores”, explica Kolb. “Essas são as pessoas que vão te chamar para uma sala de roteiro, vão te contratar e te indicar - não vai ser a Netflix. A Netflix vai ser uma consequência do seu trabalho”. Mesmo assim ser um roteirista que trabalha em séries da Netflix vem com o tempo e através de muita dedicação. Davi Kolb dá um recado final: “Você precisa ter um peso, um nome, para conseguir chegar e apresentar projetos diretamente para a Netflix”. Sendo assim, podemos entender que por trás de um sucesso como “Bom Dia, Verônica”, há muito tempo de dedicação a uma carreira sólida e em fazer importantes contatos. #roteiro #roteiristas #netflix #streaming #bomdiaverônica #impuros #foxpremium #série #audiovisual

  • Desafio das 5 Páginas: apresentação de personagem

    Na segunda edição de nossa análise do Desafio, discutimos as melhores formas de apresentar o protagonismo de maneira mais instigante Como fazer uma boa apresentação de personagem? Certamente essa não é uma pergunta inédita para você. Agora, se formos pensar nos principais elementos de uma apresentação de personagem, talvez a questão fique um pouco mais complexa. Vamos reconstruir a pergunta: o que precisamos saber de uma personagem antes da história “começar de fato”? Suas características físicas? Suas ambições? Seus defeitos? Todas essas opções? Todo mundo fala que é preciso construir personagens complexas e cativantes para que o espectador crie um real engajamento com a trama, mas nem todo mundo nos mostra exatamente o caminho para atingir isso. E não é um caminho tão simples assim. Por isso mesmo, sentimos que a melhor maneira de tratar desse tema tão importante que é “a apresentação de personagens” é através de exemplos práticos. Sem mais enrolações, vamos aos exemplos da semana, enviados por seguidores do nosso portal que dividiram as 5 primeiras páginas dos seus roteiros para nossas mini-análises. Juntamente de nossos parceiros, os roteiristas Tiago de Carvalho Ferreira, Ian Perlungieri e Carol Santoian, analisamos o início dos roteiros "O Massacre de Realengo", longa de Magno Pinheiro, "A Promessa", longa de Karlo Oliveira e "Atrás da Tela", longa de Guilherme Petry e Reginaldo Pujol Filho. O segundo vídeo em parceria com a roteirista e youtuber Carol Santoian já saiu e, nele, ela comenta sobre algumas questões que vamos abordar nesta matéria também. Assista: Antes de seguir de fato, uma última ressalva: o intuito do Desafio das 5 Páginas é promover mini consultorias, mas principalmente a troca de experiências com profissionais da área. Portanto, vamos reforçar: isso não é um concurso, mas um espaço democrático onde nos inspiramos em roteiros dos nossos leitores para tratar de pontos importantes sobre o nosso ofício. Agora sim, vamos aos exemplos do dia! "O Massacre de Realengo", de Magno Pinheiro Muita gente lembra do que aconteceu em Realengo no ano de 2011, quando Wellington Menezes de Oliveira invadiu uma escola disparando contra diversos alunos. Basear-se em fatos reais para trabalhar um roteiro parece ser um “bom atalho” quando o assunto é “apresentar personagem”. Afinal, partimos de uma figura muitas vezes já conhecida pelo público, que já vem com certa opinião formada sobre. Embora tenha uma certa verdade aí, esse é um ponto delicado. Uma vez que o público já tem uma opinião formada sobre a pessoa por trás da história, torna-se desafio do roteirista apresentar uma nova perspectiva sobre a mesma. Ou seja, você não está apresentando uma personagem “no vácuo”, totalmente desconhecida para o espectador. Você está “remodelando a realidade”, a fim de enriquecer a visão do público sobre a tal figura. Por si só, um interessante desafio assumido por Magno Pinheiro no roteiro “O Massacre de Realengo”. Os comentários da roteirista e colaboradora Carol Santoian nos introduzem ao roteiro: As cinco primeiras páginas de “Massacre de Realengo” apresentam, de forma eficiente, o protagonista Wellington e informações bem dosadas sobre a trama, que instigam nossa curiosidade. Tudo isso costurado por uma ótima ambientação - com os trens que cortam o subúrbio do Rio de Janeiro - e construção temporal satisfatória e inteligente. - Carol Santoian Leia um trecho da cena inicial: Já no início, o autor interlaça as duas temporalidades da trama de forma eficiente, trabalhando sempre a apresentação da personagem junto da expectativa sobre o evento. Logo após dessa introdução, a narrativa volta no tempo. Aí, a nossa opinião é que o recurso in media res* cria já uma perspectiva (e por que não, uma expectativa) em relação ao personagem. Já sabemos que ele vai fazer um ato ruim, mas não sabemos qual. Essa expectativa resulta em um olhar analítico do espectador para o desenvolvimento desse personagem, trazendo naturalmente uma curiosidade muito positiva sobre a história. Esse recurso, como foi utilizado por Pinheiro, gera um engajamento sem dar o elemento de surpresa em uma bandeja para o público. Podemos citar um exemplo contrário disso: em "Polytechnique" (2009), de Denis Villeneuve, o atirador já inicia o filme contando suas exatas intenções e motivos. Confira o trecho abaixo (em inglês): A “aura” que envolve o evento real não deixa a tela por nenhum momento. Aqui, o autor soube utilizar bem esse recurso, conferindo potência dramática até mesmo a ações cotidianas. Em “Massacre do Realengo”, a tensão paira no ar o tempo todo e reforça o tema, tomado pelo discurso sobre a violência. Sobre isso, Carol Santoian comenta: Essa cena inicial transforma tudo o que veremos a seguir em foco de atenção redobrada. Até mesmo situações cotidianas, como a venda de uma arminha de brinquedo por um ambulante no trem, ajudam a reforçar a trama principal apenas por sugestão. Ao voltar no tempo, passamos a antecipar todas as ações, tentando entender o que nos levará ao episódio de 2011. - Carol Santoian Confira outro trecho do início de "O Massacre de Realengo": Tiago explica o que acontece na sequência: Voltamos dez anos e conhecemos Wellington com 14 anos. Enquanto ele caminha próximo ao campo de futebol segurando uma cocada, vemos ações que ocorrem dentro de um vagão de trem. Dentre elas uma com Dona Dicéia, mãe adotiva de Wellington, comprando a cocada que Wellington come. Dona Dicéia tem uma bíblia na bolsa e o jovem que vende a cocada o faz em nome do instituto de recuperação para jovens viciados. A seguir, Pinheiro alia pequenas sugestões temáticas, como a arma de brinquedo e outros objetos, a uma construção temporal muito única: vemos o resultado na mão de Wellington antes mesmo de ver como aquilo chegou ali. Sobre isso, Carol Santoian pontua: As páginas demonstram domínio e segurança do roteirista ao conectar tempos e pessoas diferentes por elementos simples, mas eficientes, como uma cocada. A última página amarra a apresentação e deixa evidente a intenção do roteiro. Se nós já sabemos o que aconteceu, aqui, a proposta é outra: explorar os motivos e acontecimentos que levaram o “medroso” menino Wellington a praticar o massacre de Realengo. - Carol Santoian Portanto, já fica clara a desafiadora intenção do projeto de tentar compreender a trajetória de um protagonista trágico. Contudo, Tiago finaliza com uma sugestão: De modo geral, comparando a cena inaugural com as cenas subsequentes, temos pouca ação. Acredito que os conflitos de Wellington e Dona Dicéia podem ser melhor apresentados, valorizando o que vimos na fala de Wellington na primeira cena e trazendo algum elemento visto nela para as cenas no passado. Por enquanto, nas primeiras cinco páginas, temos que Wellington é um jovem tímido e Dona Dicéia é religiosa. Sendo assim, penso ser importante conhecermos mais a fundo quem são essas personagens, provavelmente os protagonistas do roteiro. - Tiago de Carvalho * In Media Res: expressão que significa literalmente “começar no meio das coisas”, utilizada quando uma narrativa inicia-se pelo meio e depois volta para o início. "A Promessa", de Karlo Oliveira Brincar com a temporalidade já no início de um roteiro é uma estratégia muito interessante e potencialmente enriquecedora. Contudo, é preciso ter cuidado para não confundir o leitor. No road movie "A Promessa", o roteirista Karlo Oliveira experimenta com as expectativas e características iniciais que as personagens transmitem, bem como o confronto direto com a realidade da trama trazida através de um recurso que muitos roteiristas acabam não tendo coragem de explorar: o flashback. Leia um trecho inicial: Carol Santoian nos apresenta o que sucede em seguida: A partir de pequenos detalhes entendemos que há, na verdade, uma relação familiar a ser resolvida ali. Tais informações, estrategicamente pontuadas, atualizam outros indícios já fornecidos - como aquilo que está “no porta malas!”. De acordo com ela, "as vozes dos dois personagens são muito distintas e muito bem trabalhadas. Lúcia se apresenta como uma personagem dura e complexa. Mas, quando entramos na história e na estrada com eles, o roteiro faz uma escolha narrativa que desvia o nosso foco e quebra essa construção gradual tão bem feita até então: o uso do flashback". Leia outro trecho mais adiante: O uso de flashbacks é assunto para outra matéria, mas já podemos trazer alguns exemplos de construções interessantes. Um deles consta no roteiro de "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" (You Were Never Really Here, 2017), de Lynne Ramsay. Nele, a autora insere flashbacks de uma maneira muito orgânica e nos conta a história do personagem de maneira imagética e também econômica. Ela usa o flashback poeticamente para complementar informações sobre o caráter do protagonista Joe. Confira um trecho: Tradução livre: EXT. BASE MILITAR DOS EUA, KUWAIT - DIA (MEMÓRIA DE JOE) O sol escaldante do meio-dia. Uma jovem afegã caminha em direção à câmera com a mão estendida. Um Joe mais jovem (20 anos, com o rosto jovial, vestindo farda do exército) está do outro lado de uma cerca de arame. Ele se senta em um banco tosco, bebendo café, comendo um MRE. Além de Joe, 6 soldados circulam e dançam juntos ao som de um hit pop de 1991 tocando de um veículo estacionado ao fundo. Ele nota a garota, enfia a mão no bolso e tira uma barra de chocolate. EXT. KUWAIT DESERT A garota sorri, barra de chocolate na mão, vira-se de Joe e foge. EXT. KUWAIT - DEPOIS Joe ergue os olhos para a árvore solitária onde a garota está sentada à sombra. UM ADOLESCENTE (15) se aproxima dela - ele está de pé acima dela, com uma mão em frente. A menina balança a cabeça, “Não”. O garoto grita algo inaudível para a garota, seu rosto repentinamente agressivo. Ela balança a cabeça novamente, tentando esconder o chocolate nas dobras da saia. O menino tira uma pistola makarov do bolso - atira na barriga da menina, arranca o chocolate da mão dela e foge. Uma lenta poça de sangue se forma ao redor da garota enquanto seus pés nus chutam rápida e furtivamente no chão empoeirado. EXT. BASE MILITAR DOS EUA, KUWAIT - MAIS TARDE AINDA POV de Joe - as pernas da menina ainda chutam a poeira, mas com lentidão crescente. CLOSE: os calcanhares da menina chutam intermitentemente na terra abaixo dela - uma pequena vala cavada na areia pelo seu esforço para manter sua vida. Leia o roteiro de "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" na íntegra (em inglês) De volta ao "A Promessa", Carol pontua que "esse recurso surge de forma muito prematura no roteiro (e seu uso deve até ser repensado). Os flashbacks, querendo explicar demais, atrapalham o entendimento (eles compreendem tempos diferentes e é preciso uma releitura para compreender o contexto)." Tiago concorda: A tensão estoura quando ativa um flashback explicativo que entrega demais: Antônio é o pai de Lúcia e é levado de casa por uma viatura aos 36 anos, observado por Lúcia aos prantos e com raiva. Por fim, estamos no território do drama. De modo geral, as 2 personagens principais são apresentadas de forma eficiente, mas acredito que o conflito entre eles é entregue de forma súbita. Sugiro que essa tensão, instaurada logo que Antônio entra no carro seja mediada de outra forma, sem revelar, por meio de flashbacks, informações que podem ser apresentados em outros momentos do roteiro. Além disso, os flashbacks, acontecem em anos diferentes, o que pode gerar uma confusão no começo do roteiro. - Tiago de Carvalho Ou seja, esse é um recurso dramático que precisa ser utilizado com muita cautela, já que pode realmente acabar entregando explicações demais. Isso é ainda mais importante quando se trata de uma introdução. Algo libertador é lembrar que a apresentação do personagem não precisa ser totalmente clara ou didática. Podemos sim ir compreendendo quem são através do contexto, das ações e de suas reações. Aí, Tiago sugere: Essa dinâmica de protagonismo, entre Lúcia e Antônio, pode ser melhor aproveitada se conhecermos os personagens pouco a pouco, através de seus atos e diálogos entrecortados para evitar uma exposição excessiva, obrigados a interagir e viajar juntos por sete horas por uma terceira pessoa. Não entregar o motivo inicial da viagem e nem porque Lúcia e Antônio não se dão bem é o combustível dramático para aumentar a potência do conflito que será “cozinhado” cena a cena. Dessa forma, o rancor que Lúcia alimenta por Antônio ter sido preso e abandonar a família pode ser revelado mais para frente da trama, bem como a natureza do diálogo entre Antônio e Doutor Olavo no passado. - Tiago de Carvalho "Atrás da Tela", de Guilherme Petry e Reginaldo Pujol Filho Como Tiago comenta, "a relação entre universo, ambientação e atmosfera é essencial para a construção de uma narrativa e a costura do conflito externo e interno dos protagonistas." E, como já dissemos antes, a apresentação de uma personagem é muito eficaz se for através da ação, do conflito. Quer entender melhor? Leia um trecho inicial de "Atrás da Tela", dos roteiristas Guilherme Petry e Reginaldo Pujol Filho: Depois desse momento, Ian Perlungieri explica o que acontece em seguida: A Mãe canta em espanhol para a Menina até que batidas urgentes interrompem a serenidade na casa. Como o roteiro muito bem especifica, a Menina “olha, apreensiva, cheia de perguntas, para a Mãe”. Como a Menina, não temos ideia do que está acontecendo, o que nos aproxima da personagem e nos convida a ver a trajetória dela como a nossa. A Mãe, por outro lado, com um “rosto duro e decidido”, tem mais informações do que o espectador e exala pressa, fazendo a mala da filha e orientando-a a fugir pela janela o mais rápido possível. A expectativa criada de que estamos na pele da Menina se faz presente e fugimos com ela, ouvindo tiros ao fundo sem uma conclusão do destino da Mãe. - Ian Perlungieri Aqui, conhecemos a personagem diretamente através do conflito. Os roteiristas utilizam o ponto de vista da personagem como condução, já construindo uma eficiente decupagem implícita. Um belo exemplo desse POV infantil também pode ser encontrado no filme "O Quarto de Jack" (Room, 2015), de Lenny Abrahamson. Essa condução narrativa econômica nos leva a tecer nossas próprias conclusões sobre quem é essa menina - o que pode ser tanto positivo quanto negativo. Por um lado, as poucas características e ações que temos acesso já de cara nos conduzem a vê-la como alguém vulnerável que está prestes a embarcar em uma jornada desafiadora. Por outro, caso fosse qualquer outra situação narrativa mais complexa, poderia ser o caso de não termos informações suficientes para sequer desejar acompanhar a personagem. Portanto, a dica aqui é economizar nas descrições, mas logo depois de escrita a cena, colocar-se na posição do leitor que desconhece a trama e testar a compreensão de quem é aquela personagem e o que ela deseja. Tiago aponta: Em suma, as primeiras cinco páginas do roteiro traduzem bem os sentimentos e ações dos personagens envolvidos, fazendo um uso interessante da ambientação e atmosfera que inicia a trama e o conflito central: a fuga de Menina da casa de campo de uma ameaça masculina e misteriosa que não vemos, mas ouvimos. - Tiago de Carvalho Como mencionamos no último Desafio das 5 Páginas, o uso do som é essencial na hora de criar clima para a cena. Pode ser um clima de mistério, terror, tensão, mas também de conforto, como é o caso do roteiro “Atrás da Tela”. Ian afirma que "a sequência em que os barulhos interrompem a paz é instigante. Poderia ser prolongada, mas faz uma boa escolha ao fornecer apenas informações suficientes para despertar tensão. Afinal, como disse Voltaire, 'o segredo para ser entediante é dizer tudo'." Logo em seguida, no roteiro, entendemos que a protagonista está em fuga. Sobre isso, Ian pontua: No início da quarta página há uma brusca mudança de tom quando a Menina pega carona na carroceria de um caminhão e depois, em um ônibus, escuta de um Migrante suas expectativas sobre o Brasil. Até então, o projeto parecia se apoiar em uma estrutura característica do suspense ou terror, onde acompanhamos a rotina tranquila das primeiras vítimas até o seu triste fim. Já as páginas quatro e cinco introduzem outra expectativa no leitor, de que ele está prestes a presenciar a difícil adaptação de uma jovem migrante no Brasil, cujo objetivo externo que a protagonista deve conquistar até o fim da história será o de ver o mar pessoalmente. Supondo que o objetivo do projeto seja desenvolver a expectativa que é apresentada nas últimas páginas, sugere-se algumas modificações para deixar o tom do início do projeto mais coeso. - Ian Perlungieri Os dois roteiristas também aconselham indicar a idade da Menina e da Mãe. Ian diz que "há diferentes potenciais dramatúrgicos se ela tiver seis ou doze anos". Tiago afirma que isso é interessante também "para pontuar se há alguma mudança temporal entre a fuga da casa de tempo para a ida ao Brasil". Portanto, não se esqueça: apontar uma faixa de idade é importante para uma boa visualização da personagem. Tiago finaliza sugerindo: Acredito que para potencializar esse sentimento de perda da Mãe, medo, perseguição e abandono, sugiro incluir, nas cenas seguintes, elementos visuais e sonoros de maior estranhamento para Menina caso a proposta seja seguir com o gênero de suspense e terror. Como, por exemplo, na interação de Menina com a senhora que a ajuda subir na carroceria do caminhão, o migrante no ônibus e a interação entre Coyote e o policial que ela presencia mediada pela janela. Menina está em uma jornada nova, em um país e universo desconhecido e possivelmente perigoso. - Tiago de Carvalho Como deu para perceber, existem diversas maneiras de apresentar sua personagem: recursos temporais, conflitos, diálogo e muitos outros. A questão mais importante é conseguir transmitir toda a construção de personagem de uma maneira não só temática, como também autoral e instigante.

  • Qual o melhor pitch para a Netflix?

    Christopher Mack, Diretor Criativo da Netflix, dá dicas para quem busca emplacar um projeto na plataforma "Ter uma série na Netflix" é o grande novo objetivo de vários roteiristas. Naturalmente, isso significa que há muita gente tentando emplacar seu projeto na plataforma todos os dias. Quais são os diferenciais que eles realmente estão procurando? Para entender um pouco melhor o assunto, traduzimos e adaptamos a matéria da Variety sobre "a melhor forma de apresentar seu projeto à Netflix", a partir de falas do Diretor Criativo Christopher Mack. A melhor forma de apresentar seu projeto à Netflix Na Netflix, a personagem é muitas vezes mais importante do que o enredo em si, afirma o Diretor de Talentos Criativos da empresa, Christopher Mack, no CineGouna Bridge, o espaço dedicado à indústria do Festival de Cinema El Gouna, do Egito, durante sua “Pitch Realization Masterclass by Netflix”. Mas não se trata de torná-lo uma personagem agradável - sua transformação é a chave para a experiência de contar histórias. “Essa mudança está incentivando as pessoas a assistir ao nosso conteúdo. Seu trabalho é tornar a personagem interessante e envolvente. Pense em Walter White”, disse Mack, que explica como ter sucesso na hora de apresentar novos projetos para a Netflix. “O espectador desenvolve uma relação com as personagens, o envolvimento deles depende se eles se relacionam com elas ou não. Caso contrário, eles não vão se importar.” Reinventando gêneros Mack também aconselhou novos escritores a pensar em gêneros que precisam ser reinventados, mencionando a série sul-coreana "Kingdom" como uma reviravolta efetiva no thriller de zumbis ou nos temas relevantes em seu país que não são frequentemente explorados. “O que as pessoas querem assistir mais?”, disse ele. “Quanto mais autêntico você for em relação a sua cultura, melhor ela viaja. Especialmente durante esta época de pandemia, quando as pessoas viajam enquanto assistem aos nossos programas. ” Ter uma boa relação com um elenco estelar também ajuda, mas garantir que haja um público amplo o suficiente para o projeto também. “Se é o projeto certo para o canal local, provavelmente não é certo para nós”, disse Mack, que começou sua carreira em “Um Maluco no Pedaço” e atuou como roteirista em “ER” e o novo "Twilight Zone" antes de voltar a ser executivo. Ele também se concentrou em conteúdo de formato curto por um tempo. Capturando a atenção do espectador Considerando que o público decide se vai assistir a uma série em aproximadamente cinco segundos, é importante pensar como você a apresenta - também tendo um bom teaser. “O pesquisador me disse: pense na situação de um encontro às cegas. Você entra no restaurante, vê a pessoa e sua mente decide imediatamente se haverá um segundo encontro. Se você vender uma série para nós, os executivos vão pedir que você traga mais da sua história. No final do piloto, o espectador deve saber quem é o seu herói, o que ele quer, seus conflitos centrais, dinâmicas principais e as regras básicas do mundo. ” Enquanto os espectadores gostam de obter novas informações a partir de cada cena, os cliffhangers conduzem ao comportamento de assistir compulsivamente: cliffhangers na trama ou cliffhangers emocionais; eles podem ser pequenos na tela, mas seu impacto é enorme. "O que vai acontecer em seguida? Como eles vão sair dessa situação? Estas são as perguntas que você deseja que o público faça após cada episódio. Isso é o que os faz clicar no botão que leva a um novo episódio e pular a introdução. ” Mack também apresentou o "documento de pitch perfeito", que deve incluir informações sobre conflitos e "stakes". Além disso, é crucial descrever a história sem mencionar o enredo, concentrando-se nos temas, como faz Christopher Nolan. "Breaking Bad": construindo uma boa sinopse Ao escrever a breve sinopse de uma série, você deve responder a estas perguntas: Quem é o herói? O que ele quer? Porque agora? O que acontece se ele não conseguir o que quer? Mais uma vez, a série de Vince Gilligan fornece um modelo, com uma breve sinopse que apresenta: 'Breaking Bad' é um drama familiar sobre um professor de química de colégio sem muita sorte na vida que começa a cozinhar metanfetamina para sustentar sua família depois que é diagnosticado com um câncer terminal. Armado com seu intelecto e a melhor metanfetamina no mercado, ele vai superar os chefões do tráfico rivais e a DEA para se tornar o maior e mais malvado traficante de drogas do Novo México. A única coisa que o assusta mais do que ser morto ou preso é ser descoberto pela esposa grávida e pelo filho adolescente. A série irá explorar temas como família, ganância e poder. A "originalidade" da narrativa É importante saber o que torna uma história "original", seja a locação ou o tom. Isso pode ser subjetivo então é útil usar referências imagéticas ao fazer o pitch. Se a história se passa no passado, é melhor envolvê-la em algum evento histórico, e em relação a ficção científica ou fantasia é bom entender bem a mitologia. Mack também destaca que o público gosta de ver personagens com falhas, como Yennefer de "The Witcher", bem como conhecer sua história de fundo, além de sua bússola moral. Isso é um assunto que comentamos extensivamente aqui no WR51. Citando Kurt Vonnegut, Mack acrescenta: “Seja um sádico. Não importa o quão doce e inocente seus personagens principais são, faça coisas horríveis acontecerem com eles para que o leitor, ou espectador, possa ver do que eles são feitos."

  • "Como construir um projeto para o mercado", no podcast Hollywood Aqui

    Ouça nossa conversa sobre projetos, mercado audiovisual e perspectivas sobre escrita de roteiro com o pessoal da Birimbáh Produções "Como construir um projeto para o mercado" é o título da nossa conversa no Hollywood Aqui, podcast da Birimbáh Produções, onde discutimos sobre caminhos de desenvolvimento de projetos, noções sobre escrita de roteiro, a importância dos laboratórios e núcleos criativos e sobre uma visão do mercado audiovisual brasileiro baseado em nossa experiência. Na conversa, contamos um pouco da nossa experiência como roteiristas e produtores de conteúdo, trazendo perspectivas de como desenvolver a voz autoral, trabalhar os textos de venda dos projetos e outros recursos para a carreira dos roteiristas. A Birimbáh é uma produtora audiovisual e de conteúdo, que possui títulos sob seu selo e também projetos de divulgação de conteúdo educativo sobre o universo audiovisual. Confira abaixo a nossa conversa na íntegra Clique aqui para ouvir no Spotify ou em outras plataformas.

  • Como melhor incorporar música ao roteiro?

    É papel do roteirista sugerir músicas no roteiro? Como trabalhar indicações musicais para potencializar ações e conferir ritmo? No embalo do nosso Desafio das 5 páginas, reunimos e adaptamos alguns textos do The Script Lab para entender melhor o papel da música no roteiro. Afinal, quando a música está no centro da trama, como indicá-la apropriadamente no roteiro? Vale sugerir músicas famosas, mesmo sem os direitos sobre elas, ou é melhor deixar para lá? Outra ligação fundamental entre esses dois elementos é que a música acaba embalando muitos processos criativos por aí. Já percebeu que sua mente fica bem ativa quando escuta determinadas melodias? Esse fato é comum e inspira diretores como Tarantino e Edgar Wright. Contudo, é importante ter certo cuidado nisso também. Como melhor utilizar essa ferramenta para ajudar na escrita e não se tornar um ruído? Junto das dicas, trazemos exemplos do roteiro de "Em Ritmo de Fuga" (Baby Driver, 2017) para entender melhor esses e outros pontos. Acompanhe e leia o roteiro na íntegra ao final da matéria! O valor da música no roteiro Ao escrever um roteiro, é muito importante visualizar as cenas propostas. Parece um exercício simples e óbvio, mas deve sempre ser pontuado. Não basta pensar as ações, é preciso também imaginar a composição sonora e musical que acompanhará a trama. Quando a música se propõe a capturar o tom da cena, justamente para acentuar a carga dramática ali proposta pelo roteiro, naturalmente a mesma será desenvolvida a partir do olhar do diretor e da equipe responsável pela trilha musical. Em outros casos, a música não se resume ao tom, mas atende a princípios essencialmente narrativos. Aí, cabe ao roteirista dar essa primeira deixa. Uma música pode levar a uma memória e transformar completamente a cena de um filme, como em “Antes do Pôr-do-Sol” (Before Sunset, 2004). Além disso, ainda é possível apresentar uma música conhecida, mas quebrar nossas expectativas e perspectivas diante dela, como acontece em “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange, 1971). Por isso, antes de sair sugerindo música sem muito critério, é necessário primeiro pensar o papel narrativo daquela música para a sua trama. Esse papel, vale ressaltar, não precisa necessariamente levar a trama adiante como qualquer outra ferramenta narrativa. A escolha e sugestão da música “certa” pode conferir densidade à trama e até mesmo revelar detalhes importantes sobre as personagens. Em resumo: se você for colocar uma música em seu roteiro, saiba que ela precisa realçar os elementos dramáticos que já fazem parte desse universo. A ponto, inclusive, do público criar uma relação direta entre a música e a cena proposta. Como disse o roteirista e diretor Quentin Tarantino: “quando você faz da maneira certa, o efeito é que você nunca mais conseguirá ouvir a música sem se lembrar das imagens do filme”. A partir daqui, trazemos reflexões e dicas traduzidas e adaptadas desse texto do The Script Lab. É certo o roteirista indicar música no roteiro? O conhecimento "convencional" indica que não. Esse mesmo conhecimento aponta que não devemos “dirigir no roteiro” ou mesmo indicar em rubricas o que as personagens estão sentindo. Nós discordamos. George Lucas escreveu "Loucuras de Verão" (American Graffiti, 1973) todo em volta de indicações de trilha musical. Tarantino frequentemente coloca indicações musicais em seus roteiros. Entendemos que ambos são diretores, mas e daí? Apenas diretores podem escrever roteiros detalhados com muitas “cores e personalidade”? Nós diríamos que roteiristas, ainda mais fazendo um spec*, precisam ainda mais dessas cores e personalidade. Por exemplo, diretores têm seu storyboard e esboçam todo o filme ali antes da gravação e montagem. Nele, todo o tipo de elemento narrativo é sugerido, com o intuito de visualizar melhor o filme pronto. Por isso, não pense em seu roteiro como um projeto simplesmente transmitindo diálogo e ação básica. A menos que você tenha um dos melhores conceitos de todos os tempos, seu roteiro será entediante de ler se não houver personalidade na escrita. E, se for entediante de ler, será difícil de vender. Sua tarefa não é apenas entreter através das páginas, mas fazer com que os leitores realmente imaginem o filme. Portanto, a música entra aí como um elemento fortíssimo de criação, ou pelo menos um apoio narrativo especial que traz aquele tom diferente. *Spec é um roteiro de autoria própria do roteirista criado a partir de uma série de TV já existente. É uma ferramenta de venda e contratação do roteirista muito utilizada nos EUA. Só indique a música se for realmente algo fundamental Quando Edgar Wright enviou o roteiro de Baby Driver aos atores, ele incluiu um pen drive com as músicas anexadas. O autor também falou sobre como incluiria links para músicas no roteiro, para que fosse possível ouvir um MP3 da música na própria página, durante a leitura. Esse tipo de atenção aos detalhes seria um exagero para um roteiro "comum", mas é um indicativo da maneira como Wright fez da música uma parte essencial de cada cena em Baby Driver, virtualmente inseparável de qualquer outra coisa na página. Isso é diferente de escrever uma música que ajuda a estabelecer o tom, mas não é necessariamente a música que deveria estar no filme. Em outras palavras, se houver uma série de músicas que possam funcionar no lugar da que você escolheu, apenas indique o estilo específico, mas não a música em si. Existem razões mais práticas para discernir sobre como você usa a música em sua escrita também. Por exemplo, se você está escrevendo um roteiro que acredita que poderia realmente ser feito algum dia, você, como roteirista, provavelmente não terá a palavra final sobre que música vai para o filme (se você atingir certo renome, como o roteirista/diretor Edgar Wright, pode ficar à vontade para ignorar esse conselho, mas vale a pena considerar). Além disso, se você escrever uma música famosa em seu roteiro por razões quaisquer (e não por uma necessidade real), isso apenas torna mais fácil para um artista aumentar bastante a taxa de licenciamento, quase garantindo que o filme excederá seu orçamento musical. Considere como a música irá complementar a história Em nosso último post, trazemos essa discussão como foco central. O motivo é pelo profundo efeito que a música pode trazer para o roteiro: enriquecê-lo ou deixar tudo meio entediante. Por exemplo, Wright falou sobre a importância da música "Bellbottoms", de The Jon Spencer Blues Explosion, para Baby Driver anos atrás, apontando como o conceito do filme surgiu da ideia de que “talvez um motorista de fuga esteja ouvindo essa música e, na verdade, esteja tentando cronometrar suas fugas e literalmente ter a ação perfeita durante a batida perfeita.” Com a invenção do iPod, Wright percebeu que fazer um filme inteiramente com música diegética era muito possível. Mas, como nenhuma música neste filme seria apenas ruído de fundo, cada música tinha que adicionar algo à cena de uma maneira específica. “Quando escrevi esse roteiro, basicamente coloquei as batidas da música na direção do set, junto com a ação dos atores”, diz Wright. “Fizemos storyboards e depois montamos esses storyboards com as músicas para que pudéssemos tentar cronometrar e ter certeza de que funcionava”. Como a maioria dos espectadores certamente notou, ações, armas e explosões estão literalmente acontecendo nas mesmas batidas das melodias durante o filme. Confira um exemplo: Tradução livre: INT. CARRO - CONTÍNUO O play é pressionado em um iPod Classic. Uma faixa de rock começa. É muito alta. É incrível. ‘Bellbottoms’, de The Jon Spencer Blues Explosion. Em cordas altas e um 'facad de guitarra, vemos o motorista. Jovem, com cara de bebê. Cabelo cortado curto. Ele se veste principalmente de preto. Óculos escuros esportivos baratos de posto de gasolina. Este é BABY. Não podemos ver seus olhos, mas sua expressão vazia parece estóica. Ele escuta a música, olha pelo para-brisa. Em uma segunda 'facada' de guitarra, vemos um cara robusto (30 anos) de espingarda. Este é GRIFF. Ele também usa óculos escuros, roupas pretas de empresário. Em uma terceira 'facada' de guitarra, vemos outro cavalheiro vestido de preto. (40 anos) Ele é bonito, mas parece que vai à festas demais. Este é BUDDY. Em uma 'facada' final, vemos a última passageira também usando óculos escuros, uma senhorita mais jovem (20 anos) com o cabelo preso. É DARLING. Há uma pitada de brega sob suas roupas executivas. O crescendo das cordas altas. Griff escancara a porta. INT./EXT. CAR / ESTACIONAMENTO - CONTÍNUO A música começa. Vemos que o carro é um Honda Civic vermelho brilhante e notamos que o abrir das portas está sincronizado com a música. Cordas agitadas tocam contra riffs de guitarra enquanto GRIFF sai. Vemos uma espingarda parcialmente escondida em seu sobretudo. BUDDY e DARLING também saem. Vemos que também estão armados. Ele abre o porta-malas. Pega duas mochilas. Dá uma para Darling. Vemos que todos eles usam tênis enquanto se afastam do carro em sincronia com a música. Novamente. É incrível. Mas ficamos com- O diretor John Woo frequentemente comparou filmes de ação a musicais (dizem que seu filme favorito é "Cantando na Chuva"). Nesse sentido, quando falamos de ação, vale a pena pensar nela não apenas no contexto de balas e perseguições de carro, mas em qualquer cena onde um personagem esteja ativo. Considere as cenas em Baby Driver em que Baby toma café, conhece Debora, ou o momento em que ele ouve alegremente a “Easy” do The Commodores (uma música que não estava originalmente no roteiro). Todas essas cenas são tão essenciais para o filme como qualquer uma das cenas "de ação" mais tradicionais. E todas têm a mesma ênfase na trilha sonora. O que há em comum é o pensamento que Wright coloca em como cada música complementa a cena. Mas atenção: isso nem sempre significa que uma música deve combinar perfeitamente com o que está acontecendo ou com o que os personagens estão sentindo. Às vezes, o uso de uma música que provoca discórdia com o que está acontecendo na tela é muito poderoso. Você se lembra do uso de um certo clássico de Gene Kelly em "Laranja Mecânica"? Ou a cena violenta ao som de “Stuck in the Middle with You” em "Cães de Aluguel"? No cinema, a ferramenta da contraposição é tão interessante quanto na música. Escolha sua música "de escrever" com cuidado Citando Tarantino novamente, ele uma vez disse que: “quando eu começo a ter uma ideia, eu vou para minha sala de discos, onde tenho uma grande coleção de vinis. Aí, vou examinar meus discos procurando já a batida do filme, o som do filme. Podem ser outras trilhas sonoras antigas, rock and roll... todos os tipos de coisas. Mas estou tentando encontrar o ritmo e a batida [do filme]”. Ele continua: “Isso é antes mesmo de eu começar oficialmente [em um roteiro], mas quando já estou realmente começando a pensar seriamente sobre essa ideia ... Mesmo enquanto escrevo algo, se precisar de um pouco de incentivo, apenas coloco para tocar um pouco daquela música e minha inspiração está de volta novamente”. Tarantino não é o único cineasta que escreve com música. Edgar Wright é outro, como percebemos. Depois da estreia de Baby Driver no SXSW, ele disse: “Quando estou escrevendo, tenho que escrever a música que está tocando. E tem que ser o tipo certo de música. Sempre que estou escrevendo um roteiro, estou compondo a trilha sonora ao ouvir o tipo certo de música.” O que isso diz para outros roteiristas? Basicamente, que é importante escolher a que som você irá escrever. Se determinada música ajuda a entrar no clima, talvez essa também seja o estilo de música que pertence ao seu roteiro. Afinal, a música que você ouviria ao escrever um faroeste não é necessariamente a mesma que ouviria ao escrever uma comédia. E, se algo inspira você o suficiente para colocar palavras na página, é provável que também se encaixe na cena que você está escrevendo. Outra questão para se ter em mente é que, muitas vezes, certas músicas com vocais podem vir a distrair o processo de escrita. Preste atenção a como que sua escrita responde a músicas apenas instrumentais versus cantadas. Isso pode acabar ajudando muito no seu processo! LEIA O ROTEIRO DE BABY DRIVER EM INGLÊS

  • Desafio das 5 Páginas: a questão do som e ritmo

    Na primeira edição de nossa análise do Desafio, trazemos possibilidades de como trabalhar som e ritmo na narrativa e na própria escrita do roteiro Graças aos recursos audiovisuais, um filme ou mesmo série televisiva trabalha muito mais do que a imagem para conduzir o espectador pelo seu universo ficcional. É preciso trabalhar o som de forma narrativa e atmosférica, ainda mais em projetos que utilizam a música como fio condutor. Pensando nisso, é possível trabalhar a música e o ritmo no roteiro de modo narrativo, mas também sensorial? Esse é o tema do nosso primeiro conteúdo a partir do Desafio das 5 Páginas, onde selecionamos as 5 primeiras páginas de alguns roteiros dos nossos seguidores para conferir miniconsultorias e também construir discussões úteis para a nossa comunidade. O primeiro vídeo em parceria com a roteirista e youtuber Carol Santoian já saiu e, nele, ela comenta sobre algumas questões que vamos abordar nesta matéria também. Assista: Vale lembrar que o Desafio não é um concurso - ou seja, não escolhemos os melhores roteiros para analisar. Nosso intuito é discutir alguns pontos interessantes de apresentação, ritmo e abordagem narrativa. Além disso, também é preciso ressaltar outro ponto: nenhum roteiro enviado “vai fora”. Pelo contrário - seguimos nossas miniconsultorias mensalmente, a fim de ler o maior número de roteiros possível. Para tratar de ritmo e música no roteiro, nos baseamos em três projetos: "Eva", longa de Guilherme Petry, "Corpos", piloto de série de Ricardo Santos, e "6 Músicas", longa de Pryka Almeida. Confira! A música e o ritmo no roteiro Quando desenvolvemos um roteiro que trabalha a música como ponto central, os elementos sonoros não podem surgir apenas como indicações. É preciso que o ritmo e a música influenciem a escrita, como no exemplo extraído aqui do roteiro de "Whiplash: Em Busca da Perfeição(Whiplash, 2014): Tradução livre: INT. SALA DE ENSAIO DE ANDREW - ALGUMAS HORAS DEPOIS Andrew pratica como um louco, tentando acertar um golpe duplo. À sua esquerda, um METRÔNOMO digital pisca. O tempo definido: 380. Andrew para. Reinicia o metrônomo. 390. Volta a tocar. Tenta acompanhar. Redefine o metrônomo para 400. Não consegue acompanhar de jeito algum agora. Lutando, suando, bolhas nas mãos, quando-- CRAAACK. A baqueta direita de Andrew PARTE na metade. Ele para. Exausto. Olha para a mão, suando e latejando das bolhas. Olha para o metrônomo. Ainda apitando. Ele desliga. O roteiro de Whiplash nos coloca no centro da tensão, entre uma batida e outra, utilizando a descrição como a própria percussão que pontua as cenas de ensaio. A emoção do personagem transborda para nós o tempo todo. Dito isso, vamos analisar rapidamente essa questão nas primeiras páginas do roteiro "Eva", pela perspectiva de Carol Santoian: A cena de abertura constrói bem o ritmo: somos embalados por mãos que tocam Jazz em um trompete. A princípio, não vemos seu rosto por completo, apenas seus olhos imersos na música que toca. Depois, temos uma visão mais ampla e entendemos o contexto: estamos no Festival de Música no Parque, cuja modesta estrutura se contrasta com a enérgica banda que se apresenta no palco. Nosso olhar se volta para a trompetista e, então, conhecemos seu nome: Eva, uma jovem de vinte anos, cujo som produzido por ela “modifica todo o ambiente”. A música e a apresentação da personagem caminham juntas, de forma progressiva. O ritmo segue até o clímax, momento de maior destaque para a protagonista. As cinco primeiras páginas nos apresentam bem a protagonista, seu mundo e as personagens que a rodeiam. A leitura é prazerosa e ficamos com a curiosidade de saber mais sobre Eva. Ainda na primeira página, Guilherme Petry trabalhou os elementos rítmicos próprios do Jazz para destacar sua protagonista, como o próprio roteiro de Whiplash o faz. Vamos observar o trecho a seguir: Entramos no universo ficcional pela direção implícita que Petry construiu. O som é o primeiro elemento a ser mencionado - logo, ele ganha um destaque inicial. Olhos se fecham, o timbre do sopro do trompete. A potência do instrumento, bochechas pulsando. É como se respirássemos junto com Eva, mesmo antes de conhecermos suas características físicas. Estamos colados na personagem e experienciamos a música de dentro para fora e não de fora para dentro. Petry poderia muito bem começar seu roteiro de outra forma. Uma descrição do ambiente, uma sugestão breve de que há uma banda e um pequeno destaque para a trompetista no final, deixando claro o seu protagonismo. Uma opção assim excluiria a potência musical que pode e deve influenciar a escrita e ditar o tom do roteiro. Além de apresentar personagens, indicativos musicais no roteiro ajudam na hora de pontuar passagens e conferir emoção às ações. Segue outro exemplo explosivo de Whiplash: Tradução livre: FLETCHER De volta para a caixa... Andrew considera isso. É uma boa ideia. Ele volta para a caixa... FLETCHER (CONT.) Lento... (Andrew faz como sugerido) Single-stroke... Andrew acena com a cabeça novamente ... Lentamente acalma a batida ... Deixa seu chimbal aberto por um momento ... Tudo fica quieto ... Silêncio por um segundo... Você pode sentir o silêncio, o antecipação, aquela eletricidade indescritível no ar ... Fletcher olha para Andrew, olha para suas baquetas, rosto transbordando com esperança agora ... Andrew começa uma série de snares lentos e limpos... golpe direito, golpe esquerdo, direito, esquerdo … FLETCHER (CONT) Mais rápido, mais rápido… Andrew acena com a cabeça... Gradualmente aumenta o ritmo... Direita, esquerda, direita, esquerda ... Aumenta o ritmo um pouco mais ... Direita, esquerda, direita, esquerda ... Continua ... Acelera mais, um fio de cabelo de cada vez ... Direita, esquerda ... Acelera mais... Direita, esquerda… Fletcher está lá, balançando a cabeça, focado, como um treinador num momento crítico. Acena com a mão, encorajando Andrew... Andrew constrói mais o ritmo, direita, esquerda, direita, esquerda, os traços borrando uns nos outros, a coisa toda soando como o fogo de uma metralhadora, como o que ouvimos no começo ... Direita-esquerda-direita-esquerda-direita-esquerda ... E, antes que saibamos, não podemos mais distinguir as batidas individuais. Elas são tão rápidas que tudo o que podemos ouvir é um SOM único, sustentado e crescendo em volume… FLETCHER (CONT.) Vamos! Vamos… Andrew, instigado, aumenta o volume. Seu single-stroke cresce, tomando conta de todo o teatro ... FLETCHER (CONT) Vamos...!! Vamos!!! Andrew cresce o som ainda mais... Indo além do que ele mesmo planejou para si mesmo - seus braços como máquinas, o single-stroke roll criando força e força e fixando o público em seus assentos... Fletcher erguendo as mãos, encorajando Andrew... Ele e o baterista trabalhando juntos, músico e maestro, competidor e treinador… Andrew vai para os tom-toms, depois volta para a caixa e depois retorna. O bumbo e o chimbal em seguida, todas as partes do set se juntando, cada membro, cada componente, tudo se acumulando, subindo, subindo... É diferente de tudo que já vimos... Andrew abrindo um buraco através do palco, seu batimento cardíaco acelerado, o suor escorrendo dele como uma cachoeira, sangue jorrando de suas mãos e manchando os pratos e as cabeças dos tambores... Tudo um BORRÃO… Então - UMA EXPLOSÃO DE ACESSOS SEPARADOS DE CAIXAS - e então - Andrew BLOQUEIA o prato de impacto. Um segundo de puro silêncio. Fletcher olha para Andrew. Andrew olha para Fletcher. E depois -- Fletcher se vira para a banda, levanta a mão ... ... e SINALIZA A NOTA FINAL. Toda a banda explode, buzinas atingindo seus Dós mais altos, e Andrew atacando sua bateria como um louco, címbalos e laços e toms e todo o aparato prestes a estourar, ao passo que MERGULHAMOS PERTO DELE, seu instrumento, suas baquetas, seu rosto, todo suor e olhos prestes a estourar, o próximo Buddy Rich, o próximo Charlie Parker - o único Charlie Parker de Fletcher - enfeitando o palco com um estrondo clímax de pratos bem como, naquele último hit de hits, nós- SMASH CUT PARA O PRETO FIM Aqui, a linguagem musical extrapola as especificidades e constrói um real clímax narrativo. Nessa sequência, o ritmo e os instrumentos dão tom à expectativa e tensão de cada personagem. Vamos comparar esses elementos à apresentação da personagem Heloísa no roteiro “6 Músicas”, de Pryka Almeida. Sobre o assunto, Carol Santoian pontua: A primeira cena do roteiro mostra Heloísa em um estúdio tocando guitarra. Ela toca bem, possui estilo próprio e é incentivada por suas parceiras de banda e pelo técnico de som. A música, apesar de agradar todos os ouvintes em cena, poderia ser mais desenvolvida em termos de escrita. As falas “Uow! O que foi isso?” ou “a música estava tão boa que eu esperei terminar” parecem forçosamente contar uma qualidade musical de Heloísa que o roteiro não consegue mostrar. Nesse sentido, alguns diálogos podem ser cortados (ou enxugados), dando mais espaço para o desenvolvimento da música. “6 Músicas” trabalha um universo musical underground rico em referências e muito pouco explorado no audiovisual brasileiro. E é justamente por isso que o roteiro pode muito bem construir elementos imersivos mais poderosos, fazendo com que o leitor adentre verdadeiramente o universo proposto. Da forma como foi construído o roteiro, nós somos convidados a confiar na opinião do técnico de som e demais ouvintes a respeito da qualidade musical de Heloísa. O que, no fim, nos deixa ainda mais curiosos para compreender o que há de particular em sua música. O desafio aqui é, através de linhas de ação e ritmo, fazer o próprio leitor sentir o talento de Heloísa e, ao mesmo tempo, entender suas idiossincrasias. Confira um trecho do roteiro: Observando a descrição da autora, adquirimos algumas informações cruciais para compreender nossa protagonista, mas tais indicações ainda podem melhorar em tom. A própria apresentação da “Música 1” soa um tanto genérica, começando pelo nome. Vale tomar um tempo maior para entendermos melhor que música é essa, mas também sua relação com ela. Qual o estado emocional de Heloísa e o que ela sente ao tocar essa música? Por que Heloísa está sendo apresentada para nós através dessa cena? Ela toca seu instrumento de forma metódica, pois não é isso que ela quer da vida? Ou é o único momento em que ela encontra paz, serenidade e entende que tudo faz sentido de fato? Um primeiro passo para “colorir” melhor esse trecho de apresentação é justamente refletir sobre o significado da cena para o arco e a relação que a autora busca criar entre o público e a protagonista. Um exemplo de união emocional e potente entre uma personagem e a música que toca pode ser apontado no roteiro do filme "Her Smell" (2019). Aqui, a protagonista Becky está em crise o filme todo, finalmente alcançando um momento de ternura com sua filha Tama ao tocar "Heaven" no piano, somente para ela. Leia esse trecho: O roteirista nos informa, de maneira poética, mas clara, qual o tom da cena e da performance que ele imagina. Essa é uma liberdade interessante e necessária de se tomar. Confira a tradução livre do trecho comentado: E, só por este momento, é uma pena que Becky tenha um público de apenas uma pessoa, porque o que ela está prestes a entregar é a mais dolorosamente bela e profunda performance, talvez de sua vida inteira. E se ela fosse tocar isso para uma audiência de 10.000, não haveria um olho seco no local. É profundo, terno, emocional. De um lugar dela mesma onde mora o amor puro. O amor tão profundo que era protegido de todas as drogas, dor e miséria que ela causou a si mesma e aos outros. Está mais perto de um hino sacro, preenchendo uma igreja com tons de devaneio e significado espiritual e a razão pela qual ela reúne tudo isso é porque é tudo por Tama. Uma das melhores canções já escritas: HEAVEN de Bryan Adams. Deu para entender e sentir muito bem a relação entre tudo: emoção, narrativa, arco da personagem. Portanto, na hora de introduzir uma música, pense nessa descrição visceral em relação ao personagem. Isso transparece pelas páginas e contamina o leitor. O ritmo e o som como criadores de tensão O som e o ritmo do roteiro também são importantes para outras questões. Quando não são o ponto central da narrativa, essas ferramentas estão aí para construírem certa tensão, transições e quebras de expectativa, por exemplo. Nosso parceiro roteirista Ian Perlungieri trouxe esse exemplo a partir do roteiro do piloto de "Corpos", de de Ricardo Santos. Confira parte de sua análise: Nas cinco primeiras páginas de 'Corpos', de Ricardo Santos, entramos em contato com a tranquilidade de um domingo calmo e ensolarado em um parque. A jovem Carla corre entre adultos até chegar na barraca onde estão seus pais. Sua irmã, Luiza, quer ir na Trilha do Silêncio, mas a mãe, Rosa, não quer deixar. Carla se oferece para acompanhar a irmã e, influenciada pelo pai, José, Rosa permite. Na Trilha do Silêncio, não demora muito para Luiza mudar de ideia e querer voltar. Sugere-se, porém, uma exploração maior das irmãs na trilha até a mudança de ideia de Luiza. A tensão em razão do silêncio e do isolamento são bem estabelecidos, mas podem crescer exponencialmente ao aprofundar a descrição da caminhada delas. Nesse sentido, foi apontada a questão do silêncio: é muito importante saber utilizar as pausas e espaços para capturar a atenção do leitor e construir o ambiente. Veja um exemplo de como essa presença do silêncio (e quebra dele) aparece no roteiro de "Corpos": Aqui, a paisagem sonora foi construída para criar a atmosfera do local e transmitir emoções. De forma narrativa, o autor indica o design de som e, assim, traz uma sensação de que habitamos o local junto das personagens. Por que não explorar tudo isso de forma mais alongada? Será que isso não pode criar ainda mais expectativas no público? Sobre isso, Ian Perlungieri oferece: Outros exemplos que podem aumentar a tensão são sons de galhos se partindo não muito distantes das duas ou encontrarem um animal morto, o que legitima a presença de uma ameaça. Dito isso, o projeto introduz a apreensão, mas pode explorá-la mais antes do susto das duas com a legião de macacos-prego e o repentino desaparecimento de Luiza. E isso deve aparecer no ritmo de leitura. Esse é o xis da questão que vai prender o leitor em tempo real. Quer um exemplo? Confira a quebra de estrutura feita de maneira consciente em "Um Lugar Silencioso" (2018): Tradução livre: INT. CASA DE FAZENDA, SALA DE JANTAR - NOITE A borda do sol se põe do lado de fora, lançando um brilho laranja sobre a mesa de jantar. A família termina o jantar. Mia limpa a mesa. John desdobra um tabuleiro de jogo MONOPOLY quando April finalmente se junta a eles. Ela se senta mais longe de John. O humor de April muda enquanto ela briga com Will para ver quem rola os dados primeiro. Eles jogam o jogo principalmente com gestos manuais, nunca falando uma palavra. Eles rolam os DADOS em um cobertor macio para que não faz barulho. Will está a cinco vagas de pousar no TABULEIRO de April. Ele ora silenciosamente por um milagre. Will rola um... cinco. Ele levanta as mãos em protesto. April solta um RISO. O primeiro som que ouvimos nesse tempo todo -- OS OLHOS DE JOHN SE ARREGALAM. APRIL COBRE SUA BOCA. TODOS FICAM MORTALMENTE SILENCIOSOS. ASSUSTADOS. E ENTÃO OUVIMOS. UM GRITO À DISTÂNCIA. NÃO É HUMANO. A família troca olhares preocupados. John vai até a janela, observando o horizonte para qualquer sinal de movimento. Nada. ENTÃO O GRITO LENTAMENTE COMEÇA A SE AFASTAR. Nesse trecho, o ritmo quebra nossa expectativa de estrutura e está bem claro na diagramação da página. Recursos de pontuação podem e devem ser bem exploradas no roteiro para esse fim. Confira outro trecho de "Corpos", logo após a sequência anterior: Aqui, Ricardo Santos também utilizou o som como um elemento de transição. Essa simples ferramenta causa uma ideia de troca de temporalidade, um detalhe econômico e que externaliza bem a relação entre uma personagem e sua memória. Viu quantas possibilidade existem de trabalhar a música, os sons, o silêncio e o ritmo no seu roteiro? Nossas análises do Desafio irão continuar em nosso portal e no canal da Carol Santoian. Fique de olho!

  • O potencial comercial começa no roteiro

    Os profissionais com passagem pela Globo por trás da Product Placement House, consultoria comercial para roteiristas, compartilham conosco importantes questões de mercado e criação O mercado audiovisual começa no roteiro - e sabemos que realizar de um projeto de fato pode ser difícil hoje em dia. Nesse campo, um dos caminhos para viabilizar filmes e séries é o dinheiro privado que provém das marcas e canais. Mas muitos roteiristas nem sequer sabem por onde começar. Com quem falar? Que tipos de estratégias existem para viabilizar meu projeto? Como entro em contato e como sei quais são os pontos comerciais mais fortes da minha ideia? É aí que entra o serviço da Product Placement House, empresa recente que desenvolve a conexão entre a criatividade e o comercial. Conversamos com Bianca Lanzelotti Pedro, Bruno Pimentel e Regina Maciel sobre esse serviço fundamental para a formação de um mercado audiovisual mais forte e que oferece mais um caminho para viabilizar projetos. Acompanhe e entenda melhor como é o trabalho deles e por que é imprescindível que o roteirista comece a pensar comercialmente desde a escrita do roteiro. O que é a Product Placement House e como surgiu? O serviço de consultoria especializada é realizado pelos parceiros Bianca Lanzelotti Pedro, Bruno Pimentel e Regina Maciel. Bianca é jornalista e roteirista, possuindo 11 anos de experiência como roteirista comercial em novelas, shows e séries. Seus principais trabalhos envolvem os cases Lupo em “Avenida Brasil” (vencedor do prêmio ABAP), Seda em “Malhação – Seu Lugar no Mundo” (vencedor do prêmio ABAP), “Altas Horas” e o “Especial de Natal-Juntos a Magia Acontece”, desenvolvido em parceria com a Coca-Cola. Bruno Pimentel, publicitário e roteirista, há quase 20 anos acumula experiências com conteúdo e marcas, tendo passado pela Globosat e agências como NBS e Artplan. Tornou-se redator de soluções comerciais em programas da TV Globo, como "The Voice Brasil", "TVB Kids", "Popstar", "Encontro", "Tamanho Família", "Zorra" e "Tá no Ar". Já Regina Maciel é jornalista e acumula 25 anos de experiência em supervisão, criação e produção de soluções publicitárias para programas de entretenimento (novelas, séries e shows). Os destaques entre seus projetos vão para os cases Lupo em "Avenida Brasil" (vencedor do prêmio ABAP), Natura em "A Força do Querer", Coca-Cola em "Império" e Fiat em "A Dona do Pedaço". Os três se conheceram na Globo, atuando justamente na área comercial que trabalha com projetos especiais para marcas com conteúdo da rede. Bianca conta sobre o grande contato que tiveram com autores, diretores e marcas: "Nós éramos esse elo que unia o mundo artístico e o mundo publicitário, tentando juntar os dois para quem pudessem falar a mesma língua, pois nem sempre falam". Após saírem da Globo e somando muitos anos de experiência entre si, os três perceberam que existe tanto um grande interesse na expertise comercial do profissional como também uma necessidade. "Não é só a Globo que produz conteúdo", diz Bianca. "Nós temos tanta coisa que precisa disso e que quer saber sobre isso”. As consultorias da PPH surgiram, então "desse gap que percebemos entre quem cria, produz e quem anuncia". Bruno conta que, na Globo, ele e Bianca faziam parte da criação dentro da área comercial. "Nós tínhamos acesso aos programas, redações, autores das novelas, e ao mesmo tempo a gente tentava atender às demandas das marcas. Aí, a gente percebeu que tem essa demanda de quem faça essa função aqui fora". Bianca complementa, lembrando da dificuldade que era unir os lados criativo e publicitário: "eram pontapés dos dois lados e o pessoal tentava equilibrar tudo com muitos sofrimento". E isso se mantém no mercado atual, onde existe esse desequilíbrio entre noção "artística" e "mercadológica", como se fossem opostas. Porque a gente viu que muitas vezes era falta de informação de ambos os lados. Existe uma falta de conhecimento do mercado publicitário de como funciona a criação de um roteirista, por exemplo, como ele funciona criativamente. E existe também, da parte do roteirista, um desconhecimento de como funciona a criação publicitária. - Bianca Lanzelotti Pedro Então, a PPH foi criada pensando em todas as pontas da cadeia criativa - desde o roteirista até a marca. "Porque não adianta pular uma ponta dessas, é uma mudança de pensamento" finaliza Bianca. "É olhar para o audiovisual como um business mesmo". E como anda o panorama do mercado audiovisual em relação a isso? Status do mercado: existe mesmo essa demanda por histórias? Bianca afirma: "É uma demanda dos dois lados. Hoje, as marcas cada vez mais querem se apropriar de conteúdos. E temos muito conteúdo sendo escrito e produzido. Só que é preciso casar a vontade da marca, o que ela quer comunicar, com o conteúdo", explica. "É preciso pensar comercialmente - é aí que a gente entra". O audiovisual é o quarto maior mercado brasileiro, gerando lucro durante todo o seu processo. Mas como produzir em meio ao sucateamento de nossos órgãos e editais públicos? Hoje a gente tá com o desmonte da Ancine, uma série de problemas com o dinheiro público que tá inviabilizando muito as produções. Então a saída que as produtoras estão enxergando (e nós também) é buscar isso no setor privado. - Bianca Lanzelotti Pedro E é importante que o roteirista já tenha essa questão na manga. Tanto em projetos audiovisuais "puramente artísticos", como longas e séries, quanto publicitários e híbridos, a conversa com marcas e canais por não só viabilizar como levar muito adiante. "Do lado do setor privado, existe um interesse, mas precisa estar dentro da comunicação deles e do propósito narrativa da marca", explica Bianca. E em termos de publicidade, Bruno afirma que as marcas estão conscientes que um posicionamento interruptivo tira a atenção do público - é preciso ser orgânico. Portanto, de acordo com ele, as marcas sabem que "devem estar inseridas dentro das histórias e não interrompendo as histórias. Então tem uma busca muito grande pelo branded content e por outras formas de inserção da marca" dentro das narrativas, conta. Eis que você tem um projeto de série e acredita no potencial dele de ir adiante para grandes canais. Não está sabendo muito bem como fazer essa análise? Quais ferramentas você tem ao seu dispor? É aí que a Product Placement House entra. Quais as vantagens de uma consultoria comercial para o roteirista? Já adiantamos: muitas. Roteiristas que querem seguir o caminho dos pitchings bem sucedidos, rodadas de negócios interessantes e apresentações de projetos bem elaboradas precisam pensar comercialmente. Sabendo disso, a PPH oferece dois serviços: a Análise de Potencial Comercial, para roteiristas, e o Script Doctoring Comercial para produtoras. Análise de Potencial Comercial Nesse serviço específico, a empresa analisa a sinopse ou argumento do projeto, assim como o perfil de personagem e apresentações de pitching que possam ter sido desenvolvidas pelo roteirista. Depois, montam um documento elaborando sobre os principais pontos comerciais e estratégias que eles vêm para a viabilização. Bianca explica que, nesse documento, estão "os segmentos ou marcas que são mais interessantes e que poderiam se interessar pelo projeto; como é que está o mercado no momento' quais são os outros formatos que já agradaram esse segmento de interesse", etc. E qual o valor disso para o roteirista? Para que ele [roteirista] chegue numa rodada de negócios ou num pitching e mostre pras pessoas que seu projeto não é só artisticamente interessante mas que também tem uma sobrevida. De que jeito que dá pra conseguir dinheiro ali? - Bianca Lanzelotti Pedro Além disso, esse documento é amparado por uma conversa com eles, onde tudo é discutido e que prepara o roteirista para possíveis perguntas relativas à parte comercial do projeto que possam surgir em pitchings e rodadas. E já sabemos o quão importante são esses eventos para a carreira de um roteirista. A Product Placement House também faz um banco com os roteiristas que usam o serviço. Aí, a partir do interesse narrativo de conteúdo das marcas, eles sabem quem indicar baseado nas análises que fizeram. Script Doctoring Comercial Para as produtoras que possuem projetos já mais avançados, a empresa oferece o Script Doctoring Comercial, que é maior e mais complexo. Aí, entram dados de marketing, todos os segmentos que podem ter compatibilidade com a ideia, sugestões criativas - tudo dentro do que a produtora está disposta a fazer. "A gente vai dizer: esse setor aqui tá legal; se você tiver um personagem que, se conseguir transformar e colocar essa ou outra característica, pode ser que atraia alguma marca ou segmento, etc." afirma Bianca. Mesmo sendo direcionado à produtoras, isso não impede que roteiristas obtenham esse serviço também. Quando esse projeto já está mais desenvolvido e está na hora de ir para marcas e para canais, para ajudar as produtoras a vender para um veículo, aí sim o Script Doctoring faz mais sentido. Já tem uma história mais desenvolvida e funciona como um norteador para a produtora, que pode falar com tais marcas e segmentos que, para um roteirista, está mais distante. - Bruno Pimentel E quanto à integridade artística do projeto? Para a Product Placement, ela precisa se manter. Já viu aquela personagem bebendo um refrigerante bem na frente da câmera e achou muito forçado? Quando você pensa o seu projeto com o comercial inserido desde o começo, ele fica muito mais orgânico lá dentro, fica muito mais fácil, a identificação é muito maior. O que acontece muito, quando falam em inserção comercial que é forçada ou ruim, é que está muito ligado a processos onde essa parte comercial começou depois. Primeiro veio toda a parte artística e a parte comercial foi pensada depois. Então, impreterivelmente, vai ser uma invasão, porque foi pensado depois. - Bianca Lanzelotti Pedro Então, para deixar essa inserção da marca mais orgânica, Bianca completa: "a gente precisa que roteiristas e produtoras estejam abertas a pensar comercialmente". Aí, o Script Doctoring vai olhar para todas as possibilidades e sugerir caminhos. Por isso, é importante contar com profissionais de experiência que visam articular esses dois mundos aparentemente opostos: o criativo e o comercial. Quanto mais especialistas em narrativa os consultores forem, mais o roteiro tende a ganhar. Vendendo, mas mantendo a integridade narrativa Com autores em sua criação, a Product Placement House sabe que a atenção e sensibilidade para com as ideias narrativas é essencial em qualquer produto audiovisual. Como articular as questões narrativas e comerciais para existir possibilidade de venda, mas também respeito ao trabalho criativo? Quando a gente faz um script doctoring comercial, a gente precisa fazer uma imersão na história. Mergulhando no universo da história, a gente entende quais são os arcos, para onde os personagens vão. E quando fazemos qualquer sugestão criativa em cima disso, tem que ser respeitando esses arcos e as histórias. - Bruno Pimentel Por isso, para quem for pensar em obter serviços como esse, é importante que tenha uma abertura para sugestões e também a atenção de discutir todos os lados. Bruno ressalta: "tudo que a gente sugere é discutido com o autor até mesmo antes de entregar o documento final. Tem um momento de co-criação ali que a gente entende onde dá pra entrar mais, onde tem que ser mais canônico. Tem que estar muito de acordo com a disposição dos criativos. Ninguém quer corromper a obra", afirma. E como funciona uma parceria ideal entre consultor e criador? Com sugestões narrativas que partem de autores. Por exemplo, Bianca conta que já tiveram casos em que identificaram um potencial de uma obra combinar com um segmento, mas que iriam precisar de um personagem que trouxesse aquilo com mais força. "Quando a gente desenvolveu aquele personagem pra esse projeto específico, a gente levou em consideração em qual arco ele entraria melhor, em qual núcleo se encaixaria melhor, sugerimos possibilidades de com quem ele se envolveria e qual seria sua trama", afirma. Sem entrar em detalhes, eles nos contam sobre alguns cases que exemplificam a atuação narrativa que oferecem. Já aconteceu que a gente tinha um personagem que sustentava toda a família, mas na história original ele seria um hacker. Ou seja, qualquer dinheiro que ele gastasse, qualquer coisa que ele comprasse, qualquer marca que entrasse ali para ser consumida seria com dinheiro de hack. E isso seria um problema para a marca. Aí a gente identificou isso e falou para o autor: é muito importante que esse cara seja um hacker? Será que ele não pode ser um jogador de pôquer online? Aí a gente foi pensando em situações onde poderia manter a estrutura mas entregaria algo melhor pra marca. E, no fim, não fazia diferença o personagem ser hacker. - Bianca Lanzelotti Pedro Em uma outra obra, identificamos também que precisaríamos de um personagem para que um determinado segmento viabilizasse o projeto. E é justamente esse caso, em função da temática apresentada na narrativa, que esse segmento seria o mais importante como investidor naquele momento. E aí, com todo o cuidado, apresentamos uma alternativa para o autor que não só comprou a ideia como considerou que aquele personagem poderia resolver outro problema que ele tinha, então pra ele serviu muito bem. - Regina Maciel E esse modelo de consultoria é muito importante, já que visa a preservação e não a invasão de um produto na cena. "Acaba que, na dramaturgia, essa preocupação é muito maior", afirma Bruno. "Já no programa de variedades, tem menos pudores em exibir o produto, a marca". E isso abre portas para campanhas recheada de valor narrativo, como foi o case Fanta no "Zorra", pelo qual Bruno foi responsável. "Quando vazou um café em Game of Thrones, a gente fez uma ceninha vazando a imagem da Fanta no Zorra Total". Como a PPH ajuda na formação concreta do mercado audiovisual? A realidade é que muitos roteiristas não entendem que a parte comercial (de viabilizar e investir) é fundamental na formação do mercado audiovisual no Brasil. Outro pilar é a educação. Por isso, não circulam muito bem as informações mais formativas e claras de como funciona a cadeia. "A gente não quer deixar as pontas soltas. A instrução e formação é muito importante. Por isso, fazemos cursos também", afirma Bianca. Investindo também em workshops e cursos informativos, a PPH tem um propósito ainda mais potente. Por exemplo, o grupo trará um novo workshop sobre “Marcas na Premissa de Séries - Como criar um argumento a partir do propósito das marcas" em parceria com o ICAB. Aí, a ideia é mostrar que podem surgir boas história a partir das causas apoiadas pelas marcas explorando desde a logline até a criação de um argumento. Saiba mais aqui. A gente tá falando do 4º maior mercado brasileiro, que é o audiovisual. O audiovisual tá na frente da indústria farmacêutica e tá sofrendo com muita gente indo contra ele. Ainda existe muito esse preconceito, esse discurso de "ah, pra que serve?". E é bom quando você tem um roteirista ou produtora que pensam comercialmente, que entendem que aquilo não é só arte, mas tem potencial de gerar dinheiro, um lado business que precisa ser visto. Porque, senão, essa respeitabilidade vai sempre chegar de maneira torta. Então a gente acha muito importante que isso seja falado e discutido. Que inventamos formas de falar, negociar e trazer isso pro mercado. - Bianca Lanzelotti Pedro Não existe projeto inviável Frente à importância comercial de suas ideias, autores e roteiristas podem vir a pensar: "será que meu projeto é viável? Será que tem potencial comercial mesmo?" Para o pessoal da Product Placement House, sim. "Tem vinte mil formatos diferentes que podem ser explorados dentro do conteúdo, expandindo o conteúdo pra fora da tela de cinema ou de TV" diz Bianca. "São infinitas possibilidades de trabalhar. Dá pra achar uma fórmula certa para cada conteúdo". Também acreditamos muito que não existe um produto audiovisual que não possa ser comercializado. Pode ser mais difícil, pode não ser tão comercial, porque isso acontece muito. Mas é possível. - Bianca É reconfortante saber, então, que qualquer ideia pode ser bem elaborada para que o mercado demonstre interesse. Bianca exemplifica: "As vezes você escreveu um terror boladão, super difícil. Mas daí você encontra uma marca que anda querendo trabalhar o gênero do terror. Acontece!" Portanto, roteiristas, a dica final é: pensem em estratégias comerciais, de viabilização e distribuição, já no roteiro. Identifiquem e pesquisem os diversos caminhos possíveis para que seu roteiro venha a ser produzido - e não deixe de fazê-lo.

  • 7 dicas eficientes para transformar sua ideia num roteiro de podcast

    Tem uma ideia ou um roteiro audiovisual pronto e quer transformá-lo num podcast? Conheça nossas dicas essenciais para ajudar na escrita! Podcasts de ficção andam tomando conta dos ouvidos alheios por aí. E esse formato não só é uma maneira acessível de contar histórias como também uma manobra interessante para a carreira do roteirista. Como assim? O que Homecoming, Limetown, Alice Isn't Dead e Welcome to Night Vale têm em comum? Todos começaram como um podcast de ficção e se tornaram (ou irão se tornar) uma série de TV. Histórias escritas especificamente para podcasts são potentes e podem fazer seu nome circular muito bem pelo mercado. Até mesmo Orson Welles cativou o EUA em 1938, com uma adaptação dramática para o rádio do romance de H.G. Wells, "A Guerra dos Mundos", contando a história de uma invasão marciana da Terra. O roteiro para o rádio foi escrito por Howard Koch, que ganharia um Oscar por co-escrever "Casablanca". Além disso, sabe-se que produzir um podcast é mais econômico e rápido do que um filme. Você só precisa saber escrever um ótimo roteiro. Inclusive, sabia que é possível começar agora mesmo, com uma ideia ou roteiro que você já tem? Para ajudar nessa empreitada, adaptamos e traduzimos dois textos do Screencraft (1 e 2) que trazem algumas dicas simples para transformar sua ideia ou mesmo seu roteiro audiovisual em um podcast de ficção. Confira! Por que escrever podcasts é uma boa estratégia para a carreira? Antes de partir para as dicas, é preciso entender o motivo do podcast ser uma boa ferramenta de criação e carreira para roteiristas. Estúdios de cinema, agentes, redes de TV, executivos de desenvolvimento, produtores e streamers, todos amam uma mesma coisa: a propriedade intelectual. Pode ser um produto já existente em qualquer formato que tenha o aval do público - nisso, entram livros, contos e até podcasts. A ideia é que, com a propriedade intelectual, vem um burburinho instantâneo da base de fãs do IP. Aos olhos de Hollywood, por exemplo, é menos arriscado apostar neles do que em roteiros e pilotos originais. E embora essa filosofia nem sempre dê certo, o mercado não vai parar de priorizar IP tão cedo. E podemos perceber como foi só a fama do podcast de ficção começar a crescer que o mercado audiovisual veio correndo: Amazon Prime produziu Homecoming; Syfy adquiriu podcasts de ficção de sucesso, como TANIS, The Bright Sessions e Alice Isn't Dead; FX e Sony Pictures Television escolheram o Welcome to Night Vale; NBC adquiriu The Black Tapes; Facebook adquiriu os direitos de Limetown; etc. Portanto, se você possui uma série ou mesmo filme que tem possibilidade de desdobramentos em formato de podcast, que tal anexar esse formato narrativo ao seu projeto e oferecer aos players ainda mais uma plataforma que conte sua história? Agora que você entendeu um pouco melhor os atrativos desse formato, conheça nossas dicas para pensar, formatar e escrever seu podcast de ficção. 7 dicas para transformar sua ideia em um roteiro de podcast 1. Mantenha sua formatação de roteiro normal Não existem padrões da indústria para formatar um script de podcast de ficção. Alguns roteiristas até utilizam o Google Docs. Mas, se você estiver adaptando um roteiro que já foi formatado em softwares como o Final Draft, manter esse formato familiar oferece uma grande vantagem: seu roteiro já está formatado de maneira que cada página corresponda a aproximadamente um minuto de tela - ou, neste caso, de som. Pensando assim, um roteiro de 20 páginas resultará num podcast de aproximadamente 20 minutos. Mas, na hora de adaptar, certifique-se de remover todas as suas “ações” e adicionar efeitos sonoros. Limetown, por exemplo, traz uma formatação muito reconhecível para qualquer roteirista. Aqui, as descrições de áudio estão em negrito. Outro ponto importante é priorizar a legibilidade: personagens devem ter diagramação clean e de rápida identificação. E lembre-se, podcasts de ficção são um novo meio. O formato está evoluindo a cada momento. Portanto, sinta-se à vontade para fazer o seu próprio modelo! Se você encontrar uma maneira melhor de formatar os roteiros, vá em frente. O mais importante a lembrar é que o objetivo do formato é comunicar os elementos de áudio da forma mais rápida e clara possível. 2. Escreva com seus ouvidos, não com seus olhos "Formatar" não é o mesmo que "escrever". A escrita de um podcast segue sua própria lógica. Os filmes são um meio visual. E, como roteiristas, todos nós sabemos que são as imagens na tela que contam a história. Troca de olhares, um deserto vazio e congelado ou uma terra distópica queimada - essas imagens definem o cenário e o clima narrativo. Mas os podcasts não são assim. Um podcast, como uma radionovela, precisa ser contado exclusivamente por meio do som e isso requer uma grande mudança de pensamento, mas não é difícil de fazer. O diálogo, obviamente, é uma grande parte do que o ouvinte vai ouvir, mas é apenas um dos elementos. Uma boa ideia é imaginar que seu ouvinte está usando uma venda nos olhos. Como guiá-los através dos sons do seu mundo? Digamos que você tenha escrito um roteiro de filme sobre um pirata, como Barba Negra. Para adaptar este roteiro a um podcast, você só precisa trocar as imagens visuais por pistas transmitidas por áudio. Isso envolve construção inclusive de questões físicas de personagem. Em vez ver de um pirata com uma perna de pau e brinco de ouro, o ouvinte ouve a batida irregular de sua perna de pau batendo nas pranchas de madeira antigas de seu navio. O oceano tempestuoso assobia e troveja. As cordas são esticadas com o vento e as velas se desenrolam com um estalo nítido. Moedas de ouro tilintam de um baú de tesouro e uma bala de canhão estilhaça um navio em destroços flutuantes. Talvez seu papagaio grite. Ou seja, um navio pirata do século 18 é uma rica paisagem sonora para o seu roteiro de podcast ficcional. Recheie a paisagem de elementos! Mas é importante lembrar também dos aspectos técnicos que vêm com essa mudança de abordagem. O áudio, em sua totalidade, é a base de em um roteiro de podcast de ficção. Isso significa que os roteiristas de podcast não podem simplesmente deixar para produtores, diretores, dubladores e designers de som determinar como será um design de som que está baseado em descrições visuais que normalmente escreveria em roteiros audiovisuais. Se você deseja escrever um ótimo roteiro de podcast de ficção, precisa ter ouvidos para sua história - não uma visão. Portanto, esqueça a descrição da cena. Você não precisa disso! Mas precisa deixar pausas, efeitos e até volume sonoro bem claros. Para alguns, a falta de descrição visual é uma lufada de ar fresco. Para outros, é intimidante pois significa que tudo vai depender principalmente de um elemento de roteiro que tantos roteiristas temem - o diálogo. 3. O diálogo é uma das coisas mais importantes em um podcast de ficção Seria estranho fazer um podcast de ficção baseado em efeitos sonoros durante a maior parte da história. No cinema e na televisão, você pode mostrar uma história que tem pouco ou nenhum diálogo, contando com os visuais e as ações e reações físicas dos personagens para contar a história. Mas, em um podcast, a palavra falada é tudo. Portanto, você precisa levar suas habilidades de diálogo a outro nível. No podcast, fale o que você precisa falar. E, quando diálogo conta a história, você tem alguns recursos a seu favor. Por exemplo, a narração, interações vocais dos personagens e tons de voz específicos. Mesmo assim, é uma transição complicada - mais do que uma peça de teatro, onde o dramaturgo ainda tem o apoio visual. Então, você não pode simplesmente pegar seu roteiro, dividi-lo em episódios e criar um podcast de ficção eficaz. Isso não vai funcionar. Você precisa desligar seus óculos de visão de narrativa e colocar os fones de ouvido com conceitos sonoros no volume máximo. É assim que você precisa “ver” sua história: através dos ouvidos dos futuros ouvintes. Efeitos sonoros e foley podem (e devem) fazer parte da equação. Mas o diálogo é como você conta uma história de áudio eficaz. 10 dicas para escrever diálogos mais dinâmicos 4. Seu podcast deve ter um narrador? Outra reflexão necessária é sobre a narração. Você pode escrever falas para um narrador em seu roteiros de podcast. Na verdade, uma voz onisciente descrevendo o local e até mesmo a ação é uma ótima maneira de adaptar seu roteiro audiovisual ao formato sonoro. Novamente, não há regras para formatar isso (ainda), mas existem soluções alternativas inteligentes e truques que você deve considerar. Alguns personagens de podcast de ficção mantêm diários de áudio para explicar em detalhes tudo o que está acontecendo. Mas essa ferramenta é amparada pela narrativa, ou seja, é assim pois a história permite. Exemplos de narradores que fazem sentido são personagens sobreviventes, participantes de algum programa, personagens que precisam ler cartas ou documentos, etc. Pense nas necessidades da narrativa antes de criar um narrador. Vindo de um background de roteiro, esse estilo de escrita pode ser um desafio no início, pois requer algumas falas mais expositivas. Mas faça sua pesquisa: ouça mais podcasts de ficção e entenda como diferentes pontos narrativos foram expostos. Vamos dizer que você decidiu por um narrador em seu podcast de ficção. Como formatar as falas para esse personagem? Precisamos diferenciar diálogos de efeitos sonoros mais rapidamente. As mudanças significativas neste formato de roteiro de podcast são: A narração recebe seu próprio título de personagem (NARRADOR); Todos os efeitos sonoros ficam destacados (na margem esquerda em negrito, etc), assim como inflexão que vai afetar diretamente o diálogo do personagem. Confira outro exemplo do roteiro de Limetown, em estilo de Transcrição, que traz a fala do Narrador: 5. Prefira cenas com no máximo três ou quatro personagens No cinema, cenas complexas com vários personagens são muito interessantes. Mas, quando ouve-se uma história, muitas vozes pode ser algo confuso, especialmente se os atores tiverem idade parecida ou mesmo tom de voz. Quanto menos personagens, mais fácil será a cena. Ao adaptar seu roteiro audiovisual para um de podcast, dê a cada personagem um estilo distinto de fala e, ao escolher dubladores, certifique-se de que eles tenham qualidades vocais diferentes. Sotaques podem ajudar com isso, assim como gírias, quando apropriado. 6. Estruture episódios de podcast como uma temporada de TV Geralmente, em uma série de televisão, há um grande arco para a temporada, com arcos menores em cada episódio. E essa é uma ótima estratégia para escrever ou adaptar um roteiro para um podcast de ficção. Sinta-se à vontade para chamar seu primeiro episódio de "piloto" e o último episódio de "final" da temporada. O público vai entender melhor o fluxo da história. Além disso, os podcasts de ficção geralmente têm de 10 a 30 minutos de duração, então isso funciona muito bem como estrutura. E, como numa série normal, a chave para usar bem essa estrutura de episódios de TV é manter a atenção do ouvinte durante o conflito. O que cada personagem deseja, e o que (ou quem) está impedindo que eles consigam? Assim como em um roteiro, construa muito bem seus protagonistas e antagonistas, para que tenhamos mais personagens memoráveis para acompanhar. Criando personagens com Nina Kopko 7. Nunca se esqueça do "gancho" Justamente pela maioria dos podcasts serem em temporadas, é preciso lembrar de adicionar (ou manter) um final instigante: o gancho. Ao dividir o seu roteiro existente em blocos menores, digeríveis e cheios de conflito, não amarre o final de cada episódio com um final absoluto. É imperativo adicionar um gancho para o próximo. É esse tipo de suspense que deixará um conflito sem solução e seu público querendo ouvir mais. Fontes: The Ultimate Guide to Writing a Fiction Podcast Script por Ken Miyamoto How to Turn Your Screenplay into a Podcast Script (8 Easy Steps) por Shanee Edwards

  • Criando personagens com Nina Kopko

    A roteirista Nina Kopko, também diretora assistente de filmes como “A Vida Invisível”, divide suas técnicas e conhecimentos sobre a fascinante arte de construir personagens complexas Nem tudo é plot nessa vida. Do que adianta uma boa história sem personagens igualmente fascinantes? Melhor: será possível construir uma narrativa envolvente sem contar com protagonistas complexos? Construir personagens memoráveis não é uma missão fácil. Exige conhecimento técnico, mas também muita atenção aos detalhes que fazem parte da vida. Como encontrar esse equilíbrio entre funcionalidade e profundidade? Existem técnicas para a construção de personagens? Para nos conduzir por essa fascinante jornada, conversamos com Nina Kopko, que coleciona experiências diversas no meio audiovisual. Nina é roteirista, diretora assistente de grandes obras nacionais, supervisora de projetos com passagem pela RT Features e atualmente ministra uma oficina dedicada à construção de personagens para o cinema. Quem é Nina Kopko? Formada em cinema pela UFSC, Nina Kopko encontrou suas primeiras oportunidades no audiovisual através do seu trabalho como montadora. Em São Paulo, foi assistente da montadora Cristina Amaral, mas também trabalhou com conteúdos institucionais e publicidade, além de TV e cinema. Sua carreira mudou um pouco de rumo com o projeto “HQ: Edição Especial” (2016, HBO), sua primeira experiência com a RT. Segundo Kopko, a equipe precisava de uma assistente de direção que também atuasse como pesquisadora. Amante de quadrinhos, Nina se adaptou bem a função e criou um contato próximo com Rodrigo Teixeira, produtor fundador da RT Features, que viu nela o potencial para trabalhar com roteiro. Assim, Kopko assumiu a vaga de Supervisora de Desenvolvimento de Projetos na casa. Nina seguiu trabalhando como diretora assistente em alguns projetos a partir daí, como “No Silêncio do Céu” (2016), dirigido por Marco Dutra, e mais recentemente “A Vida Invisível” (2019), dirigido por Karim Aïnouz, vencedor da Mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes. Durante a conversa fica claro que Nina Kopko aproveitou suas experiências em diferentes áreas do audiovisual - da montagem à assistência de direção - para moldar sua metodologia de trabalho com o roteiro. “O processo de ser diretora assistente passa muito pela questão do roteiro. É um processo que envolve ficar reescrevendo o roteiro a partir dos ensaios, de ficar reescrevendo o roteiro de acordo com as locações. Um processo muito aberto ao que o mundo está nos oferecendo durante a feitura do filme”. - Nina Kopko Depois da RT, Kopko tomou outros caminhos. Reforçou sua paixão pelo trabalho com elenco, destacando sua experiência em “Guigo Offline” (2017), do diretor René Guerra. Além de atuar como assistente de direção, Nina foi colaboradora de roteiro no projeto. “Eu gosto de falar que eu não sou preparadora de elenco, eu sou preparadora de personagens. O que eu faço é instrumentalizar os atores para que a gente construa personagens sólidos e complexos”. Nina Kopko Para entender melhor as estruturas que compõem os processos de atuação, Kopko seguiu adquirindo mais experiências no mercado, mas também ingressou em oficinas de teatro. Sua percepção do processo de atuação acabou por influenciar sua visão sobre construção de personagem, como veremos a seguir. Identificando as principais fragilidades das personagens “Eu gosto de trabalhar com roteiro, seja escrevendo, seja adaptando o roteiro para ser filmado ou fazendo uma consultoria”, revela Kopko, que completa: “eu comecei a ver que a minha paixão estava nas personagens, um ponto que sentia que era muito frágil nos projetos”. No percurso da sua formação - como Supervisora de Projetos da RT, tutora de projetos no Lab Cinema do Porto Iracema das Artes e mesmo em seleções de projetos para laboratórios como o Novas Histórias - Nina Kopko teve acesso a diversos roteiros. Com essa bagagem e seu olhar crítico, a autora identificou algumas das principais fragilidades de construção de personagem. “Eu sinto uma falta do entendimento do arco total da personagem, em primeiro lugar. Falta de contradição na construção dessa personagem - que é o que deixa ela, de fato, complexa. Também falta, muitas vezes, uma certa pesquisa. Você olhar para o real, olhar para uma pessoa e não apenas construir uma personagem ‘modelo’, que vai funcionando de acordo com o que eu quero. Permitir que essa personagem seja tão real que ela me conduza e até me surpreenda”. - Nina Kopko As fragilidades dos roteiros, segundo Kopko, variam de acordo com a experiência da pessoa. Enquanto roteiristas principiantes denotam um certo “medo dos modelos estruturais”, os mais experientes encontram outras dificuldades. Em relação a isso, Nina dá seguimento a sua lógica: “Quando é uma pessoa que já tem uma certa experiência, o projeto tem seus atrativos e uma estrutura bem definida, eu sinto um problema de tom. As pessoas acham que uma protagonista não pode ter defeitos ou que ela precisa agir de acordo com uma lógica moral que está dentro da cabeça das pessoas. Ela não tem falha trágica, ela não tem sombras”. A roteirista destaca o papel do arco de evolução da personagem como fator extremamente importante para o engajamento do público com a trama: “quando eu entendo a completude daquela personagem, eu me emociono”. “Grande parte dos roteiros que eu leio, eu sinto que as personagens estão fazendo o que o roteirista quer para aquela cena funcionar. Ele não exatamente está olhando aquilo de dentro. Às vezes a cena pode ter um desenho completamente louco, pode ser uma situação totalmente diferente, que vai trazer uma característica daquela personagem, não só a função da cena. Sinto falta da personagem me surpreender. Mostrar o amor através da briga, a vontade de vencer através da ambição perversa… Esse tipo de construção que eu sinto que faz falta”. - Nina Kopko Construir não é descrever Até onde vai o apego pelos detalhes na descrição de personagens? Características em excesso podem prejudicar a construção de personagens, bem como agregar muito ruído a trama que você quer contar. Nina traz a questão das “características desnecessárias” como outra fragilidade recorrente. “Às vezes eu pego um roteiro que descreve, em seis linhas, características físicas da personagem. Para mim, isso não importa. Não importa se ela tem cabelo castanho, se ela tem olhos cor de mel. Agora se ela for muito alta, essa é uma característica que marcou essa personagem na vida dela. Isso é um traço importante. Se ela for negra, ou branca, isso vai refletir um mundo diferente. As questões que me interessam são questões que moldem ela no mundo”. - Nina Kopko Na hora de colocar sua personagem na página, é importante refletir: as características descritas ajudam a dar profundidade ou avançar a trama? A cor do cabelo dela vai fazer o espectador compreendê-la de uma forma diferente? Sem essa característica, perdemos algum ponto de compreensão? Processos e metodologias de construção “Matemática é só na estrutura, na personagem é zero matemática”, Nina Kopko responde. A autora comenta sobre o papel que a vida exerce em seu processo de construção narrativa. Um processo que não respeita modelos tradicionais, mas que se faz muito importante na hora de conferir profundidade a personagens. “Toda hora eu anoto algo sobre alguém que eu vi, que chamou a minha atenção. Eu vou na janela e anoto coisas sobre alguma pessoa que eu vi, alguma cena que eu percebo. Eu gravo diálogos, às vezes eu gosto de gravar uma conversa e transcrever”. Nina ressalta que, ao gravar diálogos que encontra na vida, ela tem a preocupação de transcrever e deletar imediatamente, sem nunca revelar o seu “banco de diálogos adquiridos” para outras pessoas. O objetivo, aqui, é buscar inspiração na vida. Analisar trejeitos, a forma como as pessoas se comunicam, constroem frases, etc. Como a própria Nina diz, “cada pessoa fala de um jeito, se expressa diferente”. “Enquanto eu vou construindo, eu faço um documento muito constelar. Eu gosto de pensar backstory, mas eu nunca mando para o diretor ou a diretora. Pra mim é muito importante ter. Eu crio uma backstory, mas não exatamente em forma de redação. Eu vou colocando eventos da vida da personagem que a levariam a agir de tal jeito”. - Nina Kopko Nina Kopko revela que esse processo também pode partir de uma “engenharia reversa”, citando um exemplo: “Em uma cena, sinto que a minha personagem vai roubar alguma coisa. O que faria ela roubar algo? A partir daí eu penso em algum ponto da sua backstory que justifique. Uma cena onde ela roubou algo pela primeira vez, por exemplo. Isso vai ser muito importante para entender como ela vai reagir nessa cena, depois”. Afinal, como a própria roteirista afirma, existe uma grande diferença entre uma pessoa que “rouba por necessidade” e outra que o faz por “ganância ou desejo”. Qual é a bússola moral da sua personagem? Leva uma vida inteira para construirmos as ferramentas psicológicas que moldam as nossas ações. Sendo assim, suas personagens precisam dessa “vida pregressa” também. Durante o processo, Nina também utiliza algumas listas de perguntas como base para a construção de personagem. Em geral, são reflexões sobre os mais diversos pontos que compõem o universo e visão de mundo da sua personagem. Seu passado, traumas, contexto e visão de mundo interferem na forma como a personagem reage a certas situações e, consequentemente, enriquecem as cenas. Ela segue alguma religião? Ela já passou necessidades? Veio de uma família grande, ou conviveu com o divórcio dos pais? Essas são apenas algumas perguntas básicas. “Gosto também de pensar em situações limites, mesmo que elas não façam parte do filme. O que a minha personagem faria se ela tivesse uma arma na cabeça? Às vezes eu gosto de escrever monólogos em primeira pessoa. Isso me ajuda a tirar a personagem do lugar”. - Nina Kopko Pensar em situações limites auxiliam no momento de compreensão das reações instintivas da personagem. São essas reações que definem seu caráter, ressaltam suas sombras e podem até revelar alguns dos seus traumas. Quer entender melhor sua personagem? Faça o exercício de “testá-la” em situações que a coloquem “contra a parede”, tendo que tomar uma decisão difícil ou assumir uma posição diante de um dilema. A personagem opta pelo “sacrifício altruísta” ou pelo “ganho pessoal”? Ela é guiada pela “ambição desenfreada” ou pelos seus princípios? O papel da pesquisa na construção de personagens “Se eu vou fazer uma personagem que tem câncer de mama, então eu vou falar com médicas, com mulheres que convivem com isso, com mulheres que estão curadas”, afirma a autora. Nina busca pessoas, coleta histórias e fica atenta a características únicas. “Para qualquer processo, seja autoral ou não, eu passo muito tempo pesquisando. Mais tempo do meu roteiro é pesquisando do que escrevendo”. - Nina Kopko Pesquisa não serve só para enriquecer o processo com informações, mas também com experiências. Se você se dedica a retratar a jornada de uma personagem que passa por algo que não faz parte das suas experiências, a melhor maneira de torná-la profunda é partindo das vivências de quem já enfrentou os mesmos desafios. Isso não significa que você precisa fazer uma pesquisa e passar tudo o que capturou diretamente para o roteiro. A pesquisa confere dimensão, materializa algo que, antes dela, é abstrato demais. É um norte e não um guia de regras. Personagens marcantes Já que o assunto é “construção de personagem”, nós procuramos saber quais são os exemplos que Nina Kopko traz no coração. O primeiro a ser citado por ela foi a personagem “Mabel”, do filme “Uma Mulher sob Influência” (1974), do diretor John Cassavetes. “A personagem da minha vida é a Mabel. Para mim ela tem tudo, ela é maior do que a tela. Toda vez que eu vejo o filme, eu encontro um detalhe novo. É a personagem mais complexa que eu já vi e eu não consigo definir ela”. - Nina Kopko Do cinema brasileiro vem dois grandes destaques: "Madame Satã" (2002) e Juliana, do filme “Temporada” (2018). Nina afirma: “eu amo a personagem Madame Satã. É uma personagem muito complexa, que faz exatamente tudo o que disse que não iria fazer. Cheia de contradição, sombras e falhas trágicas”. Por sua vez, Nina destaca o trabalho do subtexto na construção de Juliana, onde vamos “descobrindo uma parte diferente dela através das pequenas coisas do dia”. Na TV, o destaque principal é Omar, da série “The Wire” (2002 - 2008). “O Omar é um traficante gay, meio Robin Hood do tráfico, cheio de dor e ironia. E não é só um monte de característica boa jogada, que é algo que acontece muito”. Nina também citou o eterno Tony Soprano, protagonista da série “Família Soprano” (1999-2007), uma das obras televisivas mais bem avaliadas pela crítica e fãs. Inspirados por essa ótima seleção de personagens, também procuramos saber um pouco dos universos criativos da própria roteirista. Nina Kopko revela que costuma trabalhar algumas questões recorrentes em seus projetos pessoais, como “personagens femininas rompendo algum tipo de barreira, metafórica ou concreta”. “Sou a primeira de uma geração de muitas mulheres que conseguiu ser o que quis ser. Eu sinto quase que inconscientemente um dever de falar sobre toda essa geração que não conseguiu fazer o que eu fiz, escolher o que vai acontecer com a própria vida”. - Nina Kopko Com isso, chegamos em um ponto que acreditamos ser central para a construção de personagens memoráveis. Eles refletem muito daquilo que queremos expressar e julgamos urgente por questões muito pessoais. Ao dar vida a uma personagem, é preciso pensar sobre o seu papel naquele roteiro, mas também o seu papel na nossa vida. O que ela agrega, o que ela reflete? Costumamos dizer que escrever, muitas vezes, é uma grande terapia. Aqui, relembramos de Tony Soprano, que usou a terapia para reescrever sua própria história. As personagens que você escreve são parte da sua história também. Pensando nisso, entendemos um pouco melhor o tamanho dessa responsabilidade. #roteiro #roteirista #construçãodepersonagem #personagensmemoráveis #cinema #TV

  • Os caminhos e as ilusões na carreira do roteirista

    Pedro Riguetti, roteirista de projetos como "Sob Pressão", traz insights sobre rotina, produtividade na sala de roteiro e alertas sobre concursos internacionais A profissão de roteirista é uma das mais desafiadoras do mercado audiovisual. Bloqueios criativos, prazos impossíveis, longas muito longos… São muitas as questões que habitam o dia a dia de um roteirista e que ele precisa saber lidar. Por isso, conversamos com o roteirista, autor e professor Pedro Riguetti, que assina trabalhos como "Sob Pressão" (2017, Globo), roteiro de videoclipes do cantor Rubel e a autoria do site O Roteirista Insone, sobre escrita de roteiro para cinema, televisão e internet. Na conversa, Riguetti conta como foi sua trajetória de formação como roteirista, esclarecendo muitas das dúvidas de quem ainda não tem certeza sobre qual rumo seguir. Ele também explica em detalhes como funciona uma tradicional sala de roteiro de série, baseado em suas experiências com a TV Globo e outros locais. Por fim, o roteirista também alerta para os famigerados concursos de roteiro estrangeiros, que prometem muito, mas não valem tanto para a carreira do roteirista. Entenda tudo isso e muito mais na nossa matéria! Quem é Pedro Riguetti O roteirista, escritor e professor tem 28 anos, é formado em Cinema na PUC Rio e possui Mestrado em Roteiro pela EICTV (Cuba). Alguns trabalhos de destaque envolvem a participação dele na equipe de roteiro da série "Sob Pressão", onde entrou na segunda temporada e acabou também roteirizando a terceira e quarta temporada. Ele também participa das salas de roteiro de outros projetos da Globo e foi colaborador no longa-metragem “Macabro” (2019, Zazen). Também como roteirista, Riguetti assinou duas séries infantojuvenis para o sistema de ensino Eleva: "Anexo 11" (2017) e "Supernova". No mundo dos videoclipes, ele assina roteiro para alguns dos vídeos do cantor Rubel, como “Quando Bate Aquela Saudade”, “Partilhar” e “Ben”. Além disso, é criador e escritor do site O Roteirista Insone, onde traz discussões narrativas, teóricas e estruturais sobre roteiro (e que em breve terá podcast). Ele também trabalha como consultor e professor de roteiro, tendo passagem pela PUC, vários laboratórios, palestras e eventos. Alguns pilares essenciais da carreira do roteirista Como você já sabe, são muitas as questões que envolvem ser um roteirista. Muitas têm a ver com a arte: criatividade articulada, ampla gama de referências, noções de gêneros fílmicos, disposição em passar horas escrevendo, etc. Mas a outra grande parte disso é saber como se virar no mercado — e como entrar nele de fato. Aqui na WR51, gostamos de exibir diferentes caminhos através de entrevistas com autores. Com Riguetti não foi diferente: o roteirista dividiu conosco ações e ensinamentos importantes sobre o desenvolvimento do roteirista. Para ele, as ações mais relevantes que ele fez para ingressar nessa profissão envolveram seu foco constante na carreira de roteiro, que nasceu como uma "obsessão". O estudo e diálogo com professores de roteiro, como o roteirista Lucas Paraizo, também foram muito enriquecedoras para a formação e carreira do Riguetti. Mas como Riguetti entrou mesmo no mercado? "Fiz muitos projetos, tentava me inscrever em festivais, laboratórios, etc.", conta. "E um dos projetos que desenvolvi, que era uma série, acabou sendo selecionado para o Laboratório Transmídia do Rio Content Market em 2013 e acabei conhecendo o roteirista René Belmonte. Ele gostou muito do projeto e de mim [...]". Esse fato rendeu o primeiro trabalho pago de Riguetti, o de assistente de roteiro. Ao longo do tempo, fui percebendo que os meus projetos, que eu apresentava, que eu tentava e que eu fazia, nunca viravam uma grande coisa, mas sempre me traziam algo. Esse projeto de série que fiz nunca foi realizado, mas consegui meu primeiro trabalho pago por causa dele. - Pedro Riguetti Ao comentar sobre "curtas sem grana que não foram a lugar nenhum", mas que renderam muitos parceiros de trabalho e contatos, Riguetti nos leva a outro pilar da carreira: relações profissionais. Sabemos que isso é importante para muitas carreiras, mas no caso do roteiro, o positivo é que o networking pode servir a muitos propósitos. "Como sou muito fechado, sou muito ruim de networking [...]. Algo que me ajudou foi criar relações verdadeiras, íntimas. As pessoas com quem trabalhei são meus amigos mesmo, se tornaram minhas amigas por conta do trabalho", diz Riguetti. Se você quiser mais dicas sobre contatos no mercado, leia nossa matéria sobre isso. Como funciona uma sala de roteiro de série? Sabemos que cada projeto é um projeto e suas especificidades vão variar. Contudo, entender os mecanismos de uma sala de roteiro é fundamental para quem trabalha com isso. Riguetti atenta justamente para o fato de que cada sala de roteiro vai funcionar de acordo com "a metodologia que for aplicada pelo showrunner". Aí, ele traz alguns exemplos como a Globo, que segue o modelo americano. Esse modelo possui uma divisão de funções muito clara, com várias categoria de roteirista. Contudo, de acordo com Riguetti, aqui no Brasil não tem isso. "No máximo vai ter um braço direito do showrunner, que é uma pessoa mais experiente, mas em geral é: showrunner, roteirista e assistente", afirma. Baseado em suas experiências, Riguetti traça um esquema básico do fluxo de trabalho de uma sala de roteiro de série: A gente se reúne, discute como vão ser os personagens, qual vai ser a história, faz a sinopse dos episódios, tudo certinho. Quando começa o desenvolvimento, a gente se discute o primeiro episódio, por exemplo; faz a escaleta coletiva desse primeiro episódio e daí uma pessoa sai para escrever. E aí depois a gente debate o que ela escreveu, ela reescreve, a gente debate e o showrunner afina o texto. - Pedro Riguetti É possível que esse fluxo seja um pouco diferente quando a série trabalha com divisões de linhas narrativas, ou "trilhas". Riguetti explica: "Tem série onde sai uma pessoa para escrever e essa pessoa ganha o crédito pelo episódio e tem série onde você divide as trilhas do episódio. Aí cada pessoa escreve uma trilha, cada um escreve um personagem, por exemplo. Aí, quando junta tudo, todo mundo que escreveu ganha crédito de roteirista". Depois da escrita e discussão final com o showrunner, o workflow da sala ainda envolve enviar para o canal ou produtora, acatando às observações deles. É bom lembrar que tudo (fluxo de trabalho, presença ou não de assistente, tempo de escrita) também depende do orçamento do projeto. Confira outros exemplos de sala de roteiro na nossa entrevista com Alice Name-Bomtempo, que trabalhou no longa-metragem "Modo Avião", com a Netflix, além de outros projetos. O lugar da inspiração na sala de roteiro "No processo da sala de roteiro, é difícil você ter espaço para essa inspiração romântica, não tem tempo pra ter esse momento", afirma Riguetti. Isso é uma das coisas mais difíceis de se lidar nesse processo, ainda mais quando a criação é em conjunto. Portanto, "A questão é que a gente precisa pensar na história, todo mundo, e cumprir: naquela semana, precisamos fazer aquela escaleta, então vamos fazer aquela escaleta", diz o roteirista. Mas isso é individual, já que existem muitos estilos de roteiristas. Riguetti traz alguns deles, quando fala que "Tem roteirista que é muito bom em diálogo, tem outros que são bons com humor, em fazer graça. Tem roteirista que fica lá parado sem fazer nada e às vezes dão umas ideias geniais (esses não duram muito)". Eu por exemplo, vou pegando as ideias e trabalhando elas na cabeça. Como meu forte é estutura, vou dando ideias voltadas à estrutura, pra manter o episódio em pé e pra garantir que nada saia muito do lugar. Então, às vezes, fico calado, escutando. E quando acho que tenho algo interessante, já apresento uma opção mais completa de estrutura. - Pedro Riguetti Essa questão é fundamental para manter tudo dentro da lógica estrutural do planejamento narrativo. Por isso, conhecer o seu próprio ponto forte e seu próprio processo de contribuição é extremamente necessário ao trabalhar numa sala de roteiro. Mas e quanto ao que não fazer a fim de manter um bom fluxo de trabalho? Riguetti oferece um guia simples e eficaz: "Não desrespeitar os outros, ou achar que sua ideia é perfeita e ficar lutando muito por ela. Se você solta uma ideia e a vê que a galera não comprou, desiste e vai pra próxima", diz. Ele continua: "Tem roteirista que fala muito também. Quando vai dar uma ideia, toma muito tempo. Algo que dá pra explicar em 1 minuto, a pessoa gasta 5. Esse negócio prolixo atrapalha demais". Essa dica vale muito para reuniões e pitchings também, onde muitas vezes acontecem papos-furados ou explicações muito extensas que atrapalham a compreensão de todo mundo. Festivais e laboratórios: benefícios e alertas Na faculdade, Riguetti não identificou muito a presença de concursos e festivais de roteiro. Ele conta que isso veio mais forte na época do aquecimento do mercado, que ocorreu em decorrência do aumento de demanda de conteúdo gerado pela Lei da TV Paga (2011). Ele, então, começou a frequentar os eventos de mercado quando já estava trabalhando. Foi chamado para palestrar no FRAPA, por exemplo, um dos maiores eventos de roteiro do país. Hoje eu acredito muito nisso. Acredito que você tem que ir nesses eventos se possível, participar, tentar conhecer gente que está querendo ser roteirista que nem você, tentar se inscrever no FRAPA, no Rota, no Primeiro Plano, etc. - Pedro Riguetti Contudo, Riguetti traz um grande alerta para os roteiristas que têm a meta séria de seguir essa carreira: "A única coisa que discordo veementemente é essa onda de se inscrever em concurso de roteiro fora do Brasil. Tirando o Guiões e outros da América Latina". Ele continua: "Esses prêmios, esses concursos, eles não tem valor real no mercado. É muito pequeno [...]. No mercado que conheço e estou inserido, esses prêmios não são levados a sério”. Já comentamos sobre essa questão em uma matéria, pois é algo que ainda faz brilhar muito olhar de roteirista. Riguetti explica outro lado de sua crítica. "Sou bastante contra isso, acho que há uma glamourização disso. Tem muito festival e concurso desses que são caça-níquel, as pessoas abrem pra ganhar dinheiro. É um mercado que não ajuda muito na realidade", alerta. O roteirista ainda menciona outra questão muito importante sobre isso: a da "validação" em outro mercado. "Você vai estar validando seu roteiro através de um mercado que não é o nosso". Ou seja, não é necessariamente compatível com nossas histórias e necessidades dentro do mercado audiovisual brasileiro. Se você é brasileiro e quer ser roteirista aqui, não adianta muito botar lá fora. Você tem que participar do FRAPA, do Rota, do Primeiro Plano, do Cabíria. São esses os importantes. - Pedro Riguetti Se você está tentando entrar no mercado de lá, ele também pede por atenção: "é muito mais disputado. Os americanos sempre vão sempre optar por contratar uma pessoa de lá, ao invés de um brasileiro", afirma. Mas o que fazer ao invés de participar desses milhares de concursos de cidadezinhas do interior dos EUA? Riguetti sugere: "Gaste essa grana de tradução e inscrição fazendo cursos, ou pagando um consultor pra avaliar seu roteiro, ou indo para o FRAPA, por exemplo. Isso é muito mais importante do que o título de melhor roteiro no interior do Texas". Questões finais: para além da pandemia Num momento pós-pandemia, Riguetti é pessimista quanto ao futuro do audiovisual no país, que se encontra no meio de uma questão política totalmente desestabilizada. Mas ele afirma: "Quer realmente trabalhar com roteiro? Tudo bem, vai ter que enfrentar muita coisa, mas uma hora vai", diz ele. Se você estuda, participa, cria projetos e tenta, uma hora vai. Mas eu, por exemplo, comecei a estudar roteiro em 2010 e só fui conseguir meu primeiro trabalho pago em 2013. Sinto que realmente entrei no mercado e me tornei roteirista em 2016. - Pedro Riguetti "É uma carreira muito difícil, demora muito tempo", completa. Contudo, nesse contexto de isolamento social, a carreira pode se beneficiar muito do tempo livre que alguns possam vir a ter. Nesse ponto, Riguetti sugere: "A pandemia é um bom momento de reflexão para entender se é realmente isso que você quer, além de estudar. Criar projetos, desenvolver e estudar são ótimas atividades para fazer quando der". Então, o melhor a se fazer (fora tomar medidas de prevenção) é tentar se aprimorar, olhar com seriedade para sua carreira e aproveitar o tempo para deixar seus pilares criativos bem reforçados. #Roteiro #Entrevista #PedroRiguetti #Roteirista #Carreira #MercadoAudiovisual #Globo

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