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- Laboratórios de desenvolvimento: o que você precisa saber?
O que você ganha participando de laboratórios de desenvolvimento? Conversamos com a roteirista e diretora Joyce Prado para entender o valor desses processos para a obra e a carreira artística Com tantos desafios entre o roteiro e a produção, roteiristas brasileiros buscam alguns caminhos para viabilizar seus projetos e encontrar destaque no mercado: concursos, festivais, rodadas de negócio, contatos direto com produtoras, etc. Embora válidos, esses caminhos são voltados para quem já tem em mãos um projeto pronto, lapidado e maduro o suficiente para melhor representar a perícia técnica e visão artística do roteirista em questão. O que fazer quando seu projeto ainda não chegou nesse patamar? É justamente para encontrar narrativas interessantes e lapidar projetos promissores que existe o espaço imersivo do laboratório de desenvolvimento. Você está desenvolvendo um roteiro ou argumento e quer contar com o olhar crítico de profissionais muito bem inseridos no mercado? Esse é o caminho ideal para trilhar! No exterior, laboratórios de desenvolvimento de renome servem de porta de entrada para a carreira de muitos roteiristas, como o Sundance Screenwriters Lab, Torino Film Lab , Film Independent Screenwriting Lab, entre tantos outros. Aqui no Brasil, iniciativas como o Laboratório Novas Histórias, BrLab e o Sesc Argumenta já são responsáveis por impulsionar grandes projetos no mercado. Cada laboratório tem seu foco, seja no processo de imersão na trama, em proporcionar um espaço de troca com produtores e investidores em potencial ou mesmo na elaboração do pitching. Sendo assim, é importante entender quais laboratórios atendem aos seus objetivos e como aproveitar o melhor de cada um deles. Para falar sobre esse importante tema, convidamos a roteirista, diretora e produtora executiva Joyce Prado. Fundadora da Oxalá Produções, Joyce assina o longa-metragem documental "Chico Rei Entre Nós" (Abrolhos Filmes), que será lançado em breve. Um pouco da carreira de Joyce Prado Com graduação em Rádio e TV e pós em roteiro pelo SENAC, Joyce começou sua carreira na pesquisa de imagem para comerciais e filmes. Além de ampliar seu repertório, a experiência proporcionou a ela um espaço para exercitar a noção imagética dos roteiros. Depois de experiências com assistência de produção, aproximou-se do diretor Chico Toledo e realizou a direção de produção e roteiro do curta "Muros Entre Nós". Segundo Prado, isso trouxe uma maior noção de mercado, orçamento, equipamentos e cachês, conhecimentos que seriam muito úteis depois, ao abrir sua própria produtora. Sua primeira experiência na direção foi com o projeto "Fábula de Vó Ita", curta-metragem que mistura live-action com animação e traz elementos fantásticos para abordar a discriminação. Segundo ela, essa "provocação inicial deu voz à problematização do racismo e falta de representatividade negra no cinema". Fundou a Oxalá Produções e, lá, começou a trabalhar com diversos ramos da cultura. Em 2018, firma parceria com o diretor Bruno Ribeiro e, juntos, realizam o desenvolvimento do longa "Sião". O filme participou de labs importantes, como BrLab e TorinoLab, além de ser premiado no Projeto Paradiso. Nesse meio tempo, Joyce recebe a proposta de dirigir o longa documental "Chico Rei Entre nós", que participou do New Directors/New Films Festival em Portugal. Além de tudo isso, Joyce Prado vêm prestando consultoria de projetos para admissão em laboratórios. Os laboratórios de desenvolvimento e a carreira do filme "Eu penso que os laboratórios nos trazem muita provocação, como realizadora ou produtora executiva. Já tive em laboratório como esses dois papeis", revela Prado. A autora reforça que frequentar labs de desenvolvimento ajuda a "não ter receio de dizer o real estágio do projeto". Assim, compreendemos que existem laboratórios ideais para cada projeto e seu estágio no mercado. Joyce complementa a questão através da sua própria experiência: "O BrLab, por exemplo, procura projetos mais estabelecidos e conscientes em termos de produção. Além disso, somos provocados a pensar em diferentes propostas de orçamento, visando diferentes perfis de coprodução e financiamento". - Joyce Prado Prado afirma que o BrLab trouxe um "outro universo de possibilidades de diálogos com produtores internacionais", onde ficou clara a importância de participar de eventos do tipo. É uma forma construtiva de iniciar a carreira do filme. "Seja nacional ou internacionalmente, o filme começa a estar presente em catálogos de diferentes laboratórios que são normalmente vinculados a festivais, onde começa a agregar valor e consequentemente despertar o interesse de financiamento público ou privado", resume. Sendo assim, podemos entender os laboratórios como espaços não apenas de reflexão, mas também onde o filme "passa a existir" no mercado de alguma forma. Outros labs, cientes disso, oferecem ferramentas para produção e financiamento das obras. Joyce relembra sua experiência no Torino Film Lab para apresentar este ponto: "no Torino Lab, a questão é ter acesso à diversas formas de financiar, produzir e desenhar a audiência. A partir daí, o projeto começa a desenhar sua produção, distribuição e acesso ao público". Produção, estratégia de destribuição e desenho de audiência são grandes desafios para o realizador independente. Contar com um selo internacional e especialistas de prestígio nas diferentes áreas da produção pode impulsionar um projeto que, sem isso, talvez acabasse encontrando maiores obstáculos no caminho. Para quem está em um ponto mais avançado do processo, há opções de laboratório que prometem um "empurrão final". Prado comenta: "o Cinemundi tem uma dinâmica mais de mercado, para projetos mais consolidados". O Brasil Cinemundi, que faz parte do Festival Internacional CineBH, promove painéis, debates, consultoria para os projetos selecionados e encontros com representantes do mercado. Em 2019, o projeto "Sião", com direção de Bruno Ribeiro e produzido por Joyce Prado, foi o grande vencedor da edição. Joyce afirma que o Cinemundi proporcionou um contato maior com players europeus e uma visibilidade maior para o seu projeto, onde ela conseguiu apresentar "de maneira sincera os desafios de financiamento e produção do longa". É de se esperar que eventos como esse acabem formando um circuito de reencontro com produtores, diretores e outros roteiristas. Isso, é claro, além de trabalhar os pontos de atenção de cada projeto e técnicas de apresentação. Hoje, a partir da experiência dos laboratórios, quando vou para a redação do projeto como produtora executiva, eu já entendo que esse é o seu primeiro pitching. Para um financiamento, para um edital, é o seu primeiro pitching, porque ali você precisa defender a relevância, a potência, apresentar um orçamento, cronograma e o porquê de você estar inscrevendo nesse edital, dentro da trajetória do projeto".- Joyce Prado Foi esse o caso do New Directors/New Films Pitching Forum, onde Joyce relata que aprendeu muito sobre "postura e passo a passo da apresentação do pitching". A formação crítica e o feedback especializado Quem constrói sua carreira como roteirista, sabe muito bem da importância do feedback construtivo. Se esse feedback vier de consultores de prestígio no mercado audiovisual, o resultado para o roteirista é ainda melhor! De primeira, já entendemos o valor de ingressar em um laboratório de desenvolvimento: contar com um olhar crítico, especializado, capaz de orientar o autor para um possível caminho para a sua obra (artístico ou mesmo de mercado). “O que é muito bom no BrLab é que eles pensam os consultores que melhor se relacionam com o seu projeto. Então são consultores que eles acreditam que têm uma linguagem e estética que pode colaborar com o desenvolvimento do projeto”, comenta Prado. “Você consegue, em uma semana, mapear de uma forma muito técnica e objetiva quais são as fragilidades atuais do desenvolvimento do roteiro. Se são as personagens, quais são as personagens. Se é o arco narrativo, qual é o momento do arco narrativo. Se tem ausências, quais são as ausências”. - Joyce Prado Você conhece as principais fraquezas do seu roteiro? O profissional que trabalha sozinho dificilmente tem o distanciamento necessário para compreender essas questões e descobrir formas inventivas de solucionar problemas na trama. Em relação a esse ponto, Joyce Prado complementa: “eu sinto que os laboratórios de desenvolvimento vão te dando essa ferramenta para você conseguir, também, ser mais crítico com o seu projeto, permitir a parte criativa, mas conseguir entender o que está faltando”. Repensando os alicerces Relembrando sua passagem pelo New Directors/New Films (com o projeto em finalização "Chico Rei Entre Nós"), Joyce traz um ponto muito relevante para refletirmos sobre o caráter cíclico da criação: "A gente tinha encontros das 10 às 18 horas. Entre esses encontros, precisávamos responder a perguntas sobre o que é o filme, a razão dele existir e o que é universal nesse filme. Tem esse caráter de encontrar a universalidade do filme na maior parte dos eventos de desenvolvimento de roteiro justamente porque o principal desejo das produtoras é que eles viagem para além do Brasil". - Joyce Prado De acordo com a autora: "ter essas perguntas realizadas cotidianamente por quatro dias ao longo do processo de edição do filme foi muito importante, pois eu fui conseguindo reencontrar qual era a premissa e qual era o objetivo final, para onde eu queria conduzir o espectador". Joyce fala sobre o processo de reencontrar suas premissas e objetivos de forma constante, o que ela chama de “o exercício da busca”. Você pode repensar até os pontos mais fundamentais da sua obra continuamente, faz parte do processo de criação. Independente do filtro específico, se existe um ponto de intersecção entre todos esses eventos que se apresentam como laboratórios de projetos, esse ponto é: proporcionar um ambiente para você, autor, reavaliar todos os alicerces do seu projeto. As passagens em laboratórios e os impactos para a carreira Laboratórios de desenvolvimento ajudam na construção artística e mercadológica do seu projeto, mas o que acontece depois que você participa de uma experiência dessas? Será que essa é uma maneira prática de trilhar um caminho de sucesso no mercado? Joyce Prado afirma que sim: "dentro do mercado brasileiro a gente tem, cada vez mais, valorizado roteiristas com histórico de laboratório". Segundo ela, com essa passagem "o fato do projeto ser selecionado entre um universo de 300 a 400 outros projetos já traz uma notoriedade para esse roteirista". "Quando você apresenta o seu currículo para um potencial produtor e ali já está uma lista de laboratórios em desenvolvimento, enquanto produtora executiva isso já me traz mais interesse". - Joyce Prado Posteriormente, esses projetos que se destacam em um laboratório provavelmente vão despertar interesse em rodadas de negócios. Afinal, o projeto já existe, deu seus primeiros passos e ganhou um primeiro "selo" do mercado. Com tantos roteiros circulando, essa é uma forma de mostrar que o seu projeto tem elementos de destaque. Mesmo assim, Joyce dá um recado final sobre a escolha do caminho certo para o seu roteiro: "dialogue com pessoas que já participaram desses laboratórios para não criar uma outra expectativa". Como sempre, nosso conselho é: estude o evento, mas também o grupo de consultores/participantes. Compare essas informações com o estágio atual do seu projeto e entenda se vale a pena participar daquele laboratório naquele específico momento. Com tudo isso em mente, participar de um laboratório de desenvolvimento tem tudo para ser uma das experiências mais enriquecedoras na carreira de um roteirista. #roteiro #roteiristas #laboratóriosdedesenvolvimento
- O que as produtoras realmente buscam?
Tiago de Carvalho, roteirista e curador de projetos com passagem pela RT Features e Elo Company, nos explica como é a avaliação de projetos para grandes players do mercado Volta e meia recebemos aquela recorrente pergunta: como encontrar uma produtora disposta a investir no meu projeto? Já escrevemos bastante sobre caminhos do roteirista no mercado audiovisual, mas ainda faltava explorar um elemento. Esse elemento é, justamente, a pessoa por trás da curadoria dos projetos para grandes produtoras. Antes de qualquer roteiro ser debatido internamente, há um profissional que analisa os diferentes aspectos fortes do seu projeto e reúne argumentos para defendê-lo junto às lideranças da produtora. Quem é esse profissional? Como são os seus métodos de análise? Que dicas ele pode compartilhar com quem busca "seu lugar ao sol"? Para responder a essas e tantas outras questões, conversamos com Tiago de Carvalho, roteirista e curador de projetos com passagem por empresas como RT Features e Elo Company. Depois de ler e analisar milhares de projetos nos últimos anos para grandes players do mercado, Tiago divide com a gente dicas essenciais para se destacar como roteirista. Como Tiago se tornou curador de projetos? "A função de curadoria não é tão falada, tanto dentro de canais quanto de produtoras", revela Tiago. De fato, isso é verdade. Ao tratar do mercado, muito se fala sobre etapas de desenvolvimento e aquisição, mas nem sempre exploramos essa parte avaliativa do processo. Como muitos já sabem, não é tão simples assim viver de audiovisual no Brasil. Por isso, mesmo cada caminho trilhado pelos profissionais do setor se apresenta de forma única. Nascido em Minas Gerais e formado em Cinema em Florianópolis, Tiago fez sua carreira principalmente ao seu mudar para São Paulo. Encontrou uma entrada na área da pós-produção, trabalhando para produtoras como Primo Filmes e a Mixer. Foi através de um convite feito por sua amiga Nina Kopko que Tiago, em 2015, participou de um processo seletivo na RT Features para uma vaga de Assistente Criativo no Departamento de Desenvolvimento. Além de roteirista, montadora e preparadora de elenco, Nina Kopko foi diretora assistente no filme "A Vida Invisível". Criada pelo produtor Rodrigo Teixeira, a RT Features é uma das produtoras brasileiras de maior prestígio, responsável por títulos como "Frances Ha" (2012), "A Vida Invisível" (2019), "O Farol" (The Lighthouse, 2019), entre tantos outros sucessos. De lá para cá, Tiago encontrou um caminho no setor de desenvolvimento de projetos. Na própria RT, em 2018 ele já assumia a Produção de Desenvolvimento de alguns longas-metragens da casa. Tiago destaca sua experiência com o filme "Alemão 2" (2020), sua última colaboração na RT. “Eu fiz esse trabalho de acompanhamento artístico, dialogando com a produção para poder fechar o roteiro de uma forma que funcione tanto em termos narrativos, quanto em termos de produção”, ressalta Tiago ao abordar um pouco da sua função na época. Já em 2019, Tiago seguiu seu caminho audiovisual em novo endereço, agora como curador de projetos pela Elo Company, distribuidora que a partir de 2017 abriu suas portas para a produção de conteúdo de não-ficção, enquanto de 2019 para cá ampliou seu leque para produtos de ficção também. “Eu retomei contatos que eu já tinha de roteiristas e diretores que eu sabia que tinham projetos para apresentar e eu levei esses projetos, após uma análise, para a Elo, pensando nos perfis que eles estavam procurando”, resume Tiago. Além de roteirista e curador de projetos, Tiago também possui um podcast chamado "Teorias Nada Conspiratórias". Ficou curioso? Você pode acessar o conteúdo pelo Spotify ou mesmo pelo agregador Anchor. Qual é o papel do curador de projetos? “O papel do curador é entrar em contato com roteiristas que tenham projetos para apresentar e, após análise desses projetos, pensar se esse perfil se encaixa com o tipo de projeto que a produtora está buscando”, explica Tiago, que completa afirmando: "eu sou basicamente um filtro humano". Aqui, Tiago ressalta que cada projeto que chega em suas mãos está em uma etapa diferente do processo de desenvolvimento - alguns com bíblia, outros com argumento, projetos mais ou menos completos, etc. “Eu faço esse meio de campo entre o roteirista e a produtora, pensando nesse papel de selecionar o perfil específico - seja em termos de gênero, seja em termos de temática, público-alvo… Existem vários fatores aí”. - Tiago de Carvalho Tiago nos explica, a partir daqui, um pouco do processo de análise dos projetos, partindo do momento em que eles chegam nas suas mãos. Segundo ele, essa primeira triagem surge, naturalmente, de profissionais que já são do seu conhecimento. Sobre a cadeia de fatores, Tiago resume: “o processo de curadoria começa com esse contato com os realizadores, logo depois o processo de análise e leitura de todo o material possível que eles tenham desenvolvido, então uma análise se esse projeto atende a demanda específica da produtora, para pensar se vale levar o projeto para a leitura interna”. Como curador, uma das principais missões de Tiago é carregar consigo esse almanaque de fatores que são do interesse dos produtores que o contratam. Da mesma forma, Tiago precisa saber com clareza o que a produtora não quer no momento, seja por uma questão de estilo, gênero, ou mesmo saber que existem projetos em desenvolvimento na casa muito semelhantes àqueles que ele recebe para análise. Os projetos e os perfis das produtoras Parte do trabalho do roteirista após fechado o roteiro é justamente entender o perfil dos parceiros ideais. Você leva em conta esse fator? Muitos roteiristas analisam esse perfil principalmente pelo "tamanho" da produtora. Assim, seus projetos mais ambiciosos são direcionados para os parceiros com maior capacidade de produção. Esse não é o único ponto a ser analisado. Você já estudou os projetos da casa buscando elementos que compõe o perfil da marca, muito além da sua capacidade de produção? Sobre essa questão dos perfis das produtoras, Tiago afirma que eles variam muito. “No caso dos filmes, a RT tem um perfil muito mais voltado para festivais, um pouco mais artístico, principalmente partindo de diretores premiados e em apostas de novos talentos, que participam bastante dos ciclos de festivais. Isso vem bastante da lógica de produção criativa que o próprio Rodrigo Teixeira tem. Ele diz muito que quer produzir aquilo que ele gostaria de ver na tela”, afirma. É importante compreender essas noções de perfil artístico. Cada caminho exige uma estratégia de mercado diferente e talvez alguns deles não sejam os mais adequados para o seu perfil. Como podemos ver, a RT Features prefere projetos que partem de autores já consagrados, ou ao menos com um bom caminho andado no mercado. Esse mercado específico, como Tiago revela, está muito mais ligado a festivais de renome nacional e internacional. Você tem interesse em construir seu nome no circuito de festivais? Essa pergunda determinará sua estratégia, mas também perfil como autor. “Em relação à Elo Company, como eles estão no mercado há mais tempo como distribuidora, é mais difícil entender o perfil que eles têm como produtora. Eles estão tentando encontrar um caminho próprio, mas como esse processo de desenvolvimento e produção já vem avançando, eu acredito que a Elo, no caso de longas-metragens, procura filmes que dialogam com um público maior, histórias mais populares, sem perder o apelo artístico”, Tiago complementa. No caso das séries, Tiago afirma que esse perfil é um pouco mais amplo: “eles procuram projetos diferentes, inovadores e que tragam pontos de vistas diversos”. A questão da diversidade é um critério de extrema importância para garantirmos uma pluralidade de pontos de vista no mercado do entretenimento. Como fazer o seu projeto entrar nessas portas? Tiago ressalta os três trajetos mais comuns para os projetos chegarem em suas mãos: através de roteiristas que ele conhece, contatos adquiridos por ele visando um específico perfil que ele busca e profissionais de dentro da produtora que tenham seus próprios projetos. “Os projetos vêm de fontes diferentes, mas o mais interessante é que o trabalho que eu fiz nos últimos anos foi de procura de projetos. Grande parte dos projetos que eu analisei fazem parte dessa rede de contatos que eu comentei”. - Tiago de Carvalho “Não é uma coisa tão comum você ir atrás de roteirista, então alguns deles respondiam até mesmo com alguma surpresa”, responde Tiago, trazendo um ponto muito interessante: estamos acostumados a procurar meios para envio de projetos, mas nem sempre trilhamos um caminho coerente para nos tornarmos, de fato, esses “contatos” que fazem parte da rede do Tiago e tantos outros curadores do mercado. Entramos em um ponto essencial para compreender o que leva uma produtora a se interessar pelo seu projeto. Muitas vezes, o interesse nasce a partir do perfil artístico do criador. Afinal, o mercado audiovisual não está preocupado apenas em "adquirir tal história", mas em apostar nos talentos. Você precisa se destacar pela sua voz autoral, perícia na escrita e ponto de vista. Para ilustrar melhor essa questão, vamos analisar o sucesso "Minha Mãe é uma Peça: o Filme" (2013). Independente da sua relação com a obra, é inegável o seu sucesso comercial. Partindo desse ponto, a minha pergunta é: o mercado audiovisual está interessado nas peripécias da Dona Hermínia? Talvez. O mercado está interessado nas peripécias da Dona Hermínia pela ótica do humorista Paulo Gustavo? Com certeza! Tiago exibe bem essa questão. Sua função não é necessariamente receber diversos roteiros por e-mail e procurar, no meio disso tudo, o próximo sucesso do cinema. Pelo contrário, ele construiu durante os últimos anos uma rede de contatos e perfis de roteiristas. Perfis estes que atendem aos objetivos da produtora no momento. O famoso "quem é você na fila do pão". Os método de análise Sobre o processo interno de leitura e análise, Tiago revela um pouco do passo a passo: “eu crio um texto, um resumo do que eu acho do projeto de um modo geral para poder defender em uma reunião”. Quando ele fala sobre “projetos”, o que devemos considerar? Roteiro completo, argumento, bíblia? Tiago revela: “eu li de tudo, bíblia, mini-bíblia, roteiro, sinopse…”. Do material recebido, Tiago também fala um pouco sobre o que acredita ser mais relevante para a sua análise: “Aquilo que você identifica como o forte do projeto depende muito. Você pode enxergar o forte como um tema, talvez a premissa seja mais interessante do que a própria execução do projeto - muitas vezes acontece isso, você se impacta com a sinopse, ou com três linhas de resumo do projeto, mas quando você vai ler o roteiro, ele não entrega aquilo. O meu perfil de análise é sempre olhar, em termos estruturais, como o projeto está, se ele traz personagens que promovem uma certa empatia - sendo antiheróis ou não - e como o projeto me impacta como leitor e possível espectador”. - Tiago de Carvalho Como curador, Tiago avalia que precisa se dividir em duas funções: a de espectador e crítico. Para ele, identificar-se com o texto como espectador, além de crítico, é muito importante para entender as qualidades do projeto em si. O mercado do desenvolvimento e as portas de entrada “Pela Elo Company eu li mais de 300 projetos", aponta Tiago. Quantas pessoas no meio audiovisual tem a oportunidade de ler tantos projetos assim? Diante disso, Tiago conseguiu entender melhor os diferentes perfis de criadores brasileiros. “Roteiristas que estão no mercado há mais tempo costumam falar sobre temas similares com o que eles já fizeram. Roteiristas que estão começando, ou tem uma média experiência no mercado, costumam ousar mais na aproximação de temas e propostas. Isso não é necessariamente uma crítica, mas uma constatação que eu tive”. - Tiago de Carvalho É interessante entender essa questão dos perfis, pois reflete pontos sobre a voz autoral: enquanto roteiristas experientes parecem ter encontrado temas e um estilo concreto para o seu trabalho, são os novatos que, muitas vezes, propõe uma quebra de padrões e expectativas. Ao explorar essa questão, Tiago reflete sobre a busca pela originalidade: "uma dificuldade minha e de várias produtoras é identificar projetos que tenham algo diferente daquilo que já foi feito no Brasil. Se você chega com um projeto de animação que se passa em um lugar pouco explorado no Brasil e você não tem um imaginário pregresso daquilo, é muito difícil você visualizar na tela uma série que traz essa proposta muito ousada”. Sendo assim, entende-se que às vezes a originalidade traz seus desafios. “A falta de referência é uma coisa que chama a atenção. Se você lê uma coisa que não te lembra nada, ou te lembra poucas coisas, é difícil se conectar com o material que você está lendo”, completa. Isso quer dizer que é arriscado propor algo muito fora daquilo que já existe? Tiago responde: “é claro que muitas produtoras procuram projetos inovadores e ousados, mas com certas ressalvas. Toda produtora quer que seus projetos sejam vistos, mas é importante que alguns projetos sejam nichados para alcançar públicos diversos”. Pontos fracos recorrentes nos projetos recebidos Agora que você entendeu um pouco de como funciona a análise e os caminhos para construir uma entrada no mercado, está na hora de entender algumas das dificuldades recorrentes entre os autores. “A maior dificuldade que eu vejo é em não se conectar com o que você está lendo. Se não funciona no texto, provavelmente não funcionará na tela”, Tiago ressalta, mostrando que o lado "espectador" às vezes fala mais alto. “É importante pensar que o projeto precisa brilhar para quem está lendo, não só para quem está escrevendo. Se você não se coloca nessa posição de leitor e de espectador, o texto pode não funcionar”. - Tiago de Carvalho Na hora de escrever um roteiro, um argumento, ou mesmo montar uma bíblia, é muito importante pensar nesses dois termos: o projeto através da sua visão e o projeto através da experiência do leitor. O texto está claro ou exageradamente complexo? É agradável de ler? Você está vendendo os pontos fortes do seu projeto? São muitos os fatores envolvidos e a dica de Tiago é tomar esse tempo para reler o seu material com um certo distanciamento crítico. Isso não é tudo! O fôlego narrativo também tem um papel crucial aqui, como indica Tiago: “outra coisa que eu vejo é que muitos projetos começam muito bem no primeiro ato, em uma premissa muito impactante, mas do segundo ato para frente começa a ficar fraco”. Tiago complementa sua resposta justificando os motivos por trás desses “problemas pós-segundo ato”: “da minha perspectiva também como roteirista, percebe-se que você pensou muito nessa primeira etapa do processo, mas não mantém a qualidade do seu texto, pois você acha que começou muito bem, então basta seguir o fluxo”. Tiago também separou conselhos sobre o material de apresentação que compõe o projeto: “ser conciso, direto e claro naquilo que você quer colocar no papel”. Devemos acrescentar aqui o fator "relevância", considerando os assuntos pertinentes no momento: "é importante pensar no tamanho do seu projeto. Se ele se relaciona com o mundo atual ou se ele vai se relacionar daqui alguns anos”. É claro que ninguém sabe o que vai acontecer no futuro (ou estaríamos “preparados” para a pandemia), mas a relevância do projeto para o “agora” é um ponto muito importante para atiçar o interesse dos produtores. Tudo isso, é claro, envolve uma rede de fatores na carreira de um roteirista. É preciso encontrar sua voz como autor, trabalhar suas habilidades, ampliar seus conhecimentos e fazer contatos. #roteiro #curadoriadeprojetos #roteiristas
- 10 regras de Don Winslow para uma boa relação entre produtores e autores
O renomado autor traz dicas para profissionais do audiovisual baseadas em sua experiência com produtores e estúdios de Hollywood Não é de hoje que as inimizades entre produtores, diretores, roteiristas e autores causam grande desconforto na indústria cinematográfica. Esse, inclusive, é parte do tema de um dos artigos escritos pelo roteirista Don Winslow à Deadline, onde o autor lembra aos produtores e executivos que os escritores de livros e roteiros poderiam ser tratados com mais respeito. Essa noção, embora básica, é quase estrangeira para Hollywood - que, de acordo também com uma matéria da Deadline, "sempre foi melhor em demitir escritores do que em contratá-los". Prova disso são os famosos "causos" históricos de intriga entre diretores e autores. Alfred Hitchcock, por exemplo, notadamente comprou a primeira edição de "Psicose", romance de Robert Bloch, para que ninguém roubasse a idéia. Em seguida, demitiu Bloch antes que ele pudesse terminar seu primeiro rascunho. Já o cineasta italiano Michelangelo Antonioni demitia sistematicamente seus roteiristas após se comprometer com um filme. "Um autor deve descartar as páginas e se concentrar na estética, não nas palavras", disse ele à Peter Bart, da Deadline. David Hemmings, ator de "Blow-Up" (1966), confidenciou que nem ele nem seu diretor jamais entenderam o enredo. Ou seja, a relação de quem dirige ou produz com quem escreve sempre teve espaço para ser conturbada, mesmo quando não deveria ser. Portanto, se você tem um apego imenso pelas páginas que escreveu, é importante entender que o mercado audiovisual está mais disposto a questioná-las do que aceitá-las da forma como estão. Responsável por romances de sucesso, como The Cartel e The Border, Winslow não joga pelas regras desse tipo de dinâmica. Uma postura como a dele é muito importante também para a classe de roteiristas de cinema, que acaba sofrendo com falta de reconhecimento em muitos aspectos. Por isso, trazemos um dos textos de Winslow traduzido e adaptado, com várias dicas sobre como melhorar esse relacionamento entre autores de propriedades intelectuais e produtores, estúdios e profissionais do meio. As 10 principais coisas que estúdios, canais e streamers podem fazer para tratar melhor os autores Texto de Don Winslow traduzido e adaptado pelo Writer's Room 51. 1. Lembre-se de quantos ótimos filmes começaram com ótimos livros ...E o Vento Levou, O Poderoso Chefão, A Ponte do Rio Kwai, A Lista de Schindler, Goodfellas e tantos outros. O que todos esses ótimos filmes têm em comum? Todos eles foram, primeiro, ótimos livros. Da mesma forma, Onde os Fracos Não Têm Vez, Um Sonho de Liberdade, Silêncio dos Inocentes, Tubarão, A Firma, Um Estranho no Ninho. Quer se divertir um pouco? Veja os quarenta anos dos vencedores de Melhor Filme e veja quantos deles foram adaptados dos livros. Eu sei que você ama franquias - Harry Potter, James Bond, Senhor dos Anéis, Jason Bourne e Jogos Vorazes -, todos começaram como livros. 2. Converse com o autor Quando você adquirir um livro, pegue o telefone e ligue para o autor. Por trás da propriedade intelectual que você comprou - e, portanto, que você teoricamente ama -, está uma pessoa que muitas vezes trabalhou anos, se não uma vida inteira, no livro. Portanto, telefonar e conversar com os autores não é apenas a coisa certa a fazer, é elegante. Reserve um momento para dizer a eles o quanto você gostou do trabalho deles e compartilhe seus planos de desenvolvimento e produção. Os autores não são o osso vestigial do cinema corporal, de muitas maneiras somos o coração e o sangue. Isso vale para o roteirista contratado também. Quantas vezes, ao fechar um contrato com uma produtora, o roteirista se sente totalmente escanteado do projeto durante sua produção? Isso acontece, mas não precisa ser assim. 3. Estabeleça um relacionamento com o autor Muitos estúdios pensam que, uma vez assinados os contratos, o relacionamento com o autor termina. Você pode fazer dessa maneira, mas é um erro, uma oportunidade desperdiçada. Castle Rock formou e manteve um relacionamento real com Stephen King e olha para o resultado - ele continuou dando a eles livros e juntos eles fizeram filmes fenomenais como o mencionado Um Sonho de Liberdade, Louca Obsessão, Conta Comigo e outros. Aliás, dois desses filmes foram dirigidos pela mesma pessoa, Rob Reiner, resultando em um sucesso após o outro. Os relacionamentos importam, os autores importam. 4. Incentive o diálogo entre o autor, o roteirista e o diretor Com muita frequência, o diretor e o roteirista veem o autor como um obstáculo e não como uma ajuda, nunca entrando em contato conosco. Mas lembre-se, alguns dos problemas que você enfrenta são desafios com os quais lutamos anos antes. Enquanto livros e filmes são mídias diferentes, as questões estruturais são frequentemente idênticas. Lembro-me de uma experiência em que um livro meu foi escolhido e não ouvi nada por meses. Quando finalmente liguei para o check-in, soube que eles estavam tendo problemas de história e caráter, os mesmos problemas que tive nos primeiros rascunhos do livro, e foi por isso que segui um caminho diferente. Sugeri uma solução e funcionou. Se estivéssemos conversando regularmente, eu poderia ter poupado dois anos, dois roteiristas e vários milhões de dólares em desenvolvimento. 5. Mostre ao autor todos os rascunhos, não apenas o que você gosta Costumo dizer às pessoas do cinema: "dois mil anos antes de você editar, estávamos editando". Entendemos o processo. Conhecemos tentativa e erro, porque é o material de nossas vidas diárias. Então, por favor, não esconda isso de nós. Vamos enviar notas e sugestões. Você não precisa segui-los, mas até a Suprema Corte ouve argumentos antes de dar um veredicto. Novamente, podemos ser ativos e não passivos; aliados, não inimigos. Autores como J.K. Rowling e Stephen King fizeram contribuições críticas para as adaptações cinematográficas de seus trabalhos. Lembre-se, o autor de O Poderoso Chefão Mario Puzo co-escreveu os roteiros para alguns filmes muito bons. 6. Seja transparente Nenhum autor deve primeiro descobrir notícias sobre o desenvolvimento de seu próprio livro na mídia. Essa é a pior coisa que pode acontecer e, infelizmente, acontece o tempo todo. Sei que você passa meses e anos nesses projetos, mas saiba que muitas vezes passamos anos, senão décadas. Minha “trilogia cartel” - O Poder do Cão, O Cartel, A Fronteira - representa um terço da minha vida. Portanto, ler na mídia sobre a contratação de um ator ou o diretor que deixa o filme para outro projeto não é apenas desdenhoso e ofensivo, mas pior ainda, diminui a confiança necessária para uma colaboração produtiva. Podemos receber más notícias, o que não conseguimos é lidar com o silêncio. Mais uma vez, atenda o telefone. Trate-nos como parceiros e seremos. 7. Mantenha a história e os personagens principais intactos Sei que você não acredita nisso, mas entendemos que livros e filmes são mídias diferentes. Sabemos que eles têm necessidades diferentes que exigem mudanças (e, por favor, não fale conosco como se fôssemos crianças. Eu já participei de muitas reuniões em que as pessoas que filmam realmente diminuem a fala quando estão falando comigo). Portanto, algumas mudanças são necessárias, mas você comprou o livro por uma razão e, a menos que essa fosse apenas a premissa, você tem a obrigação de manter a história principal e os personagens. Os filmes de O Poderoso Chefão são diferentes do romance? Certo. Tubarão foi alterado para atender às necessidades do filme? Claro. Mas todos esses filmes mantiveram a história central e os personagens, permaneceram fiéis aos valores centrais dos livros. Eu poderia listar qualquer número de filmes de sucesso que fizeram e, infelizmente, ainda mais que não. Não pegue algo que você ama e transforme-o em algo que ninguém poderia amar. 8. Lembre-se de que uma falha no estúdio não é uma sentença de prisão perpétua Um ótimo livro é sempre um ótimo livro. Portanto, se não for feito em um estúdio, isso não significa que não vale a pena fazer em outro lugar. Escrevi um romance, O inverno de Frankie Machine, que atraiu a atenção de três grandes diretores - Martin Scorsese, Michael Mann e William Friedkin. Scorsese optou por fazer O Irlandês (um bom filme) e Frankie acabou perdendo o desenvolvimento na Paramount. Isso foi decepcionante, mas ainda é o mesmo livro que atraiu aqueles diretores maravilhosos e premiados. Eu acho que ainda daria um bom filme, e talvez um dia ele o faça. Assassinos ganham vida sem a possibilidade de liberdade condicional, não condenam livros ao confinamento solitário. A história continua tendo potência mesmo após uma "falha" de produção. 9. Se um filme ganhar um prêmio, agradeça ao autor Ao longo dos anos, assisti ao Oscar, vi filmes adaptados de livros ganharem Melhor Filme e ninguém agradeceu ao autor. Vamos, pessoal - anos antes de você participar de reuniões, adaptar, lançar, contar histórias, filmar e andar naquele tapete vermelho, algum autor estava sentado sozinho numa sala com a ideia e trabalhando para trazê-la à vida na página . Na maioria das vezes, esse autor também estava lutando para pagar as contas. Eu sei, eu era aquele cara. Assisti atores segurando a estátua dizerem que não esqueceram de suas raízes. Tudo bem, mas não se esqueça das raízes do trabalho que o ajudou a ganhar esse prêmio. Um simples "obrigado" significa muito. Da mesma forma, quantos roteiristas percebem que seu nome foi subtraído do material de divulgação de uma obra? Ou mesmo quantos roteiristas notam a ausência de qualquer menção ao seu nome quando o filme ganha prêmios no circuito de festivais? Não esqueça da origem disso tudo: o roteiro. 10. Apoie o livro Livros, cinema, televisão, streaming de conteúdo, mídia tradicional, mídia social - nas palavras de Lenny Bruce: "somos todos iguais". Quando alguém espirra em Los Angeles, alguém em Nova York diz "Gezundheit". Precisamos um do outro, e você, na indústria cinematográfica, pode fazer muito para apoiar os livros que você optou ou comprou. Fale sobre o livro em suas mídias sociais, use sua rede para divulgar, apareça com o autor em um evento, diga ao mundo por que você comprou o livro, o que você ama e quais são seus planos. Tem alguma notícia interessante sobre elenco? Ligue-nos primeiro e depois informe a todos. Acredite, isso ajuda enormemente, vende livros e é bom para você no final do filme. Nós podemos ajudá-lo também. Me perguntam o tempo todo - quero dizer praticamente diariamente - sobre minha experiência com projetos de cinema e televisão. As perguntas vêm da mídia, mas também dos leitores - protetores dos livros que amam. Eu tenho uma ampla escolha de como responder e quase sempre escolho apoiá-lo. Estamos nisso juntos. Nós precisamos um do outro. #Cinema #Roteiro #Autor #DonWinslow #Hollywood #Dicas
- Escrevendo para grandes públicos (sem perder a voz autoral)
A co-roteirista de "Modo-Avião" (Netflix) Alice Name-Bomtempo compartilha dicas sobre a jornada do roteirista até a sala de roteiro de grandes projetos Para roteiristas que estão iniciando a carreira ou que já estão no mercado há algum tempo, assinar um projeto de grande escala parece ser algo distante e complicado de se atingir. Ao mesmo tempo, circula uma ideia de que só existem dois caminhos a se seguir: ou o de "cinema de arte" ou o "comercial", que envolve projetos com grande público e grandes parcerias como Netflix, Globo ou Amazon. Mas a realidade é, ao mesmo tempo, mais complicada e menos maniqueísta que isso. Roteirista do longa-metragem infanto juvenil "Modo Avião" (2020, Netflix) e de séries como "Vai Que Cola" (2013, Multishow) e assistente de roteiro em "Magnífica 70" (2015, HBO), Alice Name-Bomtempo já trilhou caminhos dos dois pontos de vista. Participando tanto de laboratórios quanto de salas de roteiro comerciais, ela oferece uma visão única e importante que ajuda a esclarecer as dúvidas de muitos profissionais. Como chegar a fazer parte de projetos com grande alcance de público? É preciso atingir um certo perfil de profissional? Como se diferem os processos de escrita desses diferentes formatos audiovisuais? Precisamos deixar de ser "originais" para escrever projetos comerciais? Sobre essas e outras questões, Alice compartilha sua experiência pessoal trabalhando com vários formatos audiovisuais (todas as visões que ela traz são exclusivas suas e não necessariamente refletem a opinião da Netflix). Um pouco da trajetória de Alice Name-Bomtempo Alice entrou na faculdade de Cinema na UFF (Niterói) querendo ser roteirista e diretora. Ela obteve experiência em diversas áreas e acabou dirigindo dois curtas: "Todas as Memórias Falam de Mim" (2015) e "Na Esquina da Minha Rua Favorita com a Tua" (2016), ambos exibidos em vários festivais e mostras no Brasil e no exterior. Com o tempo, percebeu que preferia escrever roteiros, apostando em dirigir apenas os próprios projetos. Isso a fez investir bastante da escrita e perseguir essa carreira profissionalmente. Hoje em dia, a roteirista já chegou num ponto da carreira onde muitos gostariam de estar: co-roteirizou, junto a Renato Fagundes, o longa-metragem "Modo Avião" para a Netflix. Pouco mais de um mês após o lançamento do filme, ele acabou batendo o recorde da plataforma de filme em língua não-inglesa mais assistido mundialmente. Como Alice chegou nesse patamar? No início da carreira, Alice percebeu que o mercado de roteiro era "a mais fechada" em termos de entrada, indicações e afins. Ela entrou de vez no mercado através do Curso Livre de Roteiro da AIC (onde também ministra um curso), conseguindo uma indicação para realizar assistência de roteiro na produtora A Fábrica (RJ). Foi lá que Alice trabalhou por três anos, chegando ao posto de roteirista. "Foi minha principal entrada no mercado", diz ela, que realizou assistência de roteiro para a série "Magnífica 70" (HBO e Conspiração Filmes), roteirização para "A Vila" e "Vai Que Cola" (ambas sitcoms do Multishow) enquanto estava n'A Fábrica. Por que participar de uma produtora foi fundamental? Pois "A Fábrica tinha um currículo muito bom e possuía espaço, com pessoas competentes e já inseridas no mercado", afirma Alice. Participar da série da HBO e "uma questão de de timing, estar no lugar certo, na hora certa" foram grandes pilares da carreira da roteirista. Enquanto estava n'A Fábrica, eu ficava desenvolvendo meus projetos, inscrevia de laboratórios, ia em festivais com meus curtas, que tiveram boa trajetória. Fui conhecendo muito da produção e das pessoas que trabalham com produção no brasil." - Alice Name-Bomtempo Ou seja, essa experiência permitiu Alice de desenvolver suas referências e também entendimento do mercado audiovisual brasileiro. Além disso, ela destaca que desenvolver projetos pessoais é fundamental na hora de encontrar sua "voz autoral" e as questões narrativas que mais importam para os roteiristas. Alice destaca também sua participação no Festival Cabíria, onde leu e analisou muitos roteiros. Isso rendeu outra indicação e entrada numa produtora. Foi participando do desenvolvimento de outros projetos que a roteirista chegou até sua experiência com a Netflix. Com sua trajetória e experiência em roteiro, Alice afirma: "Fui entendendo que quero ter a minha trajetória como realizadora dos meus projetos pessoais, que eu escrevo e dirijo". Um exemplo é o projeto "Nina e o Abismo", vencedor do edital da prefeitura de Niterói, e o longa de terror "Casa da Mata", que já acumula muitos festivais e laboratórios. Com tudo isso em seu histórico, a roteirista conseguiu nos dar um panorama bem completo sobre as diferentes salas de roteiro que existem por aí - e como chegar até elas. A sala de roteiro através dos diferentes formatos O processo de sala de roteiro é quase obrigatório na televisão e segue algumas regras de formação. Algumas possuem um showrunner, outras também abarcam o diretor-geral na criação e assim por diante. Alice já passou por muitas configurações de criação, participando de sitcoms, séries ficcionais e até reality shows. A experiência mais "fora da curva" nesse aspecto foi o do longa-metragem Modo Avião. Ela conta que o longa, encomendando pela Netflix, partiu de um roteiro adaptado de Alberto Bremmer e não teve necessariamente uma sala de roteiro. Sobre o processo de escrita, ela relembra: Era a gente discutindo, escrevendo, às vezes decidindo coisas, mexendo na escaleta, decidindo quem iria abrir cena e contando com retornos da Netflix. E também, às vezes, reuniões com o César Rodrigues, que foi o diretor. Mas não era sala de roteiro. Tinha retornos da netflix, para entender os caminhos do filme, mas não chegou a ser uma sala de roteiro. - Alice Name-Bomtempo Quanto à séries, Alice participou de alguns processos bem diferentes entre si. "No caso do 'Vai que Cola', do Multishow, foi um processo muito específico do programa, que é um sitcom de 45 minutos de duração com 40 episódios por temporada, um formato muito específico", relata. Então é uma escrita muita intensa, de muita gravação, muitas alterações que acontecem, às vezes, muito perto do tempo e você precisa escrever muito rápido. É legal porque, como é um teatro filmado, os roteiristas acompanham o set e a gente vê muito rápido o que funciona e o que não funciona. - Alice Name-Bomtempo Essa dinâmica é realmente bem específica das séries de auditório e sitcoms. Quando se trata de uma série ficcional autoral, a questão da leitura de diálogos ou dinâmicas de cena pode ser mais distante de se vislumbrar. Por isso, é importante que hajam leituras de grupo ou de elenco no desenvolvimento de projetos, pois esse tipo de experiência acaba sendo equivalente ao processo de Alice menciona. E a configuração de uma sala de roteiro mais tradicional? Alice relembra sua experiência como assistente na série "Magnífica 70", da HBO em colaboração com a Conspiração Filmes. A sala contava com a liderança do showrunner Cláudio Torres, três roteiristas e assistente. Já a sala de outra série sigilosa para a Globoplay que Alice participou era maior: um assistente, cinco roteiristas, uma coordenadora e o criador. A experiência de roteirizar um reality show também traz seus desafios específicos. Nesses processos, o roteirista deve, idealmente, "estar mais próximo do set, de questões da produção", diz Alice, a fim de entender totalmente como funciona o fluxo de alterações e até mesmo de estrutura. Em conclusão, a configuração da sala, do processo de escrita e de produção varia muito de projeto a projeto. É uma rotina intensa. É muita coisa para se escrever. Duração de sala de roteiro varia, já vi duração de sala de roteiro de 7 - 8h de reunião direto, já vi de menos tempo, com 4h ou 5h. Às vezes você nem vai estar trabalhando essas 7h por dia, necessariamente, mas tem dias que você vai trabalhar muito mais - seja em reunião ou escrevendo em casa. - Alice Name-Bomtempo Escrevendo para grandes públicos vs projetos pessoais Muitos roteiristas acreditam que exista um processo ideal para escrever um projeto de grande alcance. Alice desmente essa noção: "Não existe fórmula para acertar um filme que alcance um grande público", diz. Ela destaca que o entendimento dos códigos de gênero (no caso de "Modo Avião", basicamente os beats de filmes adolescentes e de comédia) e a colaboração entre os profissionais envolvidos foram pontos-chave no processo de escrita do filme. Portanto, é fundamental que o roteirista domine as estruturas narrativas clássicas, bem como já tenha tido experiência de escrita com o gênero narrativo que gostaria de trabalhar. O roteirista escreve por encomenda, então acho que a gente tem que ter a humildade de entrar em vagas e projetos que talvez não seja necessariamente o que a gente quer, seja o trabalho dos sonhos ou que não seja o perfil do gênero, formato que nos interessa, mas ter a confiança de que a gente está se dedicando e realizando um trabalho ali. - Alice Name-Bomtempo É perceptível que, hoje em dia, existam roteiristas iniciantes que queiram pular essas etapas iniciais e já partirem para seu contrato com a Amazon - mas não é bem assim que acontece a inserção no mercado. Para além dessa questão, se existe um "segredo" para acertar em qualquer roteiro, pode-se dizer que está na boa estrutura narrativa e também na crença do roteirista no projeto. Mesmo não sendo um projeto autoral, "Modo Avião" é um marco no currículo de Alice. "Para fazer projetos meus, isso ajuda, mas ainda é uma batalha", afirma a roteirista. Sobre a diferença entre trabalhar em projetos por encomenda e autorais, ela afirma: "São outro desafios". É diferente fazer um filme com algumas coisas decididas [...]. Teve o processo de descobrir o filme [Modo Avião], enquanto a gente escrevia, eu e Renato, mas as regras do jogo estavam um pouco mais dadas para a gente descobrir. No caso de um projeto original, é meio terapia, literalmente. De você descobrir o que exatamente o quer falar. - Alice Name-Bomtempo Afinal, a alma do projeto original - em qualquer formato que seja - está no roteirista. Quando comenta sobre isso, Alice repete a frase da atriz e roteirista Michaela Coel, da série "Chewing Gum" (2016) : Seu roteiro é uma história, é precioso. Você está escrevendo porque você quer estar no Netflix ou porque tem um desejo ardente de comunicar uma história que desaparecerá para sempre, a menos que você a conte? Espero o último. Preocupe-se com Netflix e TV mais tarde. - Michaela Coel Onde está o equilíbrio entre projetos com maior alcance e os projetos independentes, que começam "do zero"? Por exemplo, Alice está atualmente desenvolvendo o filme de terror "Casa da Mata" (que acumula passagens por diversos eventos, como Cabíria e Talents Buenos Aires). Nesse caso, ela aposta na potência comercial de um filme de gênero, mas também na sua própria voz - que é algo em constante descoberta. "Também acho que existe o lado mais comercial. Mesmo cinema de arte é comercial, ao meu ver", afirma Alice. Ela continua: "Então também acho que tem o lado da gente entender até onde a gente joga o jogo de desdobrar o que certa janela que nos interessa busca. Então, o que o mercado de TV tá buscando ou de filme de arte tá buscando, enfim. E também até onde a gente vai defender algo que é um pouco mais fora da linha mas que a gente acredita". Fica cada vez mais fácil de perceber o quanto é importante que o roteirista conheça o mercado audiovisual ao seu redor. Os caminhos possíveis, as demandas e, principalmente, por onde entrar. Logo, a questão de escrever um projeto de grande alcance não requer sacrificar a voz autoral do roteirista. A questão aqui é ter essas ferramentas narrativas de expressão pessoal bem desenvolvidas. Acho legal não pensar em obras comerciais ou com grande apelo ou alcance popular em oposição a obras artísticas. Acho que fazem muito esse julgamento de valor e análise do que seria uma boa arte de qualidade versus algo de apelo popular. Também diz-se que o grande público não precisa de algo bom, que gosta de qualquer coisa. Falam muito isso em relação à comédia. Acho que isso são duas grandes mentiras, acho que temos grandes obras que provam que não. - Alice Name-Bomtempo Alice crê que o entretenimento não deixa de ser reflexivo e comunicativo - pelo contrário, que esse tipo de produto audiovisual traz questões pertinentes de maneira mais acessível. Inclusive, acredita que essa acessibilidade "não tira o valor artístico" dos projetos de grande alcance. Para ilustrar essa questão, ela traz o exemplo do filme "Parasita" (Parasite, 2019), que venceu a Palma de Ouro em Cannes, um dos mais altos reconhecimentos do circuito de cinema de arte, e também 4 estatuetas no Oscar - o maior título de reconhecimento comercial norte-americano. O filme sul-coreano, que lucrou em torno de US$ 165 milhões nas bilheterias mundiais, traz questões sócio-políticas envernizadas com um forte domínio artístico por parte de Bong Joon-ho, seu realizador. Ou seja, ter essa noção de hibridismo é importante tanto para autores como para o público, na hora de "categorizar" os produtos audiovisuais. Como se apresentar para conseguir trabalhos maiores? Antes de se apresentar para canais em rodadas de negócio ou reuniões, é necessário formar um portfólio e uma base de conhecimento por parte do roteirista. Alice, por exemplo, gosta muito de comédia e animação, algo que estuda e tem muita curiosidade de escrever. "Uma coisa legal de trabalhar com roteiro é isso de ir correndo atrás do que nos interessa fazer, os projetos que a gente acredita, que são coisas nossas", afirma. Em meio disso, ao trabalhar por encomenda ou em projetos diferentes, ela afirma que "também surgem coisas que você não necessariamente esperava e são coisas legais". Nessa empreitada, o roteirista tem alguns caminhos a seguir, como laboratórios de roteiro, rodadas de negócio, núcleos de desenvolvimento e outros. Alice compartilha conosco algumas dicas que fizeram parte da sua trajetória e que podem ajudar os roteiristas que querem firmar acordos com grandes produtoras: 1. Investir em cursos de roteiro Alice afirma que não precisam ser muitos ou super caros. O interessante é se especializar e escolher os cursos "a dedo", utilizando-se também de referências escritas para estudos. Para Alice, o ambiente do curso de roteiro é um local para aprender e conhecer pessoas do mercado - ou seja, pode ser uma porta para indicações de trabalho. 2. "Entender o momento em que você está" na carreira Conhecer pessoas e filmes indo em festivais e laboratórios é uma boa pedida para qualquer roteirista, mas se torna algo bem necessário quando se é iniciante. Nisso, também entra a obrigatoriedade de estar desenvolvendo seus próprios projetos. "Quando se é iniciante, não é tanto uma questão ter coisas realizadas" diz Alice. O importante é ter projetos escritos para mostrar à produtoras ou players. 3. Adquirir experiência como assistente de roteiro Alice aposta muito na posição de assistente de roteiro como caminho para participar de um projeto de maior escala. "É uma ótima porta de entrada porque é uma função que costuma mais próxima da produção toda. [O assistente] anota tudo, sabe tudo, vira uma espécie de bíblia ambulante", afirma. "Ainda que não esteja escrevendo, você ganha muita experiência e contatos com os canais" diz a roteirista, que passou um tempo preparando sua carreira nessa posição. "Assistente é quase um aprendiz de showrunner", diz. Sobre o perfil do roteirista que os canais normalmente buscam, Alice destaca que a experiência com o formato ou gênero do projeto é muito relevante. Tem a ver com níveis de experiência. Por exemplo, se é uma sala de roteiro que tem prazo mais curto e tem que funcionar em engrenagem, mesmo o assistente é importante que seja experiente. [...] Acho que a mesma coisa vale para roteirista. - Alice Name-Bomtempo Nas salas de roteiro do mercado, existem nomenclaturas e hierarquias para os roteiristas quea s compõe, tais como sênior, junior, etc. Para Alice, "a montagem da sala de roteiro tem a ver com esse equilíbrio. Em função das demandas do projeto, tem a ver com experiência e também com afinidade com o tema ou gênero". Ainda de acordo com a roteirista, outro ponto importante para a carreira é "ter um bom texto para apresentar, um bom piloto por exemplo", diz. Afinal, "você conhece o roteirista pelo texto". "Se você quer ser roteirista de TV, escreva pilotos, arcos de temporada, pois isso mostra bastante do seu entendimento sobre estrutura. Se quiser ser roteirista de longa, mesma coisa", conclui. #AliceNameBomtempo #Roteiro #Roteirista #Entrevista #Dicas #MercadoAudiovisual
- Os donos do conteúdo
Co-fundador da Dédalo, produtora de desenvolvimento, Rafael Leal explica a importância do roteirista-produtor e o papel dos núcleos criativos no mercado audiovisual Existe ainda muito forte a figura do "escritor solitário" em nosso imaginário. Ele vira noites no seu apartamento escrevendo páginas e mais páginas da sua obra, pesquisando obsessivamente na internet e tomando litros de café. Muitos roteiristas iniciantes ainda acreditam nesse modelo de trabalho, onde o roteirista é responsável por lapidar sua brilhante ideia para, então, procurar parceiros para a produção. A verdade é que isso está longe de refletir a realidade do mercado criativo. O audiovisual depende da construção coletiva e o processo de desenvolvimento do roteiro não é diferente. Além de suprir demandas criativas, os núcleos de desenvolvimento também possibilitam muitas vezes uma melhor inserção no mercado e até mudam as regras do jogo. Para refletir sobre o papel dos núcleos de desenvolvimento no mercado audiovisual, chamamos o roteirista e produtor Rafael Leal, co-fundador da Dédalo, produtora de conteúdo dedicada à criação e ao desenvolvimento de produtos de ficção para televisão aberta e fechada, responsável por projetos como "A Dona da Banca", "Paixão Futebol Clube" e tantos outros. Um pouco da trajetória de Rafael Leal Formado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Rafael Leal também seguiu na carreira acadêmica. Além de desenvolver projetos para cinema e TV, ele dá aula de roteiro na PUC-Rio, se dedica atualmente ao doutorado e foi eleito para o Comitê Executivo do Screenwriting Research Network, principal associação internacional de pesquisa acadêmica em Roteiro. “Entrei na faculdade de cinema crente que seria diretor, mas quando eu cheguei naquele movimento de ‘bom, agora eu quero fazer o meu filme de final de curso’ não tinha roteirista, não tinha roteiro, ninguém queria fazer roteiro”, explica Leal. De lá para cá, foram mais de 15 anos atuando no audiovisual. Nesse percurso, Rafael Leal já trabalhou em diferentes áreas do audiovisual: foi assistente de direção na Rede Globo, fez traduções, revisões, entre outras funções. Para fazer a transição para o roteiro, Rafael utilizou a sua já formada rede de contatos. Por muitos anos Rafael se dedicou a trabalhar com roteiro em diferentes formatos, do institucional à campanha política, sempre focado em "viver dos próprios projetos". Foi a partir do ano de 2013 que, em suas palavras, “os trabalhos de ficção começaram a superar os outros” e Leal pôde se dedicar mais ao desenvolvimento de projetos para cinema e TV. Em paralelo a essa trajetória individual, a parceria entre Rafael Leal e o também roteirista Marton Olympio foi se consolidando, levando à criação da Dédalo. A Dédalo Leal conta que a sua parceria com Marton Olympio vem desde 2009, quando eles começaram a escrever juntos em um coletivo que levava o nome de “Matadores”. “Eu pedi para um amigo que tinha muitos contatos na Record para ver se ele podia levar um currículo lá. Ele falou ‘cara, vou fazer melhor, eu estou reunindo uns amigos e eu vou levar uns projetos lá’. Aí nós começamos a nos reunir na casa dele e isso foi o embrião da Dédalo” - Rafael Leal No ano de 2014, Rafael e Marton passaram a oficialmente se apresentar como uma produtora de desenvolvimento. Desde então, seu foco é na construção de parcerias com produtoras, distribuidoras e canais, desenvolvendo conceitos, argumentos e roteiros para TV e cinema. “Com o tempo nós fomos descobrindo que como donos do conteúdo nós podíamos trabalhar em parceria com as produtoras em coprodução e não como funcionários da nossa própria criação”, explica Leal sobre o seu plano de negócios para a Dédalo. Com um modelo voltado para a coprodução, produtoras de desenvolvimento como a Dédalo apostam em uma participação mais ativa em seus projetos, da criação da ideia aos meios de exibição. Como funciona uma produtora de desenvolvimento? Sobre o modelo de trabalho da Dédalo, Rafael Leal comenta: “a gente presta serviços de desenvolvimento para produtoras que tenham uma propriedade intelectual que nos interessa trabalhar, ou a gente trabalha em parceria com essas produtoras, em coprodução, como é o caso da ‘Dona da Banca’, com a Raccord Produções". Para o mercado norte-americano, o investimento em propriedade intelectual se tornou um negócio lucrativo. A Marvel, como maior exemplo da atualidade, transformou suas propriedades intelectuais dos quadrinhos em franquias de sucesso para o cinema, TV e streaming. Com um histórico muito voltado ao desenvolvimento de autores-diretores, o Brasil entrou um pouco depois nesse jogo, mas já vemos há alguns anos núcleos criativos e produtoras de desenvolvimento voltadas à criação de produtos audiovisuais sólidos e com intuito de atrair grandes públicos (assim como gerar franquias de sucesso). “Muitas vezes, produtoras e canais nos procuram querendo desenvolver uma ideia que eles já têm ou que eles compraram - um livro, um filme que eles querem transformar em série, etc. - ou então nós mesmos procuramos os canais e produtoras parcerias”, comenta Leal. A regra é clara: a Dédalo só começa uma sala de roteiro com dinheiro destinado ao seu desenvolvimento. Por isso mesmo Leal explica que o seu foco é nessa relação direta com canais: "primeiro, eu quero um contrato de desenvolvimento com o canal. Depois, na hora de produzir, eu procuro a produtora grande, um parceiro”, Depois de 10 Rio2C consecutivos e participação em tantos outros eventos voltados para o mercado audiovisual, a Dédalo já adquiriu contato direto com boa parte dos players. Isso possibilita a criação de um canal mais fácil de comunicação, sem precisar de pessoas ou empresas intermediárias. “Para quem não tem esse contato direto e precisa construir isso, o caminho são os eventos”. - Rafael Leal Se a participação em um núcleo de desenvolvimento de projetos já traz vantagens na hora do roteirista se inserir no mercado, os benefícios para o processo criativo em si são ainda maiores. O que um núcleo de criação agrega ao processo criativo? Muito antes de qualquer contrato ser assinado, a importância dessa rede de criação já é revelada no próprio processo de desenvolvimento. Um núcleo criativo confere ao autor um distanciamento crítico da sua obra através do olhar do outro, além de enriquecer o projeto proporcionando debates construtivos (idealmente, é claro). “A gente sempre dá muito feedback no trabalho do outro, temos uma rede de roteiristas que estão sempre lendo nossos projetos… Essa circulação das ideias, esse trabalho coletivo é muito importante”, comenta Leal. “Audiovisual é um processo criativo coletivo. Essa ideia do roteirista genial, lobo solitário, que pega a sua ideia brilhante e vence todas as dificuldades da vida para fazer o filme dos seus sonhos é do campo da ficção. Ter uma rede por onde os seus projetos podem circular é extremamente importante na carreira de um roteirista”. - Rafael Leal Em entrevista recente concedida ao podcast Primeiro Tratamento, Paulo Barata, executivo com passagem por canais como Globosat e NBCU – Universal, ressalta o importante papel dos núcleos criativos principalmente para a carreira do roteirista iniciante. Segundo Barata, além da experiência envolvida nesse processo, o iniciante se beneficia do peso que uma carteira de projetos mais recheada garante a ele. Barata explica: "num coletivo você tem a chance de construir um portfólio de projetos que tem mais competitividade do que um ou dois projetos isoladamente". Segundo o executivo, esse portfólio de projetos então é endossado por roteiristas com especialidades complementares, agregando bastante ao currículo do próprio iniciante. Se você se interessar pela entrevista, clique aqui e ouça o conteúdo completo. É preciso dizer também que se apresentar como empresa não anula a trajetória individual dos roteiristas. Rafael cita outros casos de núcleos voltados ao desenvolvimento dos projetos, como o Maquinário Narrativo. Embora eles se apresentem como um coletivo, cada profissional tem também suas experiências particulares no mercado audiovisual. “Assim como há produtoras focadas em pós-produção, há também produtoras de desenvolvimento. É uma área que sempre foi internalizada pelas grandes produtoras, mas agora há opções de empresas para as quais elas podem terceirizar essa parte e adquirir com isso uma experiência muito maior” - Rafael Leal Essa terceirização do desenvolvimento de projetos possibilita, em tese, a construção de produtos audiovisuais narrativamente mais bem preparados, pois conta com uma equipe especializada e dedicada integralmente àquilo. Para que esse negócio funcione, não basta ser apenas um roteirista talentoso. É preciso assumir um perfil profissional diferente do roteirista que acredita na ideia pela ideia, no processo como algo derivado apenas da sua vontade artística. É preciso entender o papel da produção na carreira do roteirista. A figura do roteirista-produtor Rafael Leal acredita que, para ocupar esse nicho de mercado, o roteirista precisa ter muito mais do que o domínio das ferramentas dramáticas de criação. É preciso assumir também a produção e entender os seus direitos dentro do sistema de produção e participação de lucros. “Eu tenho experiência de cronograma, de metodologia, de orçamento de desenvolvimento que uma produtora maior do que a Dédalo talvez não tenha”, explica Leal, que reforça a importância do roteirista também "vestir a camisa do produtor" resgatando os ensinamentos do teórico alemão Walter Benjamin: “Tem um texto do Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt, que eu gosto bastante, que me ajudou a pensar esse papel do roteirista como produtor. Ele diz que não tem como você alterar as regras do jogo burguês se você não detiver os meios de produção. Foi isso que me fez constatar que o roteirista precisa ser produtor”. - Rafael Leal Isso significa, nas palavras de Leal, "entender que a relação dele com o outro produtor é uma relação de coprodução, não uma relação assalariada". Em empresas como a Rede Globo, é claro, a história é diferente: você recebe um salário, um plano de saúde, então "tudo o que você escreve pertence a ela". "Não é o caso da relação da maior parte dos produtores freelancers", justifica. "Eles pedem uma Nota Fiscal. Eles querem ter uma relação de empresa, então é preciso que seja uma relação de coprodução, uma vez que eu sou o dono da ideia". “Uma vez um produtor me falou ‘mas você não pode querer ficar com 50%’. Eu falei para ele: mas eu não quero nada, eu já tenho 100%, quem quer é você”. - Rafael Leal Assim, Rafael Leal não nos deixa esquecer que a criação, no fim, pertence ao roteirista. "Se for uma criação de qualidade e se for uma relação em que todo mundo pode ganhar, eu acredito que a coprodução seja a principal ferramenta de condução da carreira de roteirista-produtor”. Graças ao trajeto do Rafael como roteirista e o desenvolvimento da Dédalo no mercado, nos últimos anos eles conseguem entrar como coprodutores dos projetos com seus parceiros comerciais. A coprodução internacional como caminho para o desenvolvimento Quando pensamos em coprodução internacional, normalmente imaginamos modelos de distribuição e produção em si. Diante disso, surgem algumas dúvidas: o Brasil tem potencial para exportar mais os seus produtos audiovisuais? Como pensar caminhos internacionais ainda no desenvolvimento da ideia? “Durante muitos anos houve a mítica no Brasil de que a gente não exportava produtos audiovisuais além da telenovela por causa da língua portuguesa. Daí a gente começa a ver países como Dinamarca, Coréia do Sul e Israel exportando série até não poder mais. É preciso rever esses velhos chavões que sempre impediram uma expansão maior do Brasil nesse panorama internacional”. - Rafael Leal Para quebrar essa ideia, Rafael fala sobre caminhos internacionais para fomento em desenvolvimento de projetos: "existem muitos fundos internacionais de acesso a desenvolvimento. O Hubert Bals Fund, por exemplo, do Festival de Rotterdam, a Fundação Carolina… Existem vários fundos internacionais, vários laboratórios internacionais, existem produtoras e redes na América Latina, nos EUA, na Europa, existem redes de pesquisa acadêmica em roteiro, por exemplo”. Pensar as parcerias e recursos internacionais já na criação da ideia não só é um caminho para financiar a obra posteriormente, como pode agregar no processo criativo. A Dédalo, por exemplo, trabalha bastante com consultores internacionais em seus projetos. Esses profissionais avaliam a qualidade dos roteiros, mas também fazem uma leitura da obra dentro de um panorama mais amplo, como possível produto para exportação. “Se a gente tá conseguindo transmitir a mensagem, se tem um material atraente para uma audiência culturalmente diversa”, completa Leal. Núcleo de criação Writer's Room 51 Além de disponibilizar artigos sobre roteiro, que visam abordar assuntos que vão dos métodos de criação às questões de mercado, a Writer's Room 51 também é uma produtora de desenvolvimento com projetos autorais e serviços de consultoria. Nos últimos meses, decidimos ampliar um pouco mais a nossa missão, agregando profissionais parceiros para formar o nosso próprio Núcleo de Criação, com objetivo de consolidar nosso método de trabalho e formar uma carteira de projetos mais rica e com olhares diversos. Em breve vamos apresentar os roteiristas que compõem o nosso núcleo e alguns dos projetos em desenvolvimento. Fique atento! Como sempre, se gostou do conteúdo ou mesmo tem alguma sugestão para a nossa equipe, deixe um comentário aqui ou nos envie um e-mail através da aba "contato". #roteiro #roteiristas #produtorasdedesenvolvimento #dédalo
- Lulu Wang ensina como transformar sua vida em um filme autobiográfico
Através do case do filme "A Despedida", a autora Lulu Wang explica como traduziu sua experiência de vida para uma narrativa premiada A roteirista, diretora e produtora Lulu Wang nasceu em Beijing, na China, mas construiu sua carreira cinematográfica nos Estados Unidos. Em 2019, o segundo filme de Wang, "A Despedida" (The Farewell, 2019), recebeu atenção mundial ao acumular prêmios e nomeações em diversos festivais de prestígio como Globo de Ouro e Independent Spirit Awards. "A Despedida" é sobre Billi (interpretada por Awkwafina), uma jovem mulher de descendência Chinesa que mora nos EUA, e as tentativas de sua família de manter o diagnóstico de câncer de sua avó escondido da mesma durante os últimos meses de sua vida. Para realizar "A Despedida", Wang teve que mergulhar na própria história de vida, seus medos e memórias mais profundas. Num artigo para o site Movie Maker, a autora divide conosco muitos aspectos preciosos que envolveram a construção de seu memoir movie (ou filme autobiográfico, em português). Como traduzir sua experiência de vida para uma estrutura narrativa? Quais os pontos emocionais e práticos mais desafiadores? Em meio à reflexões sobre o quão significativa foi essa experiência e sobre os desafios únicos de fazer um filme tão pessoal, trazemos valiosos insights da autora Lulu Wang sobre sua experiência. O restante do texto foi traduzido e adaptado da matéria escrita por Lulu Wang ao Movie Maker. Construindo um filme autobiográfico, nas palavras de Wang 1. Definindo o que é "pessoal" O conselho popular dos cineastas é escrever o que você sabe e tornar seu trabalho pessoal. Mas "pessoal" sempre significa autobiográfico? E o autobiográfico automaticamente o torna pessoal? A chave para tornar algo pessoal é a especificidade. Especificidade não precisa significar "autobiográfico", mas sim desenhar a vida real, personagens reais, experiências reais. A especificidade não é fácil, especialmente se você tem uma formação multicultural como a minha. Para contextualizar, tornar "A Despedida" o mais pessoal possível significou criar uma co-produção entre os EUA e China; vasculhar atores de todo o mundo para formar um elenco de 15 personagens; escrever o roteiro e dirigir em dois idiomas, filmando em dois continentes diferentes, com estilos de produção muito diferentes e navegando pelas diferenças culturais entre nossa equipe americana e nossa equipe chinesa. Ainda assim, é uma batalha que vale a pena, porque as histórias se tornam universais por sua especificidade. 2. Honestidade emocional é a melhor política Ao fazer um filme de memórias narrativas, você não se importa com os fatos, como se pode ver em um documentário, mas deseja contar uma história que seja verdadeira para sua experiência e sentimentos. Não se trata de precisão factual, mas de honestidade emocional. Sei o que você está pensando: "Parece uma boa idéia, mas como é o processo de concretamente buscar honestidade emocional? Como decidimos o que colocar no roteiro e o que deixar de fora? Como escolhemos nossos colaboradores e orientamos todo o elenco e equipe para a mesma verdade emocional?” Há uma citação de Mark Twain que diz: "A única diferença entre realidade e ficção é que a ficção precisa ser crível". Quando escrevi e narrei uma versão dessa história para o This American Life e comecei a navegar por todas essas decisões, fiquei dividida entre minha lealdade ao filme e minha lealdade à minha família - tentando ser sincera, mas respeitosa ao mesmo tempo. A realidade é que essas duas coisas nem sempre podem coexistir. É uma escolha impossível, mas você deve fazê-la. Durante a produção de filmes, muitas coisas estão além do seu controle, mas a única coisa sobre a qual você tem controle é o seu roteiro. É onde você mapeia o que é o filme e o que não é, para que ele sirva como um modelo para todas as etapas do processo depois, da preparação à produção. Como escritor(a), escolhendo o que incluir sobre cada um de seus personagens, você precisa considerar quais informações o público precisará para entender por que cada um de seus personagens teria as reações emocionais que eles têm no filme. "A Despedida" explora como Billi e diferentes membros de sua família lidam com a dor, além de seus relacionamentos pessoais com a morte iminente da avó. Para o pai e o tio, a tristeza deles é envolvida por um sentimento de culpa por emigrar da China e deixar a mãe envelhecer sozinha. Para Billi, é sobre o tempo que ela perdeu com "Nai Nai" e todas as experiências compartilhadas que elas nunca terão. Lembre-se: todo personagem é o protagonista de seu próprio filme e, quando o filme é baseado em um elenco, o público deve sentir que o filme pertence a todos e cada um deles. Ainda assim, é muito crucial que um(a) escritor(a)-diretor(a) tenha uma idéia clara da perspectiva dominante da sua história. Embora "A Despedida" seja um filme de "grupo", Billi é a protagonista que nos guia através da narrativa. Então, eu precisava criar um conjunto multidimensional de personagens enquanto simultaneamente enraizava o público na perspectiva de Billi. Parte dessa exploração da perspectiva foi apresentada nas páginas do roteiro, mas grande parte também foi ditada por elenco, cinematografia, edição, design de som e música. 3. Lidando com diferentes idiomas Essa é uma das áreas em que eu me desviei da realidade, porque meu próprio chinês é bastante fluente. Ao escalar Nora (nome real da atriz Awkwafina), eu sabia que o chinês dela era limitado, mas isso não prejudicou a história e, de fato, ajudou a apoiar a idéia de ela ser uma americana totalmente assimilada e pária em sua família. Com o resto do elenco, encontrei atores que tinham habilidades de linguagem semelhantes às da minha família. Isso significava que eu estaria fazendo um filme americano 75% em mandarim com legendas em inglês. Fiz isso não apenas para permanecer teimosamente ligada aos fatos da vida real, mas porque a comunicação - ou a falta dela - é um tema importante em qualquer filme sobre uma família de imigrantes. Além disso, há outras lacunas na comunicação devido à linguagem, cultura e distância. Há uma cena no filme em que essas disparidades linguísticas realmente desempenham um papel vital na manutenção da mentira da família: Billi faz a um médico de língua inglesa algumas perguntas muito reveladoras bem na frente de sua avó, sabendo que ela não entenderá. Fazer um filme bilíngüe geralmente significa ter que escrever um roteiro bilíngue. Quando escrevi o roteiro, ouvi muito do diálogo em chinês, mas o traduzi para o inglês na minha cabeça para que eu pudesse colocar as palavras na página. [O diálogo que seria falado em chinês mandarim estava entre colchetes, assim.] Para nos envolvermos com o elenco chinês e outros parceiros em potencial, tivemos todo o roteiro traduzido por um tradutor profissional. Isso significa que sempre tivemos uma versão do roteiro em inglês e uma em chinês. Como o roteiro continuou a mudar durante a produção, as traduções também foram um processo contínuo. Mesmo depois que chegamos ao set, ocasionalmente eu ouvia uma linha de diálogo chinês que não parecia muito certa e, com a ajuda dos atores chineses, conseguimos fazer com que o diálogo em todos os idiomas parecesse natural e autêntico. 4. Escolhendo o elenco de familiares Uma das perguntas que eu mais recebo é: "Como você escolhe atores para interpretar você ou os membros de sua própria família?" Como é um grupo de atores, trata-se tanto do equilíbrio e da química do grupo quanto da força dos atores como indivíduos. Montar um elenco desse tamanho é muito parecido com um quebra-cabeça - ver como um rosto funciona contra outro para criar simetria ou contraste. A primeira atriz que escalamos foi Nora (Awkwafina) porque ela é a pivô, a forasteira, mas o yin do yang da família. Ela precisava se sentir essencialmente americana, enquanto ainda mantinha uma conexão crível com a China e sua avó. Ela precisava ser capaz de expressar tudo isso com o rosto, já que Billi não é capaz de expressar sua opinião por boa parte do filme. Quando comecei a conversar com Nora sobre o papel de Billi, deixei claro para ela que não estava procurando alguém para me interpretar. Billi não sou eu. Ela é uma personagem que segue uma jornada semelhante à minha e tem as experiências e emoções que eu tive, mas ela não precisa se comportar como eu nem falar como falo. Em vez de tentar me canalizar para minha protagonista, pedi à minha atriz principal que simplesmente trouxesse suas próprias experiências de amor, perda e alegria à personagem. Tomei uma abordagem semelhante ao escolher o elenco, não necessariamente tentando encontrar réplicas visuais, mas procurando uma essência específica de cada personagem que fosse importante para a história. 5. Colocando sua história em perspectiva Ao levar "A Despedida" do roteiro à tela, toda decisão ajuda a moldar a perspectiva - a lente através da qual o público experimenta a história. Minha diretora de fotografia Anna Franquesa Solano e eu escolhemos uma ampla proporção (2:39:1), que é frequentemente usada para paisagens da natureza, como uma maneira de retratar a "paisagem" de uma família. A perspectiva mais ampla nos permitiu capturar as várias faces da família em um único quadro, ressaltando sua importância como uma unidade. Quando Billi está sozinha nesse mesmo cenário amplo, sentimos realmente a ausência de sua família e seu isolamento. Esse enquadramento apóia o tema do filme: individualismo versus coletivismo. As cenas mais difíceis de filmar foram aquelas com umas 15 pessoas em espaços pequenos e num cronograma de filmagem muito limitado. Fazer uma cobertura tradicional de 15 personagens não é apenas desinteressante, mas também demorado. Usamos blocking e a composição para criar cenas longas, economizando singles e close-ups para momentos muito específicos. Criar a linguagem visual do seu filme envolve uma série de opções que combinam criatividade com praticidade. Por isso é importante ver os desafios como oportunidades. Pense fora da caixa em termos de apresentar referências. Usei filmes de terror como referência visual para ajudar a enraizar o público na perspectiva de Billi. Isso pode parecer não convencional para uma comédia dramática familiar, mas o ponto de vista de Billi está cheio de medo e ansiedade. Os filmes de terror têm a ver com criar atmosfera e medo pelas coisas que não vemos, mas sentimos e antecipamos. O monstro de "A Despedida" é a mentira que Billi e sua família contam, mantendo todos no limite da tensão. A vida real não é ditada externamente por gênero; portanto, a mesma situação pode ser engraçada, triste ou aterrorizante, dependendo da perspectiva. Os filmes mais pessoais são os que canalizam a empatia e nos permitem sentir e experimentar junto com os personagens. Nesse sentido, um filme pode ser pessoal independentemente de ser autobiográfico, ficção ou mesmo ficção científica. #Roteiro #Direção #ADespedida #LuluWang #Case #Hollywood #Adaptação
- Os reais motivos para você escrever um argumento
Para que serve, o que não pode faltar e as vantagens que um argumento traz para o trabalho e a carreira do roteirista É verdade que muitos roteiristas gostam de “pular” essa etapa do processo, deixando o argumento de lado para construir logo uma escaleta, ou mesmo engajar na escrita do roteiro de uma forma mais intuitiva. Em alguns casos, o roteirista já desenvolveu outro processo de construção criativa. Em outros, o argumento fica de fora simplesmente porque existem muitas dúvidas a respeito da forma e utilidade de um argumento. Quase todo roteirista tem uma certa noção do que é um argumento, mas não necessariamente entendem todos os benefícios que ele pode trazer para o seu processo e criativo e mesmo sua carreira profissional. Com menos regras e maior flexibilidade de construção (se compararmos com o roteiro em si), o argumento pode intimidar alguns, ou mesmo libertar outros. Para não restar dúvidas, vamos explorar melhor esse assunto e levantar as vantagens de um bom argumento para diferentes etapas do processo do projeto. A importância de um bom argumento Entre a empolgação de ter uma ideia nova e o processo de escrever o roteiro, muita ansiedade pode surgir. A vontade de partir logo para a imersão no universo através da descrição de cenas aparece, mas o roteirista experiente sabe que é preciso muita organização antes de tudo. É nesse “meio do caminho”, onde a ideia precisa ser lapidada e desenvolvida com maiores detalhes que entra o argumento. Assim como o próprio roteiro, o argumento também tem o seu próprio “estilo” e leva tempo para o autor descobrir como trabalhar o texto da melhor forma. O argumento, essencialmente, é o primeiro documento que apresentará o desenvolvimento completo da trama (de forma reduzida). Mais do que isso, é onde o roteirista consegue organizar a sua visão de forma prática. Essencialmente, o argumento precisa capturar os eventos de maior impacto para o desenvolvimento da trama, o tom da história, a jornada de transformação da personagem protagonista e o universo onde tudo isso se passa. Como um verdadeiro mapa, ele confere ao roteirista o privilégio de observar sua trama com certo distanciamento, analisando, em uma escala reduzia, a disposição dos índices narrativos e o arco completo da história a ser contata. É muito importante para o roteirista ter essa clareza sobre a sua própria trama, mas a importância do argumento não para por aí. É também onde o autor vai expressar sua voz e apresentar o seu estilo próprio. Afinal, embora o argumento sirva bastante para o processo de construção, também é uma importante ferramenta de venda. Quem vai ler o seu argumento? Como mencionamos, o primeiro leitor do argumento é você, roteirista. Você tem muito a ganhar com o seu desenvolvimento e certamente conseguirá organizar melhor suas ideias a partir dele. O argumento também, posteriormente, pode ser lido por produtores, diretores, atores ou qualquer outro profissional que você queira agregar ao projeto. É uma janela para o universo que você quer apresentar, capaz de informar sobre a trama, os elementos de destaque, o potencial artístico e até mesmo a voz autoral do realizador. Muitas vezes o envio do argumento para produtores é um passo posterior ao pitching, demonstrando que há um interesse comercial naquela trama. Nem sempre produtores vão ter tempo para ler um roteiro inteiro e, mais do que isso, eles querem a certeza de que não vão perder seu tempo quando realmente iniciarem uma extensa leitura. Assim, o argumento serve para o produtor como uma forma de investir o seu tempo de forma inteligente. Esse documento também é muito útil na hora de atrair outros roteiristas para o seu projeto, considerando que você busca o apoio de um segundo (ou terceiro) profissional para desenvolver a história. É o documento ideal para propor essa primeira imersão no universo da história, bem como revelar os principais pontos de conflito e mesmo os possíveis desafios do desenvolvimento. No argumento pode-se ver com maior clareza os pontos fortes e fracos do projeto. Qual o tamanho de um argumento? Não há uma quantidade “certa” de páginas para legitimar um argumento. Alguns autores, como é o caso do James Cameron, escrevem argumentos de até 70 páginas - o que contraria um pouco o objetivo de “comunicar a história de forma sucinta sem sacrificar os momentos-chave”. Existem também argumentos extremamente reduzidos, apresentando a trama em uma só página. Estes são ótimos documentos para reuniões em rodadas de negócios ou primeiros contatos para uma parceria comercial. Em geral, a maioria dos roteirista optam por argumentos que ficam na margem entre 2 a 5 páginas, ou com o limite de 10, o que costuma ser um padrão em muitos editais que pedem pelo documento. O tamanho do argumento será muitas vezes definido pela sua função, seja como instrumento de trabalho (para si ou mesmo para outros envolvidos no projeto), ou como instrumento de venda. Se você estiver escrevendo o argumento de um longa-metragem ou série para si (ou para um parceiro criativo), o ideal é mantê-lo no limite das 10 páginas (em espaço simples). Dependendo do modelo de produção e o status do projeto, pode ser que você tenha que reduzir esse argumento (para uma segunda reunião com uma produtora, por exemplo) ou mesmo desenvolvê-lo com mais detalhes. Para ilustrar bem essas diferenças de formato, vamos disponibilizar abaixo exemplos de argumento (em inglês) de alguns filmes, divulgados na internet pelos próprios autores. Você vai notar que alguns deles vão direto ao ponto, colocando o leitor dentro do universo da obra e descrevendo a trama a partir daí, em prosa. Outros já oferecem alguns textos de apoio, como logline, ficha de personagens, conceito e tema da obra, descrição de plot points, locações e outros elementos pertinentes para o seu processo. 1) Argumento do filme “Uma Ladra Sem Limites” (Identity Thief, 2013), do roteirista Craig Mazin: Clique aqui 2) Argumento da série "Game of Thrones" (one page): Clique aqui 3) Exemplos de argumentos dos roteiristas Ted Elliott e Terry Rossio publicados em seu site Wordplay: Clique aqui 4) Outline de "Zorro" (1994), de Ted Elliott e Terry Rossio: Clique aqui 5) Outline de "Godzilla" (1998), de Ted Elliot e Terry Rossio: Clique aqui Como escrever um bom argumento? Você entende a função do argumento, mas agora resta saber: o que não pode faltar e o que você precisa evitar? A primeira coisa é entender como sintetizar obras às vezes tão complexas em até 10 páginas (ou muito menos). Em linhas gerais, o argumento precisa incluir todos os pontos relevantes da história (índices narrativos que impulsionam a trama, pontos de virada, clara distinção entre os atos, etc.) e uma clara “voz autoral” capaz de apresentar o tom sem soar estilizada demais. Os subplots devem ser cortados completamente ou reduzidos ao máximo neste momento. O intuito do argumento não é se perder na complexidade de tramas do roteiro, mas entender claramente o seu caminho do ponto A ao B e se este trajeto é claro, relevante e funcional. Essa é a melhor forma de apresentar uma trama a alguém de fora, ou mesmo organizá-la melhor para si. O que não incluir no argumento? Para manter o argumento econômico e o mais claro possível, seguramente muita coisa vai ficar de fora. Essa quantidade de informação/itens varia de acordo com o tamanho do argumento e o seu propósito. Certamente um argumento “de trabalho” pode ser muito mais detalhado e até desvirtuar um pouco essa regra, trazendo “traços de diálogos” e até algumas sequências de montagem - o processo individual é um pouco mais livre para adaptações. Por outro lado, o argumento comercial vai precisar de uma organização um pouco mais rígida, deixando mais elementos de fora. Seguem, então, alguns deles que você precisa evitar na hora de construir um argumento: Reduza ao máximo os elementos expositivos, tanto das personagens, locações ou mesmo ações; Em geral, evite diálogos. Se for colocar um que outro momento, seja muito econômico e não use a formatação de roteiro para trazê-los. Eles precisam de um motivo muito forte para existir em um argumento; Imagens e qualquer outro elemento que não seja texto (isso não é uma bíblia, é um argumento); Parágrafos longos e de difícil leitura, com frases complexas que façam o leitor ler mais de uma vez para entender o sentido; Variedade de fontes. É seguro utilizar uma fonte mono-espaçada como a própria Courier New, padrão de roteiro; Muita “quebra da quarta parede”. É comum ver argumento (e mesmo roteiro) que usa esse artifício para destacar detalhes importantes ou mesmo “divertir o leitor”. O uso excessivo desse recurso pode ser cansativo e até mesmo uma distração daquilo que mais importa - a trama. Todos cientes do papel do argumento e o que evitar na hora de escrevê-lo? Pois o assunto não acaba aqui, não. Tem outras coisas que o roteirista pode “descobrir”, aprender e melhorar a partir do próprio argumento. O que mais o roteirista aprende com o argumento? Fala-se muito do papel do argumento como um importante documento que leva à escaleta e, posteriormente, ao próprio roteiro. A verdade é que o argumento serve também como um instrumento de constante consulta. Quanto melhor solidificada a trama no argumento, melhor também será sua função como material de consulta. Tem dúvidas sobre um ponto de virada? Releia o argumento. Não sabe se a transformação da personagem principal está bem acentuada? Talvez o argumento auxilie. Pensando nisso, o que mais o argumento pode solucionar e como o roteirista pode utilizá-lo como uma fonte de aprendizado constante? 1. Encontrando o título Um bom título é essencial, mas ele nem sempre surge “do nada” (embora às vezes sim). Isso porque existem métodos para construir um bom título, que dialogue com a premissa, o estilo da obra, o público-alvo e ainda seja um bom instrumento para atrair a atenção. São vários os pontos que compõem um bom título e é justamente no argumento que você tem a chance de encontrá-lo com mais facilidade. Aqui, vamos nos inspirar nos ensinamentos da Jill Chamberlain (autora do The Nutshell Technique) para entender como encontrar o título da sua obra. Em seu livro, Chamberlain traz 8 elementos para a construção de uma boa história. Não vamos descrever cada um deles agora, mas destacar um em especial: o que ela chama de Point of No Return (Ponto Sem Retorno, em tradução livre). O Ponto sem Retorno ocorre um pouco antes do segundo ato de uma história (mais ou menos entre as páginas 20-30 do roteiro, idealmente na página 25) e ele é responsável, entre outras coisas, por impulsionar a personagem protagonista para o segundo ato, o "mundo especial". O Ponto Sem Retorno também é responsável por fazer daquela trama uma história única. É onde o protagonista conquista seu objetivo inicial, mas recebe ao mesmo tempo algo indesejável junto dele. Um verdadeiro “cuidado com o que você deseja”. Pela sua importância para a história, o Ponto Sem Retorno muitas vezes inspira o próprio título da obra. Um exemplo citado pela própria Jill é o filme “Identidade Bourne” (The Bourne Identity, 2002). A autora identifica que o objetivo do protagonista (o que o leva ao segundo ato), apresentado na primeira sequência do filme, é “descobrir quem ele é”. No Ponto Sem Retorno, Jason Bourne tem acesso a identidade que confirma o seu nome: Jason Bourne. Junto com ela, porém, Bourne encontra diversos outros documentos com vários outros nomes, muito dinheiro e uma arma. Ou seja, além de perigoso, Bourne provavelmente está sendo perseguido. Esse é claramente o momento que ilustra bem o título do filme. O argumento, normalmente, é a primeira oportunidade que o roteirista tem para explorar o Ponto Sem Retorno da sua obra, o que muitas vezes pode inspirá-lo a pensar em um título que funciona em todos os aspectos apresentados anteriormente. 2. Avaliar se o projeto é viável Com o argumento, o roteirista adquire um distanciamento crítico para analisar muito mais do que a qualidade do texto. É o momento ideal para avaliar o projeto como um todo, situando-o no mundo de forma objetiva. É onde o roteirista tem a chance de entender se a história, da forma como ela é contada, tem todo o potencial para atrair seu público-alvo como ele previa na sinopse, logline e outros materiais. Também é possível ter uma primeira experiência como “espectador”, mesmo que com as devidas restrições. A história está arrastada? Os eventos são interessantes o suficiente para seguir assistindo? Há uma reflexão final que fará o espectador “levar o filme consigo” mesmo horas depois? O argumento possibilita que o roteirista encontre um equilíbrio entre a sua manifestação artística e o que o público possivelmente gostaria de consumir neste momento. 3. Descobrir a melhor forma de “vender” sua história Você já entendeu o papel do argumento como instrumento de venda, mas vale reforçar que, ao lapidá-lo tendo isso em mente, muitas vezes descobrimos potenciais escondidos, capazes de atrair a atenção de produtores e parceiros. Como etapa intermediária entre o pitching e o roteiro em si, o argumento é um importante “segundo passo” depois de encantar um possível investidor com a sua ideia. Já que esses investidores nem sempre querem (ou tem tempo para) ler longos tratamentos, esse importante documento é a chance para você fazer sua história brilhar por uma perspectiva comercial também. Um bom argumento já é um passo à frente no mercado. Não só para o projeto em si, mas também para o profissional. Um argumento bem escrito é um belo exemplo do trabalho de um roteirista. 4. Receber feedbacks consistentes Diferente de simplesmente compartilhar sua ideia ou dividir uma sinopse com alguém, o argumento é o documento mais completo para receber melhores feedbacks de profissionais da indústria. Ao mesmo tempo, é o momento certo para isso, considerando que você terá um material rico e com novas perspectivas para iniciar o roteiro da melhor forma. Compartilhar o argumento com roteiristas experientes ou produtores parceiros pode ser uma experiência enriquecedora. #Roteiro #Argumento #DicasDeRoteiro #Audiovisual #Projetos
- BoJack Horseman: Do Pitching à Produção
Como o criador Raphael Bob-Waksberg desenvolveu a série de sucesso - desde a idéia até chegar ao Netflix É sempre muito interessante - e importante - que roteiristas, autores e profissionais do audiovisual estudem casos de sucesso da indústria. Por isso, trazemos o case de BoJack Horseman (2014), série de animação distribuída pela Netflix que conquistou um público enorme e partiu de uma idéia bem original. Esse texto foi traduzido e adaptado de uma matéria escrita por K. Albasi no Medium. A ideia Para encurtar a história da concepção desse projeto, o criador da animação serializada BoJack Horseman, Raphael Bob-Waksberg, foi criado em Palo Alto, Califórnia, estudou no Bard College em Nova York e depois se mudou para Los Angeles para alcançar seu sonho de escrever comédia para a televisão. Enquanto desenvolvia ativamente suas séries originais na esperança de apresentá-las à produtoras, Raphael teve a ideia de uma animação que incorporava os desenhos da cartunista e ilustradora Lisa Hanawalt, alguém com quem já havia trabalhado. Lisa havia desenvolvido um estilo de desenhar animais antropomórficos, algo que atiçava a criatividade de Raphael. Mas, além do mundo dos personagens animais humanóides, o conceito de uma estrela de comédia desolada vivendo em uma mansão com vista para a cidade veio das experiências mais pessoais de Raphael. Ao se mudar para Los Angeles, ele inicialmente alugou um pequeno quarto em Hollywood Hills, em uma casa opulenta semelhante à de BoJack. E eu cheguei lá, e eu não era ninguém e não conhecia ninguém na cidade. Havia uma estrada sinuosa e traiçoeira para chegar lá, que eu tinha pavor de tomar. Eu me senti desconectado de tudo. E essa ideia de me sentir simultaneamente no topo do mundo e também sozinho e isolado foi o começo desse personagem para mim, e eu queria fazer uma série sobre um personagem que teria todas as oportunidades de sucesso e ainda assim não consegue encontre uma maneira de ser feliz. - Raphael Bob-Waksberg O famoso ditado "escreva o que você sabe" é um conselho muito dado e talvez até ridicularizado, já que costuma ser usado para se dirigir apenas a autobiografias. Porém, a criação do BoJack Horseman mostra que a escrita pode ser inusitada, especulativa e profundamente fundamentado em experiências vividas. Mesmo quando seu protagonista é um cavalo antropomórfico. O argumento Com a semente de uma idéia, o processo oficial começou com uma reunião geral entre Raphael e os produtores da Tornante, uma empresa de produção fundada pelo ex-CEO da Disney, Michael Eisner. Essas reuniões possuem caráter mais "casual" e são comuns no setor. Seu objetivo é simplesmente conhecer profissionais do meio e explorar a perspectiva de trabalharem juntos. Antes da reunião, o agente de Raphael enviou uma variedade de exemplos de roteiros autorais, principalmente specs e esquetes para a trupe de comédia da qual Raphael era membro. Obviamente convencidos das habilidades de Raphael como roteirista, eles o ligaram de volta para ver que idéias de projetos ele teria para eles. Raphael apresentou cinco projetos, um dos quais era BoJack (pelo qual Raphael demonstrou ter mais interesse em desenvolver). Nesse momento, percebemos a importância da "carta de projetos" do roteirista, já que os estúdios e produtoras esperam do autor uma certa variedade de histórias, abordagens e formatos. A Tornante, então, pediu um argumento que eles pudessem "ler e compartilhar", também conhecido como um argumento one-page. A idéia é condensar a idéia da série em uma só pagina. Esse primeiro argumento, portanto, define o conceito da série, expõe os personagens e sugere como a combinação pode levar a histórias e conflitos episódicos. Antes disso, Raphael já havia escrito a idéia de “BoJack, o Cavalo Falante Deprimido” (título inicial) e enviado esse argumento one-page para Lisa, pedindo seu feedback e permissão para usar alguns de seus desenhos em uma apresentação. Nessa fase, existem algumas diferenças marcantes entre a idéia original e o que realmente foi produzido na série. BoJack, como personagem, é o mais desenvolvido - uma falida e arrasada estrela de sitcom dos anos 90, morando em um apartamento em Hollywood Hills. Ele é descrito como "uma união entre Larry David com Bender, de Futurama, em forma de cavalo". Topher é mais ou menos o mesmo personagem que Todd, um tipo "sanguessuga" extravagante. A maior distinção é que Topher é descrito como alguém que sempre busca encontrar mulheres, enquanto Todd é distante quanto aos relacionamentos e eventualmente se assume assexual. Mr. Peanutbutter pelo nome aparece aqui, mas o personagem é completamente diferente. Nesse argumento, ele é o agente de BoJack, comparado a Shaft. Seu papel é principalmente fazer com que BoJack assuma pequenos projetos para fazer. Honeybucket é outro personagem-cavalo com um papel semelhante ao Mr. Peanutbutter que conhecemos na versão final. A personagem de Diane, aqui, lembra um pouco sua personagem no programa, descrita como a namorada de Honeybucket e um interesse amoroso de BoJack. Mas, em vez de ghost writer, ela é descrita como uma executiva de desenvolvimento. Dá para ver, por exemplo, que as personagens femininas aqui são bem pouco desenvolvidas fora de seu relacionamento com BoJack. O pitching Tudo isso preparou o terreno para um pitching oficial ao chefe da Tornante, Michael Eisner. Para Raphael, a preparação para o pitching significou o desenvolvimento de sua logline, o detalhamento dos personagens e produzir um resumo de possíveis episódios. No momento desta reunião com Eisner, os personagens já se assemelham mais a quem são na série atual. Os papéis de Chelsea e Peanutbutter culminaram na princesa Carolyn como agente e ex-namorada, Honeybucket permanece o mesmo, mas renomeado e reclassificado como Mr. Peanutbutter e Diane é agora a ghost writer de BoJack. Sua herança vietnamita é incluída e sua personalidade é desenvolvida como "otimista, mas não tão enjoativa" e um senso de humor seco. No pitching, Raphael também trouxe sete sinopses de episódios com tamanho de três a sete parágrafos. "BoJack faz uma festa!" e "BoJack apóia as tropas!" basicamente refletem os dois primeiros episódios que eventualmente foram produzidos. A série, aqui, é apresentada de maneira muito mais episódica do que BoJack Horseman realmente se torna, com mais histórias independentes para cada episódio e poucas indicações de um arco de temporada ou série. O piloto A reunião resultou em um sinal verde de Michael Eisner, o que significava que a Tornante financiaria uma apresentação do piloto para levar aos distribuidores. Para fazer BoJack, portanto, o projeto ainda precisava ser comprado por um canal de televisão ou serviço de streaming. Com a Tornante agora apoiando o projeto, BoJack poderia ser desenvolvido ainda mais. A equipe tentou trazer Lisa Hanawalt para trabalhar nos desenhos para a apresentação de vendas, mas ela inicialmente os recusou. O estúdio, então, tentou alguns outros animadores, mas nenhum deles estava trabalhando com o estilo gráfico que Raphael imaginava. Enquanto isso, Raphael estava começando a escrever os roteiros. A Tornante primeiro pediu a escaleta de um episódio (piloto), contendo de dez a quinze páginas e descrevendo os pontos do plot beat a beat. Esse formato de escaleta é bem comum no mercado, já que mostra aos executivos quais os personagens envolvidos, os principais conflitos, pontos de virada e fechamentos de modo sintético e claro. Rafael já havia escrito o piloto, mas seu agente explicou que tudo aconteceria a seu tempo: ele seria pago pela escaleta primeiro. Depois disso, ele foi contratado para escrever os demais roteiros que acompanhariam a apresentação. Mesmo desanimado com a perspectiva de vender BoJack, acreditando que ninguém realmente se interessaria, Raphael finalmente conseguiu o apoio de Lisa, que se integrou à equipe criativa. Dada a importância de seus desenhos para a estética da série, é difícil imaginar o que seria sem ela. Além disso, projetos de animação possuem demandas de equipe específicas, já que lidam diretamente com estilos visuais e originais. Por isso, é bem importante "anexar" um animador (ou mesmo um time) ao projeto desde cedo, que poderá acompanhar e ilustrar as apresentações. Com Lisa à bordo e alguns roteiros de Raphael já prontos, eles começaram a desenvolver o que seria essencialmente um piloto, ou “prova de conceito” (proof of concept). Para mostrar o tom da série e deixar o pitching ainda mais forte, decidiram desenvolver essa versão mais bruta do piloto por conta própria. Para isso, a equipe de Raphael contratou Mike Hollingsworth como diretor-supervisor e escalaram Will Arnett, Aaron Paul, Amy Sedaris e outros atores como dubladores. Esse período de desenvolvimento durou todo o ano de 2011 e 2012. Durante esse processo, Raphael também foi contratado para trabalhar como roteirista em algumas outras séries, como "Save Me" (2013) da NBC - o que lhe deu mais experiência em escrever para a televisão e trabalhar em uma sala de roteiro. Quando a apresentação de vendas de BoJack finalmente terminou, a equipe abordou diferentes canais de venda, variando o tom do pitching de acordo com os pontos fortes e especificidades das empresas. Para a Netflix, uma das principais empresas de conteúdo original da época, Raphael se concentrou no potencial serializado do programa. A equipe chegou até mesmo a apresentar ao Animal Planet. Ao realizar pitchings de vendas, comparações com outras séries também são uma boa maneira de trazer à tona a imagem do projeto. Em vários momentos, por exemplo, BoJack Horseman foi comparada à séries como Girls, Louie, Madmen, Archer e Greenberg. Depois de apresentar à Netflix a primeira temporada completa, passando com eles por todos os episódios do primeiro arco da primeira temporada, a distribuidora lançou um prazo bem desafiador à Tornante: a primeira temporada deveria ser lançada em menos de um ano. [Netflix] disse: 'neste verão, ou não queremos.' Basicamente. A produção Esse prazo apressado significou aumentar a equipe inteira para escrever a primeira temporada e finalizar todos os personagens e cenários. Tudo isso enquanto as dublagens eram gravadas. Finalmente, a equipe começou a animar o programa. Os roteiristas foram avisados de que estariam fazendo horas extras com esse pouco tempo para concluir a série. E mesmo com o projeto de BoJack Horseman sendo desenvolvido há mais de dois anos, esse processo ainda envolvia aprimorar o conceito e decidir sobre o que a série era, afinal. Algumas anotações de Lisa provenientes de uma reunião de design ilustram esse processo: - caderno de bojack - narcisista miserável - livro vai fazer todo mundo me amar - livro de sucesso é publicado - ele consegue tudo o que quer, mas ainda está infeliz. Esse momento do processo de criação mostra como escritores e designers chegam ao coração de um personagem - nesse caso, animado. Portanto, houveram muitas conversas sobre como escrever e descrever esses personagens, alterando o design geral de modo considerável. Algo que queríamos deixar claro desde muito cedo com BoJack era que queríamos fazer você simpatizar com ele; queríamos que você sentisse a dor dele e queremos que você deseje sua melhora. Nunca quisemos que ele fosse uma figura aspiracional. Ele não é um cara legal. - Raphael Bob-Waksberg O que isso significava para cada roteirista da sala de roteiro era algo diferente. Na hora de desmembrar um episódio, um processo colaborativo de escaletar e descobrir os beats da história, haviam muitas discussões sobre o que o BoJack faria de fato e se essas ações seriam perdoáveis. Depois de escaletar cada episódio na sala de roteiro, os roteiristas saíam por conta própria para escrever os primeiros tratamentos de um episódio atribuído a eles. Estes tratamentos eram então lidos por toda a sala de roteiristas, assim como Raphael, para depois disso encarar mais revisões. Nesse momento, depois das primeiras considerações, os roteiros passaram por uma leitura rápida para ver como funcionava com as inflexões de cada membro do elenco. Esse momento é fundamental para entender o que funciona em termos de diálogo (algo que lidamos em outro post com mais detalhes) e também de personagens, já que os dubladores estão presentes nessa leitura. A revisão final envolveria Raphael aprimorando os roteiros para obter um tom consistente e também um arco completo. De maneira geral, inúmeras decisões e dezenas de artistas contribuíram para o que vemos agora na tela. A semente daquela idéia de "BoJack, o Cavalo Falante Deprimido", foi o que gerou a aclamada "BoJack Horseman" como conhecemos, mas o desenvolvimento dessa idéia ao longo de vários anos mostra como a escrita e criação realmente precisa de tempo para se transformar em algo original e inesperado. E você, gostou de saber sobre o processo de BoJack Horseman? Conte para nós as suas impressões! #produção #série #roteiro #processos #BoJack #Netflix
- Os principais desafios dos roteiristas brasileiros
Conversamos com três roteiristas em estágios diferentes da carreira para entender seus caminhos, conquistas e angústias Ser roteirista no Brasil tem suas dificuldades, não é mesmo? Isso faz com que não exista um caminho muito claro para “chegar lá”. Cada vez mais percebemos que alcançar um lugar no mercado audiovisual depende de muitas variáveis e acontece de diferentes formas. O que faz esse caminho tão difícil? Será que é só ser bom naquilo que fazemos? Qual o peso do networking e das premiações em concursos? Se você já se perguntou alguma dessas questões pelo menos uma vez na vida, continue acompanhando esse texto. Tivemos o prazer de conversar com três roteiristas diferentes, cada um na sua própria fase no mercado audiovisual. O objetivo é entender como foi o caminho de cada um, o que precisa mudar na indústria audiovisual e que dúvidas restam para o futuro. Para complementar todo esse papo, teremos ainda a contribuição da produtora executiva Laura Barzotto, que atualmente trabalha na Abrolhos Filmes (São Paulo). Esse é o primeiro de uma série de conteúdos que pensamos junto com a Laura, abordando assuntos pertinentes sobre roteristas e o mercado de trabalho. Então fique ligado que em breve vai ter muitos conteúdos complementares no instagram da Laura! Os diferentes caminhos dos roteiristas Leonardo Ortiz, roteirista e editor de livros, construiu seu caminho no audiovisual de forma muito própria. Formado em Editoração pela USP, Ortiz já tem 10 anos de experiência no mercado editorial. Também formado em Audiovisual pela ECA (USP), Leonardo deu seu primeiro passo na área trabalhando em uma empresa parceira de um banco, em um programa de inovação que trazia como proposta prestar consultoria de comunicação para startups. “Eu acho que preparação de texto é muito interessante para o roteirista porque é uma coisa que te ensina a pesquisar. Dentro da preparação de texto, por exemplo, se está lá escrito que a Primeira Guerra Mundial aconteceu de 1914 a 1918 na Europa, você enquanto preparador de texto vai pesquisar se o conflito chamava Primeira Guerra Mundial mesmo, se aconteceu na Europa ou em outros lugares do mundo, se foi de 1914 a 1918 mesmo…” -Leonardo Ortiz Ortiz acredita que a experiência com preparação de texto e pesquisa conferiu algumas vantagens profissionais para o seu trabalho no audiovisual, dialogando principalmente com o tipo de processo que ele prefere como roteirista. “As pesquisas ajudam no roteiro - vão desde datas, notícias antigas de jornal, até efeitos de remédios porque um personagem precisa matar o outro, por exemplo. O mundo da editoração, nesse sentido, me serviu muito para o audiovisual”, explica o próprio Leonardo. Há um pouco mais de 1 ano, Leonardo Ortiz entrou na produtora O2 Filmes e hoje faz parte de alguns projetos da casa, onde trabalha principalmente no desenvolvimento do software de roteiro Teksto, que lançará em breve no mercado. Em suas palavras, “não só um software de desenvolvimento de roteiros, mas um software de desenvolvimento criativo”. “O que eu faço é estudar teorias de roteiro e pensar junto com os programadores o que a gente pode programar e transformar em ferramentas virtuais para o desenvolvimento desse software. Dentro desse software eu estudo Mckee, eu estudo Truby, todos esses teóricos. Nesse meio tempo a gente acaba trabalhando em alguns projetos”. - Leonardo Ortiz O processo de desenvolvimento do software ampliou suas possibilidades na própria O2, levando Ortiz a circular por diferentes salas de roteiro da casa. “Para poder criar ferramentas para salas de roteiro, você passeia um pouco pelas salas de roteiro da O2. Ver como cada uma trabalha, ver as especificidades, como cada uma escreve a escaleta, você tem acesso a isso, você lê, você estuda…Eu fiz esse passeio de conversar com vários roteiristas, de entender como a HBO responde, de entender como a Amazon responde, de entender como a Netflix responde, o que é prática comum de mercado, o que são as coisas que a gente não sabe fazer ainda, etc”. - Leonardo Ortiz Para ele, toda essa experiência proporcionou um domínio da parte “técnica e burocrática” do processo de construção de roteiros, o que Leonardo entende como “essencial porque as pessoas em geral não sabem tudo isso”. “As pessoas que estão se inserindo no mercado acham que só importa a criatividade, mas na verdade não! Talvez seja o que menos importa. O que importa para os canais é cumprir cronograma, fazer tudo no prazo, fazer coisas que são filmáveis, etc.”, explica o roteirista, que completa: “sinto que já desenvolvi essas habilidades e acho que o próximo passo, agora, é tentar ir para o campo criativo”. Embora venha de outro mercado, Leonardo Ortiz conseguiu uma interessante inserção no meio audiovisual por uma via que proporcionou a ele a chance de desenvolver seus conhecimentos técnicos e ao mesmo tempo fazer bons contatos. A questão para ele neste momento é: como fazer essa transição para um ambiente onde ele pode desenvolver mais o seu lado criativo? Que caminhos existem para quem, além de construir uma carreira em salas de roteiro de grandes projetos, também quer se lançar no mercado com a sua própria voz e conteúdos autorais? Em paralelo a isso, uma outra questão surge: como se apresentar no mercado considerando que boa parte da sua experiência não pode ser abertamente discutida (principalmente por contratos de confidencialidade)? Diferente de Ortiz, Márcio Schoenardie, roteirista e diretor, trilhou um caminho um pouco menos técnico, dependendo principalmente do “aprendizado na prática” em seus primeiros passos no meio audiovisual. “Eu entrei no mercado lá no final dos anos 1990, começo dos anos 2000, mas eu não entrei como roteirista. Na minha época não tinha faculdade de cinema ainda, eu fazia faculdade de Publicidade. Comecei estagiando como assistente de produção. Eu fui me descobrindo, na verdade”, explica Schoenardie. Com a popularização dos cursos voltados ao audiovisual (que vão da Graduação a cursos técnicos, workshops e muitos também online), essa já não é a realidade de inserção de vários profissionais que hoje se encontram no mercado. “E eu sempre almejava ser o diretor! Quando a gente entrou estagiando, a maioria dos meus amigos também queria ser diretor”, confessa o roteirista, ressaltando: “ser diretor depois de um tempo começou a me obrigar a saber o que eu queria contar e escrever os meus próprios roteiros”. “Fiz os meus dois curta-metragens na linha infanto-juvenil, que é uma coisa que eu gostava e ainda gosto. Me tornei roteirista porque eu fiz os roteiros desses meus curtas, para botar nos editais para que eles pudessem acontecer” - Márcio Schoenardie Márcio conta que seu primeiro trabalho como roteirista foi ainda em Porto Alegre para a RBS TV (afiliada da Rede Globo), na série “Fantasias de Uma Dona de Casa”, dirigida pela Ana Luiza Azevedo (Casa de Cinema de Porto Alegre). “Enquanto eu fazia os roteiros eu ia tendo aulas também, com o Jorge [Furtado], com a Ana, com as pessoas com quem eu trabalhava”. - Márcio Schoenardie Schoenardie desenvolveu principalmente o humor e tem experiências tanto na TV como no cinema. Na direção, Márcio assina títulos como “Mulher de Fases” (HBO), “Rotas do Ódio” (Universal), onde assume o papel de co-diretor e “Os Bravos Nunca se Calam”, longa-metragem a ser exibido em um futuro próximo, mas que já foi destaque no Festival de Cinema de Brasília. Como roteirista, Márcio participou principalmente de projetos televisivos, como a série “Fora de Quadro” (Canal Brasil), roteirizada e dirigida ao lado de Janaína Fischer e a série “Doce de Mãe” (TV Globo), vencedora do Emmy Internacional como Melhor Série de Comédia em 2015. Qual o status atual do mercado? Quais são as principais angústias dos roteiristas? Bem como entender os possíveis caminhos para se tornar roteirista ou diretor, é preciso conhecer o mercado onde estamos entendidos. Além disso, é fundamental aplicar a autocrítica, para que a reflexão abra caminhos palpáveis a serem seguidos dentro do setor e possibilite uma verdadeira reinvenção. Para Ortiz, a situação do mercado audiovisual é complicada: ele enxerga o setor como algo “muito desestruturado e amador em alguns sentidos”. Ortiz também não vê “um caminho certo” e bem definido a se seguir - principalmente para autores e roteiristas. Por que isso acontece? Ortiz salienta que talvez seja em razão da relação desigual entre oferta, demanda e formação de profissionais. “No mercado audiovisual a gente tem uma escassez imensa de mão de obra. Tem uma demanda gigantesca vindo cada vez mais e ao mesmo tempo nós temos profissionais no mercado que não estão dispostos a formar pessoas. Eles querem que as pessoas estejam prontas e que elas cheguem para resolver o problema”. - Leonardo Ortiz Essa questão traz verdadeiras angústias por parte dos roteiristas brasileiros. Para trazer um pouco da perspectiva de quem está dando os primeiros passos na indústria audiovisual falamos com a roteirista Priscila Martz, formada em Comunicação Social, Artes Cênicas, Dramaturgia e que atualmente estuda roteiro por conta própria. "Acho que a maior angústia é não estar recebendo para respirar numa sala de roteiro. Os outros profissionais conseguem resolver todo tipo de questão, mas não são as pessoas ideais para discutir diálogo, estrutura e plot." - Priscila Martz Como encontrar salas de roteiro para se fazer parte? Como funciona o ingresso nesses locais? Se para um roteirista veterano essa dúvida ainda está presente, para os que estão iniciando a carreira fica tudo ainda mais abstrato. Para entrar no mercado, Martz primeiro participou de duas webséries que conquistaram prêmios internacionais e, por causa disso, foram procuradas por um grande canal. Hoje em dia, está participando do desenvolvimento de três séries. “Ariel” e “Na Minha Pele” estão em fase de aquisição, enquanto a terceira está em ‘quarentena’, como comenta. Encontrar o equilíbrio entre a técnica e a voz própria parece ser outra grande dificuldade dos profissionais desse ramo. Depois de acumular experiências em trabalhos de grande alcance, Schoenardie busca um caminho mais autoral. Em suas palavras, “emplacar algo que tenha relação com o meu universo”. “Eu sinto que a gente ainda tem uma fixação na fórmula. É assim, tem que usar a fórmula, mas tem outra coisa do roteiro que envolve a intuição também. É a tua história". - Márcio Schoenardie Como obstáculo para isso, o roteirista aponta a dificuldade em emplacar produtos audiovisuais dedicados a gêneros como fantasia e aventura, que historicamente demandam um investimento que nem sempre faz parte do orçamento das produtoras e investidores. “Eu acho que a gente não sabe misturar gêneros”, comenta Schoenardie. Seu objetivo é esse, poder desenvolver projetos autorais que mesclam diferentes gêneros cinematográficos de forma equilibrada. Ortiz concorda que essa falta de acessos dentro do mercado atual prejudica a descoberta pessoal dos autores. Para ele, quando o roteirista "está mais preocupado em vender um projeto do que em contar uma história”, isso se torna um problema. O que podemos fazer para melhorar a atual situação do mercado? Como o nosso objetivo aqui é aprender com as experiências particulares de cada um, reunimos também reflexões inspiradas nas entrevistas. São propostas que podem lançar uma luz sobre o tema, propondo mudanças estruturais no nosso mercado audiovisual. 1. Fomentos governamentais Márcio acredita bastante no papel fundamental das leis de incentivo e o aporte do Fundo Setorial do Audiovisual para o fomento do setor que, em suas palavras, “é como uma bicicleta antiga difícil de pedalar”. “O Governo tem que retomar alguma coisa senão em pouco tempo a indústria desmorona muito. Eu tento ser otimista nesse aspecto, de que a gente está sabendo pelo menos debater mais sobre isso tudo”, responde Schoenardie. O roteirista completa: “a gente sabe o que precisa hoje. A gente precisa gerar produtos diversificados para um público muito amplo que tem uma demanda muito grande”. 2. Rodadas de negócios em eventos e festivais Schoenardie também acha as rodadas de negócios essenciais: “uma grande maneira de, no mínimo nos conhecermos”. Nesses ambientes, a idéia é “conhecer pessoas do mercado" para depois reencontrá-las, pois assim as produtoras já reconhecerão os roteiristas como profissionais atuantes no mercado. Portanto, o papel de circular por festivais e rodadas de negócios é fundamental na carreira. Isso levanta questões que já são identificadas pelo mercado como pontos de atenção, fazendo o roteirista refletir sobre o próprio processo. 3. Espaços para debater teorias, roteiros e criar coletivos Schoenardie afirma: “ter acesso a informação é essencial, mas também é preciso ter acesso uns aos outros”. O papel de debater roteiro, de construir locais de troca de ideias, informações e estudos é absolutamente fundamental. Sobre isso, ele comenta sobre o papel da intuição no processo de construção, o que não invalida utilização de fórmulas e guias para a construção narrativa. Pelo contrário: um processo pode alimentar o outro. Já Ortiz montou um grupo de estudos para entender, na prática, os processos criativos. Esse grupo se transformou na sala de roteiro que deu origem à série vendida através do Serie_lab. “Sou um pouco cético a respeito desse modelo de negócio. Nossos projetos, como roteiristas, em geral não são bons o suficiente… É difícil falar isso, mas é verdade. A gente precisa primeiro aprender a fazer para depois aprender a negociar”, Ortiz ressalta. Isso vale como uma chamada tanto para o roteirista quanto para o player (ou produtor), pois Ortiz se refere a um modelo centrado em rodadas de negócios, mas muito pouco em ferramentas de formação. "Em vez de fazer essas rodadas de negócio, talvez a gente tenha que fazer alguns workshops de formação”, comenta. 4. Conhecer o público-alvo do projeto e apostar na versatilidade como autor O autor ou roteirista também precisa ter noção do público-alvo de seu projeto. Isso interfere não só na escrita como também na negociação mais adequada para a obra. Martz, por exemplo, afirma: "[...] tento entender o comportamento do público-alvo para adequar seus desabafos, suas questões e suas preferências aos meus interesses". Já Ortiz traz a questão da versatilidade dentro dos projetos: “Eu, enquanto roteirista, entendo sala de roteiros de série como trabalho - é onde eu me posiciono e onde eu pago minhas contas - de preferência ficção, mas não vejo problemas em desenvolver reality shows, por exemplo. Tenho projetos de longa, tenho projetos de curta, mas eu encaro aquilo como a minha expressão artística". Todo roteirista precisa saber se adaptar a formatos e exigências diferentes, mas também entender o que há de mais relevante na sociedade hoje. Afinal, a indústria valoriza projetos que marquem seu lugar no presente, unindo uma voz autoral singular a uma compreensão certeira de processos e técnicas. #roteiro #processosdecriação #dúvidasderoteiristas
- Especialistas apontam os erros de roteiro mais comuns
Quer entender quais são os erros de roteiro mais recorrentes e saber como evitá-los? Jill Chamberlain e John August opinam sobre o tema Quais são os erros que você mais comete ao desenvolver um roteiro? Você já refletiu sobre isso? O processo avaliativo do nosso próprio trabalho também faz parte do estudo de roteiro e é uma ótima ferramenta para o crescimento profissional. Pensando nisso, resolvemos nos inspirar nas dicas de duas grandes figuras do mercado audiovisual para entender quais são os erros de roteiro mais comuns (e como evitá-los). Não estamos falando apenas de roteiristas iniciantes! Muito roteirista experiente acaba caindo em algumas dessas armadilhas também. A autora e consultora Jill Chamberlain tem fortes opiniões sobre o assunto e compartilha muitas delas em uma série de vídeos que você pode acessar aqui. Depois de uma breve carreira como cineasta independente, Jill se dedicou a consultoria de roteiro e desenvolveu o livro “The Nutshell Technique: Crack the Secret of Successful Screenwriting”. O que é Nutshell Technique? Publicado em 2016, “The Nutshell Technique: Crack the Secret of Successful Screenwriting”, segundo a própria autora, foi desenvolvido com intuito de solucionar alguns dos principais problemas que Jill identificou como consultora de roteiros com o passar dos anos. O livro se propõe a apresentar diagramas fáceis para você organizar sua história antes de desenvolvê-la, inclusive demonstrando 30 exemplos diferentes de filmes clássicos que, segundo a autora, encaixam perfeitamente em seu esquema estrutural. Rapidamente o livro conquistou o primeiro lugar entre os mais avaliados da Amazon na categoria “roteiro” e já vem sendo utilizado em universidades por todo o globo. Os erros mais comuns segundo Jill Chamberlain Para Chamberlain, a maioria dos roteiristas falha em simplesmente contar uma história. Parece algo simples, mas não é bem assim. Para ela é preciso compreender o papel determinante de uma boa estrutura para “maximizar a história que se quer contar”. No lugar de contar uma história, Chamberlain comenta que muitos roteiristas apenas “apresentam uma situação”, traçando uma clara distinção entre esses dois pontos. Segundo Chamberlain, no lugar de um mecanismo que limita o roteirista, a estrutura pode indicar o caminho para ele encontrar uma “voz”. A voz do autor, apresentada pelas suas escolhas e inserida em todos os elementos que compõem o seu roteiro. Afinal, que distinção ela faz entre contar uma história e apenas descrever uma situação? Contar uma história x apresentar uma situação Você consegue identificar de primeira a diferença entre contar uma história e meramente apresentar uma situação? Jill Chamberlain nos conduz por essa linha de raciocínio através do exemplo do filme "Tootsie". Como consultora, Chamberlain diz que em sua experiência profissional 99% dos roteiristas caem nessa mesma armadilha: falham em escrever uma história e acabam por descrever apenas uma “situação”. “A vida é uma situação. Isso acontece, então aquilo acontece, então aquela outra coisa acontece… Uma história é: isso acontece, o que leva aquela outra coisa acontecer, o que torna irônico aquele terceiro acontecimento. Existe uma conexão entre as partes". - Jill Chamberlain Como saber se você construiu uma história ou apenas uma situação? Jill Chamberlain sugere um método prático que talvez você já conheça (mas talvez também nunca tenha experimentado): troque o seu protagonista por outro totalmente diferente e veja se a história funciona da mesma forma. Se funcionar, está aí: sua história é apenas uma situação. “Se você está contando uma história, uma vez que eu tiro o seu protagonista, ela não funcionará mais”. - Jill Chamberlain Para entender melhor essas e outras questões de distinção entre história e situação, vamos analisar o exemplo do filme "Tootsie". O exemplo "Tootsie" “99% dos roteiristas que eu conheço estão escrevendo o que eu chamo de um Tootsie gordo”, diz Chamberlain. O que isso significa? Para entender a questão precisamos, antes, observar alguns aspectos do filme original. Lançado em 1982, Tootsie conta a história do ator desempregado Michael Dorsey que, desesperado por conseguir qualquer papel, veste-se de mulher e passa em um teste de elenco para um programa de televisão. Enquanto Dorsey vive essa “segunda vida secreta”, precisa encarar de frente alguns dos problemas que as mulheres sofrem na sociedade, muitos deles perpetuados pelo próprio protagonista. Para exemplificar a questão levantada, Chamberlain propõe revisitarmos a trama de "Tootsie", mas agora mudando sua característica central. No lugar de tentar um papel feminino, agora o protagonista precisa camuflar-se como um homem obeso para passar no teste. Desesperado pelo papel, na nova versão proposta Dorsey procuraria seus amigos da indústria que trabalham com efeitos especiais e maquiagem para transformá-lo em um homem obeso. Mesmo que o filme siga praticamente igual a partir daí, essa pequena alteração altera drasticamente o status da história. O problema é que essa nova proposta para Tootsie propõe uma situação interessante, mas não uma história a ser contada. O elemento mais interessante no filme original (e que perdemos com essa nova proposta) é a ideia de que a jornada do nosso protagonista constantemente testa o ponto central da sua maior falha. No primeiro ato do filme, Michael Dorsey é apresentado como um ator desemprego de ego inflado, arrogante e difícil de lidar. Essa são algumas das suas falhas, mas não a falha central que a jornada testa a cada ato. Michael Dorsey, acima de tudo, não respeita as mulheres. Não necessariamente de uma forma explícita, mas perpetuando algumas atitudes tóxicas. Apenas esse protagonista, com essa específica falha, é capaz de passar pela jornada de transformação proposta em "Tootsie" da forma como a mesma foi conduzida. Dorsey precisará experimentar na própria pele como é ser uma mulher na indústria do entretenimento, colocando à prova sua falha central e o fazendo crescer com a experiência. Para a autora e roteirista, é aí que a maioria dos problemas de roteiro se encontram: muitas pessoas estão escrevendo uma espécie de “Tootsie obeso” e deixando de contar uma verdadeira história. Os erros mais comuns segundo John August Figurinha recorrente nos textos da WR51, John August é conhecido principalmente por roteirizar grandes sucessos do cinema, como “Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas”, “Frankenweenie” e o novo live-action de “Aladdin”. Além de autor consagrado, August também conduz um podcast sobre roteiro junto com o roteirista Craig Mazin (entre outras coisas, autor da aclamada série “Chernobyl”). O Scriptnotes é uma ferramenta maravilhosa para roteiristas em todos os estágios da carreira (e uma verdadeira inspiração para o Writer’s Room 51). Para complementar esse texto, resgatamos algumas impressões que John August compartilhou em 2015 sobre os problemas mais comuns em roteiros. Começar com um conceito no lugar de uma personagem Como o próprio August afirma: “nós não queremos um filme sobre relíquias perdidas, nós queremos um filme sobre o Indiana Jones”. Conceitos são importantes para construir narrativas, mas não substituem personagens fortes e interessantes. Não significa que “partir do conceito é errado”, é claro. Por outro lado, ao patir do conceito muitos roteiristas negligenciam a construção de seus protagonistas. Ser muito gentil com seus heróis Um dos principais mantras do roteiro é: sem conflito não há história. Mesmo ouvindo isso o dia inteiro nas aulas de roteiro, muita gente ainda cai na armadilha de ser muito gentil com suas personagens protagonistas. “Eu fico feliz que você ame seus herói, agora os faça agir e sofrer”. - John August Por experiência própria, muitas vezes ao ler roteiros de outros autores (nem sempre iniciantes, diga-se de passagem) é possível perceber um fenômeno curioso: protagonistas relativamente interessantes que colecionam conflitos internos e poucos desafios externos. Normalmente no mesmo roteiro vemos coadjuvantes com qualidades e defeitos melhores e habilidade de movimentar a trama, testar os limites do discurso e entreter o espectador. É comum se sentir livre na construção das personagens secundárias, mas “aliviar” para o lado da protagonista. Evite isso ao máximo! Tentar adaptar o seu livro favorito Para John August, isso “sempre acabará em lágrimas”. A razão é simples: “aquilo que é responsável por fazer do livro uma obra incrível provavelmente não é o mesmo que faria da trama um filme incrível também”. “Adaptação está mais perto da transmutação”. - John August De modo geral, August não aconselha a adaptação literária para roteiristas iniciantes. Esse é um tópico amplo que pode ser melhor explorado em textos posteriores aqui na WR51. Cenas de “banco de imagens” August se refere a stock scenes em um sentido menos literal. É óbvio que não estamos falando de casos onde o roteirista literalmente descreve cenas de “banco de imagens”, mas recorre diretamente ao lugar comum. Exemplos: personagem desativa o alarme que toca de manhã na mesinha ao lado da cama, um longo e complicado pedido na cafeteria, grupo de homens assistindo a uma partida de futebol com muito entusiasmo, etc. O que pode parecer uma “ótima oportunidade para apresentar o universo do herói” acaba se tornando um motivo para o leitor (e, adiante, o espectador) deixar de prestar a atenção. Ele já viu isso antes, ele não tem motivos para acompanhar uma versão nova de antigos clichês. Descrições típicas de RPG O exemplo vem do próprio John August: “O pequeno quarto apresenta uma cama de casal, uma estante de livros e uma mesa. Há duas luminárias, ambas ligadas”. - John August Personagens com nomes parecidos Outra coisa que acontece muito é reparar no meio do roteiro que muitas personagens tem nomes bem semelhantes, principalmente iniciando com a mesma letra. Você fica confuso rapidamente sem saber quem é Milena, Maria e Mariana. Muitas introduções e despedidas A maioria das cenas não precisa que as personagens se encontrem, uma a uma, no local onde a ação ocorre. É muito comum perceber aquela meia página de “olá”, “tudo bem?”, “muito tempo mesmo” que poderia simplesmente ser cortada. É aquilo: às vezes vale mais começar a cena depois e terminá-la antes. Mantenha o ponto central da cena e evite colocar transições desnecessárias entre ambientes. Começar a escrever no software de roteiro Essa não é uma forma muito produtiva de começar o processo de construção narrativa. John Augusta traz o exemplo da música para facilitar a compreensão. Você não cria uma música direto no software de edição, ou gravando a “versão oficial” de primeira. Você pega alguns instrumentos, experimenta versões da melodia, testa notas, arranjos, etc. Você também pode anotar algumas ideias em um bloquinho, pesquisar referências, construir o clima certo para aquela composição. Existem muitas etapas do processo criativo que ocorrem antes de abrirmos o software de roteiro. Você tem algo a dizer? Pode parecer óbvio, mas é sempre bom considerar essa pergunta: você tem algo a dizer com o filme que quer construir? Às vezes a gente tem uma ideia que parece bacana, mas ao explorar melhor o tema, sentimos falta de um discurso maior, ou mesmo um tema central sólido o suficiente. Erros acontecem. Escrever roteiros é conviver constantemente com erros e pontos para desenvolvimento em geral. O mais difícil mesmo é trabalhar em uma história que, no fim, não passa de uma ideia interessante. Acreditamos que os melhores filmes surgem de uma voz autêntica e autoral. Essa é uma visão nossa, talvez você não acredite exatamente nisso. Mesmo nas obras mais comerciais, esse “algo a dizer” precisa ser forte o suficiente para me fazer refletir muito tempo depois de assistir ao filme. Se você tem algo a dizer, você já começou muito bem. A partir daí é trabalhar duro. #roteiro #principaiserrosderoteiro #JohnAugust #JillChamberlain #roteiristas #dicas
- As tradicionais fórmulas de roteiro ainda servem para 2020?
Manuais de roteiro desenvolvidos há 40 anos atrás oferecem fórmulas práticas para construir uma história. Resta a dúvida: o quanto podemos aproveitar disso tudo? Em seu texto na plataforma Medium, o roteirista Scott Myers levanta uma importante pergunta: você realmente quer se apoiar em fórmulas de roteiro estabelecidas há quatro décadas atrás? Isso, é claro, trata-se apenas de uma "média temporal". Muitas das “leituras essenciais” apontadas por roteiristas e professores de roteiro foram publicadas entre o final dos anos 1970 e a década de 1990. A influência desses textos não diminuiu muito de lá para cá: “Story” (1998), “Manual do Roteiro” (1979), “The Screewriter's Bible” (1994), por exemplo. É claro, outros títulos já consagrados surgiram um pouco depois, como “Save The Cat!” (2005) e “The Anatomy of Story” (2007), mas mesmo assim estes já têm mais de uma década de existência e trabalham muitos dos conceitos clássicos. A questão é: o que essa problemática significa para o roteirista? Significa que ele não deve mais se apoiar nestes ensinamentos? Significa que as regras ainda valem, mas é preciso entender o que atualizar? Vamos explorar um pouco mais este assunto a seguir. A questão: fórmula x estrutura Como o próprio Scott Myers afirma, há uma diferença entre “fórmula” e “estrutura”. Ele utiliza a famosa frase do consagrado roteirista William Goldman para começar o seu argumento: “roteiro é estrutura”. Entendemos essa premissa como verdade, ainda mais por uma clara questão: o roteiro está diretamente ligado a sua produção (ou pelo menos deveria estar), sendo o fator estrutural essencial para delinear o caminho para a feitura do filme. Sem contar, é claro, na clareza da história em sua execução. Uma boa estrutura é essencial para a construção de um roteiro de qualidade e eficiente para a produção. Em relação à fórmula, o assunto muda um pouco. Neste ponto eu lembro de outra frase, agora proferida pelo cineasta Paul Thomas Anderson em entrevista: “ninguém quer ver um filme perfeito”. Aqui é possível entender que o que muitas vezes funciona e se enquadra perfeitamente nas “normas”, não necessariamente vai trazer ao público a sensação de estar assistindo algo único e autêntico. Vamos salientar um ponto importante: muitas fórmulas existem pois elas funcionam, simples assim. Agora isso significa que você vai seguir as fórmulas de forma cega? É preciso, em primeiro lugar, respeitar o caminho orgânico da sua própria narrativa. Afinal, histórias são orgânicas, mas fórmulas não. Elas são padrões, mapas práticos para ajudar o autor a delinear sua estrutura. De uma forma mais simples, podemos dizer que fórmulas trazem as perguntas certas que cada roteirista deve fazer a si enquanto escreve o seu roteiro. Existem diversas possibilidades e caminhos para uma história se desenvolver e vamos explorar, aqui, um pouco sobre isso. O problema em pensar só no plot Um resultado natural nos roteiros focados em antigas fórmulas é a centralização da estrutura em tudo o que envolve o plot, como se fosse o único ponto de atenção necessário para a construção de uma boa história. É possível facilmente perceber quando um roteirista dedicou todo o seu esforço intelectual na construção lógica do plot através de uma primeira leitura do seu roteiro. O texto é prático, funcional, quase que milimetricamente pensado de acordo com os pontos de propulsão da trama, mas muitas vezes perde rapidamente o brilho da autenticidade. Como resultado, em diversos momentos a construção exibe um universo narrativo pouco interessante e personagens simplistas. É preciso partir das duas dimensões principais do roteiro: o Mundo Exterior, que envolve a linha de evolução do plot - domínio da ação e do diálogo - e o Mundo Interior, que compreende o campo temático, a rede de intenções e o subtexto. Os melhores roteiros conseguem encontram um verdadeiro equilíbrio entre esses dois pontos. O que acontece em roteiros preocupados demais (e quase que unicamente) no plot é a perda da complexidade da jornada psicológica. As pessoas não vão ao cinema (ou acessam seu canal de streaming, ou ligam a TV) para encontrar uma narrativa meramente funcional. Qual é o poder da sua mensagem? Como você aborda unicamente o tema proposto? Em que instância a jornada psicológica do seu filme envolve emocionalmente o espectador? Mais do que o plot é através das personagens que atingimos esses pontos de ligação. Em resumo, é fácil notar que muitos dos manuais de roteiro entre a década de 1980 e começo dos anos 2000 focam na construção do Mundo Exterior, o que apenas serve a parte da estrutura de uma boa história. O que fazer, então, entendendo isso? Outside-in ou inside-out? Em seu texto, Scott Myers também resume o processo de concepção de uma história em dois possíveis pontos de investigação, que ele chama de outside-in (de fora para dentro) e inside-out (de dentro para fora). Nisso também concordamos: parece muito mais fácil de encontrar uma narrativa autêntica através do método inside-out. O que isso significa, afinal? Significa que você começa a conceber a história por elementos como personagens, imersão em suas vidas, riqueza de detalhes do universo, questões temáticas e de subtexto, processos dinâmicos onde plot e tema se misturam, etc. No geral, pontos da história que, para muitos, ficam em um segundo processo, o de “preenchimento” da estrutura. Nesse momento já é possível escutar diversos roteiristas afirmando o oposto, que “partem do tema, da trama, do argumento, do plot” e que isso funciona muito bem. Funciona sim, é claro. Como tudo na vida, não pedimos que o leitor tire qualquer coisa aqui como verdade universal, mas como uma oportunidade para um novo exercício. Um exercício de pensar sua história de dentro para fora. Histórias poderosas proporcionam a criação de um forte laço com seus personagens e questões internas: o que eles querem, o que eles têm a perder, o que eles têm a ganhar, de onde eles vieram, o significado emocional dessa jornada para eles, sua perspectiva única do mundo, entre outros tantos fatores. Partir de um universo temático autêntico e personagens com perspectivas fortes (não aqueles que apenas obedecem aos princípios do plot) pode revelar ao autor um universo amplo de riquezas narrativas, principalmente no campo do subtexto. Uma proposta mais orgânica Quer dizer que é preciso deixar as fórmulas de lado e desbravar o mundo da escrita sem qualquer referencial teórico? Não é bem isso. As fórmulas que constam em livros como aqueles citados anteriormente existem e são cultuadas, pois funcionam e foram baseadas em parâmetros observados e testados. Para ficar claro o principal ponto a ser passado aqui, vale destacar a frase de Scott Myers: “Aceite o fato de que a estrutura de uma história não é melhor servida através da aderência a uma fórmula de roteiro pré-estabelecida. No lugar disso, respeite a natureza orgânica da história deixando seus personagens mais envolventes”. Leia os livros, entenda as fórmulas, use tudo aquilo que servir para a sua construção narrativa, mas não perca essa parte orgânica que envolve uma verdadeira imersão na vida das suas personagens. Uma coisa não deve excluir a outra. Você terá, como resultado, uma coleção de personagens multidimensionais e cheios de questões poderosas para tocar os corações dos espectadores. #roteiro #manualderoteiro #construçãonarrativa
- ENTREVISTA: Como navegar no mercado do roteiro
Bia Crespo, que fez parte do Departamento de Conteúdo da Paris Filmes e hoje é roteirista, explica a importância dos festivais de roteiro e dá dicas para apresentar projetos em rodadas de negócios Uma das maiores dúvidas do roteirista iniciante é como entrar no mercado audiovisual. É preciso conhecer pessoas para receber indicação, convites e até ter a chances de apresentar suas ideias. Sobre isso, muitas vezes ouvimos apenas que "é complicado". Se você é novo no ofício e não tem muitos contatos, como entrar nessa competitiva indústria? Um jeito muito eficaz de fazer networking é trilhar o caminho dos festivais de cinema e eventos de roteiro que existem no Brasil. Para comentar um pouco sobre esse processo, nós conversamos com a roteirista, produtora e consultora de projetos Bia Crespo, que dedicou o ano de 2019 para participar de festivais de roteiro e veio contar um pouco dessa sua experiência. Quem é Bia Crespo? Formada em Audiovisual pela USP, Bia encontrou na área da produção um caminho rentável dentro do mercado. “Isso foi lá por 2010, 2011, uma época em que o audiovisual brasileiro estava começando a florescer, mas ainda não tava naquele ritmo”, comenta Crespo. Sobre esse momento de inserção no mercado, ela segue: “sempre foi assim, você tinha de ter contatos e ser amigo de pessoas para entrar em salas de roteiro. Eu não tinha tanto. Não tinha Netflix, Amazon nessa época por aqui. Daí eu pensei, vou trabalhar com produção. Eu me saí bem. Fazia para pagar as contas e foi o jeito que encontrar de entrar no grande mercado”. Através desse trajeto Bia fez parte da produção de diversos conteúdos de alta relevância, como a série “O Negócio” (HBO), “Destino: São Paulo” (HBO) e o filme “Os Homens São de Marte... E é pra Lá que Eu Vou!". A paixão de Bia, porém, estava no roteiro. Em relação a isso, ela comenta: “eu comecei, então, a perceber que os roteiros eram sempre escritos pelas mesmas pessoas, geralmente homens. Com o tempo eu comecei a perceber também que a qualidade dos roteiros não estava acompanhando o nível das produções”. Para Crespo, o grande problema dos roteiros estava justamente na técnica. “Como você vai fidelizar um espectador que só assiste a séries americanas fazendo um negócio meio desconjuntado”, questiona, trazendo o ponto estrutural para o debate. Com intuito de aprofundar seus conhecimentos em roteiro, Bia estudou um ano na Vancouver Film School (hoje ela é uma das embaixadoras brasileiras do curso) e determinou para si que teria mais um ano para se consolidar como roteirista no Brasil. Sua promessa era: “se eu não conseguir, então eu volto a ser produtora”. “Em um ano lá eu escrevi esquete de comédia, peça de teatro, dois longas, três episódios de série, bíblia de série, um milhão de coisas”. A partir daí, Bia não parou mais. Escreveu alguns longas, reescreveu outros, fez negócios com produtoras e dedicou um bom tempo para participar de eventos como o FRAPA (Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre) e o Serie_lab. A carreira como roteirista no Brasil “Eu voltei porque eu pensei, eu quero escrever para o Brasil”, afirma Crespo. Assim que chegou, ela se dedicou a contatar as pessoas que ela conhecia da época da Paris Filmes. “Eu não conhecia os roteiristas porque eles não iam no set, eles não interagiam com a equipe”. Foi através de e-mails e conversas com profissionais que ela tinha em listas de trabalho que Bia Crespo conquistou o seu primeiro trabalho como roteirista. Uma produtora da Paris Filmes, onde Bia iniciou a carreira, precisava de alguém para uma vaga no Departamento de Conteúdo. “Eles estavam precisando de alguém que tivesse conhecimento de roteiro, mas também uma boa organização. Eles queriam alguém que fosse meio produtor, meio roteirista, que é o que um Departamento de Conteúdo precisa”. O trabalho no Departamento de Conteúdo trouxe uma experiência única para Bia: bagagem em consultorias, principalmente em projetos comerciais. Sobre esse período, Bia comenta: “demora para a gente confiar no nosso talento, né? Aceitar que ‘eu escrevo, eu sei fazer’. Eu passei dois anos e meio lá criando essa confiança até perceber que os meus palpites estavam certos, os filmes em que colaborei iam bem”. Com essa confiança adquirida, ela então pediu demissão em janeiro de 2019 e começou sua jornada como “roteirista solo”. Crespo, então, compartilha algumas dicas de apresentação pessoal que foram muito úteis nesse estágio da sua vida. “Eu enviava, por e-mail, uma carta de apresentação do jeito que eu aprendi lá [Vancouver Film School]. Me apresentava, falava um pouco sobre o que eu gostava na produtora e comentava a minha trajetória. Também mandava currículo, IMDB e dizia que queria ser assistente de sala de roteiro ou ajudar em qualquer coisa que tivesse lá. Eu sempre fui muito sincera, sempre mandei para lugares onde eu realmente queria trabalhar”. A própria Paris Filmes chamou Bia para trabalhar em alguns projetos. O primeiro foi um filme chamado “Galeria Futuro”, filmado em 2019 e com lançamento previsto para 2020. Depois surgiu a oportunidade de propor um filme de natal para a Paris. “Eles falaram como quem não quer nada que se eu tivesse uma ideia de filme de natal, seria ótimo. Eu falei que sim, ‘amanhã eu trago’. Fui andando pela rua, fiquei olhando capa de DVD de filme de natal… Eu sentia que esse era o momento que eles citam em todos os cursos, que determina a diferença entre você conseguir e não conseguir”, explica Bia sobre o momento de desenvolvimento da ideia. A ideia veio, Crespo enviou uma sinopse para a Paris Filmes e o projeto foi adquirido. Ela foi contratada como roteirista para trabalhar no projeto em parceria com Flávia Guimarães, roteirista carioca com mais experiência em comédia. Para além do sucesso nas gravações e finalização, o filme, intitulado “10 Horas para o Natal”, foi impedido de ser lançado em dezembro de 2019, data prevista pela produção. A situação política brasileira e o boicote governamental à cultura foram os grandes vilões da história. “Esse filme tem dinheiro do Fundo Setorial e para você lançar é preciso de um documento da Ancine autorizando a distribuição. A Ancine tá parada, o documento não saiu, então adiaram a estreia para dezembro de 2020. O filme tá pronto, na lata, tudo certo”, desabafa Bia. Paralelamente a isso, começa então uma trajetória de festivais de roteiro para firmar novas parcerias e conhecer outros roteiristas do mercado. A rota dos festivais de roteiro Em seu primeiro ano como roteirista solo, Bia Crespo divide conosco as suas experiências nos festivais dedicados a roteiro e como eles foram responsáveis por mais um passo na sua carreira. “Logo no começo do ano foi o FRAPA. Eu me inscrevi e já corri para terminar o roteiro de um piloto escrito em parceria com uma amiga minha. Nós passamos, ficamos em segundo lugar no concurso de roteiro e ganhamos Melhor Pitching”. Maior festival de roteiro do Brasil, o FRAPA é uma ótima porta de entrada para roteiristas, mas também uma maneira dos profissionais mais experientes estarem atentos às mudanças no mercado audiovisual. Sua programação varia ano a ano, mas normalmente é composta por Masterclass com grandes nomes da indústria, como no caso do roteirista James V. Hart (“Hook: A Volta do Capitão Gancho”, “Drácula de Bram Stoker”), que figurou na edição de 2017, mesas de debate com temas variados (da construção do roteiro à viabilização do projeto), rodadas de negócios com produtores e canais e apresentação de pitchings com projetos que concorrem a prêmios especiais. “O FRAPA foi muito legal. Não só a parte do pitching na frente de todo mundo, como também a rodadas de negócios, que eu acho que é uma das melhores coisas nesses eventos todos. Não necessariamente pela oportunidade de venda, eu acho muito difícil você vender, ainda mais se o seu projeto for grande. A questão é que você conhece muita gente e isso ajuda muito. Eu tinha alguns contatos, algumas pessoas que eu conhecia, mas depois do FRAPA eu conheci mais gente e eu abri a minha gama de contatos, além de conhecer outros roteiristas no mesmo estágio que eu”. As rodadas de negócios de eventos assim podem enganar à primeira vista. Quem espera emplacar aquele super projeto pode estar apostando suas fichas em uma grande ilusão. A verdade é que essa é uma vitrine para apresentar o seu trabalho e fazer conexões. Em relação a isso, Bia comenta: “O pessoal reclama muito, pergunta como que vai entrar no mercado se nunca fez nada? Eu falo: ‘desculpa, mas eu mesmo como a produtora que eu já fui nunca botaria dinheiro em alguém que nunca fez nada’. Você tem que mostrar que você sabe o que está fazendo antes de qualquer coisa. Chega lá na rodada de negócios, apresenta o projeto que você desenvolveu para mostrar o tipo de coisa que você escreve, mas como um exemplo do seu trabalho. E fala: ‘estou aqui disponível para ser assistente de uma sala de roteiro’. Se ofereça como pessoa também, não só a sua mercadoria. Foi isso que funcionou para mim”. Isso não vale apenas para o FRAPA. Outro festival dedicado a roteiristas que vem crescendo ano após ano é o Serie_lab. Focado em narrativas seriadas, o evento ocorre em São Paulo e aposta em uma programação parecida com a do FRAPA, mas com algumas diferenças. Segundo Bia Crespo, o fato do FRAPA acontecer no começo do ano é uma vantagem. Além das mesas de discussão sobre narrativa, no Serie_lab há também oportunidades para roteiristas apresentarem pitchings para players do mercado audiovisual. “Teve uma mesa que era sobre websérie. Chegando lá os palestrantes eram quatro donos de produtoras que faziam conteúdo para o youtube. Não tinha nenhum roteirista! Faziam perguntas sobre roteiro e eles não sabiam responder. A gente queria saber como era a estrutura, duração de episódios, dicas… Não teve”, critica Bia, ressaltando a importância de trazer pessoas que abordem os pontos mais práticos do ofício através da sua vivência. “A gente quer ver gente experiente. A gente quer ver Masterclass de gente muito foda, a gente quer ver roteiristas falando de casos de série famosa”, completa. Para ela, o Serie_lab teve um grande destaque que serve como inspiração para os próximos anos: “Teve uma mesa muito legal, acho que foi a favorita de todo mundo, que era chamada de Sala Aberta do Sintonia, a série da Netflix. Eles conseguiram chamar a sala de roteiro inteira. Eles conversaram sobre como foi o processo de escrita e criação da série. É isso que a gente quer ver”. O mercado de roteiro no Brasil é bem promissor, mesmo com os cortes no Fundo Setorial. Iniciativas assim ainda são novas, mas já mostram que há espaço para essa troca de conhecimento. Para quem ficou curioso e quer ver um pitching bem estruturado, compartilhamos abaixo gravações das apresentações da Bia no FRAPA e no Serie_lab, respectivamente. Confere aí: Como montar o seu projeto para rodadas de negócios Agora que você entendeu a importância de pegar o seu projeto e circular pelos festivais de roteiro, é preciso levantar uma outra questão: você está pronto para isso? Mais do que isso: o que significa “ter um projeto pronto para apresentar". Bia até apareceu dando dicas sobre pitchings em nosso último texto. Em relação ao projeto em si, nós perguntamos a Bia o que ela acha desse importante tópico. Acostumada a avaliar projetos pela Paris Filmes, ela nos traz dicas valiosas sobre como preparar um projeto para apresentar a uma produtora: “Eu sempre levo o one page. De um lado uma arte conceitual, com informações da série, quantidade de episódios por temporada, tempo e criador. Atrás uma breve sinopse da série, um texto falando do público-alvo em linhas gerais e uma minibiografia com contato”. Muitas vezes estamos acostumados a ver roteiristas com bíblias gigantescas e que descrevem em detalhes o arco da sua série. Será que essa é a melhor opção para entregar em reuniões de rodadas de negócios? Bia discorda e justifica: “muita gente não é de São Paulo e vem de avião, então para você levar uma bíblia com pressa no avião depois é difícil. E mesmo para quem vai para a produtora. Na Paris Filmes eu já recebi várias… A pessoa gasta 50 reais para imprimir uma bíblia e muitas vezes ela vai parar no lixo. Muito melhor você mandar depois em PDF e a pessoa poder encaminhar para todos os departamentos.” Para deixar os seus projetos com o clima proposto pelo filme ou série, ela ainda contrata uma designer para desenvolver a identidade visual. Essa é outra dica: aposte no caráter imersivo de um bom visual. “O que faz diferença, além do pitching, da fala, é colocar na mesa um negócio bonito. É aquilo que separa o amador do profissional”, justifica. Depois da reunião o trabalho continua. Muita gente fica aguardando contato das produtoras, enquanto outras pessoas exageram na interação. É preciso de um meio termo. Para Bia Crespo essa é uma questão prática. “A segunda coisa que eu faço é dar uma semana depois do evento e, na segunda-feira, eu mando a minibíblia em PDF. Tem essa regra: nunca mandar e-mail quinta e sexta. São os dias que as produtoras estão encerrando. Manda na segunda, eles respondem na hora porque é o primeiro que aparece”, ela compartilha. Crespo reforça muito a importância de usar esse canal de comunicação para ressaltar a sua disponibilidade como roteirista, uma vez que muitas vezes a porta de entrega é colaborar com outros projetos da casa. No meio de todas essas informações, é importante entender o valor de ações como essas. Esse valor está na apresentação. Antes de tentar vender um projeto, você tem a chance de usá-lo como cartão de visitas. Com todos esses pontos em mente, agora é acompanhar a programação dos festivais de roteiro e garantir antecipadamente o seu ingresso. Além de tudo, ainda dá para tirar um bom desconto na maioria das vezes. #roteiro #festivaisderoteiro #FRAPA #Serie_lab #pitching #rodadasdenegócios















