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Especialistas apontam os erros de roteiro mais comuns

Quer entender quais são os erros de roteiro mais recorrentes e saber como evitá-los? Jill Chamberlain e John August opinam sobre o tema


Imagem: https://www.facebook.com/jillchamberlainauthor/

Quais são os erros que você mais comete ao desenvolver um roteiro? Você já refletiu sobre isso? O processo avaliativo do nosso próprio trabalho também faz parte do estudo de roteiro e é uma ótima ferramenta para o crescimento profissional. Pensando nisso, resolvemos nos inspirar nas dicas de duas grandes figuras do mercado audiovisual para entender quais são os erros de roteiro mais comuns (e como evitá-los). Não estamos falando apenas de roteiristas iniciantes! Muito roteirista experiente acaba caindo em algumas dessas armadilhas também. A autora e consultora Jill Chamberlain tem fortes opiniões sobre o assunto e compartilha muitas delas em uma série de vídeos que você pode acessar aqui. Depois de uma breve carreira como cineasta independente, Jill se dedicou a consultoria de roteiro e desenvolveu o livro The Nutshell Technique: Crack the Secret of Successful Screenwriting.


O que é Nutshell Technique?

Imagem: jillchamberlain.com

Publicado em 2016, “The Nutshell Technique: Crack the Secret of Successful Screenwriting”, segundo a própria autora, foi desenvolvido com intuito de solucionar alguns dos principais problemas que Jill identificou como consultora de roteiros com o passar dos anos. O livro se propõe a apresentar diagramas fáceis para você organizar sua história antes de desenvolvê-la, inclusive demonstrando 30 exemplos diferentes de filmes clássicos que, segundo a autora, encaixam perfeitamente em seu esquema estrutural. Rapidamente o livro conquistou o primeiro lugar entre os mais avaliados da Amazon na categoria “roteiro” e já vem sendo utilizado em universidades por todo o globo.

Os erros mais comuns segundo Jill Chamberlain

Jill Chamberlain - Imagem: Film Courage

Para Chamberlain, a maioria dos roteiristas falha em simplesmente contar uma história. Parece algo simples, mas não é bem assim. Para ela é preciso compreender o papel determinante de uma boa estrutura para “maximizar a história que se quer contar”. No lugar de contar uma história, Chamberlain comenta que muitos roteiristas apenas “apresentam uma situação”, traçando uma clara distinção entre esses dois pontos. Segundo Chamberlain, no lugar de um mecanismo que limita o roteirista, a estrutura pode indicar o caminho para ele encontrar uma “voz”. A voz do autor, apresentada pelas suas escolhas e inserida em todos os elementos que compõem o seu roteiro.


Afinal, que distinção ela faz entre contar uma história e apenas descrever uma situação?

Contar uma história x apresentar uma situação

Imagem: Shutterstock

Você consegue identificar de primeira a diferença entre contar uma história e meramente apresentar uma situação? Jill Chamberlain nos conduz por essa linha de raciocínio através do exemplo do filme "Tootsie". Como consultora, Chamberlain diz que em sua experiência profissional 99% dos roteiristas caem nessa mesma armadilha: falham em escrever uma história e acabam por descrever apenas uma “situação”.

“A vida é uma situação. Isso acontece, então aquilo acontece, então aquela outra coisa acontece… Uma história é: isso acontece, o que leva aquela outra coisa acontecer, o que torna irônico aquele terceiro acontecimento. Existe uma conexão entre as partes". - Jill Chamberlain

Como saber se você construiu uma história ou apenas uma situação? Jill Chamberlain sugere um método prático que talvez você já conheça (mas talvez também nunca tenha experimentado): troque o seu protagonista por outro totalmente diferente e veja se a história funciona da mesma forma. Se funcionar, está aí: sua história é apenas uma situação.

“Se você está contando uma história, uma vez que eu tiro o seu protagonista, ela não funcionará mais”. - Jill Chamberlain

Para entender melhor essas e outras questões de distinção entre história e situação, vamos analisar o exemplo do filme "Tootsie".

O exemplo "Tootsie"

Imagem: divulgação

“99% dos roteiristas que eu conheço estão escrevendo o que eu chamo de um Tootsie gordo”, diz Chamberlain. O que isso significa? Para entender a questão precisamos, antes, observar alguns aspectos do filme original. Lançado em 1982, Tootsie conta a história do ator desempregado Michael Dorsey que, desesperado por conseguir qualquer papel, veste-se de mulher e passa em um teste de elenco para um programa de televisão. Enquanto Dorsey vive essa “segunda vida secreta”, precisa encarar de frente alguns dos problemas que as mulheres sofrem na sociedade, muitos deles perpetuados pelo próprio protagonista. Para exemplificar a questão levantada, Chamberlain propõe revisitarmos a trama de "Tootsie", mas agora mudando sua característica central. No lugar de tentar um papel feminino, agora o protagonista precisa camuflar-se como um homem obeso para passar no teste. Desesperado pelo papel, na nova versão proposta Dorsey procuraria seus amigos da indústria que trabalham com efeitos especiais e maquiagem para transformá-lo em um homem obeso. Mesmo que o filme siga praticamente igual a partir daí, essa pequena alteração altera drasticamente o status da história. O problema é que essa nova proposta para Tootsie propõe uma situação interessante, mas não uma história a ser contada. O elemento mais interessante no filme original (e que perdemos com essa nova proposta) é a ideia de que a jornada do nosso protagonista constantemente testa o ponto central da sua maior falha. No primeiro ato do filme, Michael Dorsey é apresentado como um ator desemprego de ego inflado, arrogante e difícil de lidar. Essa são algumas das suas falhas, mas não a falha central que a jornada testa a cada ato. Michael Dorsey, acima de tudo, não respeita as mulheres. Não necessariamente de uma forma explícita, mas perpetuando algumas atitudes tóxicas. Apenas esse protagonista, com essa específica falha, é capaz de passar pela jornada de transformação proposta em "Tootsie" da forma como a mesma foi conduzida. Dorsey precisará experimentar na própria pele como é ser uma mulher na indústria do entretenimento, colocando à prova sua falha central e o fazendo crescer com a experiência. Para a autora e roteirista, é aí que a maioria dos problemas de roteiro se encontram: muitas pessoas estão escrevendo uma espécie de “Tootsie obeso” e deixando de contar uma verdadeira história.

Os erros mais comuns segundo John August

John August - Imagem: Shutterstock

Figurinha recorrente nos textos da WR51, John August é conhecido principalmente por roteirizar grandes sucessos do cinema, como “Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas”, “Frankenweenie” e o novo live-action de “Aladdin”. Além de autor consagrado, August também conduz um podcast sobre roteiro junto com o roteirista Craig Mazin (entre outras coisas, autor da aclamada série “Chernobyl”). O Scriptnotes é uma ferramenta maravilhosa para roteiristas em todos os estágios da carreira (e uma verdadeira inspiração para o Writer’s Room 51). Para complementar esse texto, resgatamos algumas impressões que John August compartilhou em 2015 sobre os problemas mais comuns em roteiros.

Começar com um conceito no lugar de uma personagem

Como o próprio August afirma: “nós não queremos um filme sobre relíquias perdidas, nós queremos um filme sobre o Indiana Jones”. Conceitos são importantes para construir narrativas, mas não substituem personagens fortes e interessantes. Não significa que “partir do conceito é errado”, é claro. Por outro lado, ao patir do conceito muitos roteiristas negligenciam a construção de seus protagonistas.

Ser muito gentil com seus heróis

Um dos principais mantras do roteiro é: sem conflito não há história. Mesmo ouvindo isso o dia inteiro nas aulas de roteiro, muita gente ainda cai na armadilha de ser muito gentil com suas personagens protagonistas.

“Eu fico feliz que você ame seus herói, agora os faça agir e sofrer”. - John August

Por experiência própria, muitas vezes ao ler roteiros de outros autores (nem sempre iniciantes, diga-se de passagem) é possível perceber um fenômeno curioso: protagonistas relativamente interessantes que colecionam conflitos internos e poucos desafios externos. Normalmente no mesmo roteiro vemos coadjuvantes com qualidades e defeitos melhores e habilidade de movimentar a trama, testar os limites do discurso e entreter o espectador. É comum se sentir livre na construção das personagens secundárias, mas “aliviar” para o lado da protagonista. Evite isso ao máximo!

Tentar adaptar o seu livro favorito

Para John August, isso “sempre acabará em lágrimas”. A razão é simples: “aquilo que é responsável por fazer do livro uma obra incrível provavelmente não é o mesmo que faria da trama um filme incrível também”.

“Adaptação está mais perto da transmutação”. - John August

De modo geral, August não aconselha a adaptação literária para roteiristas iniciantes. Esse é um tópico amplo que pode ser melhor explorado em textos posteriores aqui na WR51.

Cenas de “banco de imagens”

August se refere a stock scenes em um sentido menos literal. É óbvio que não estamos falando de casos onde o roteirista literalmente descreve cenas de “banco de imagens”, mas recorre diretamente ao lugar comum. Exemplos: personagem desativa o alarme que toca de manhã na mesinha ao lado da cama, um longo e complicado pedido na cafeteria, grupo de homens assistindo a uma partida de futebol com muito entusiasmo, etc. O que pode parecer uma “ótima oportunidade para apresentar o universo do herói” acaba se tornando um motivo para o leitor (e, adiante, o espectador) deixar de prestar a atenção. Ele já viu isso antes, ele não tem motivos para acompanhar uma versão nova de antigos clichês.

Descrições típicas de RPG

O exemplo vem do próprio John August:

“O pequeno quarto apresenta uma cama de casal, uma estante de livros e uma mesa. Há duas luminárias, ambas ligadas”. - John August

Personagens com nomes parecidos

Outra coisa que acontece muito é reparar no meio do roteiro que muitas personagens tem nomes bem semelhantes, principalmente iniciando com a mesma letra. Você fica confuso rapidamente sem saber quem é Milena, Maria e Mariana.

Muitas introduções e despedidas

A maioria das cenas não precisa que as personagens se encontrem, uma a uma, no local onde a ação ocorre. É muito comum perceber aquela meia página de “olá”, “tudo bem?”, “muito tempo mesmo” que poderia simplesmente ser cortada. É aquilo: às vezes vale mais começar a cena depois e terminá-la antes. Mantenha o ponto central da cena e evite colocar transições desnecessárias entre ambientes.

Começar a escrever no software de roteiro

Essa não é uma forma muito produtiva de começar o processo de construção narrativa. John Augusta traz o exemplo da música para facilitar a compreensão. Você não cria uma música direto no software de edição, ou gravando a “versão oficial” de primeira. Você pega alguns instrumentos, experimenta versões da melodia, testa notas, arranjos, etc. Você também pode anotar algumas ideias em um bloquinho, pesquisar referências, construir o clima certo para aquela composição. Existem muitas etapas do processo criativo que ocorrem antes de abrirmos o software de roteiro.

Você tem algo a dizer?

Kyle MacLachlan e David Lynch - Imagem: https://cinephiliabeyond.org/

Pode parecer óbvio, mas é sempre bom considerar essa pergunta: você tem algo a dizer com o filme que quer construir? Às vezes a gente tem uma ideia que parece bacana, mas ao explorar melhor o tema, sentimos falta de um discurso maior, ou mesmo um tema central sólido o suficiente. Erros acontecem. Escrever roteiros é conviver constantemente com erros e pontos para desenvolvimento em geral. O mais difícil mesmo é trabalhar em uma história que, no fim, não passa de uma ideia interessante. Acreditamos que os melhores filmes surgem de uma voz autêntica e autoral. Essa é uma visão nossa, talvez você não acredite exatamente nisso. Mesmo nas obras mais comerciais, esse “algo a dizer” precisa ser forte o suficiente para me fazer refletir muito tempo depois de assistir ao filme. Se você tem algo a dizer, você já começou muito bem. A partir daí é trabalhar duro.


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