As elipses e o poder do que você não mostra no roteiro
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Atualizado: há 17 horas
Precisamos mesmo escrever tudo o que acontece na cena? Veja como a elipse e a omissão de cenas constroem ritmo e discurso no roteiro

por Jessica Gonzatto (WR51)
Existem dois fortes aliados na hora de construir tensão, ritmo e sofisticação no roteiro, mas muitos roteiristas não dão a eles a devida atenção. São ferramentas que constroem linguagem, subtexto e podem transformar sua narrativa para melhor.
Estamos falando da elipse e do “fora de quadro” – aqueles beats que surgem não do que você coloca na página, mas do que decide deixar fora dela.
John Matthew Fox, escritor e editor, resume isso em uma frase: “Mostre o ferimento, não a faca.” Ou seja, o que marca o público não é sempre o golpe em si, mas o resultado dele. Muitas vezes, a ferida é mais cinematográfica do que o ato que a causou.
Mas o que significa mostrar o ferimento na prática de roteiro? Como a elipse pode transformar o ritmo e a emoção da sua história? Quais são as ferramentas que você pode ter na manga para trazer uma nova vida à sua cena, discurso e personagens?
Com tudo isso em mente, falaremos sobre o lado conceitual da elipse e também traremos uma “cheat sheet” cheia de dicas práticas de como formatar esses elementos no roteiro.
Atenção: o texto traz spoilers de filmes como “Ainda Estou Aqui” (2024), “O Lutador” (2008), “A Hora do Mal” (2025), entre outros.
A arte de deixar fora de quadro
Na literatura e no cinema, a elipse é a decisão consciente de omitir parte da ação ou do tempo. É o espaço entre um momento e outro, uma cena e outra, ou entre o que o espectador viu e o que ele imagina.
Existem elipses dentro e entre as cenas, fazendo desse conceito algo relativo tanto a omissões quanto transições.
A elipse mais comum é a espacial, quando o roteiro “pula” um deslocamento ou mudança geográfica. Em vez de mostrar o personagem indo de A para B, você já coloca em B. Isso acelera a narrativa e evita cenas redundantes.
Outro atributo da elipse é que ela engaja o público de maneira muito potente, mesmo que inconscientemente. Toda vez que você corta antes do “óbvio”, o cérebro do espectador entra em ação para completar o que falta.
O teórico David Bordwell chama isso de “inferência narrativa”: o público não recebe tudo pronto, ele reconstrói mentalmente o que não viu. E, ao fazer isso, se engaja emocionalmente de um jeito muito mais profundo.
É nessa projeção que surgem tensão, antecipação, humor, medo e até mesmo identificação. Vamos falar sobre tudo isso ao longo do artigo.

Já o “fora de quadro” pode ser tanto um sinônimo para elipses mais gerais/estruturais quanto a definição de uma ação que acontece, mas não enxergamos. O exemplo mais claro disso é quando algum personagem está presente na cena, mas responde de outro cômodo da casa. Indica-se “O.S.” ou “off-screen” no cabeçalho de diálogo.
Esse, contudo, não é exatamente o foco do nosso artigo. Estamos nos referindo a todas as ações e todos os fatos que você simplesmente não mostra na história ou cena.
Um exemplo mais amplo do "fora de quadro” que acontece antes da narrativa pode ser visto em “A Estrada” (livro de Cormac McCarthy e filme de 2009): nunca ficamos sabendo o que causou o apocalipse. Em vez de narrar o desastre, o autor mostra o que resta dele – um pai e um filho tentando sobreviver. Vamos voltar a isso em breve.
Portanto, nesse artigo, o ponto central da discussão é no teor conceitual desses dois elementos narrativos importantíssimos e como eles podem ajudar sua história ou elevar seu tema.
Assim, partimos do princípio de que a elipse é basicamente uma escolha ética, estética e rítmica. A pessoa autora escolhe conscientemente o que deixa de fora – não apenas como um "truque” de ritmo, mas também como um veículo de visão de mundo ou construção de linguagem.
Elipse x Lacuna
Antes de prosseguir, vale separar dois conceitos que parecem iguais, mas não são.
Elipse é quando a pessoa autora omite algo de maneira consciente e controlada
Lacuna é um vazio não intencional, que deixa a narrativa inconsistente
Toda elipse é uma lacuna, mas nem toda lacuna é elipse.
A elipse é uma ferramenta estética e narrativa. Já a lacuna é um problema de lógica. Por exemplo, em um thriller, omitir a morte pode ser um recurso estilístico (elipse). Mas esquecer de explicar como o personagem chegou a um lugar é apenas uma falha de continuidade (lacuna).
Existem autores que utilizam lacunas propositalmente, como David Lynch e outros nomes do cinema pós-moderno. Porém, esse não é o foco da nossa discussão.
Omissão como construção de personagem

Começando por uma reflexão mais conceitual, o fora de quadro pode ser visto também como uma omissão narrativa mais geral. E essa omissão pode revelar quem o personagem é.
Quando você não vê um gesto, esconde uma fala ou um trecho da vida de alguém, isso força o público a ler o personagem pelas entrelinhas. É uma forma de sugerir contradições internas, fragilidade, desejo ou trauma sem precisar explicitar muito.
Filmes como “Moonlight” (2016) constroem seu protagonista mais pelos silêncios do que pelos diálogos. Tanto “Central do Brasil” (1998) quanto “Retrato de uma Jovem em Chamas” (2019) omitem a história completa das personagens, deixando que pequenos gestos, olhares e reações preencham o que não é dito.
Isso constrói muito subtexto, que é uma camada essencial de histórias bem escritas. Leia mais sobre subtexto em diálogos aqui.
O ato que não se vê e o discurso que isso forma
A elipse/fora de quadro, ao omitir cenas, também ajudam a construir um discurso moral e uma voz autoral. “Ainda Estou Aqui” (2024) é um exemplo de um beat narrativo definitivo que não se vê.
O acontecimento que define toda a história é o desaparecimento forçado de Rubens Paiva, marido de Eunice. Mas isso nunca aparece em cena. Não vemos a prisão, nem a tortura, nem a morte. Apenas os diversos efeitos disso.
Pode-se dizer que é uma escolha de ponto de vista. E realmente é! Mas, ao mesmo, é também uma espécie de elipse narrativa, já que temos vários outros pontos de vista no filme e nenhum deles é o de Rubens.
O “fora de quadro", aqui, de fato é uma escolha de perspectiva, e é justamente isso que apontamos como fonte de inspiração para nossas histórias.

O filme escolhe manter o ato violento fora de quadro para retratar a realidade de Rubens Paiva, sim, mas também por ética. Transformar essa violência real em espetáculo seria trair sua gravidade histórica. Assim, o foco se desloca para o impacto emocional: Eunice e sua família lidando com o vazio e uma angústia que atravessa décadas.
Voltamos ao pensamento de que a força de um filme pode estar no ferimento, não na faca.
Filmes sobre ditaduras, genocídios e guerras frequentemente usam esse tipo de elipse/ação fora de quadro:
Para proteger a dignidade das vítimas
Para não estetizar o sofrimento
Para focar no impacto, não no ato, etc.
Esse tipo de elipse narrativa também ajuda a construir mistério, tensão, medo ou outras convenções de gênero. O terror é um ótimo exemplo, trazendo muitos exemplos onde o monstro ou o assassino está prestes a matar mais uma vítima quando a cena corta e vamos para outro tempo/espaço.
O ato que se sucede acontece apenas na imaginação, mas é o suficiente para representar o perigo do antagonista. Leia mais sobre suspense aqui.
Elipse… no clímax?

Pode parecer loucura omitir o ponto máximo da narrativa, mas muitos autores escolhem essa estratégia com confiança. O que isso faz é deslocar a atenção do leitor/espectador da ação para a emoção.
No livro The Member of the Wedding, de Carson McCullers, a elipse redefine o clímax. O momento que deveria ser o ápice do desejo de Frankie, que é acompanhar o irmão e a cunhada após o casamento, simplesmente não acontece diante dos nossos olhos.
Não vemos a tentativa dela nem a confusão que se segue. Apenas “cortamos” diretamente para o depois, para as consequências emocionais de um gesto que fracassou fora de quadro.
E, dependendo do tom e foco narrativo, isso pode ser poderoso. O clímax invisível transforma o que poderia ser uma cena “exagerada” em algo mais profundo. Vemos apenas o impacto, o desamparo e a ressaca do desejo irrealizável.
A elipse aqui desloca o foco do evento para o que ele significa, e é nesse espaço vazio que a maturidade e tristeza de Frankie se concretizam.
Há quem ache isso um tanto “anticlimático", portanto, utilize com bastante consciência e intenção.
Saber onde terminar
Outra possibilidade disso tem a ver com o final da história.
O autor Ernest Hemingway dizia que o escritor deve saber o que aconteceu depois, mas escolher parar antes. No conto “Out of Season”, ele sabia que seu personagem se suicidava, e justamente por causa disso terminou a história antes do ato.
O mesmo vale para o roteiro: nem toda história precisa do “resto”. Às vezes, o corte é o clímax, como em “O Lutador” (2008), de Darren Aronofsky. O filme é construído com esse ato emblemático em mente.
E, mesmo sem vermos a ação, o arco do personagem se concretiza e as emoções são bem elaboradas ao longo do filme.
Tempo é ritmo & ritmo é emoção

Falando em emoção, a elipse é também um beat invisível que mantém o espectador dentro do fluxo da história. Traz curiosidade, antecipação e até mesmo um pouco de confusão momentânea.
Um exemplo disso é a famosa sequência do "plano". Existe uma estratégia narrativa informal que muitos filmes de gênero utilizam quando um grupo de personagens vai realizar um plano arriscado.
Isso é bem comum em heists, thrillers e filmes de ação:
Se o plano não vai dar certo, mostre o planejamento passo a passo
Se o plano vai dar certo, esconda o planejamento e vá direto ao ato em si
Por que essa elipse funciona? Justamente pela antecipação que mencionamos. É muito mais interessante para o espectador sentir que está sendo conduzido para uma aventura ou cena de alta tensão do que prever exatamente o que vai rolar na sequência.
A questão do tempo é melhor explorada nesse artigo aqui!
Elipse e comédia: o timing cômico
Assim como o thriller, a comédia é outro tipo de gênero que depende tanto do que se mostra quanto do que se omite. Um corte bem colocado pode substituir uma piada inteira.
Esse tipo de elipse cômica cria diversos punchlines visuais:
cortar para o depois de um desastre
ocultar uma resposta e mostrar só a reação
usar smash cuts como substituto de diálogo
mudar abruptamente de contexto, etc.
Séries como Fleabag, The Office e Arrested Development fazem isso o tempo todo. No roteiro, elipse cômica é um ritmo, e o ritmo é a própria piada.

E falando em ritmo…
Sequências de montagem
Seria impossível falar de elipse sem mencionar as sequências de montagem (montage sequences). O roteirista Ken Myanmoto, do ScreenCraft, define dessa forma:
[É o] processo de selecionar, editar e encaixar diferentes trechos de imagem para formar um momento contínuo. No roteiro, a montagem é uma sequência composta por pequenas cenas ou momentos — geralmente com pouco ou nenhum diálogo — agrupados para indicar rapidamente a passagem do tempo enquanto mostram os elementos visuais essenciais daquele período condensado. Esses momentos e imagens revelam tanto o desenvolvimento dos personagens quanto o avanço da história, seja construindo um ponto específico do arco (como Rocky correndo escada acima antes da grande luta), seja apresentando vários personagens em diferentes lugares reagindo a um mesmo evento. A montagem também pode servir para sintetizar a experiência de um personagem, reunindo em poucos instantes — num único ambiente ou em vários — os gestos e ações que melhor traduzem aquela vivência.
Essa ferramenta é imprescindível para criar elipses dinâmicas, divertidas ou simplesmente úteis para equilibrar o ritmo do filme.
Portanto, a montagem serve para condensar uma porção significativa da história em um intervalo curto, sem perder os elementos informativos e emocionais que esse trecho carrega para o leitor e para o público.
Ela também pode ser usada para mostrar, de forma paralela, as reações ou experiências de vários personagens em diferentes lugares ao mesmo tempo. São elipses temporais, mas também de tom – você pode fazer uma sequência engraçada, emocionante, etc.
Confira uma das sequências de montagem mais famosas da história do cinema, de “Rocky” (1976):
Agora, veja alguns exemplos de como são aplicadas nos roteiros. Em “A Hora do Mal" (Weapons, 2025)...

…Cregger opta por indicar sua sequência de montagem de maneira bem simples, mencionando ações e locações gerais ou esperadas. É uma elipse bem prática, ilustrando e construindo o setup da história.
Outra maneira de sinalizar essa montagem seria dessa forma (Armageddon, 1998):

Aqui, a elipse foi utilizada para acelerar um processo braçal que seria maçante de acompanhar, bem como demonstrar a dinâmica entre as personagens e os possíveis stakes que irão enfrentar.
Em "Hacks” (2021), vemos algo bem semelhante e dinâmico:

Ou seja, o que interessa é deixar bem clara a mudança de locais, ações e ênfases. Por que estamos vendo esses fragmentos? Qual é a emoção ou o processo que você quer ilustrar? Existe algum plano ou detalhe que pode ser mostrado para que sua sequência seja única e emblemática?
Outra dica é apostar nas montagens em alguns momentos-chave do roteiro, especialmente no segundo ato (principalmente no beat Fun and Games, para quem leu “Save the Cat") ou em momentos onde o ritmo precisa acelerar um pouco para manter a história seguindo em frente. Falaremos mais sobre isso adiante.
Elipse estrutural (macro-elipses): meses e anos
Essa é a elipse que opera em grandes blocos: anos, décadas, gerações. Ela altera a estrutura da narrativa e o arco dramático de maneira global.
Exemplos:
“Boyhood” (12 anos filmados; cortes gigantes)
“A Árvore da Vida” (tempo fragmentado)
"Bardo” (diversas elipses, muitas na mesma cena; linguagem autoral bem evidente)
Geralmente, essa grande mudança temporal é indicada em LETTERING (“DEZ ANOS DEPOIS"), conforme veremos mais adiante. Você terá alguns exemplos de transições que indicam elipses temporais entre cenas e sequências.
Mas… nem sempre. Em “A Árvore da Vida”, Terrence Malick escolheu não indicar nenhuma elipse:

Malick é um autor estabelecido que dirige os próprios filmes e tem muito controle da produção e ritmo. Portanto, como sempre cada caso é um caso. O cinema é uma arte e arte não responde bem a regras rígidas.
Elipse como transição intra e extra-cena
Toda elipse é também uma transição. Podemos aplicar isso dentro da cena ou entre cenas diferentes. Entender como formatá-la é essencial para um roteiro fluido, que constrói uma linguagem autoral, inteligente e engajante.
Em Hollywood, o padrão é simples: quando nada é especificado entre cabeçalhos de cena, o leitor assume um CUT TO (corta para).
Mas há situações em que o roteirista pode escolher transições específicas para indicar passagem de tempo, ritmo ou atmosfera:
TIME CUT TO: para saltos sutis no tempo, sem mudança de local
DISSOLVE TO: para mostrar o tempo avançando (dias, meses, anos) ou apenas como recurso estilístico
FADE TO BLACK / FADE IN: para encerrar ou abrir grandes blocos narrativos
MOMENTS LATER ou LATER (MOMENTOS DEPOIS ou DEPOIS): para pequenas elipses dentro da mesma cena e/ou locação (pode ser mesmo cômodo, mesmo prédio ou até arredores)
Essas ferramentas basicamente definem como o espectador sente o tempo. Além disso, constroem e deixam clara a linguagem que o filme pretende ter. Um dissolve é suave e potencialmente poético; já um smash cut é abrupto, chocante, contemporâneo.
Cheat sheet: quando usar transições específicas
No roteiro, você pode incluir transições para reforçar ritmo, tempo ou até mesmo estilo:
CUT TO: o corte básico, usado apenas quando se quer marcar o fim de uma cena com ênfase visual. Definitivamente não é necessário em todas as cenas.
SMASH CUT TO: transição abrupta e chocante, para mudanças bruscas de tom.
MATCH CUT TO: conecta duas imagens semelhantes (um objeto, som ou movimento que “casa” de uma cena à outra).
CUT TO BLACK: usado para representar inconsciência cômica (funciona muito bem como um beat de comédia), morte ou encerramento de um momento intenso.
TIME CUT TO: marca passagem de tempo sem mudar de locação. porém, pouco usado e pode ser substituído por DEPOIS ou MOMENTOS DEPOIS.
DISSOLVE TO: transição clássica para indicar o passar de dias, meses ou anos, ou mudanças suaves de atmosfera.
FADE IN / FADE OUT: geralmente abrem e encerram o roteiro; o FADE IN inicial é o único permitido no topo da página, pois representa o filme literalmente “surgindo do nada”. Podem ser utilizados em narrativas épicas ou com sequências bem marcadas narrativamente.
Transições mais estilizadas, como IRIS TO, MORPH TO ou WIPE TO, são mais antigas e raramente usadas em roteiros modernos, mas ainda é possível encontrar e utilizar essas transições também.
Exemplo simples: "A Hora do Mal" (2025):

Casos especiais: Fade In e Cutaways
O FADE IN inicial é uma exceção às regras de alinhamento e posição, porque geralmente inaugura o filme (não há cena anterior). Não seria necessariamente uma elipse
O FADE OUT final serve como fechamento do roteiro, também não se tratando de uma elipse clássica
Cutaways ou Inserts: são cortes rápidos para uma cena secundária e de volta à principal — devem ser claros, breves e bem formatados
Pode-se usar cabeçalhos como CUTAWAY – INT. CASA DE FULANO – DIA e depois BACK TO SCENE (ou VOLTA À CENA)
O importante é manter a leitura fluida e evitar excesso de formatação
Outro exemplo de caso especial é no roteiro de “Colateral" (2004). Aqui, foi utilizada a elipse em seu significado na língua inglesa: as reticências.

Sendo assim, o importante é que a passagem de tempo ou troca de espaço fique clara.
O que não fazer no roteiro
Muitos roteiristas iniciantes cometem o erro de tentar “escrever tempo” como fariam em prosa: “Naiara espera por alguns minutos.”
Tecnicamente, isso é ilegível em tela. O público não vai assistir a três minutos de alguém olhando para uma porta. Se essa for a intenção, deve ser descrita com mais clareza, utilizando-se também do espaço de página para refletir a atmosfera. Porém, essa descrição é o exato oposto do que estamos discutindo aqui.
Por exemplo, se for apenas uma pausa breve, use MOMENTOS DEPOIS. Se for uma passagem maior (anos, décadas), você pode usar um use DISSOLVE TO e adicionar uma indicação em lettering, como “CINCO ANOS DEPOIS", ou algo assim.
Evite termos como eventualmente ou minutos depois. Eles quebram a lógica visual do roteiro e distorcem a proporção entre página e tempo de tela.
Isso porque, se o texto disser que passaram “dez minutos” em duas linhas, o leitor acaba perdendo a referência temporal. Você pode acabar tendo problemas na hora da filmagem também.

Quando não usar elipse na história
Sabemos que pode ser tentador cortar cenas para acelerar o ritmo, mas existem momentos em que a elipse prejudica o impacto dramático:
Quando a ação precisa ser vista para gerar empatia (dores, vitórias, gestos significativos)
Nos momentos de investigação, onde o detalhe importa
Em relações românticas, quando as interações moldam o vínculo emocional
E em arcos de redenção, onde cada etapa do personagem é essencial.
Elipses demais podem deixar a trama seca ou emocionalmente distante. Já sequências de montagem demais acabam dando um efeito parecido, mas com um “cansaço” adicional causado pela velocidade das ações.
Porém, é claro, você sempre pode utilizar essa ferramenta intencionalmente, criando uma "sequência de sequências" bem cômica.
Indo além: adaptação da imagem-cristal
Você já deve ter ouvido falar do termo “imagem-cristal". Mas sabe como pode ajudar a construir uma elipse interessante?
Antes de explicar, é preciso mencionar que foi um conceito criado pelo filósofo Gilles Deleuze, um dos nomes mais influentes da filosofia contemporânea. Ele escreveu duas das obras mais importantes já produzidas sobre cinema: A Imagem-Movimento (1983) e A Imagem-Tempo (1985).

Basicamente, a imagem-cristal é um tipo de imagem cinematográfica em que o presente e o passado aparecem juntos, ao mesmo tempo, misturados na mesma cena. É como se o filme mostrasse duas camadas da realidade ao mesmo tempo:
O que está acontecendo agora (imagem atual)
E o que está apenas como possibilidade, lembrança ou reflexo (imagem virtual)
No cinema, isso acontece quando o reflexo é tão importante quanto o corpo real, quando uma lembrança irrompe dentro do presente sem ser um flashback, ou quando o tempo parece se dobrar em vez de avançar.
A elipse funciona parecido, já que público vê uma parte da ação, enquanto a outra permanece fora de quadro, mas ainda viva na imaginação. Podemos unir essa ideia ao conceito de imagem-cristal, fazendo algumas adaptações para servir ao nosso propósito.
Em “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1999), por exemplo, Hugh Grant caminha pela feira enquanto as estações mudam ao redor dele. Portanto, o presente do gesto e o tempo que passa coexistem na mesma imagem:
Podemos dizer que é uma espécie de sequência de montagem “por extenso", já que a passagem do tempo é condensada numa ação no presente (o personagem anda pela rua).
Já em “Mulholland Drive” (2001), na cena da apresentação de “Llorando”, a cantora desmaia, mas sua voz continua ecoando. O corpo é atual, o som é virtual — e os dois se cristalizam na cena:
Esse exemplo ilustra a “realidade paralela” em que a elipse opera, como se o som fosse o que aconteceria depois do corte, caso escolhêssemos utilizá-lo e cortar para outra cena.
É exatamente isso que a elipse faz no roteiro, mesmo que de maneira figurativa. Quando você corta antes do que seria “óbvio”, o que foi omitido continua reverberando.
O tempo não some, mas continua existindo em paralelo ao corte, como um eco. A elipse, então, não é vazio, mas sim uma presença concentrada e preenchida.
Conclusão
Como você viu, a elipse é uma grande aliada de ritmo, discurso e estilo. Da mesma maneira, o "fora de quadro” enriquece seu discurso e traz muito mais subtexto à sua narrativa.
Vale ressaltar que a elipse pode ser também construída em documentários, onde muitas vezes ela se torna até mais evidente. Além disso, tem uma relação forte com a montagem. Muitos dos grandes filmes com omissões interessantes foram construídos no processo de montagem e não necessariamente no roteiro.
Agora, experimente reler seu roteiro com o ritmo e experiência visual em mente, testando diferentes omissões e transições que você viu aqui!
Fontes:
The INSANE Power of What You DON'T Write (8 Things to Keep Off-Screen )
Formatting Transitions to Enhance Your Screenplay's Narrative Flow
Gilles Deleuze, A Imagem-Tempo (Cinema 2: L’image-temps, 1985)







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