A cineasta Susan Kouguell divide suas dicas práticas para escrever diálogos melhores e encontrar a voz de cada personagem
Construir bons diálogos pode ser um grande desafio. Muito mais do que apenas levar a trama para a frente, os diálogos revelam caráter, condição emocional e uma série de elementos em seu subtexto que ajudam a conferir profundidade às personagens.
Na hora da escrita, porém, o roteirista pode estar com a cabeça só na estrutura e negligenciar seus diálogos. Ou então, aceitar que seus personagens falem "parecido" ou mesmo igual. Mas isso tira muito do potencial artístico do seu roteiro e pode ser melhor trabalhado.
Pensando nisso, como podemos elaborar diálogos dinâmicos sem perder as particularidades de cada personagem? Susan Kouguell, professora, diretora e roteirista norte-americana, divide suas impressões sobre o tema em seu texto para a Script Mag.
Acompanhe, a seguir, nossa tradução adaptada a partir do seu texto.
A importância de bons diálogos
Todo roteirista entende (ou deveria entender) que o diálogo, quando presente, é uma peça integral e fundamental de sua narrativa. Mas os profissionais da indústria cinematográfica também se importam muito com os seus diálogos!
Portanto, a voz de cada personagem deve ser distinta e não intercambiável.
Leitores precisam conseguir identificar quem está falando sem precisar checar o nome dos personagens acima do diálogo. Por isso, faça sempre cada palavra valer: às vezes menos é mais e o “menos” pode provar-se mais requintado e interessante.
Executivos, agentes, diretores, produtores e todos aqueles que vão ler seu roteiro demandam que suas personagens “falem” com eles. Ou seja, os diálogos precisam soar verdadeiros e revelar as distinções de suas personagens.
Como desenvolver bem essa questão?
O Subtexto
Tenho certeza que a maioria de vocês já leu sobre a importância do subtexto para os roteiros. Mas você sabe o que isso realmente significa para você?
Utilizar subtexto serve como uma forma de denotar as intenções das personagens sem ser muito óbvio ou subestimar o espectador. No diálogo, por exemplo, quando uma personagem diz uma coisa, há um significado maior naquilo que ela está dizendo.
Por exemplo, no filme “A Malvada" (All About Eve, 1950), do roteirista e diretor Joseph L. Mankiewicz, DeWitt diz para para Margo:
Querida Margo. Você foi uma espécie de Peter Pan inesquecível. Você deve interpretá-lo novamente. - Addison DeWitt
O subtexto nesse caso se refere à obsessão e medo do envelhecimento que Margo possui. Além disso, o envelhecimento no meio artístico é também um dos temas do filme.
É interessante refletir como o subtexto pode carregar diversos níveis de significado.
As 10 principais dicas de Susan Kouguell para escrever bons diálogos
1. Diálogos precisam claramente denotar emoções, atitudes, forças, vulnerabilidades, objetivos e por aí vai, ao mesmo tempo que revelam novos detalhes do plot e levam a narrativa adiante.
2. Cada palavra do diálogo deve representar verdadeiramente sua personagem. Sempre considere seus comportamentos, motivações, objetivos e estado emocional enquanto elas falam.
3. Considere silêncios e pausas que suas personagens podem utilizar, ou a interrupção de outras personagens, para explicitar tensões, ações, humores e emoções.
4. Na vida real, a maioria das pessoas não se comunica com uma gramática perfeita e frases formais. Diálogos não podem soar improváveis ou muito afetados.
5. Para fazer dos diálogos da sua personagem mais “identificáveis”, considere a utilização de contrações, coloquialismo, gírias, etc. Pense nisso apenas quando for “verdadeiro” para a natureza de suas personagens, é claro.
6. Personagens podem se comunicar com uma espécie de "taquigrafia verbal", como acontece com familiares e melhores amigos. Isso pode vir de uma construção anterior por parte do roteirista, que determina como aquelas personagens se comunicam entre si dependendo do grau de intimidade que possuem.
7. Mantenha em mente a forma como suas personagens escutam ou mesmo não escutam umas às outras, respondem ou deixam de responder, etc.
8. Sempre pesquise seus tópicos de diálogo muitos bem, pois se sua personagem estiver falando sobre questões legislativas, por exemplo, ela precisa estar correta. O mesmo vale para faixas etárias e “filmes de época”: faça sua pesquisa para que seus diálogos estejam de acordo com o período.
9. Essa é clássica: cuidado com diálogos explicativos demais. As pessoas nem sempre falam exatamente o que há em suas mentes ou exatamente o que elas querem dizer. Pode ser uma boa escrever assim num primeiro tratamento para você, mas tenha certeza de que as frases irão evoluir e tornarem-se cada vez mais únicas e reais às personagens a cada tratamento.
10. Escrever a biografia de todas as suas personagens em primeira pessoa (em suas próprias vozes) vai ajudar a afiar suas escolhas de palavras específicas e uso de linguagem, como o tipo de gíria, padrões de discurso e ritmo.
Com essas dicas em mente, você não precisa mais ter uma má relação com diálogos ou mesmo medo deles. Ao criar e escrever, você dá início a uma bela relação de trabalho com seus personagens e leitores do seu roteiro.
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