Suspense e surpresa são iguais? Como usar a tensão na minha história? Movimente o público e a sua personagem com nossas dicas importantes!
Existem elementos ou beats narrativos que são específicos de cada gênero, mas o suspense não é um deles!
Qualquer gênero e formato pode se beneficiar de um ou mais momentos de suspense. Não é um elemento que existe só em thrillers, ação ou terror. Como assim?
Esse é um dispositivo narrativo que pode intensificar o mistério, interesse e impacto das informações que você revela no seu filme, série ou livro. Um pouquinho de suspense ajuda o público a envolver-se emocionalmente com o desfecho de uma cena ou sequência. Como resultado desse envolvimento, as pessoas têm mais chance de se preocuparem com o destino das personagens e da história.
Porém, pode ser difícil e até abstrato entender como encaixar ou melhorar as sequências de suspense na sua história. Viemos aqui para ajudar com isso!
Seja de terror, comédia romântica ou drama familiar, leia nossas dicas abaixo e veja como um bom suspense pode deixar seu roteiro mais interessante!
Diferença entre suspense e surpresa
Antes de tudo, é importante diferenciar alguns conceitos narrativos que podem ser facilmente confundidos entre si: suspense e surpresa. Os dois são iguais? Podem trabalhar juntos ou não combinam?
Suspense é um estado ou sentimento de incerteza que traz antecipação sobre o que pode acontecer. Já a surpresa é uma sensação de espanto ou choque causado por uma ação inesperada, uma revelação ou reviravolta completa de perspectiva. No enredo, as surpresas geralmente aparecem no Incidente incitante, Midpoint e Anagnorisis, se houver.
Em 1973, o famoso diretor Alfred Hitchcock deu uma famosa explicação sobre a diferença entre suspense e surpresa, utilizando a sua "Teoria da Bomba".
Quatro pessoas estão sentadas ao redor da mesa conversando sobre beisebol, seja lá o que for […]. De repente, uma bomba explode e lança as pessoas pelos ares. O público fica chocado por uns dez segundos. Agora, pegue a mesma cena e mostre ao público que há uma bomba debaixo daquela mesa e ela explodirá em cinco minutos. A emoção do público é totalmente diferente, pois você deu essa informação de que em cinco minutos algo terrível acontecerá. A conversa sobre beisebol se torna vital, pois estão dizendo para você parar de falar besteira e prestar atenção ao problema. Agora, o público está envolvido. […] No filme "Sabotagem", cometi um erro ao fazer esse tipo de cena, pois nunca mais tive a bomba explodindo. Se você fizer isso, deixará o público em um estado de agitação e eles ficarão irritados porque você não lhes proporcionou nenhum alívio, e isso é uma agonia. — Alfred Hitchcock
Portanto, Hitchcock não utiliza imagens para chocar, mas para tornar o público cúmplice na construção do sentido do filme. A ideia é sugerir algo e deixar o público descobrir o que vai acontecer. Isso também tem a ver com o ritmo e tamanho da cena ou sequência.
Assim, fica fácil de entender que um alimenta a intensidade e significado do outro. Aqui, é importante lembrar que a surpresa precisa ser utilizada com parcimônia! Senão, pode parecer tudo muito "conveniente" ou sem construção.
Mas e o mistério? Tem a ver? Em uma entrevista anterior, de 1970, o diretor ofereceu outra opinião sobre isso:
O mistério é quando o espectador sabe menos do que as personagens no filme. O suspense é quando o espectador sabe mais do que as personagens. — Alfred Hitchcock
Viu como é possível articular milhares de ideias utilizando esses três conceitos?
Por que suspense?
Ok, mas por que devo me preocupar com alongar a tensão na minha cena? Existe isso em um filme de comédia ou em um melodrama? A resposta simples é: sim. Entenda melhor abaixo.
A importância da tensão
A tensão conduz os leitores e o público de uma cena para a próxima, de uma fala à outra. Às vezes, a tensão é resultado de um conflito, mas nem sempre. Isso tudo aumenta a curiosidade e engajamento do público, já que ele se importa com o destino das personagens.
Para o suspense ser significativo na narrativa em sua totalidade, deve haver consequências claras para as decisões tomadas e as ações realizadas. Um bom exemplo disso é pensar na estrutura de uma piada clássica: você fornece informações, descreve personagens ou faz perguntas. Quanto mais a piada vai seguindo, mais o ouvinte quer chegar no punch-line.
Ou seja, o suspense está nessa articulação de informação, ritmo e tom, que vai levar a uma conclusão satisfatória. Assim, podemos pensar na tensão na própria cena, entre várias cenas e mesmo entre atos.
O ritmo e as emoções
Segundo o guia de escrita Tameri, uma "montanha-russa de emoções" é uma série de cenas que "sobem e descem" com o suspense. Assim, vemos um padrão bem visual de como articular suspense na narrativa (seja no arco da história, em uma sequência ou mesmo na cena):
O Setup
O Ticking clock
A Reviravolta (Plot Twist ou Revelação)
Setup ou preparação: é a sequência de eventos e conflitos que levam a um evento maior, cujo resultado está em dúvida. Uma preparação eficaz aumenta as tensões e os medos.
Ticking clock e pressão aumentando: suspense pode aumentar quando há um relógio marcando o tempo e adicionando pressão nas personagens. Mais sobre isso logo abaixo!
Reviravolta e elemento principal de surpresa: justo quando a personagem pensa que superou a causa de tanto suspense, muitas vezes há uma surpresa ou reviravolta. Este é o clássico "fantasma no reflexo do espelho". As personagens são confrontadas com mais ainda problemas, estresse e/ou medo. As escolhas feitas nesse ponto levam à próxima série de eventos. Assim, as escolhas feitas no momento da surpresa revelam as verdadeiras naturezas dos personagens.
Esse momento de surpresa não precisa necessariamente ser antecipado por suspense, como um incidente incitante onde algo apenas surpreende a personagem, sem que essa tivesse antecipando alguma coisa.
Recursos narrativos importantes para construir suspense
Confira abaixo alguns conceitos que retiramos do livro "Elementos da Escrita de Ficção - Conflito e Suspense", do autor James Scott Bell, para visualizar melhor a construção de tensão no seu roteiro.
Ticking clock
Clássico elemento narrativo do thriller, ação, aventura e terror, o ticking clock nada mais é do que um prazo ou evento importante que acelera as decisões e circunstâncias da protagonista.
Criando uma sensação de urgência, o tempo limitado aumenta as apostas (stakes), aumentando também o suspense. Esse relógio acelera o ímpeto, o ritmo, eleva o nível de conflito e cria um obstáculo maior para a protagonista superar ao longo da história, tornando a estrutura mais eficaz e emocionante.
Lembre-se que o ticking clock pode ser qualquer prazo ou evento "final", não precisando ser algo de vida ou morte. Pode ser um concurso, apresentação, casamento, viagem, etc.
Antecipação
É um dispositivo narrativo que compõe o suspense. Deixe pistas ou indícios ao longo da história de que algo significativo ou perigoso está por vir. Pense nisso também na própria cena, como mencionado por Hitchcock. Isso cria uma sensação de conflito iminente e uma vontade de experienciar o resultado.
Tensão crescente
Como vimos, aumentar gradualmente a intensidade dos conflitos e obstáculos enfrentados pela protagonista ajuda a levar a trama para a frente e causar antecipação. Em uma jornada mais convencional, cada obstáculo deve ser mais desafiador do que o anterior, mantendo o público envolvido e ansioso pelo resultado.
Dependendo da estrutura, formato e gênero, você pode fazer isso através da articulação da teia de personagens, dos beats de gênero, de contrastes entre cenas e muito mais.
Objetivos iguais ou conflitantes
Coloque personagens uns contra os outros com metas ou desejos conflitantes. As disputas de poder criam tensão e, consequentemente, suspense. Pense em "Succession", que conseguiu manter o suspense prometido no piloto por quatro temporadas.
Outra ideia é criar o mesmo objetivo para protagonista, oponente e/ou antagonista - receita perfeita para conflitos e exploração temática.
Dúvidas e imprevisibilidade
Para criar suspense, introduza elementos de incerteza e imprevisibilidade na história. Quais as verdadeiras motivações de certas personagens? Por que agiram daquela forma? Brinque com o ritmo das informações para manter o interesse.
Se for uma narrativa mais convencional, considere isso: no fundo, você sabe que a personagem principal não vai morrer ou "perder" no final, mas é preciso ter dúvidas ao longo do arco! Dúvidas podem também aparecer nas próprias personagens, que podem se perguntar como vencer as adversidades e até acreditar que não são capazes. As emoções das personagens, em grande maioria, vêm de suas lutas internas.
Reviravoltas bem construídas
Surpreenda ao introduzir reviravoltas inesperadas na trama. Essas peripécias podem ter uma surpresa ou não, mas devem desafiar o progresso da protagonista e forçá-la a se adaptar ou mudar seus planos, aumentando o suspense e as incertezas. Leia nosso artigo sobre plot twists para ajudar nisso.
Informação oculta ou segredos
Mantenha informações cruciais ocultas do público e/ou da protagonista, criando uma lacuna de conhecimento. Essa lacuna gera tensão à medida que a audiência aguarda ansiosamente a revelação ou descoberta intra-narrativa da informação oculta. Novamente, podemos ficar sabendo de tudo isso do midpoint em diante.
Um pouco de mistério cai bem na maioria das histórias!
Ironia dramática e In media res
São parte da construção narrativa e da poética da obra. A ironia tem relação com o tema e a estrutura escolhida. Permita que o público tenha conhecimento ou consciência maior que as personagens não possuem. Pode ser sobre o tema, contexto, gênero narrativo…
Isso cria antecipação e suspense, além de uma interessante simetria estrutural. Um bom exemplo é pensar em como a cena inicial e a final se completam, ou então começar a história In media res e ir construindo até esse momento.
* In medias res (do latim "no meio das coisas"): técnica literária e dramática na qual a história começa no meio da estrutura narrativa, em vez de começar no seu início.
Tom e ritmo
Analisar o ritmo na primeira versão de escrita pode ser difícil. Mas, assim que puder se concentrar apenas nisso, controle o fluxo da história em termos de estrutura, alternando entre momentos de calma e ação intensa. Lembre-se da construção entre setup-ticking clock-revelação que mostramos acima!
Pausas bem temporizadas e acelerações estratégicas na narrativa ajudam a construir suspense e manter o envolvimento. O tom das cenas também ajuda: um filme de terror não precisa ser todo terrível, assim como um romance pode tomar seu tempo para acontecer e passar por peripécias, etc. Aqui, entra também a lógica entre informação, suspense e surpresa explicada por Hitchcock.
Conclusão
Construir suspense no roteiro não é uma tarefa fácil! Não se preocupe se a sua primeira tentativa de argumento ou roteiro não "funcione" nesse sentido. É preciso construir os sentidos e beats para depois escolher se você deve mostrá-los ou não (e quando).
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