Para que serve, o que não pode faltar e as vantagens que um argumento traz para o trabalho e a carreira do roteirista
É verdade que muitos roteiristas gostam de “pular” essa etapa do processo, deixando o argumento de lado para construir logo uma escaleta, ou mesmo engajar na escrita do roteiro de uma forma mais intuitiva.
Em alguns casos, o roteirista já desenvolveu outro processo de construção criativa. Em outros, o argumento fica de fora simplesmente porque existem muitas dúvidas a respeito da forma e utilidade de um argumento.
Quase todo roteirista tem uma certa noção do que é um argumento, mas não necessariamente entendem todos os benefícios que ele pode trazer para o seu processo e criativo e mesmo sua carreira profissional.
Com menos regras e maior flexibilidade de construção (se compararmos com o roteiro em si), o argumento pode intimidar alguns, ou mesmo libertar outros. Para não restar dúvidas, vamos explorar melhor esse assunto e levantar as vantagens de um bom argumento para diferentes etapas do processo do projeto.
A importância de um bom argumento
Entre a empolgação de ter uma ideia nova e o processo de escrever o roteiro, muita ansiedade pode surgir. A vontade de partir logo para a imersão no universo através da descrição de cenas aparece, mas o roteirista experiente sabe que é preciso muita organização antes de tudo.
É nesse “meio do caminho”, onde a ideia precisa ser lapidada e desenvolvida com maiores detalhes que entra o argumento. Assim como o próprio roteiro, o argumento também tem o seu próprio “estilo” e leva tempo para o autor descobrir como trabalhar o texto da melhor forma.
O argumento, essencialmente, é o primeiro documento que apresentará o desenvolvimento completo da trama (de forma reduzida). Mais do que isso, é onde o roteirista consegue organizar a sua visão de forma prática.
Essencialmente, o argumento precisa capturar os eventos de maior impacto para o desenvolvimento da trama, o tom da história, a jornada de transformação da personagem protagonista e o universo onde tudo isso se passa.
Como um verdadeiro mapa, ele confere ao roteirista o privilégio de observar sua trama com certo distanciamento, analisando, em uma escala reduzia, a disposição dos índices narrativos e o arco completo da história a ser contata.
É muito importante para o roteirista ter essa clareza sobre a sua própria trama, mas a importância do argumento não para por aí. É também onde o autor vai expressar sua voz e apresentar o seu estilo próprio.
Afinal, embora o argumento sirva bastante para o processo de construção, também é uma importante ferramenta de venda.
Quem vai ler o seu argumento?
Como mencionamos, o primeiro leitor do argumento é você, roteirista. Você tem muito a ganhar com o seu desenvolvimento e certamente conseguirá organizar melhor suas ideias a partir dele.
O argumento também, posteriormente, pode ser lido por produtores, diretores, atores ou qualquer outro profissional que você queira agregar ao projeto. É uma janela para o universo que você quer apresentar, capaz de informar sobre a trama, os elementos de destaque, o potencial artístico e até mesmo a voz autoral do realizador.
Muitas vezes o envio do argumento para produtores é um passo posterior ao pitching, demonstrando que há um interesse comercial naquela trama. Nem sempre produtores vão ter tempo para ler um roteiro inteiro e, mais do que isso, eles querem a certeza de que não vão perder seu tempo quando realmente iniciarem uma extensa leitura.
Assim, o argumento serve para o produtor como uma forma de investir o seu tempo de forma inteligente. Esse documento também é muito útil na hora de atrair outros roteiristas para o seu projeto, considerando que você busca o apoio de um segundo (ou terceiro) profissional para desenvolver a história.
É o documento ideal para propor essa primeira imersão no universo da história, bem como revelar os principais pontos de conflito e mesmo os possíveis desafios do desenvolvimento. No argumento pode-se ver com maior clareza os pontos fortes e fracos do projeto.
Qual o tamanho de um argumento?
Não há uma quantidade “certa” de páginas para legitimar um argumento. Alguns autores, como é o caso do James Cameron, escrevem argumentos de até 70 páginas - o que contraria um pouco o objetivo de “comunicar a história de forma sucinta sem sacrificar os momentos-chave”. Existem também argumentos extremamente reduzidos, apresentando a trama em uma só página. Estes são ótimos documentos para reuniões em rodadas de negócios ou primeiros contatos para uma parceria comercial. Em geral, a maioria dos roteirista optam por argumentos que ficam na margem entre 2 a 5 páginas, ou com o limite de 10, o que costuma ser um padrão em muitos editais que pedem pelo documento. O tamanho do argumento será muitas vezes definido pela sua função, seja como instrumento de trabalho (para si ou mesmo para outros envolvidos no projeto), ou como instrumento de venda. Se você estiver escrevendo o argumento de um longa-metragem ou série para si (ou para um parceiro criativo), o ideal é mantê-lo no limite das 10 páginas (em espaço simples).
Dependendo do modelo de produção e o status do projeto, pode ser que você tenha que reduzir esse argumento (para uma segunda reunião com uma produtora, por exemplo) ou mesmo desenvolvê-lo com mais detalhes.
Para ilustrar bem essas diferenças de formato, vamos disponibilizar abaixo exemplos de argumento (em inglês) de alguns filmes, divulgados na internet pelos próprios autores.
Você vai notar que alguns deles vão direto ao ponto, colocando o leitor dentro do universo da obra e descrevendo a trama a partir daí, em prosa. Outros já oferecem alguns textos de apoio, como logline, ficha de personagens, conceito e tema da obra, descrição de plot points, locações e outros elementos pertinentes para o seu processo.
1) Argumento do filme “Uma Ladra Sem Limites” (Identity Thief, 2013), do roteirista Craig Mazin:
2) Argumento da série "Game of Thrones" (one page):
3) Exemplos de argumentos dos roteiristas Ted Elliott e Terry Rossio publicados em seu site Wordplay:
4) Outline de "Zorro" (1994), de Ted Elliott e Terry Rossio:
5) Outline de "Godzilla" (1998), de Ted Elliot e Terry Rossio:
Como escrever um bom argumento?
Você entende a função do argumento, mas agora resta saber: o que não pode faltar e o que você precisa evitar? A primeira coisa é entender como sintetizar obras às vezes tão complexas em até 10 páginas (ou muito menos).
Em linhas gerais, o argumento precisa incluir todos os pontos relevantes da história (índices narrativos que impulsionam a trama, pontos de virada, clara distinção entre os atos, etc.) e uma clara “voz autoral” capaz de apresentar o tom sem soar estilizada demais.
Os subplots devem ser cortados completamente ou reduzidos ao máximo neste momento. O intuito do argumento não é se perder na complexidade de tramas do roteiro, mas entender claramente o seu caminho do ponto A ao B e se este trajeto é claro, relevante e funcional.
Essa é a melhor forma de apresentar uma trama a alguém de fora, ou mesmo organizá-la melhor para si.
O que não incluir no argumento?
Para manter o argumento econômico e o mais claro possível, seguramente muita coisa vai ficar de fora. Essa quantidade de informação/itens varia de acordo com o tamanho do argumento e o seu propósito. Certamente um argumento “de trabalho” pode ser muito mais detalhado e até desvirtuar um pouco essa regra, trazendo “traços de diálogos” e até algumas sequências de montagem - o processo individual é um pouco mais livre para adaptações. Por outro lado, o argumento comercial vai precisar de uma organização um pouco mais rígida, deixando mais elementos de fora. Seguem, então, alguns deles que você precisa evitar na hora de construir um argumento:
Reduza ao máximo os elementos expositivos, tanto das personagens, locações ou mesmo ações;
Em geral, evite diálogos. Se for colocar um que outro momento, seja muito econômico e não use a formatação de roteiro para trazê-los. Eles precisam de um motivo muito forte para existir em um argumento;
Imagens e qualquer outro elemento que não seja texto (isso não é uma bíblia, é um argumento);
Parágrafos longos e de difícil leitura, com frases complexas que façam o leitor ler mais de uma vez para entender o sentido;
Variedade de fontes. É seguro utilizar uma fonte mono-espaçada como a própria Courier New, padrão de roteiro;
Muita “quebra da quarta parede”. É comum ver argumento (e mesmo roteiro) que usa esse artifício para destacar detalhes importantes ou mesmo “divertir o leitor”. O uso excessivo desse recurso pode ser cansativo e até mesmo uma distração daquilo que mais importa - a trama.
Todos cientes do papel do argumento e o que evitar na hora de escrevê-lo? Pois o assunto não acaba aqui, não. Tem outras coisas que o roteirista pode “descobrir”, aprender e melhorar a partir do próprio argumento.
O que mais o roteirista aprende com o argumento?
Fala-se muito do papel do argumento como um importante documento que leva à escaleta e, posteriormente, ao próprio roteiro. A verdade é que o argumento serve também como um instrumento de constante consulta. Quanto melhor solidificada a trama no argumento, melhor também será sua função como material de consulta. Tem dúvidas sobre um ponto de virada? Releia o argumento. Não sabe se a transformação da personagem principal está bem acentuada? Talvez o argumento auxilie. Pensando nisso, o que mais o argumento pode solucionar e como o roteirista pode utilizá-lo como uma fonte de aprendizado constante?
1. Encontrando o título
Um bom título é essencial, mas ele nem sempre surge “do nada” (embora às vezes sim). Isso porque existem métodos para construir um bom título, que dialogue com a premissa, o estilo da obra, o público-alvo e ainda seja um bom instrumento para atrair a atenção. São vários os pontos que compõem um bom título e é justamente no argumento que você tem a chance de encontrá-lo com mais facilidade. Aqui, vamos nos inspirar nos ensinamentos da Jill Chamberlain (autora do The Nutshell Technique) para entender como encontrar o título da sua obra.
Em seu livro, Chamberlain traz 8 elementos para a construção de uma boa história. Não vamos descrever cada um deles agora, mas destacar um em especial: o que ela chama de Point of No Return (Ponto Sem Retorno, em tradução livre).
O Ponto sem Retorno ocorre um pouco antes do segundo ato de uma história (mais ou menos entre as páginas 20-30 do roteiro, idealmente na página 25) e ele é responsável, entre outras coisas, por impulsionar a personagem protagonista para o segundo ato, o "mundo especial".
O Ponto Sem Retorno também é responsável por fazer daquela trama uma história única. É onde o protagonista conquista seu objetivo inicial, mas recebe ao mesmo tempo algo indesejável junto dele. Um verdadeiro “cuidado com o que você deseja”.
Pela sua importância para a história, o Ponto Sem Retorno muitas vezes inspira o próprio título da obra. Um exemplo citado pela própria Jill é o filme “Identidade Bourne” (The Bourne Identity, 2002). A autora identifica que o objetivo do protagonista (o que o leva ao segundo ato), apresentado na primeira sequência do filme, é “descobrir quem ele é”.
No Ponto Sem Retorno, Jason Bourne tem acesso a identidade que confirma o seu nome: Jason Bourne. Junto com ela, porém, Bourne encontra diversos outros documentos com vários outros nomes, muito dinheiro e uma arma. Ou seja, além de perigoso, Bourne provavelmente está sendo perseguido. Esse é claramente o momento que ilustra bem o título do filme.
O argumento, normalmente, é a primeira oportunidade que o roteirista tem para explorar o Ponto Sem Retorno da sua obra, o que muitas vezes pode inspirá-lo a pensar em um título que funciona em todos os aspectos apresentados anteriormente.
2. Avaliar se o projeto é viável
Com o argumento, o roteirista adquire um distanciamento crítico para analisar muito mais do que a qualidade do texto. É o momento ideal para avaliar o projeto como um todo, situando-o no mundo de forma objetiva. É onde o roteirista tem a chance de entender se a história, da forma como ela é contada, tem todo o potencial para atrair seu público-alvo como ele previa na sinopse, logline e outros materiais.
Também é possível ter uma primeira experiência como “espectador”, mesmo que com as devidas restrições. A história está arrastada? Os eventos são interessantes o suficiente para seguir assistindo? Há uma reflexão final que fará o espectador “levar o filme consigo” mesmo horas depois?
O argumento possibilita que o roteirista encontre um equilíbrio entre a sua manifestação artística e o que o público possivelmente gostaria de consumir neste momento.
3. Descobrir a melhor forma de “vender” sua história
Você já entendeu o papel do argumento como instrumento de venda, mas vale reforçar que, ao lapidá-lo tendo isso em mente, muitas vezes descobrimos potenciais escondidos, capazes de atrair a atenção de produtores e parceiros. Como etapa intermediária entre o pitching e o roteiro em si, o argumento é um importante “segundo passo” depois de encantar um possível investidor com a sua ideia. Já que esses investidores nem sempre querem (ou tem tempo para) ler longos tratamentos, esse importante documento é a chance para você fazer sua história brilhar por uma perspectiva comercial também. Um bom argumento já é um passo à frente no mercado. Não só para o projeto em si, mas também para o profissional. Um argumento bem escrito é um belo exemplo do trabalho de um roteirista.
4. Receber feedbacks consistentes
Diferente de simplesmente compartilhar sua ideia ou dividir uma sinopse com alguém, o argumento é o documento mais completo para receber melhores feedbacks de profissionais da indústria. Ao mesmo tempo, é o momento certo para isso, considerando que você terá um material rico e com novas perspectivas para iniciar o roteiro da melhor forma. Compartilhar o argumento com roteiristas experientes ou produtores parceiros pode ser uma experiência enriquecedora. #Roteiro #Argumento #DicasDeRoteiro #Audiovisual #Projetos
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