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As tradicionais fórmulas de roteiro ainda servem para 2020?

Atualizado: 24 de mar. de 2020

Manuais de roteiro desenvolvidos há 40 anos atrás oferecem fórmulas práticas para construir uma história. Resta a dúvida: o quanto podemos aproveitar disso tudo?

Imagem: Shutterstock

Em seu texto na plataforma Medium, o roteirista Scott Myers levanta uma importante pergunta: você realmente quer se apoiar em fórmulas de roteiro estabelecidas há quatro décadas atrás? Isso, é claro, trata-se apenas de uma "média temporal".


Muitas das “leituras essenciais” apontadas por roteiristas e professores de roteiro foram publicadas entre o final dos anos 1970 e a década de 1990. A influência desses textos não diminuiu muito de lá para cá: “Story” (1998), “Manual do Roteiro” (1979), “The Screewriter's Bible” (1994), por exemplo. É claro, outros títulos já consagrados surgiram um pouco depois, como “Save The Cat!” (2005) e “The Anatomy of Story” (2007), mas mesmo assim estes já têm mais de uma década de existência e trabalham muitos dos conceitos clássicos.


A questão é: o que essa problemática significa para o roteirista? Significa que ele não deve mais se apoiar nestes ensinamentos? Significa que as regras ainda valem, mas é preciso entender o que atualizar? Vamos explorar um pouco mais este assunto a seguir.


A questão: fórmula x estrutura

Imagem: Google

Como o próprio Scott Myers afirma, há uma diferença entre “fórmula” e “estrutura”. Ele utiliza a famosa frase do consagrado roteirista William Goldman para começar o seu argumento: “roteiro é estrutura”.


Entendemos essa premissa como verdade, ainda mais por uma clara questão: o roteiro está diretamente ligado a sua produção (ou pelo menos deveria estar), sendo o fator estrutural essencial para delinear o caminho para a feitura do filme. Sem contar, é claro, na clareza da história em sua execução.


Uma boa estrutura é essencial para a construção de um roteiro de qualidade e eficiente para a produção. Em relação à fórmula, o assunto muda um pouco. Neste ponto eu lembro de outra frase, agora proferida pelo cineasta Paul Thomas Anderson em entrevista: “ninguém quer ver um filme perfeito”. Aqui é possível entender que o que muitas vezes funciona e se enquadra perfeitamente nas “normas”, não necessariamente vai trazer ao público a sensação de estar assistindo algo único e autêntico.


Vamos salientar um ponto importante: muitas fórmulas existem pois elas funcionam, simples assim. Agora isso significa que você vai seguir as fórmulas de forma cega? É preciso, em primeiro lugar, respeitar o caminho orgânico da sua própria narrativa. Afinal, histórias são orgânicas, mas fórmulas não. Elas são padrões, mapas práticos para ajudar o autor a delinear sua estrutura. De uma forma mais simples, podemos dizer que fórmulas trazem as perguntas certas que cada roteirista deve fazer a si enquanto escreve o seu roteiro.


Existem diversas possibilidades e caminhos para uma história se desenvolver e vamos explorar, aqui, um pouco sobre isso.


O problema em pensar só no plot

Imagem: Google

Um resultado natural nos roteiros focados em antigas fórmulas é a centralização da estrutura em tudo o que envolve o plot, como se fosse o único ponto de atenção necessário para a construção de uma boa história.


É possível facilmente perceber quando um roteirista dedicou todo o seu esforço intelectual na construção lógica do plot através de uma primeira leitura do seu roteiro. O texto é prático, funcional, quase que milimetricamente pensado de acordo com os pontos de propulsão da trama, mas muitas vezes perde rapidamente o brilho da autenticidade. Como resultado, em diversos momentos a construção exibe um universo narrativo pouco interessante e personagens simplistas.


É preciso partir das duas dimensões principais do roteiro: o Mundo Exterior, que envolve a linha de evolução do plot - domínio da ação e do diálogo - e o Mundo Interior, que compreende o campo temático, a rede de intenções e o subtexto. Os melhores roteiros conseguem encontram um verdadeiro equilíbrio entre esses dois pontos.


O que acontece em roteiros preocupados demais (e quase que unicamente) no plot é a perda da complexidade da jornada psicológica. As pessoas não vão ao cinema (ou acessam seu canal de streaming, ou ligam a TV) para encontrar uma narrativa meramente funcional. Qual é o poder da sua mensagem? Como você aborda unicamente o tema proposto? Em que instância a jornada psicológica do seu filme envolve emocionalmente o espectador? Mais do que o plot é através das personagens que atingimos esses pontos de ligação.


Em resumo, é fácil notar que muitos dos manuais de roteiro entre a década de 1980 e começo dos anos 2000 focam na construção do Mundo Exterior, o que apenas serve a parte da estrutura de uma boa história. O que fazer, então, entendendo isso?


Outside-in ou inside-out?

Imagem: Shutterstock

Em seu texto, Scott Myers também resume o processo de concepção de uma história em dois possíveis pontos de investigação, que ele chama de outside-in (de fora para dentro) e inside-out (de dentro para fora).


Nisso também concordamos: parece muito mais fácil de encontrar uma narrativa autêntica através do método inside-out. O que isso significa, afinal? Significa que você começa a conceber a história por elementos como personagens, imersão em suas vidas, riqueza de detalhes do universo, questões temáticas e de subtexto, processos dinâmicos onde plot e tema se misturam, etc. No geral, pontos da história que, para muitos, ficam em um segundo processo, o de “preenchimento” da estrutura.


Nesse momento já é possível escutar diversos roteiristas afirmando o oposto, que “partem do tema, da trama, do argumento, do plot” e que isso funciona muito bem. Funciona sim, é claro. Como tudo na vida, não pedimos que o leitor tire qualquer coisa aqui como verdade universal, mas como uma oportunidade para um novo exercício. Um exercício de pensar sua história de dentro para fora.


Histórias poderosas proporcionam a criação de um forte laço com seus personagens e questões internas: o que eles querem, o que eles têm a perder, o que eles têm a ganhar, de onde eles vieram, o significado emocional dessa jornada para eles, sua perspectiva única do mundo, entre outros tantos fatores.


Partir de um universo temático autêntico e personagens com perspectivas fortes (não aqueles que apenas obedecem aos princípios do plot) pode revelar ao autor um universo amplo de riquezas narrativas, principalmente no campo do subtexto.


Uma proposta mais orgânica


Quer dizer que é preciso deixar as fórmulas de lado e desbravar o mundo da escrita sem qualquer referencial teórico? Não é bem isso. As fórmulas que constam em livros como aqueles citados anteriormente existem e são cultuadas, pois funcionam e foram baseadas em parâmetros observados e testados.


Para ficar claro o principal ponto a ser passado aqui, vale destacar a frase de Scott Myers:


“Aceite o fato de que a estrutura de uma história não é melhor servida através da aderência a uma fórmula de roteiro pré-estabelecida. No lugar disso, respeite a natureza orgânica da história deixando seus personagens mais envolventes”.

Leia os livros, entenda as fórmulas, use tudo aquilo que servir para a sua construção narrativa, mas não perca essa parte orgânica que envolve uma verdadeira imersão na vida das suas personagens. Uma coisa não deve excluir a outra.


Você terá, como resultado, uma coleção de personagens multidimensionais e cheios de questões poderosas para tocar os corações dos espectadores.



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