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O que as produtoras realmente buscam?

Tiago de Carvalho, roteirista e curador de projetos com passagem pela RT Features e Elo Company, nos explica como é a avaliação de projetos para grandes players do mercado


Imagem: Movieweb

Volta e meia recebemos aquela recorrente pergunta: como encontrar uma produtora disposta a investir no meu projeto? Já escrevemos bastante sobre caminhos do roteirista no mercado audiovisual, mas ainda faltava explorar um elemento. Esse elemento é, justamente, a pessoa por trás da curadoria dos projetos para grandes produtoras.


Antes de qualquer roteiro ser debatido internamente, há um profissional que analisa os diferentes aspectos fortes do seu projeto e reúne argumentos para defendê-lo junto às lideranças da produtora. Quem é esse profissional? Como são os seus métodos de análise? Que dicas ele pode compartilhar com quem busca "seu lugar ao sol"?


Para responder a essas e tantas outras questões, conversamos com Tiago de Carvalho, roteirista e curador de projetos com passagem por empresas como RT Features e Elo Company.


Depois de ler e analisar milhares de projetos nos últimos anos para grandes players do mercado, Tiago divide com a gente dicas essenciais para se destacar como roteirista.


Como Tiago se tornou curador de projetos?

Tiago de Carvalho no Festival Rota - Imagem: Tiago de Carvalho

"A função de curadoria não é tão falada, tanto dentro de canais quanto de produtoras", revela Tiago. De fato, isso é verdade. Ao tratar do mercado, muito se fala sobre etapas de desenvolvimento e aquisição, mas nem sempre exploramos essa parte avaliativa do processo.


Como muitos já sabem, não é tão simples assim viver de audiovisual no Brasil. Por isso, mesmo cada caminho trilhado pelos profissionais do setor se apresenta de forma única. Nascido em Minas Gerais e formado em Cinema em Florianópolis, Tiago fez sua carreira principalmente ao seu mudar para São Paulo.

Imagem: Tiago de Carvalho

Encontrou uma entrada na área da pós-produção, trabalhando para produtoras como Primo Filmes e a Mixer. Foi através de um convite feito por sua amiga Nina Kopko que Tiago, em 2015, participou de um processo seletivo na RT Features para uma vaga de Assistente Criativo no Departamento de Desenvolvimento. Além de roteirista, montadora e preparadora de elenco, Nina Kopko foi diretora assistente no filme "A Vida Invisível".


Criada pelo produtor Rodrigo Teixeira, a RT Features é uma das produtoras brasileiras de maior prestígio, responsável por títulos como "Frances Ha" (2012), "A Vida Invisível" (2019), "O Farol" (The Lighthouse, 2019), entre tantos outros sucessos.

Rodrigo Teixeira - Imagem: Rômulo Fialdini

De lá para cá, Tiago encontrou um caminho no setor de desenvolvimento de projetos. Na própria RT, em 2018 ele já assumia a Produção de Desenvolvimento de alguns longas-metragens da casa. Tiago destaca sua experiência com o filme "Alemão 2" (2020), sua última colaboração na RT. “Eu fiz esse trabalho de acompanhamento artístico, dialogando com a produção para poder fechar o roteiro de uma forma que funcione tanto em termos narrativos, quanto em termos de produção”, ressalta Tiago ao abordar um pouco da sua função na época. Já em 2019, Tiago seguiu seu caminho audiovisual em novo endereço, agora como curador de projetos pela Elo Company, distribuidora que a partir de 2017 abriu suas portas para a produção de conteúdo de não-ficção, enquanto de 2019 para cá ampliou seu leque para produtos de ficção também. “Eu retomei contatos que eu já tinha de roteiristas e diretores que eu sabia que tinham projetos para apresentar e eu levei esses projetos, após uma análise, para a Elo, pensando nos perfis que eles estavam procurando”, resume Tiago.


Além de roteirista e curador de projetos, Tiago também possui um podcast chamado "Teorias Nada Conspiratórias". Ficou curioso? Você pode acessar o conteúdo pelo Spotify ou mesmo pelo agregador Anchor.


Qual é o papel do curador de projetos?

Imagem: Daniel Fleming/Flickr

O papel do curador é entrar em contato com roteiristas que tenham projetos para apresentar e, após análise desses projetos, pensar se esse perfil se encaixa com o tipo de projeto que a produtora está buscando”, explica Tiago, que completa afirmando: "eu sou basicamente um filtro humano". Aqui, Tiago ressalta que cada projeto que chega em suas mãos está em uma etapa diferente do processo de desenvolvimento - alguns com bíblia, outros com argumento, projetos mais ou menos completos, etc.


“Eu faço esse meio de campo entre o roteirista e a produtora, pensando nesse papel de selecionar o perfil específico - seja em termos de gênero, seja em termos de temática, público-alvo… Existem vários fatores aí”. - Tiago de Carvalho

Tiago nos explica, a partir daqui, um pouco do processo de análise dos projetos, partindo do momento em que eles chegam nas suas mãos. Segundo ele, essa primeira triagem surge, naturalmente, de profissionais que já são do seu conhecimento. Sobre a cadeia de fatores, Tiago resume: “o processo de curadoria começa com esse contato com os realizadores, logo depois o processo de análise e leitura de todo o material possível que eles tenham desenvolvido, então uma análise se esse projeto atende a demanda específica da produtora, para pensar se vale levar o projeto para a leitura interna”. Como curador, uma das principais missões de Tiago é carregar consigo esse almanaque de fatores que são do interesse dos produtores que o contratam. Da mesma forma, Tiago precisa saber com clareza o que a produtora não quer no momento, seja por uma questão de estilo, gênero, ou mesmo saber que existem projetos em desenvolvimento na casa muito semelhantes àqueles que ele recebe para análise.


Os projetos e os perfis das produtoras

Bastidores da série "Seinfeld" - Imagem: Getty Images

Parte do trabalho do roteirista após fechado o roteiro é justamente entender o perfil dos parceiros ideais. Você leva em conta esse fator? Muitos roteiristas analisam esse perfil principalmente pelo "tamanho" da produtora.


Assim, seus projetos mais ambiciosos são direcionados para os parceiros com maior capacidade de produção. Esse não é o único ponto a ser analisado. Você já estudou os projetos da casa buscando elementos que compõe o perfil da marca, muito além da sua capacidade de produção?


Sobre essa questão dos perfis das produtoras, Tiago afirma que eles variam muito. “No caso dos filmes, a RT tem um perfil muito mais voltado para festivais, um pouco mais artístico, principalmente partindo de diretores premiados e em apostas de novos talentos, que participam bastante dos ciclos de festivais. Isso vem bastante da lógica de produção criativa que o próprio Rodrigo Teixeira tem. Ele diz muito que quer produzir aquilo que ele gostaria de ver na tela”, afirma. É importante compreender essas noções de perfil artístico. Cada caminho exige uma estratégia de mercado diferente e talvez alguns deles não sejam os mais adequados para o seu perfil.

Como podemos ver, a RT Features prefere projetos que partem de autores já consagrados, ou ao menos com um bom caminho andado no mercado. Esse mercado específico, como Tiago revela, está muito mais ligado a festivais de renome nacional e internacional. Você tem interesse em construir seu nome no circuito de festivais? Essa pergunda determinará sua estratégia, mas também perfil como autor. “Em relação à Elo Company, como eles estão no mercado há mais tempo como distribuidora, é mais difícil entender o perfil que eles têm como produtora. Eles estão tentando encontrar um caminho próprio, mas como esse processo de desenvolvimento e produção já vem avançando, eu acredito que a Elo, no caso de longas-metragens, procura filmes que dialogam com um público maior, histórias mais populares, sem perder o apelo artístico”, Tiago complementa. No caso das séries, Tiago afirma que esse perfil é um pouco mais amplo: “eles procuram projetos diferentes, inovadores e que tragam pontos de vistas diversos”. A questão da diversidade é um critério de extrema importância para garantirmos uma pluralidade de pontos de vista no mercado do entretenimento.

Como fazer o seu projeto entrar nessas portas?

Imagem: Screen Gems

Tiago ressalta os três trajetos mais comuns para os projetos chegarem em suas mãos: através de roteiristas que ele conhece, contatos adquiridos por ele visando um específico perfil que ele busca e profissionais de dentro da produtora que tenham seus próprios projetos.

“Os projetos vêm de fontes diferentes, mas o mais interessante é que o trabalho que eu fiz nos últimos anos foi de procura de projetos. Grande parte dos projetos que eu analisei fazem parte dessa rede de contatos que eu comentei”. - Tiago de Carvalho

“Não é uma coisa tão comum você ir atrás de roteirista, então alguns deles respondiam até mesmo com alguma surpresa”, responde Tiago, trazendo um ponto muito interessante: estamos acostumados a procurar meios para envio de projetos, mas nem sempre trilhamos um caminho coerente para nos tornarmos, de fato, esses “contatos” que fazem parte da rede do Tiago e tantos outros curadores do mercado. Entramos em um ponto essencial para compreender o que leva uma produtora a se interessar pelo seu projeto. Muitas vezes, o interesse nasce a partir do perfil artístico do criador. Afinal, o mercado audiovisual não está preocupado apenas em "adquirir tal história", mas em apostar nos talentos. Você precisa se destacar pela sua voz autoral, perícia na escrita e ponto de vista.


Para ilustrar melhor essa questão, vamos analisar o sucesso "Minha Mãe é uma Peça: o Filme" (2013). Independente da sua relação com a obra, é inegável o seu sucesso comercial. Partindo desse ponto, a minha pergunta é: o mercado audiovisual está interessado nas peripécias da Dona Hermínia? Talvez. O mercado está interessado nas peripécias da Dona Hermínia pela ótica do humorista Paulo Gustavo? Com certeza!


Tiago exibe bem essa questão. Sua função não é necessariamente receber diversos roteiros por e-mail e procurar, no meio disso tudo, o próximo sucesso do cinema. Pelo contrário, ele construiu durante os últimos anos uma rede de contatos e perfis de roteiristas. Perfis estes que atendem aos objetivos da produtora no momento. O famoso "quem é você na fila do pão".

Os método de análise

Imagem: Studiobinder

Sobre o processo interno de leitura e análise, Tiago revela um pouco do passo a passo: “eu crio um texto, um resumo do que eu acho do projeto de um modo geral para poder defender em uma reunião”. Quando ele fala sobre “projetos”, o que devemos considerar? Roteiro completo, argumento, bíblia? Tiago revela: “eu li de tudo, bíblia, mini-bíblia, roteiro, sinopse…”. Do material recebido, Tiago também fala um pouco sobre o que acredita ser mais relevante para a sua análise:

“Aquilo que você identifica como o forte do projeto depende muito. Você pode enxergar o forte como um tema, talvez a premissa seja mais interessante do que a própria execução do projeto - muitas vezes acontece isso, você se impacta com a sinopse, ou com três linhas de resumo do projeto, mas quando você vai ler o roteiro, ele não entrega aquilo. O meu perfil de análise é sempre olhar, em termos estruturais, como o projeto está, se ele traz personagens que promovem uma certa empatia - sendo antiheróis ou não - e como o projeto me impacta como leitor e possível espectador”. - Tiago de Carvalho

Como curador, Tiago avalia que precisa se dividir em duas funções: a de espectador e crítico. Para ele, identificar-se com o texto como espectador, além de crítico, é muito importante para entender as qualidades do projeto em si.

O mercado do desenvolvimento e as portas de entrada

Imagem: videomaker.com

“Pela Elo Company eu li mais de 300 projetos", aponta Tiago. Quantas pessoas no meio audiovisual tem a oportunidade de ler tantos projetos assim? Diante disso, Tiago conseguiu entender melhor os diferentes perfis de criadores brasileiros.

“Roteiristas que estão no mercado há mais tempo costumam falar sobre temas similares com o que eles já fizeram. Roteiristas que estão começando, ou tem uma média experiência no mercado, costumam ousar mais na aproximação de temas e propostas. Isso não é necessariamente uma crítica, mas uma constatação que eu tive”. - Tiago de Carvalho

É interessante entender essa questão dos perfis, pois reflete pontos sobre a voz autoral: enquanto roteiristas experientes parecem ter encontrado temas e um estilo concreto para o seu trabalho, são os novatos que, muitas vezes, propõe uma quebra de padrões e expectativas.


Ao explorar essa questão, Tiago reflete sobre a busca pela originalidade: "uma dificuldade minha e de várias produtoras é identificar projetos que tenham algo diferente daquilo que já foi feito no Brasil. Se você chega com um projeto de animação que se passa em um lugar pouco explorado no Brasil e você não tem um imaginário pregresso daquilo, é muito difícil você visualizar na tela uma série que traz essa proposta muito ousada”. Sendo assim, entende-se que às vezes a originalidade traz seus desafios. “A falta de referência é uma coisa que chama a atenção. Se você lê uma coisa que não te lembra nada, ou te lembra poucas coisas, é difícil se conectar com o material que você está lendo”, completa. Isso quer dizer que é arriscado propor algo muito fora daquilo que já existe? Tiago responde: “é claro que muitas produtoras procuram projetos inovadores e ousados, mas com certas ressalvas. Toda produtora quer que seus projetos sejam vistos, mas é importante que alguns projetos sejam nichados para alcançar públicos diversos”.

Pontos fracos recorrentes nos projetos recebidos

Imagem: Cottonbro

Agora que você entendeu um pouco de como funciona a análise e os caminhos para construir uma entrada no mercado, está na hora de entender algumas das dificuldades recorrentes entre os autores.

“A maior dificuldade que eu vejo é em não se conectar com o que você está lendo. Se não funciona no texto, provavelmente não funcionará na tela”, Tiago ressalta, mostrando que o lado "espectador" às vezes fala mais alto.

“É importante pensar que o projeto precisa brilhar para quem está lendo, não só para quem está escrevendo. Se você não se coloca nessa posição de leitor e de espectador, o texto pode não funcionar”. - Tiago de Carvalho

Na hora de escrever um roteiro, um argumento, ou mesmo montar uma bíblia, é muito importante pensar nesses dois termos: o projeto através da sua visão e o projeto através da experiência do leitor.


O texto está claro ou exageradamente complexo? É agradável de ler? Você está vendendo os pontos fortes do seu projeto? São muitos os fatores envolvidos e a dica de Tiago é tomar esse tempo para reler o seu material com um certo distanciamento crítico.

Isso não é tudo! O fôlego narrativo também tem um papel crucial aqui, como indica Tiago: “outra coisa que eu vejo é que muitos projetos começam muito bem no primeiro ato, em uma premissa muito impactante, mas do segundo ato para frente começa a ficar fraco”. Tiago complementa sua resposta justificando os motivos por trás desses “problemas pós-segundo ato”: “da minha perspectiva também como roteirista, percebe-se que você pensou muito nessa primeira etapa do processo, mas não mantém a qualidade do seu texto, pois você acha que começou muito bem, então basta seguir o fluxo”. Tiago também separou conselhos sobre o material de apresentação que compõe o projeto: “ser conciso, direto e claro naquilo que você quer colocar no papel”. Devemos acrescentar aqui o fator "relevância", considerando os assuntos pertinentes no momento: "é importante pensar no tamanho do seu projeto. Se ele se relaciona com o mundo atual ou se ele vai se relacionar daqui alguns anos”. É claro que ninguém sabe o que vai acontecer no futuro (ou estaríamos “preparados” para a pandemia), mas a relevância do projeto para o “agora” é um ponto muito importante para atiçar o interesse dos produtores.

Tudo isso, é claro, envolve uma rede de fatores na carreira de um roteirista. É preciso encontrar sua voz como autor, trabalhar suas habilidades, ampliar seus conhecimentos e fazer contatos.


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