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ENTREVISTA: Como navegar no mercado do roteiro

Atualizado: 24 de mar. de 2020

Bia Crespo, que fez parte do Departamento de Conteúdo da Paris Filmes e hoje é roteirista, explica a importância dos festivais de roteiro e dá dicas para apresentar projetos em rodadas de negócios


Imagem: Bia Crespo

Uma das maiores dúvidas do roteirista iniciante é como entrar no mercado audiovisual. É preciso conhecer pessoas para receber indicação, convites e até ter a chances de apresentar suas ideias. Sobre isso, muitas vezes ouvimos apenas que "é complicado".


Se você é novo no ofício e não tem muitos contatos, como entrar nessa competitiva indústria? Um jeito muito eficaz de fazer networking é trilhar o caminho dos festivais de cinema e eventos de roteiro que existem no Brasil.


Para comentar um pouco sobre esse processo, nós conversamos com a roteirista, produtora e consultora de projetos Bia Crespo, que dedicou o ano de 2019 para participar de festivais de roteiro e veio contar um pouco dessa sua experiência.


Quem é Bia Crespo?

Imagem: Bia Crespo

Formada em Audiovisual pela USP, Bia encontrou na área da produção um caminho rentável dentro do mercado. “Isso foi lá por 2010, 2011, uma época em que o audiovisual brasileiro estava começando a florescer, mas ainda não tava naquele ritmo”, comenta Crespo.


Sobre esse momento de inserção no mercado, ela segue: “sempre foi assim, você tinha de ter contatos e ser amigo de pessoas para entrar em salas de roteiro. Eu não tinha tanto. Não tinha Netflix, Amazon nessa época por aqui. Daí eu pensei, vou trabalhar com produção. Eu me saí bem. Fazia para pagar as contas e foi o jeito que encontrar de entrar no grande mercado”.


Através desse trajeto Bia fez parte da produção de diversos conteúdos de alta relevância, como a série “O Negócio” (HBO), “Destino: São Paulo” (HBO) e o filme “Os Homens São de Marte... E é pra Lá que Eu Vou!".


A paixão de Bia, porém, estava no roteiro. Em relação a isso, ela comenta: “eu comecei, então, a perceber que os roteiros eram sempre escritos pelas mesmas pessoas, geralmente homens. Com o tempo eu comecei a perceber também que a qualidade dos roteiros não estava acompanhando o nível das produções”.


Para Crespo, o grande problema dos roteiros estava justamente na técnica. “Como você vai fidelizar um espectador que só assiste a séries americanas fazendo um negócio meio desconjuntado”, questiona, trazendo o ponto estrutural para o debate.

Imagem: Raindance Film Festival

Com intuito de aprofundar seus conhecimentos em roteiro, Bia estudou um ano na Vancouver Film School (hoje ela é uma das embaixadoras brasileiras do curso) e determinou para si que teria mais um ano para se consolidar como roteirista no Brasil. Sua promessa era: “se eu não conseguir, então eu volto a ser produtora”.

“Em um ano lá eu escrevi esquete de comédia, peça de teatro, dois longas, três episódios de série, bíblia de série, um milhão de coisas”.

A partir daí, Bia não parou mais. Escreveu alguns longas, reescreveu outros, fez negócios com produtoras e dedicou um bom tempo para participar de eventos como o FRAPA (Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre) e o Serie_lab.


A carreira como roteirista no Brasil

Da esquerda para a direita: Bia Crespo, Lorena Queiroz, Flávia Guimarães, Pedro Miranda e Giulia Benite - Imagem: Bia Crespo

“Eu voltei porque eu pensei, eu quero escrever para o Brasil”, afirma Crespo. Assim que chegou, ela se dedicou a contatar as pessoas que ela conhecia da época da Paris Filmes. “Eu não conhecia os roteiristas porque eles não iam no set, eles não interagiam com a equipe”.


Foi através de e-mails e conversas com profissionais que ela tinha em listas de trabalho que Bia Crespo conquistou o seu primeiro trabalho como roteirista. Uma produtora da Paris Filmes, onde Bia iniciou a carreira, precisava de alguém para uma vaga no Departamento de Conteúdo.


“Eles estavam precisando de alguém que tivesse conhecimento de roteiro, mas também uma boa organização. Eles queriam alguém que fosse meio produtor, meio roteirista, que é o que um Departamento de Conteúdo precisa”.


O trabalho no Departamento de Conteúdo trouxe uma experiência única para Bia: bagagem em consultorias, principalmente em projetos comerciais. Sobre esse período, Bia comenta: “demora para a gente confiar no nosso talento, né? Aceitar que ‘eu escrevo, eu sei fazer’. Eu passei dois anos e meio lá criando essa confiança até perceber que os meus palpites estavam certos, os filmes em que colaborei iam bem”.


Com essa confiança adquirida, ela então pediu demissão em janeiro de 2019 e começou sua jornada como “roteirista solo”. Crespo, então, compartilha algumas dicas de apresentação pessoal que foram muito úteis nesse estágio da sua vida.

“Eu enviava, por e-mail, uma carta de apresentação do jeito que eu aprendi lá [Vancouver Film School]. Me apresentava, falava um pouco sobre o que eu gostava na produtora e comentava a minha trajetória. Também mandava currículo, IMDB e dizia que queria ser assistente de sala de roteiro ou ajudar em qualquer coisa que tivesse lá. Eu sempre fui muito sincera, sempre mandei para lugares onde eu realmente queria trabalhar”.

A própria Paris Filmes chamou Bia para trabalhar em alguns projetos. O primeiro foi um filme chamado “Galeria Futuro”, filmado em 2019 e com lançamento previsto para 2020. Depois surgiu a oportunidade de propor um filme de natal para a Paris.


“Eles falaram como quem não quer nada que se eu tivesse uma ideia de filme de natal, seria ótimo. Eu falei que sim, ‘amanhã eu trago’. Fui andando pela rua, fiquei olhando capa de DVD de filme de natal… Eu sentia que esse era o momento que eles citam em todos os cursos, que determina a diferença entre você conseguir e não conseguir”, explica Bia sobre o momento de desenvolvimento da ideia.


A ideia veio, Crespo enviou uma sinopse para a Paris Filmes e o projeto foi adquirido. Ela foi contratada como roteirista para trabalhar no projeto em parceria com Flávia Guimarães, roteirista carioca com mais experiência em comédia.


Para além do sucesso nas gravações e finalização, o filme, intitulado “10 Horas para o Natal, foi impedido de ser lançado em dezembro de 2019, data prevista pela produção. A situação política brasileira e o boicote governamental à cultura foram os grandes vilões da história.

“Esse filme tem dinheiro do Fundo Setorial e para você lançar é preciso de um documento da Ancine autorizando a distribuição. A Ancine tá parada, o documento não saiu, então adiaram a estreia para dezembro de 2020. O filme tá pronto, na lata, tudo certo”, desabafa Bia.

Paralelamente a isso, começa então uma trajetória de festivais de roteiro para firmar novas parcerias e conhecer outros roteiristas do mercado.


A rota dos festivais de roteiro

Bia Crespo apresentando pitching do projeto "Robin", FRAPA 2019 - Imagem: Bia Crespo

Em seu primeiro ano como roteirista solo, Bia Crespo divide conosco as suas experiências nos festivais dedicados a roteiro e como eles foram responsáveis por mais um passo na sua carreira.


“Logo no começo do ano foi o FRAPA. Eu me inscrevi e já corri para terminar o roteiro de um piloto escrito em parceria com uma amiga minha. Nós passamos, ficamos em segundo lugar no concurso de roteiro e ganhamos Melhor Pitching”.


Maior festival de roteiro do Brasil, o FRAPA é uma ótima porta de entrada para roteiristas, mas também uma maneira dos profissionais mais experientes estarem atentos às mudanças no mercado audiovisual.


Sua programação varia ano a ano, mas normalmente é composta por Masterclass com grandes nomes da indústria, como no caso do roteirista James V. Hart (“Hook: A Volta do Capitão Gancho”, “Drácula de Bram Stoker”), que figurou na edição de 2017, mesas de debate com temas variados (da construção do roteiro à viabilização do projeto), rodadas de negócios com produtores e canais e apresentação de pitchings com projetos que concorrem a prêmios especiais.

“O FRAPA foi muito legal. Não só a parte do pitching na frente de todo mundo, como também a rodadas de negócios, que eu acho que é uma das melhores coisas nesses eventos todos. Não necessariamente pela oportunidade de venda, eu acho muito difícil você vender, ainda mais se o seu projeto for grande. A questão é que você conhece muita gente e isso ajuda muito. Eu tinha alguns contatos, algumas pessoas que eu conhecia, mas depois do FRAPA eu conheci mais gente e eu abri a minha gama de contatos, além de conhecer outros roteiristas no mesmo estágio que eu”.

As rodadas de negócios de eventos assim podem enganar à primeira vista. Quem espera emplacar aquele super projeto pode estar apostando suas fichas em uma grande ilusão. A verdade é que essa é uma vitrine para apresentar o seu trabalho e fazer conexões. Em relação a isso, Bia comenta:

“O pessoal reclama muito, pergunta como que vai entrar no mercado se nunca fez nada? Eu falo: ‘desculpa, mas eu mesmo como a produtora que eu já fui nunca botaria dinheiro em alguém que nunca fez nada’. Você tem que mostrar que você sabe o que está fazendo antes de qualquer coisa. Chega lá na rodada de negócios, apresenta o projeto que você desenvolveu para mostrar o tipo de coisa que você escreve, mas como um exemplo do seu trabalho. E fala: ‘estou aqui disponível para ser assistente de uma sala de roteiro’. Se ofereça como pessoa também, não só a sua mercadoria. Foi isso que funcionou para mim”.

Isso não vale apenas para o FRAPA. Outro festival dedicado a roteiristas que vem crescendo ano após ano é o Serie_lab. Focado em narrativas seriadas, o evento ocorre em São Paulo e aposta em uma programação parecida com a do FRAPA, mas com algumas diferenças.


Segundo Bia Crespo, o fato do FRAPA acontecer no começo do ano é uma vantagem. Além das mesas de discussão sobre narrativa, no Serie_lab há também oportunidades para roteiristas apresentarem pitchings para players do mercado audiovisual.

Bia Crespo apresentando pitching, Serie_lab 2019 - Imagem: Bia Crespo

“Teve uma mesa que era sobre websérie. Chegando lá os palestrantes eram quatro donos de produtoras que faziam conteúdo para o youtube. Não tinha nenhum roteirista! Faziam perguntas sobre roteiro e eles não sabiam responder. A gente queria saber como era a estrutura, duração de episódios, dicas… Não teve”, critica Bia, ressaltando a importância de trazer pessoas que abordem os pontos mais práticos do ofício através da sua vivência.


“A gente quer ver gente experiente. A gente quer ver Masterclass de gente muito foda, a gente quer ver roteiristas falando de casos de série famosa”, completa. Para ela, o Serie_lab teve um grande destaque que serve como inspiração para os próximos anos:

“Teve uma mesa muito legal, acho que foi a favorita de todo mundo, que era chamada de Sala Aberta do Sintonia, a série da Netflix. Eles conseguiram chamar a sala de roteiro inteira. Eles conversaram sobre como foi o processo de escrita e criação da série. É isso que a gente quer ver”.

O mercado de roteiro no Brasil é bem promissor, mesmo com os cortes no Fundo Setorial. Iniciativas assim ainda são novas, mas já mostram que há espaço para essa troca de conhecimento.


Para quem ficou curioso e quer ver um pitching bem estruturado, compartilhamos abaixo gravações das apresentações da Bia no FRAPA e no Serie_lab, respectivamente. Confere aí:




Como montar o seu projeto para rodadas de negócios


Imagem: reprodução

Agora que você entendeu a importância de pegar o seu projeto e circular pelos festivais de roteiro, é preciso levantar uma outra questão: você está pronto para isso? Mais do que isso: o que significa “ter um projeto pronto para apresentar".


Bia até apareceu dando dicas sobre pitchings em nosso último texto. Em relação ao projeto em si,

nós perguntamos a Bia o que ela acha desse importante tópico. Acostumada a avaliar projetos pela Paris Filmes, ela nos traz dicas valiosas sobre como preparar um projeto para apresentar a uma produtora:

“Eu sempre levo o one page. De um lado uma arte conceitual, com informações da série, quantidade de episódios por temporada, tempo e criador. Atrás uma breve sinopse da série, um texto falando do público-alvo em linhas gerais e uma minibiografia com contato”.

Muitas vezes estamos acostumados a ver roteiristas com bíblias gigantescas e que descrevem em detalhes o arco da sua série. Será que essa é a melhor opção para entregar em reuniões de rodadas de negócios?


Bia discorda e justifica: “muita gente não é de São Paulo e vem de avião, então para você levar uma bíblia com pressa no avião depois é difícil. E mesmo para quem vai para a produtora. Na Paris Filmes eu já recebi várias… A pessoa gasta 50 reais para imprimir uma bíblia e muitas vezes ela vai parar no lixo. Muito melhor você mandar depois em PDF e a pessoa poder encaminhar para todos os departamentos.”


Para deixar os seus projetos com o clima proposto pelo filme ou série, ela ainda contrata uma designer para desenvolver a identidade visual. Essa é outra dica: aposte no caráter imersivo de um bom visual.


“O que faz diferença, além do pitching, da fala, é colocar na mesa um negócio bonito. É aquilo que separa o amador do profissional”, justifica.


Depois da reunião o trabalho continua. Muita gente fica aguardando contato das produtoras, enquanto outras pessoas exageram na interação. É preciso de um meio termo. Para Bia Crespo essa é uma questão prática.

“A segunda coisa que eu faço é dar uma semana depois do evento e, na segunda-feira, eu mando a minibíblia em PDF. Tem essa regra: nunca mandar e-mail quinta e sexta. São os dias que as produtoras estão encerrando. Manda na segunda, eles respondem na hora porque é o primeiro que aparece”, ela compartilha.

Crespo reforça muito a importância de usar esse canal de comunicação para ressaltar a sua disponibilidade como roteirista, uma vez que muitas vezes a porta de entrega é colaborar com outros projetos da casa.


No meio de todas essas informações, é importante entender o valor de ações como essas. Esse valor está na apresentação. Antes de tentar vender um projeto, você tem a chance de usá-lo como cartão de visitas.


Com todos esses pontos em mente, agora é acompanhar a programação dos festivais de roteiro e garantir antecipadamente o seu ingresso. Além de tudo, ainda dá para tirar um bom desconto na maioria das vezes.



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