google-site-verification=-Vw97frlPatSJg0ryKCuJ0vKAYHw3mR4lx8_MQJ6OGQ
top of page

RESULTADOS DA BUSCA

135 resultados encontrados com uma busca vazia

  • Rodadas de negócios: o que fazer, o que esperar, o que evitar?

    Convidamos os roteiristas Bruno Bloch e Filippo Cordeiro, criadores do podcast Primeiro Tratamento, para entender todos os detalhes sobre as rodadas de negócios Todo roteirista parte de um princípio criativo. Afinal, dedicamos nossa vida a isso: criação. Dito isso, devemos levar em conta os fatores mercadológicos também. Como transformar todo o processo de desenvolvimento em um produto que o mercado queira investir? Essa é uma tarefa difícil, mas existem ferramentas e espaços dedicados exclusivamente a isso. Festivais, Concursos e demais eventos voltados ao meio audiovisual servem para o roteirista construir pontes para o mercado. É importante criar, mas também circular pelo meio. No centro disso tudo estão as rodadas de negócios. Nos últimos dias, tanto o FRAPA quanto o Primeiro Tratamento anunciaram os resultados das rodadas de negócios de 2020, abrindo um espaço importante para debatermos esse assunto com maiores detalhes. O que esperar de uma rodada de negócios? Como funciona? O que fazer e o que evitar? Muita gente já sabe como é participar de uma rodada como essas, mas com altos números de inscritos nesse ano, sabemos que diversos roteiristas iniciantes também estão chegando aí! Para debater com a gente esse importante tópico convidamos os roteiristas Filippo Cordeiro e Bruno Bloch, criadores do podcast Primeiro Tratamento. Além de administrar suas carreiras como roteiristas, os dois dedicam seu tempo a apresentar o podcast, que reúne muito conteúdo bacana sobre roteiro e entrevistas com grandes nomes do mercado. Em 2020, o Primeiro Tratamento resolveu lançar uma ideia um tanto antiga: criar a sua própria rodada de negócios. Segundo Filippo, tanto eles quanto os players se surpreenderam com “a qualidade média dos projetos”. “Recebemos um email de um player dizendo ‘gostei da qualidade dos projetos, achei melhor do que coisas que eu vi no Rio2C”, revela Filippo. Com tantos talentos disputando a atenção dos players, como se destacar? Vamos entender melhor esse assunto! De onde veio a ideia? Segundo levantamento da equipe, foram 298 roteiristas e 519 projetos inscritos na rodada de negócios. Um número bem significativo e que reflete o engajamento do público a ações como essa, reforçando a importância de construir espaços de conexão entre roteiristas e players. De onde surgiu essa ideia, afinal? Quem vê o projeto em movimento muitas vezes nem imagina o trabalho que deu para organizar tudo isso. Trabalho esse que contou muito com o apoio do Thiago Costa, técnico em TI e também roteirista. “Era para ser um esquema muito menor, com no máximo 12 produtores. E agora estão com 18, o projeto aumentou”, reforça Filippo, salientando como o projeto ganhou força rapidamente. Bruno lembra de um e-mail recebido por Thiago Costa, quando ainda estabeleciam os pilares técnicos do projeto. De acordo com Bruno, o e-mail trazia um alerta: “não vai dar certo”. Thiago se referia às estratégias de articular tantas reuniões em uma mesma plataforma online. Por sorte, tudo isso já foi testado e solucionado para evitar problemas na hora dos encontros. Optando pela utilização da plataforma Zoom, as rodadas serão organizadas em uma espécie de “salão virtual”, onde diferentes reuniões ocorrem ao mesmo tempo. Tudo isso para otimizar ao máximo a experiência. Bruno e Filippo comentam que a rodada de negócios já estava no radar deles há algum tempo. “A gente recebeu lá atrás uma ideia de um ouvinte de fazer alguma iniciativa para tentar aproximar roteiristas ao mercado, usando os nossos contatos”. Ele completa: “a gente achou interessante, mas ainda um pouco vaga. Guardamos ali na gaveta. Conforme foi chegando a questão da pandemia, a gente foi avaliando as ideias. Lembramos dessa ideia e começamos a amadurecer”. Com um vácuo no calendário dos festivais e eventos, esse projeto veio em boa hora. Sabemos que os roteiristas caíram em cima da oportunidade, mas como foi o diálogo com os players? Buscamos entender melhor essa relação. “Em um primeiro momento fomos sondar algumas pessoas, fazer os primeiros convites. Todo mundo estava achando legal a iniciativa. Logo em seguida, quando anunciamos, outros produtores vieram falar com a gente. Produtoras bem legais, produtoras grandes, que nós não tínhamos muito contato. E assim foi aumentando” - Filippo Cordeiro Filippo destaca a adesão do pessoal do mercado para deixar um recado: estão todos bem engajados para esse momento de troca. Sobre a organização dos projetos recebidos Filippo e Bruno nos explicam que tiveram de fazer uma triagem para, então, distribuir os projetos aos players de acordo com as suas específicas demandas. Podemos entender como uma espécie de curadoria, seguindo algumas orientações. “Nas primeiras conversas a gente entendeu que os players, de certa forma, demandaram esses filtros”, comenta Filippo. Afinal, o que são esses filtros? Eles ficaram atentos a questões como gênero, formato, gramática, mas também a questões mais indiretas, como se o projeto em si não estava muito fora das nossas realidades de mercado. Esse último ponto é muito importante. Não basta cuidar da qualidade artística do projeto, mas também pensar na forma como ele dialoga com o nosso mercado audiovisual. Para isso, é preciso conhecê-lo bem. O que esperar da rodada de negócios? No meio de tanta expectativa, é importante trazermos uma visão realista: não devemos entender a rodada de negócios apenas como um pitching de vendas, embora seja um ponto importante do processo. Fillipo e Bruno inclusive questionam um pouco a nomenclatura. Bruno afirma: “rodada de negócios dá uma impressão errada às vezes, como se houvesse um cheque a ser assinado no final da reunião”. Entenda como uma forma de prospectar parceiros, coletar feedbacks, testar a sua ideia no mercado e se apresentar como profissional. Todo parceiro de negócios quer entender o que o proponente espera dessa relação. Players são diferentes entre si, bem como suas relações profissionais. Antes de qualquer coisa, reflita: o que é mais coerente para o seu projeto? O que é mais realista dada a sua experiência? O que você espera? A resposta não pode ser “um cheque no fim do dia”. É preciso entender como o player pode contribuir além de qualquer recursos financeiro. Diante de toda essa reflexão, Filippo comenta: “a gente sabe de produtor interessado em projetos mesmo, não só em conhecer pessoas”. Isso significa que sim, existe a chance de “fechar negócio”, mas não vá esperando necessariamente isso. “Muito difícil fechar um negócio em si”, começa Filippo. “Se o roteirista acha que vai vender um roteiro na rodada de negócios, possivelmente ele tá errado, mas isso não significa que ele não vai vender lá na frente”. “Ele tá assistindo muito Shark Tank”, brinca Bruno. Talvez o ponto mais interessante de um evento como esse é a oportunidade de se apresentar ao mercado. Você quer conquistar trabalhos no mercado? Então precisa ser lembrado. Você quer ser lembrado? Então precisa se apresentar. A lógica é simples! “É uma excelente oportunidade para se apresentar enquanto roteirista para produtores. Pelo que a gente conversou, muitos produtores se interessam, sim, pelas ideias, mas muitas vezes se interessam mais no roteirista para outros trabalhos” - Filippo Cordeiro Fillipo explica que a partir das ideias, dos projetos, é possível compreender um perfil de autor. Além disso, reforça a importância de frequentar espaços e promover novos encontros. Como otimizar o tempo? Administrar bem o tempo é muito importante em qualquer reunião de negócios. Por um lado, você não quer deixar pontas soltas no seu pitching. Por outro lado, você também não quer entediar o possível parceiro criativo ou mesmo tomar todo o seu tempo. Na rodada do Primeiro Tratamento, os roteiristas terão 20 minutos para apresentar o projeto e receber feedbacks. Nossos convidados deixam bem claro que esse tempo deve ser respeitado! “A gente recomenda que o roteirista guarde alguns minutos para ouvir o feedback”, Bruno salienta. Imagine usar os 20 minutos e não receber nenhum feedback. Sem entender as reações dos players ou deixar de trocar um contato depois. Bruno deixa o recado: “faça o seu treino, o seu pitching dentro de uma média entre 10 e 12 minutos. Dependendo do projeto, claro. Para realmente ter esse momento do feedback também, né? “Isso dialoga também com a questão da finalidade”, Filippo continua. “A pessoa dar um tempo para o player falar é uma forma também da pessoa se apresentar. O produtor terá uma oportunidade de fazer as perguntas sobre o projeto, sobre a pessoa, entender como essa pessoa lida com crítica, com sugestão...Tem um pouco de ‘entrevista de emprego’ também”. O que é mais importante durante uma rodada? “Ter o domínio da apresentação do seu projeto, pois isso passa profissionalismo”, conclui Filippo. “Tem que tá muito disposto a conversar também, explicar o que gosta de escrever, mas principalmente estar com o projeto muito bem formatado”. “O projeto é uma grande carta de apresentação” - Filippo Cordeiro Como as rodadas servem como cartão de visitas, todos os signos que ali operam estão refletindo algo a seu respeito: seu profissionalismo, a forma como apresenta uma ideia, sua bagagem profissional, etc. Por isso, o conjunto todo deve estar muito bem estruturado. A reflexão aqui é: essa apresentação revela bem as minhas qualidades como roteirista? Muito mais do que o projeto, é você que está em evidência. Sobre as repercussões de uma boa reunião em rodadas de negócios, Bruno lembra de algumas experiências: “eu e o Filippo já tivemos essa experiência de participar de uma rodada, então um ano depois o produtor mandar um e-mail dizendo ‘estou com uma sala de roteiro aqui, lembrei de você por causa daquela rodada’. Isso é uma coisa muito frequente e um dos pontos mais legais”. Recebendo feedbacks Sobre os feedbacks, Filippo traz sua opinião: “é muito importante apresentar bem a sua ideia, mas é muito importante ouvir também”. Como reagir aos feedbacks em tão pouco tempo? Ao mesmo tempo que você não quer se mostrar fechado, também precisa demonstrar confiança naquilo que você escreveu. Uma coisa é certa: a maioria dos players prefere participar ativamente do processo de construção. O que não significa que seu projeto deve se apresentar como algo “100% aberto, pronto para mudar completamente”. É preciso encontrar um meio termo. Como os próprios entrevistados ressaltam, “os players procuram projetos em estágio mais avançado do desenvolvimento, mas também querem liberdade para entrar e mudar muitas coisas, se preciso”. Parece contraditório, mas não é. O jogo é assim: seu projeto precisa se mostrar ao mesmo tempo sólido e flexível. “Deixar a conversa acontecer às vezes é uma chance de mostrar melhor quem você é, não apenas o projeto”, comenta Filippo. Muito roteirista esquece que mais do que vender um projeto, há sempre a chance de surgir, em um futuro próximo, convites para salas de roteiro. Em uma sala de roteiro, tudo isso é avaliado: postura, clareza, reação a feedback, etc. Bruno ressalta o quão delicada é a situação da crítica, pois você “tem de se posicionar, assim, no improviso”. “Você quer defender suas ideias sem se mostrar fechado a novas ideias”, conclui Bruno. Qual é a melhor forma de lidar com isso? Filippo afirma que é bom ter respostas para as dúvidas, mostrar que nada ali é por acaso. Por outro lado, demonstre muito mais que entendeu a questão e sugestão do player, no lugar de defender suas ideias. Estágios de desenvolvimento Bruno aponta que já na inscrição é possível entender se os projetos ainda estão em uma fase embrionária. Considerando isso, Bruno acredita que projetos mais sólidos estão mais aptos a encantar os players. Para dar continuidade à reflexão, Filippo aborda suas impressões a partir das suas conversas “de meio campo” para levantar seu ponto: “há um grande interesse por parte dos produtores em saber se já tem bíblia, se já tem roteiro”. Já mencionamos esse ponto, mas vale ressaltar aqui: “produtores buscam projetos mais formatados, mas vão mexer muito nesses projetos”, conclui Filippo. Se tudo correr bem, para o próximo passo é bom esperar um clima de “trabalho conjunto”. Apresentações visuais A plataforma do Zoom permite apresentações visuais através da função de compartilhar tela. Isso significa que existe, sim, a possibilidade de contar com apoio visual na hora de apresentar seu projeto. Isso é recomendado? Vamos nos basear em impressões pessoais para tratar do assunto. Alguns dos nossos projetos aqui da WR51 já passaram por rodadas de negócios, mas também apresentações de pitching. Tivemos um projeto finalista no Concurso de Longas do FRAPA, em 2017, bem como outro que levou o prêmio de Pitching no MetrôLab. Sem contar, é claro, em outros eventos que participamos. O que aprendemos com nossas experiências? O papel comedido desses recursos visuais. Nossa função não é distrair os players, mas atraí-los para o nosso universo. O que vemos bastante em pitchings em eventos como FRAPA, por exemplo, é o apoio visual de uma imagem que dê o clima da história, ou mesmo uma apresentação sucinta que destaque o tópico que você está apresentando naquele momento. Esses tópicos podem te ajudar a estruturar a apresentação. Separar um tempo certinho para a apresentação, sinopse, motivação, etc. Outras preparações No caso do Primeiro Tratamento, Filippo e Bruno afirmam que estão testando a plataforma junto dos players e apontam a necessidade de você, roteirista, fazer o mesmo. Você tem aquele tempo, aqueles 20 minutos para brilhar. Não dê bobeira por conta de conexão. Teste tudo antes: faça uma chamada com amigos, família. Veja se está tudo ok. Aconselhados pelo Thiago, Filippo e Bruno lançam o recado: baixem o aplicativo do zoom no computador, evitando a versão web. Dito isso, eles afirmam que estão preparados para possíveis problemas de conexão. Há certa flexibilidade para remarcar reuniões, se necessário. Mantendo contato Nossos entrevistados reforçaram bastante a importância em criar oportunidades para seguir o papo depois da reunião. Afinal, esse é o grande objetivo: criar um verdadeiro elo com o mercado. Tenha sempre um material para enviar depois. Pode ser o piloto do projeto, ou a bíblia completa. De repente você pode apresentar o arco da primeira temporada. Demonstre interesse em levar o papo adiante, bem como apresentar novos materiais sobre o seu projeto. Enviar roteiro pode ser uma estratégia interessante. Os possíveis parceiros criativos precisam entender o seu estilo, saber como você escreve. Não é só o projeto que está em jogo, mas possíveis futuros convites para salas de roteiro. É importante mostrar que você está disponível e tem muito mais para oferecer! Por fim, vale deixarmos ainda mais claro o recado: não espere um cheque, mas trabalhe as relações para que futuras oportunidades apareçam. #roteiro #roteiristas #rodadasdenegócios #FRAPA #pitching #PrimeiroTratamento

  • Criando as próprias oportunidades com Gautier Lee

    A diretora, roteirista e crítica de cinema Gautier Lee, vencedora do Prêmio Cabíria 2019, explica como organiza sua carreira e encontra oportunidades para ampliar seus horizontes profissionais Basta passear por grupos e páginas de roteiro para perceber que roteiristas constantemente buscam oportunidades. Oportunidades de apresentar seu trabalho, de trabalhar em salas de roteiro, de participar de concursos e laboratórios… Enfim, oportunidades de ampliar seus recursos no meio audiovisual. Basta estar atento? Onde encontrar oportunidades de trabalho e enriquecimento intelectual na área do roteiro? Como ultrapassar os desafios de buscar alternativas independentes para construir os seus filmes e levar seus roteiros adiante? Um exemplo de profissional que sabe muito bem ir atrás de recursos para construir seu portfólio é a diretora, roteirista e crítica de cinema Gautier Lee. Vencedora do Prêmio Cabíria em 2019 na categoria Melhor Piloto de Série, Gautier recentemente dirigiu o seu segundo curta-metragem chamado "Um-Oito-Oito", além de participar de eventos virtuais que expandiram seus conhecimentos e lhe conferiram um contato exclusivo com grandes nomes da indústria hollywoodiana. Conheça mais sobre ela e os caminhos que possibilitaram que Gautier expandisse seus conhecimentos e inserção no mercado audiovisual. Quem é Gautier Lee? Gautier Lee é roteirista, diretora, autora e crítica de cinema. É membro do Black Femme Supremacy e da Organization of Black Screenwriters e membro-fundador do Coletivo Macumba Lab, que reúne profissionais negros e negras do audiovisual do Rio Grande do Sul. Em 2019, ela foi semifinalista do FRAPA e vencedora do Prêmio Cabíria com o piloto da série "PMS: Post Motherhood Sisters", além de participar do Laboratório de Narrativas Negras da FLUP. Em 2020, dirigiu seu segundo curta "Um-Oito-Oito", que conta com um projeto de arrecadação de fundos para finalização, escreveu o longa "LOVE 101" e foi selecionada para o curso Crafting Your Short Film do Sundance Institute. Atualmente, Gautier está desenvolvendo um curta documental, um longa de ficção e trabalha na sala de roteiro de uma série infantil de animação. Formando a equipe de um curta independente: case "Um-Oito-Oito" Muitos roteiristas começam suas carreiras com curtas-metragens. Parte importante do desenvolvimento profissional, a experiência de escrita muitas vezes se mistura com a de direção ou mesmo produção do filme. Como Gautier encontrou a equipe certa para seu filme? “O começo da equipe surgiu no Festival de Cinema de Três Passos”, conta a autora. Gautier estava no evento representando o filme “Quero ir Para Los Angeles”, de Juh Balhego. Por uma questão orçamentária, Gautier conta que os convidados do Festival ficaram nas casas dos moradores da cidade. Ela viu nisso uma oportunidade de ampliar sua rede de contatos, dando os primeiros passos em direção à formação da equipe do seu curta-metragem. Por exemplo, seu contato com Évelyn Santos Hoffmann, a atriz principal de "Um-Oito-Oito", foi no festival, assim como outros profissionais que realizaram funções importantes no projeto. Ao conhecer sua futura equipe, Gautier também se preocupou com os recursos financeiros. O roteirista independente que atua também como produtor das suas ideias precisa viabilizá-las do melhor jeito possível. Mas onde encontrar recursos? E contatos? Quando o projeto é independente, muitas vezes são os recursos que moldam o roteiro. Precisamos utilizá-los de forma inteligente: qual a melhor forma de contar uma história e apresentar a sua perícia como autor com os recursos que você tem? "Adaptação" é o termo chave. De acordo com a experiência de Gautier, coisas que às vezes podam nossas ideias também podem nos libertar e possibilitar uma nova maneira de criação. Ela conta que “existia a ideia, mas eu não sabia como executar", algo que impediu até mesmo a escrita do roteiro. “Depois do Festival de Três Passos que eu vi: ok, tenho uma produtora, tenho uma diretora de arte, tenho duas atrizes e tenho um assistente de direção. Aí eu sentei e escrevi o roteiro. Ele já existia na mente, mas ainda não existia escrito até eu ter essa equipe inicial”. “Circular em eventos de audiovisual é essencial, pensando em carreira e em mercado. É onde as pessoas estão." - Gautier Lee Após todo o processo de articular seus contatos recém feitos e filmar o curta, Gautier lembra que “ao longo do tempo, nós perdemos algumas pessoas muito perto da data de gravação, mas no final deu tudo certo. Eu estou muito feliz com o resultado que temos hoje”, explica ela. O curta "Um-Oito-Oito" já está com trailer e uma campanha de crowdfunding montada para garantir a finalização e distribuição do filme, além da ida de Gautier para o curso Crafting Your Short Film do Sundance Institute. Nós, da WR51, estamos oferecendo consultorias de curta e longa como parte das contrapartidas, que contam também com consultorias da própria Gautier, possibilidades de créditos, kits de objetos de arte e muito mais. Você pode apoiar clicando nesse link. Realizando networking a partir de eventos e premiações A palavra networking pode soar aterrorizante ou cheia de mistério para muitos roteiristas. Mas não deixa de ser essencial construir sua base de contatos. Que contatos são esses, afinal? Apenas grandes produtores, showrunners e afins? Gautier conta suas impressões sobre o tema. “Eu acho muito importante, para quem trabalha com roteiro, conhecer os nomes não apenas dos grandes roteiristas, mas saber o nome de todo mundo. Às vezes você vai conhecer a pessoa que faz uma coisa que você gosta, só que você só sabe o nome do showrunner, do produtor ou do criador, você não sabe o nome do roteirista do episódio 3. Às vezes é o roteirista do episódio 3 que vai estar lá no evento e que vai trocar uma ideia contigo”. Ela traz o exemplo de Carol Rodrigues, roteirista da série “3%” (2016-, Netflix) que foi parte do Júri da edição do Cabíria que Gautier participou. “Eu adoro 3%!", diz. "Uma pessoa que escreve uma coisa que eu adoro leu uma coisa que eu escrevi e adorou. Eu nunca achei que isso poderia acontecer. Foi aí que eu comecei a ficar mais atenta a isso”. Como roteiristas, nunca sabemos de onde pode vir a nossa próxima oportunidade de trabalho. Por isso, muita gente foca exclusivamente nas relações com produtores e canais. Isso é importante, mas não é tudo Sua próxima oportunidade pode vir da roteirista integrante de uma sala, ou mesmo assistente de roteiro de uma série, que vai se tornar roteirista na próxima temporada. Ou então aquele diretor iniciante que vai te ajudar a construir sua ideia, quem sabe. Conhecer os nomes e estar atento às pessoas das mais diversas áreas pode ajudar muito na hora de procurar trabalho, montar equipes e até criar amizades, afinal de contas. Gautier relembra: “era o meu primeiro piloto de série, eu nunca tinha ido tão longe em um concurso de roteiro. No meu primeiro dia no Cabíria eu nem sei o que estava acontecendo. Eu lembro que estava muito nervosa… Eu ganhei o prêmio e só lembro de sorrir e abraçar todo mundo”. A adrenalina passou e Gautier falou sobre os benefícios de ter recebido o prêmio no primeiro dia do Festival. “Muita gente veio até mim, eu não precisei ir muito até as pessoas. Virou uma validação do meu trabalho. Ser vencedora do Prêmio Cabíria já se tornou o meu cartão de visitas”, afirma. Sobre os contatos que adquiriu, ela conta que já na semana seguinte após o Cabíria recebeu propostas de reuniões. Portanto, é desse modo que eventos como premiações, laboratórios de roteiro e concursos podem trazer contatos de futuros parceiros e de negócios. A importância de “circular” em eventos do meio é um assunto recorrente aqui no WR51, mas acreditamos que vale a pena ressaltar um outro lado dessa questão: fique atento aos profissionais que podem agregar aos seus projetos em pontos que talvez você não esteja considerando. Roteiristas de destaque precisam apresentar um estilo próprio, capaz de atrair a atenção de produtores, parceiros e afins. Para isso, é preciso construir portfólio. Fique atento aos profissionais que dialogam com a sua proposta narrativa e estética, bem como são parceiros que também têm muito a ganhar com futuras colaborações. Adapte seus projetos a curto prazo aos parceiros mais acessíveis, encontre meios de seguir produzindo! Encontrando oportunidades fora do país Profissional antenada, Gautier afirma: “eu olho não só para o mercado nacional, mas também para o mercado internacional”. O que significa “olhar para o mercado internacional”? Onde procurar oportunidades lá fora? Essa boa prática rendeu a ela a oportunidade de participar de eventos online como o ScreenCraft Virtual Summit, que reuniu profissionais como a roteirista Meg LeFauve (Divertidamente), Wendy Calhoun (Empire), David Rabinowitz (Infiltrado na Klan), o autor e produtor JJ Abrams (Star Wars) e tantos outros. Como Gautier chegou nisso? Ela explica que, há algum tempo, vem planejando passar uns meses na Califórnia. “Mas eu pensei: eu não quero passar turistando, tirando foto no letreiro de Hollywood e indo para a Disney. Óbvio que eu ia fazer tudo isso, mas não era o foco”. Com esse objetivo em mente, mas em meio à pandemia e outros projetos, Gautier então se perguntou: “como que eu aproveito esse tempo?” Ela explica: “da mesma forma que aqui a gente tem diversas associações, coletivos, diversas entidades que lidam com cinema, lá eles também tem. Foi meio que um túnel que eu fui entrando”. Gautier pesquisou o máximo que podia sobre as entidades e associações de cineastas, buscando sempre as informações no final dos sites atrás dos nomes dos apoiadores. "Eu ia clicando em cada um dos apoiadores e ia conhecendo eles, olhando o site. Sempre me inscrevo nas newsletters”, afirma. “Um belo dia, um dos e-mails me chamou a atenção". Era sobre um evento que iria acontecer nos EUA, mas seria online devido à pandemia. Pensei: ‘de forma online eu tenho interesse’. Eu li o e-mail, corri, peguei o cartão de crédito da minha namorada e me inscrevi”, diz Gautier. O evento era justamente o 2020 ScreenCraft Virtual Screenwriting Summit, uma masterclass sobre a trajetória de nove roteiristas e cineastas de renome que compartilharam suas ideias e conselhos sobre carreira, inspiração e outros elementos essenciais para roteiristas e autores. “Durante esse ciclo de palestras eu percebi que eu tinha que saber o nome de todos os roteiristas de todas as coisas que eu assisto, porque a primeira palestra do dia foi com a Meg LeFauve, que é roteirista de 'Divertidamente', que eu adoro. Eu não sabia que ela tinha escrito, eu só sabia que era um filme da Pixar”, conta Gautier. O evento foi um dia inteiro de palestras de 45 a 50 minutos, feitas de maneira virtual em uma plataforma própria, onde os participantes poderiam enviar perguntas para as profissionais. Gautier afirma que suas anotações de cada palestra resultaram em umas 40 páginas cheias de conteúdo precioso para a carreira como roteirista. Gautier, então, transformou o conteúdo de cada palestra em um texto diferente na sua página do Medium. Vale muito a pena acessar, pois são informações exclusivas extraídas diretamente dessas palestras, que contaram com a presença de grandes titãs de Hollywood. Encontrando a sua turma e construindo suas oportunidades Existe uma reflexão que circula bastante por aí: quer fazer cinema? Encontre a sua turma! Parece simples, mas nem sempre é. Algumas pessoas formam grupos ainda na faculdade, outras passam por dificuldades maiores para construir relações duradouras de trabalho. Os parceiros ideais para colaborar nos seus projetos nem sempre estão tão perto assim. É preciso ir atrás! Rodadas de negócios e eventos de pitching são ótimos e importantes, mas não queime as etapas. Procure parceiros de diferentes áreas que queiram crescer com você, tenham objetivos semelhantes, que se encontram em um estágio parecido da carreira. Gautier planeja gravar outros curtas e hoje se dedica a um novo roteiro de longa. Como vocês devem ter identificado, ela já traz consigo parceiros, apoiadores e profissionais que acompanham o seu crescimento e conhecem a sua voz autoral. Você tem a sua turma? Já encontrou os seus parceiros? No Brasil, o setor do audiovisual passa por um momento difícil, onde políticas públicas praticamente não existem mais. Esse momento só reforça o valor da união, mas também da busca ativa por oportunidades. Procurar entidades, se inscrever em newsletters e ativamente ir atrás de espaços de diálogo e formação são ações cada vez mais importantes. #audiovisual #cinema #série #roteiro #PrêmioCabíria #FRAPA #networking

  • Montando uma sala de roteiro com Ricardo Tiezzi

    O roteirista e professor Ricardo Tiezzi, que assina trabalhos como “Malhação” e “Julie e Os Fantasmas”, reflete sobre as responsabilidades e desafios de chefiar uma sala de roteiro Como roteiristas, aprendemos que a melhor maneira de entrar no competitivo mercado do audiovisual é produzindo seus projetos e circulando por eventos, como rodadas de negócios, concursos de roteiro, festivais, etc. Basta circular por qualquer evento de roteiro que você encontra uma infinidade de autores com seus projetos de série, procurando parceiros que confiem o suficiente no seu talento para investir recursos em erguer aquele universo promissor. No melhor dos casos (e normalmente depois de muito esforço), aquele projeto de série se torna real, levando o roteirista a um novo desafio: montar uma sala de roteiro e concretizar tudo aquilo que, até então, existe apenas no distante universo das intenções. A verdade é que chefiar uma sala de roteiro envolve muito trabalho, responsabilidade e conhecimentos específicos, um processo diferente de simplesmente participar como colaborador. O que é preciso para ser um bom roteirista-chefe? Quais são os maiores desafios de uma sala de roteiro? Existe diferença, no Brasil, entre roteirista-chefe e showrunner? Para entender essas e tantas outras questões, conversamos com o roteirista e professor de roteiro Ricardo Tiezzi, que coleciona experiências no audiovisual, ocupando tanto a cadeira de roteirista colaborador quanto a de roteirista-chefe. Antes de qualquer coisa, vamos entender melhor a carreira de Ricardo e como ele trilhou seu caminho no audiovisual. Quem é Ricardo Tiezzi? Escritor, roteirista e jornalista, Ricardo Tiezzi tem uma carreira bem diversa no audiovisual. Escreveu o roteiros dos filmes “Qualquer Gato Vira Lata” (2011), “Superpai” (2015) e “O Outro Lado do Paraíso”, que recebeu o prêmio do Júri Popular no Festival de Gramado. Na TV, os destaques vão para o programa “Malhação” (Globo), com a temporada que concorreu ao prêmio Emmy Kids, “Julie e Os Fantasmas” (Band/Nickelodeon), indicada ao Emmy Internacional, “A Vida de Rafinha Bastos” (Fox), a animação “Sítio do Picapau Amarelo” (Globo), entre tantos outros trabalhos. Além de um grande leque de projetos, Tiezzi também é professor da pós-graduação em Roteiro para Cinema e Televisão da FAAP e ministra alguns cursos dedicados a roteiro em instituições de prestígio como a Roteiraria. Como tudo começou? Hoje Ricardo Tiezzi acumula experiências como roteirista integrante e roteirista-chefe de diferentes projetos para canais abertos e fechados, mas como tudo isso começou? Tiezzi revela que começou como jornalista, mas “não era aquela paixão avassaladora”. “Eu lembro um dia em que o meu editor me chamou e disse que eu inventava um pouco demais, que eu ficcionalizava. Aquilo me chamou a atenção. Então com 31 anos eu decidi mudar de carreira e ir para um lugar que eu me sentisse mais inteiro”, comenta Tiezzi sobre a decisão de investir na carreira como roteirista, completando: “o jornalismo te traz um senso de vida real, um gosto pelas histórias da vida e isso ajuda muito”. Tiezzi foi imediatamente estudar, principalmente com o apoio dos cursos livres que existiam na época. Por isso, segundo ele, acabou se tornando “tão militante da formação”. “Na época existiam cursos livres vinculados à USP em uma entidade chamada Educine - quem promovia era o Newton Cannito, que está aí até hoje”. Ele relata que na época o curso fez uma parceria com a produtora O2, propondo aos alunos o desenvolvimento de um roteiro spec (speculative screenplay) que, segundo Tiezzi, “até hoje é ”. Era um capítulo da série "Cidade dos Homens" (Globo), produzia pela própria O2. A oportunidade de criar um spec para "Cidades dos Homens" levou Ricardo Tiezzi a estudar mais sobre o roteiro e suas questões estruturais, assumindo aquela como uma das raras chances na época de emplacar uma carreira como roteirista. “Eu lembro que a gente teve uma reunião na O2, foi uma super emoção. Chegar lá e ver o dono da produtora se apresentar - ‘prazer, Fernando [Meirelles] - e eu disse ‘eu sei quem é o Fernando Meirelles’. Era na época do Cidade de Deus, que foi um ponto de virada”. - Ricardo Tiezzi Tiezzi não venceu o concurso, mas conquistou um certo destaque, o que lhe rendeu o direito de participar das reuniões com o pessoal da produtora. “Na saída do concurso os caras do grupo falaram que tinha uma galera de fora chegando aí querendo fazer sitcom, não se conformavam que não tinha sitcom no Brasil”. Foi assim que Ricardo Tiezzi foi ao Rio de Janeiro formar a sala de roteiro de “Mano a Mano”, sitcom brasileiro produzido e exibido pela RedeTV. Uma experiência histórica, segundo Tiezzi, que traz a informação: “Saiu uma dissertação na USP que afirma que ‘Mano a Mano’ foi a primeira sala de escritores no Brasil. Tá registrado lá na tese! É muito diferente de simplesmente trabalhar em conjunto. Sala de roteiro tem método, sistema, ética…” De lá para cá, segundo o próprio roteirista, “uma coisa vai puxando a outra”. Embora mantenha um bom fluxo de projetos, ele deixa um recado importante sobre a situação do audiovisual brasileiro: “Hoje nós vivemos uma eterna crise. É difícil chegar em uma sala de roteiro, é difícil chegar no mercado, mas antes eu garanto que era pior. Qualquer fresta era fresta”. - Ricardo Tiezzi Entendendo melhor o começo da jornada de Ricardo Tiezzi no meio audiovisual, vamos agora às principais reflexões sobre a sala de roteiro da perspectiva de um roteirista-chefe. A sala de roteiro e a nova realidade audiovisual brasileira “Eu brinco em qualquer playground. Trazendo um universo para mim, vamos nessa”, começa Tiezzi, revelando a flexibilidade que um roteirista deve ter se quiser colaborar com uma cartela diversa de projetos. “Às vezes o roteirista quer encontrar a história certa. A história certa é a quinta ou a sexta. Você escreve uma, escreve duas, três, até chegar lá”, reflete. Disposição e boa adaptação a universos alheios são requisitos essenciais para um roteirista que busca desbravar o mercado audiovisual. Segundo Tiezzi, parte do seu prazer na escrita é justamente adquirido através dessa imersão em um universo que nem sempre dialoga com a sua zona de conforto. “Tem uma piada clássica que diz: a arte é difícil, mas ainda é melhor do que trabalhar”, brinca Ricardo, dando um fechamento para o seu raciocínio com um comentário leve e irônico. Diante disso tudo, como anda a disposição do mercado em receber projetos e investir em desenvolvimento? Com o congelamento das políticas públicas para o audiovisual, sabemos que muita coisa mudou. “Eu tenho seis séries espalhadas por aí nas produtoras, algumas já chegaram em canais. Eu sou da ordem de fazer dez filhos para que um dê certo”. - Ricardo Tiezzi Essa equação não está longe da realidade. Com uma formação cada vez maior de roteiristas, esse já saturado mercado audiovisual mudou sua perspectiva diante dos autores. Tiezzi afirma que as produtoras não dão a mesma atenção aos roteiristas, como era há poucos anos atrás, graças às diversas linhas de fomento da época que dependiam de projetos originais. Por outro lado, essa nova onda de grupos, núcleos de criação e canais de informação acaba formando profissionais mais preparados e atentos às peculiaridades do mercado audiovisual. Ricardo Tiezzi comenta a situação: “as coisas mudaram, eu chego nas produtoras e muitas das pessoas ali são alunos que tiveram aula comigo”. É claro, nem tudo é estratégia nessa vida de roteirista. Aliás, muito mais do que contribuir para a visão alheia, a vontade de ver uma série com a sua cara passando na telinha é muito maior! “Eu tenho muita vontade de escrever séries das quais eu sou público. Fitzgerald tem uma frase muito bacana… Ele passou um longo período sem produzir nada, então perguntaram o que faltava para ele voltar a escrever algo. Ele respondeu que o que faltava era um sentimento que ele entendesse. É interessante escrever sobre algo que você entenda, mesmo que não seja bem o seu mundo”. - Ricardo Tiezzi Tiezzi cita um exemplo que ele admira na produção atual - a série “Sob Pressão” (Globo). “Passei na frente da televisão e vi a primeira cena, nunca mais parei”, revela. As responsabilidades de uma sala de roteiro “A gente acha que a série brota por inspiração e talento dos seus escritores. Tem isso, mas é método. O sistema é que faz a série”, Ricardo Tiezzi dá início à reflexão sobre responsabilidades e o lugar da inspiração em uma sala de roteiro. Quando Tiezzi fala em “sistema”, o que ele de fato quer dizer? “O sistema significa: se a gente juntar seis roteiristas em uma sala e a gente contar com o talento individual de cada um… Dá seis. Só que na verdade o talento de um é exponencializado pelo outro. O método da sala não envolve seis pessoas falando separadamente. É um grupo de seis falando junto. É muito diferente pensar de um jeito ou de outro”. - Ricardo Tiezzi Em uma sala de roteiro, as relações humanas dependem desse sistema, da criação de regras que estabelecem o método, ainda mais considerando processos longos que possivelmente podem desgastar um pouco as pessoas. Pensando nisso, coisas que parecem detalhes precisam ser bem estabelecidas para que a roda não pare. Como funciona a crítica a uma ideia alheia em um sistema assim? Ricardo Tiezzi lança uma luz sobre a questão: “Todas as salas em que você ouve a locução ‘mas aí não rola, mas aí não funciona', essa sala não vai para frente. Tem muito mais zagueiro do que atacante”. Sendo assim, o que é preciso ser feito para que a sala funcione? Tiezzi continua: “a sala que funciona na base do ‘e se’, nem que seja para bater a cabeça lá na frente, isso sim é produtivo - você vai abrindo a ideia”. Existe um valor em apontar os problemas de uma ideia abrindo um novo caminho e não simplesmente castrando o processo lógico do grupo. Uma sala de roteiro precisa produzir, ir para frente. Tudo o que levar o processo à estaca zero deve ser evitado. Segundo Tiezzi, o método “e se” abre um leque de escolhas e isso é um resultado positivo em uma sala de roteiro. “No fundo, a tua função não é dizer que a piada não tem graça e que a ideia não funciona. Muitos roteiristas pensam que sua função é essa ou fazem porque é mais confortável. É muito mais confortável achar problema do que encontrar solução. Pensando em uma metáfora futebolística… Tirar a bola é uma coisa, mas o gol é uma exceção. Você está lá para o gol”. - Ricardo Tiezzi A metáfora futebolística funciona: tirar a bola não conta ponto. Juntos, todos em uma sala de roteiro trabalham para chegar no “gol”. Ou, como o próprio roteirista resume: “o seu trabalho começa na hora em que você tenta consertar e não derrubar”. Como todo sistema bem articulado, a noção de “produtividade individual” pode nos levar a frustrações erradas. Para pontuar a questão, Tiezzi comenta uma história de um colega de trabalho que ficou chateado com o seu “rendimento individual” em uma sala de roteiro. De acordo com Tiezzi, o colega fez uma estatística que apontava que das 50 ideias que ele deu durante uma semana de trabalho, o aproveitamento foi de 12%. “Eu falei ‘tá ótimo’, no fundo é dez para um mesmo”, completa. Quem é o dono da ideia? A resposta é simples: a ideia não tem dono. Ricardo explica que há um modelo de construção, pois “um se aproveita do discurso que já vinha sendo construído”. Uma pessoa sugere um tema, outra uma ambientação, então um terceiro constrói o motivo e assim vai. Para encerrar o ponto, trazemos uma frase do roteirista David França Mendes, extraída do seu texto “Sala de roteiro, como funciona e o que não funciona (ainda)”, publicado no site da ABRA: “Numa sala de roteiro o que se faz é construir os beats que compõem a trama de um episódio”. - David França Mendes Beat a beat, ideia a ideia, a trama é formada coletivamente. O grande regente de todo esse processo é justamente o roteirista-chefe, que tem responsabilidades próprias (e muita dor de cabeça também). O papel do roteirista-chefe Imagine um monte de gente em uma mesma sala por meses, tratando apenas do mesmo assunto. Agora se coloque na posição da pessoa que tem como função guiar todo esse processo. Até onde a gente consegue deixar a nossa vida, nossas inimizades, nossos problemas de lado? “A gente não importa, a nossa vida fica em segundo plano. O que importa é a história. É bom para a história, mas não é assim que eu vejo as coisas? Não somos nós, é como a personagem vê as coisas. A história está muito acima da vaidade de qualquer um”. - Ricardo Tiezzi Para manter a produtividade da sala, é importante descomplicar algumas questões. “Criar é muito mais solucionar problema, como uma equação, do que aquela coisa selvagem e intuitiva que vem do nada”, responde Tiezzi sobre o processo criativo em si em uma sala de roteiro. Em relação às responsabilidades, ele traz um panorama prático para compreendermos a mente do roteirista-chefe nesse sistema: “Ele precisa saber como a personagem está naquele momento do roteiro, se é uma curva de subida, uma curva de descida, compreender o desenho geral da série… Se ele montar toda essa equação, ele vai facilitar a resposta. Às vezes a sala é toda contra, mas o roteirista-chefe afirma - ‘vai na minha’. E tem que ir na dele mesmo porque lá na frente, se a cabeça rolar, vai ser a dele. Então é como um juíz mesmo”. - Ricardo Tiezzi Independente dos ânimos do resto da sala, é preciso ter alguém que, no final do dia, “diga que a escolha é essa e o caminho é esse, para a sala poder ir para a próxima equação”. Certamente, nem sempre é tudo tão simples assim. Ricardo Tiezzi fala sobre o momento de resistência às decisões do roteirista-chefe: “A sala às vezes fica resistente aos caminhos. Tem que confiar no headwriter [roteirista-chefe]. Como membro da sala, eu preciso acreditar no novo caminho dele tanto quanto eu acreditava no antigo. Eu já cansei de ver coisa que na sala diziam ‘isso não vai funcionar’. Daí vai ao ar e funciona. Assim como eu já vi o oposto também. Alguém tem que chamar a responsabilidade para si, isso é o que o headwriter tem que fazer”. No meio disso tudo, há uma responsabilidade que ele questiona: motivar a sala de roteiro. Segundo o autor, não é bem assim, não. Ricardo Tiezzi propõe que o papel do roteirista-chefe não é “motivar a sala”, mas que “a motivação dos membros tem que vir deles”. “Se o cara tá em uma sala de roteiro, a motivação tem que ser dele. Ele tem que chegar na sala de manhã dizendo que sonhou com a série e sugerindo ideia”, completa. Escrevendo para a audiência Grandes projetos, grandes responsabilidades. Com passagem por canais como Fox, Sony e Globo, Tiezzi compartilha o papel da audiência no seu processo criativo: “a experiência da Globo me deu muito essa noção de que o público é o que importa, só que o público lá é o Brasil inteiro”. Com uma lógica diferente e um sistema sustentado por assinatura, a situação dos streamings é diferente. “Essa lógica da audiência não faz sentido para um streaming, você vai fazer uma série com muito menos, mas a série se destaca, a série ganha prêmio”, comenta Tiezzi, que reforça um recado essencial: “nesse caso, o headwriter está mais preocupado em construir uma série consistente”. Muito mais do que a audiência, existem outras preocupações mais recorrentes na cabeça de um líder de sala de roteiro: “Eu já passei pela experiência de estar de um lado e do outro. O autor ou roteirista-chefe, não importa o dia, a verdade é uma só: ele tá ferrado naquele dia. Não é só a audiência. Ele tá com o canal em um ouvido, a produtora em outro ouvido, os problemas da série, ele precisa cuidar da sala… Se a sala for mais um problema para ele, ferrou”. - Ricardo Tiezzi Para Tiezzi, a grande vantagem da TV aberta é a experiência de que a jogada que mais importa é sempre a próxima. “A TV aberta te dá uma experiência de dizer: ‘nossa, hoje eu escrevi um capítulo muito bom’. Beleza, agora escreve mais um. No outro dia o episódio não foi tão bom… Não tem problema, escreve outro! A resposta é sempre escrever outro capítulo”. Sendo assim, quando falamos em “público”, qual é o ponto que realmente importa para o roteirista? Tiezzi afirma que o que importa mesmo é a comunicação com um determinado público, um nicho. “Comunicar com um público em um filme pode ser 1 milhão, 2 milhões, pode ser 200 mil pessoas. ‘O Cheiro do Ralo’, por exemplo, fez mais ou menos 80 mil espectadores, mas encontrou o seu público. Eu falo do filme e as pessoas lembram”. - Ricardo Tiezzi Cada produto foi feito para um determinado público e a ideia de sucesso de audiência, da mesma forma, se torna uma questão relativa. Sem essa ideia relativa, perderíamos toda uma variedade de produtos que atingem um determinado público, mesmo que menor. “Garante esse ponto de audiência, mas faz um produto que vai ser lembrado, vai ser comentado, vai ser indicado para prêmios importantes”, afirma Ricardo Tiezzi. Showrunner x roteirista-chefe É hora de tratar de uma dúvida frequente. No cenário brasileiro, alguns termos vem se popularizando. Um deles é o showrunner, diretamente importado da indústria hollywoodiana, mas adaptado ainda de forma confusa à realidade brasileira. Sendo assim, lançamos o questionamento: no Brasil existe uma real diferença entre showrunner e roteirista-chefe? “O headwriter é uma figura que já está estabelecida aqui que é esse cara que comanda a sala. Mas ele não é o dono do projeto no sentido contratual. Quem dá a última palavra é o showrunner”. - Ricardo Tiezzi Dito isso, Tiezzi aponta as diferenças e afirma que não há exatamente uma figura de showrunner no Brasil ainda, mas algumas adaptações e às vezes divisões de responsabilidades. “Essa figura não existe aqui. O showrunner tem que entender de montagem, tem que entender de direção… Ele tá acima da direção, ele tá acima da produção. Ele coordena a produção”, responde, revelando que as responsabilidades de um showrunner vão dos detalhes da trama às planilhas de produção executiva. Para Tiezzi, o mais próximo que temos de um showrunner no cenário brasileiro é a figura do autor de novela da Globo. “Não adianta botar o crachá que diz ‘showrunner’. O showrunner ainda é uma bola dividida entre o criador da série, o produtor e o diretor. O showrunner tá 30% para cada um ainda”. - Ricardo Tiezzi É preciso solidificar a indústria audiovisual no Brasil para encontrarmos figuras como o showrunner, enquanto o papel do roteirista-chefe já é algo muito claro. O que um roteirista precisa para chefiar uma sala? Você que tem um projeto e sonha em chefiar uma sala de roteiro, possivelmente está se perguntando agora: como eu chego lá? Ricardo Tiezzi dá sua opinião sobre as qualidades e experiência necessárias para formar um roteirista-chefe. “Tem que ter passado várias vezes como membro de sala de roteiro”, começa, reforçando o papel de desenvolver bem as relações humanas e, principalmente, da resiliência para lidar com os problemas do dia a dia. “Principalmente ter a noção de que a personagem e a história são o foco”, finaliza Tiezzi, que sublinha bastante o papel de colocarmos a história acima dos nosso conflitos dentro e fora da sala. No fim das contas, chefiar uma sala de roteiro vem com grandes responsabilidades. Você precisa manter a roda girando, produzir boas páginas e, se possível, garantir um resultado que renda bons frutos para todos (com um contrato para uma nova temporada, de preferência). #roteiro #roteiristachefe #saladeroteiro #saladeroteiristas #audiovisual #série

  • 10 dicas para escrever diálogos mais dinâmicos

    A cineasta Susan Kouguell divide suas dicas práticas para escrever diálogos melhores e encontrar a voz de cada personagem Construir bons diálogos pode ser um grande desafio. Muito mais do que apenas levar a trama para a frente, os diálogos revelam caráter, condição emocional e uma série de elementos em seu subtexto que ajudam a conferir profundidade às personagens. Na hora da escrita, porém, o roteirista pode estar com a cabeça só na estrutura e negligenciar seus diálogos. Ou então, aceitar que seus personagens falem "parecido" ou mesmo igual. Mas isso tira muito do potencial artístico do seu roteiro e pode ser melhor trabalhado. Pensando nisso, como podemos elaborar diálogos dinâmicos sem perder as particularidades de cada personagem? Susan Kouguell, professora, diretora e roteirista norte-americana, divide suas impressões sobre o tema em seu texto para a Script Mag. Acompanhe, a seguir, nossa tradução adaptada a partir do seu texto. A importância de bons diálogos Todo roteirista entende (ou deveria entender) que o diálogo, quando presente, é uma peça integral e fundamental de sua narrativa. Mas os profissionais da indústria cinematográfica também se importam muito com os seus diálogos! Portanto, a voz de cada personagem deve ser distinta e não intercambiável. Leitores precisam conseguir identificar quem está falando sem precisar checar o nome dos personagens acima do diálogo. Por isso, faça sempre cada palavra valer: às vezes menos é mais e o “menos” pode provar-se mais requintado e interessante. Executivos, agentes, diretores, produtores e todos aqueles que vão ler seu roteiro demandam que suas personagens “falem” com eles. Ou seja, os diálogos precisam soar verdadeiros e revelar as distinções de suas personagens. Como desenvolver bem essa questão? O Subtexto Tenho certeza que a maioria de vocês já leu sobre a importância do subtexto para os roteiros. Mas você sabe o que isso realmente significa para você? Utilizar subtexto serve como uma forma de denotar as intenções das personagens sem ser muito óbvio ou subestimar o espectador. No diálogo, por exemplo, quando uma personagem diz uma coisa, há um significado maior naquilo que ela está dizendo. Por exemplo, no filme “A Malvada" (All About Eve, 1950), do roteirista e diretor Joseph L. Mankiewicz, DeWitt diz para para Margo: Querida Margo. Você foi uma espécie de Peter Pan inesquecível. Você deve interpretá-lo novamente. - Addison DeWitt O subtexto nesse caso se refere à obsessão e medo do envelhecimento que Margo possui. Além disso, o envelhecimento no meio artístico é também um dos temas do filme. É interessante refletir como o subtexto pode carregar diversos níveis de significado. As 10 principais dicas de Susan Kouguell para escrever bons diálogos 1. Diálogos precisam claramente denotar emoções, atitudes, forças, vulnerabilidades, objetivos e por aí vai, ao mesmo tempo que revelam novos detalhes do plot e levam a narrativa adiante. 2. Cada palavra do diálogo deve representar verdadeiramente sua personagem. Sempre considere seus comportamentos, motivações, objetivos e estado emocional enquanto elas falam. 3. Considere silêncios e pausas que suas personagens podem utilizar, ou a interrupção de outras personagens, para explicitar tensões, ações, humores e emoções. 4. Na vida real, a maioria das pessoas não se comunica com uma gramática perfeita e frases formais. Diálogos não podem soar improváveis ou muito afetados. 5. Para fazer dos diálogos da sua personagem mais “identificáveis”, considere a utilização de contrações, coloquialismo, gírias, etc. Pense nisso apenas quando for “verdadeiro” para a natureza de suas personagens, é claro. 6. Personagens podem se comunicar com uma espécie de "taquigrafia verbal", como acontece com familiares e melhores amigos. Isso pode vir de uma construção anterior por parte do roteirista, que determina como aquelas personagens se comunicam entre si dependendo do grau de intimidade que possuem. 7. Mantenha em mente a forma como suas personagens escutam ou mesmo não escutam umas às outras, respondem ou deixam de responder, etc. 8. Sempre pesquise seus tópicos de diálogo muitos bem, pois se sua personagem estiver falando sobre questões legislativas, por exemplo, ela precisa estar correta. O mesmo vale para faixas etárias e “filmes de época”: faça sua pesquisa para que seus diálogos estejam de acordo com o período. 9. Essa é clássica: cuidado com diálogos explicativos demais. As pessoas nem sempre falam exatamente o que há em suas mentes ou exatamente o que elas querem dizer. Pode ser uma boa escrever assim num primeiro tratamento para você, mas tenha certeza de que as frases irão evoluir e tornarem-se cada vez mais únicas e reais às personagens a cada tratamento. 10. Escrever a biografia de todas as suas personagens em primeira pessoa (em suas próprias vozes) vai ajudar a afiar suas escolhas de palavras específicas e uso de linguagem, como o tipo de gíria, padrões de discurso e ritmo. Com essas dicas em mente, você não precisa mais ter uma má relação com diálogos ou mesmo medo deles. Ao criar e escrever, você dá início a uma bela relação de trabalho com seus personagens e leitores do seu roteiro. #Roteiro #DicasDeRoteiro #Roteirista #Tradução #ScriptMag #Diálogos #ComoEscreverDiálogos

  • Do curta feito em casa aos grandes festivais

    O premiado diretor e roteirista Lucas dos Reis compartilha suas estratégias para gravar curtas com poucos recursos e conquistar passagens por grandes festivais de cinema É preciso mostrar seu trabalho para conquistar boas oportunidades. Com poucas linhas de financiamento voltadas para curtas-metragens, essa premissa normalmente aponta para uma única questão: você precisará investir dinheiro em suas produções. Como muitos já sabem, fazer um filme (mesmo de pouca duração) pode sair bem caro. Será que com um bom roteiro, muita disposição e pouco dinheiro é possível fazer um curta-metragem? Não apenas um curta-metragem, mas um filme que se destaque, passe por grandes festivais e renda prêmios para o realizador? O roteirista e diretor Lucas dos Reis prova que isso é possível e divide suas estratégias para fazer filmes de qualidade que circulam por grandes festivais de cinema no Brasil e no mundo. Quem é Lucas dos Reis? Seu primeiro curta-metragem "Rancor (2016)" foi apresentado no XIII Fantaspoa e em outros festivais pelo Brasil. "Abismo (2018)", seu segundo trabalho, foi um filme premiado no 46º Festival de Cinema de Gramado e no Scapcine Festival, trazendo visibilidade para o diretor e orçamento para o seu próximo projeto, o ambicioso horror metalinguístico "Who's That Man Inside My House?" (2019). “Who’s That Man Inside My House?” já recebeu mais de dez prêmios no Brasil, incluindo de festivais renomados como 47º Festival de Cinema de Gramado e 29º Curta Cinema - Rio de Janeiro International Short Film Festival, além de colecionar passagens por outros grandes festivais internacionais como o 18º Macabro International Horror Film Festival e 20º Buenos Aires Rojo Sangre. Em 2020 o curta foi vendido ao Canal Brasil. O último projeto de Lucas foi lançado em 2020, um curta-metragem de horror gravado inteiramente pela tela do celular chamado “Pra Ficar Perto”. O filme recebeu o prêmio de Melhor Curta Gaúcho no festival Fantaspoa at Home e foi selecionado para o 48º Festival de Cinema de Gramado. Como garantir tantas passagens e prêmios com filmes de baixo orçamento? Vamos compreender melhor essa questão a seguir! O papel do curta-metragem para a carreira “Entrar nesse meio sempre foi uma dificuldade muito grande. Então o curta-metragem acaba sendo uma via bacana porque eu consigo contar uma história com qualidade do jeito mais próximo que eu gostaria de fazer com as condições que eu tenho”, começa Dos Reis, comentando sobre a importância do uso inteligente dos recursos disponíveis. “Como diretor independente, eu faço um curta para me dar visibilidade. Em nenhum momento eu crio um curta-metragem pensando em um retorno financeiro. Curta-metragem é uma vitrine para o realizador. É como o realizador consegue mostrar aos outros ‘a que veio’, basicamente”. - Lucas dos Reis Lucas dos Reis deixa claro o seu objetivo com seus curtas: “ser o cara que lá na frente produz longas e séries”. Segundo o próprio autor, “eu tenho que mostrar que eu sou um cara que sabe do que tá falando, que tem propriedade para contar uma história”. “Por mais que eu escreva um roteiro genial, ninguém vai me contratar se eu nunca fiz nada”, completa. Considerando os frequentes desafios de produção no cenário audiovisual brasileiro, Lucas deixa claro o valor de uma classe artística unida, disposta a somar no lugar de apenas competir pelos mesmos recursos. “Precisamos sair um pouco dessa questão das panelas. Parece que aqui a gente tem uma competitividade muito grande, mas neste momento não adianta. A gente não tem uma meritocracia que funcione. Ninguém tá em pé de igualdade com ninguém, todo mundo precisa da ajuda do outro”, ressalta. Estratégias para viabilizar as suas ideias Formado no extinto curso de audiovisual da Ulbra, Lucas dos Reis levou muito a sério a oportunidade de fazer seu próprio filme como projeto de TCC. Foi assim que nasceu “Rancor”, um projeto que o autor hoje considera “muito audacioso para aquele momento”. “Rancor”, que foi produzido como exercício de faculdade com recursos limitados, teve sua estreia no Festival Fantaspoa em 2016, um grande evento dedicado ao cinema de horror que acontece em Porto Alegre. “Fantaspoa era o festival que eu mais idealizava em entrar, por gostar muito de horror”, comenta Dos Reis. Mais do que passagens pelos seus primeiros festivais, o curta trouxe bons ensinamentos para o autor. “Eu ficava pensando: porque eu não reescrevi o roteiro, porque eu não refiz essa cena, porque eu não me organizei melhor?”- Lucas dos Reis elenca suas reflexões. Um roteiro complexo e ambicioso pode funcionar muito bem no papel, mas ele realmente é a melhor estratégia para exibir seu potencial? É preciso ter isso em mente. No fim das contas, um arsenal de cenas mirabolantes pode apressar a produção e comprometer os pontos que precisam de maior cuidado: a construção de boas cenas. “Eu fiz o ‘Abismo’ em 2018 de forma totalmente independente, feito com a minha nova mentalidade de fazer muito com pouco”, revela Lucas. “Abismo” ganhou o prêmio de Melhor Edição de Som no Festival de Gramado. “Foi estranho, a edição de som foi onde tivemos mais problemas”, brinca Lucas. Parte do dinheiro do prêmio se tornou verba de produção para o seu próximo filme, “Who’s That Man Inside My House?”. Graças ao prêmio recebido por “Abismo”, o novo filme começou com uma verba de produção de R$ 2 mil, que contou com mais R$ 2 mil do bolso do próprio diretor. Novamente, as ambições artísticas de Lucas ultrapassavam o orçamento que ele tinha em mãos. Para não comprometer a qualidade das cenas, o autor buscou referências para otimizar os recursos. “Pensei: vou fazer um filme com pouca grana, onde metade do filme eu mostro através de fotos e só grave mesmo a metade final”, comenta Lucas dos Reis sobre a nova mentalidade de produção. Aqui, trabalhar com o horror trouxe um resultado muito positivo, uma vez que Lucas dos Reis privilegiou a construção atmosférica e o clima sinistro durante toda a narrativa. Trabalhando o gênero para denotar um importante discurso político, “Who’s That Man Inside My House?” é narrado por um adolescente que nota, noite após noite, uma aparição estranha de um homem que parece muito ameaçador, mas que não fará nada se o jovem também permanecer parado. Trata-se de uma verdadeira analogia política, um comentário sobre a acomodação da população diante da presença da ameaça. A construção de um discurso denso e complexo sempre foi um ponto importante para Lucas dos Reis, que completa: “meu foco com o filme não era dar sustos, mas criar uma tensão que aumenta enquanto a pessoa assiste”. Gravando na pandemia sem gastar nada “Para mim sempre faltou muito o incentivo. Às vezes falta aquela pessoa que te dá um tapinha nas costas e fala ‘eu acredito em ti”, desabafa Dos Reis. De fato, é muito fácil perder o estímulo quando não encontramos boas ferramentas de incentivo. Para o cineasta independente, acostumado a encontrar mais obstáculos do que oportunidades, construir metas e meios que o estimulem a seguir adiante é muito importante. Em 2020, a edição online do Festival Fantaspoa serviu como importante estímulo para Lucas dos Reis produzir seu último curta até então, o “Pra Ficar Perto”. Neste ano, o Fantaspoa lançou o Fantaspoa At Home, onde deu espaço para curtas-metragens realizados com os recursos que os autores tinham disponíveis em casa. Como Lucas não tem uma câmera profissional em casa, a solução foi trabalhar com o celular para conferir a atmosfera sombria que ele procurava para a narrativa. “Eu não podia nem fazer takes separados, então tinha que ser tudo pela tela do celular mesmo”, comenta. Do começo ao fim, apenas um celular e quatro pessoas fizeram parte da produção completa do filme. Até a tia do realizador fez uma participação especial no curta. Além do Fantaspoa At Home, “Pra Ficar Perto” faz parte da programação do Festival de Gramado, um dos grandes eventos do cinema brasileiro. Qual é o diferencial que fez com que um filme tão simples conquistasse um espaço tão interessante? “Sempre o roteiro”, afirma Lucas. “Com um celular eu posso fazer um filme que ganha o Oscar, desde que eu tenha um roteiro que trabalhe essa linguagem de forma eficiente”. Ou seja, um roteiro que não funcione apenas no papel, mas potencialize as ferramentas que você tem em mãos. “Em muitos festivais de cinema a gente ainda vê filmes de horror mais preocupados em mostrar uma cena gráfica, uma imagem chocante, mas esquecem de construir profundidade. Essa construção é muito importante. Eu acho que o que fez o meu filme dar certo foi essa construção, a forma como a história foi contada”. - Lucas dos Reis Lucas afirma que essa mesma história poderia ter sido contada em dois minutos, mas acabou com seis minutos no final. O diferencial foi a atenção que ele deu à construção das personagens e suas relações. “As pessoas ficam muito mais vidradas naquilo, na relação do casal”, revela. Conhecer produções independentes para produzir filmes independentes Do tamanho das falas às organização das cenas no set, Lucas aprendeu muita coisa na prática, inclusive a dosar suas ambições e melhor aproveitar os recursos que tem. Lucas acredita que “é muito difícil a gente ter uma perspectiva realista do nosso cinema independente brasileiro quando a nossa referência é o cinema de Hollywood”. O cineasta deixa claro que é preciso expandir esse universo referencial para obras que fogem desse espectro das grandes produções. Como pensar um curta-metragem de qualidade, mas sem dinheiro, sem estar por dentro do que está sendo produzido de forma parecida no seu próprio país? Aqui entra a importância dos festivais de cinema, mas também iniciativas como a da plataforma Cardume, que democratiza o acesso a curtas nacionais. Muito além de exibir um catálogo de obras inspiradoras, iniciativas assim podem ajudar o autor a colocar os pés no chão e encontrar soluções inventivas e potencialmente mais baratas para contar melhor suas histórias. “Como espectador, a gente consome muito pouco festival de cinema. Para quem quer ser um realizador, o festival de cinema é essencial. A gente conhece projetos de pessoas que estão em uma situação semelhante a nossa, que tem um orçamento baixo… A gente consegue ver melhor a criatividade das pessoas”. - Lucas dos Reis Criatividade é o que você mais precisa na hora de pensar um roteiro econômico e que passe a mensagem que você deseja. Pensando nisso, quais são as principais reflexões que devemos fazer, ainda no roteiro, para começar a pensar um filme independente? Veja algumas dicas a seguir! Dicas para pensar um roteiro de baixíssimo orçamento Tudo começa no roteiro, inclusive a economia. Você quer mostrar seu talento, fazer o seu próprio filme, mas tem pouco ou quase nenhum recurso? Inspirado na conversa que tivemos com Lucas dos Reis, dividimos algumas reflexões que podem influenciar a sua estratégia de produção ainda no roteiro. 1. Dos recursos à trama Alguma coisa você tem que ter para começar. Pode ser uma câmera, um celular, atores conhecidos, equipe disponível, locação interessante… Enfim! Comece listando os recursos disponíveis e faça a engenharia reversa: qual é a narrativa ideal para melhor aproveitar o que eu tenho? Você quer mostrar seu talento com diálogos, ou mesmo sua visão única como diretor? Menos é mais. Crie uma história simples, dentro do que você consegue fazer realisticamente, permitindo um investimento de tempo e esforço naquilo que mais importa: a cena em si. 2. Trabalhe o fora de quadro O seu universo narrativo pode ser amplo e cheio de detalhes únicos, mas isso não significa que você precisa mostrar tudo isso dentro do quadro. Pense em tudo o que você pode narrar com as sugestões fora de quadro, principalmente contando com recursos sonoros. Principalmente quando desenvolvemos curtas de terror, os elementos fora de quadro criam clima e enriquecem o universo narrativo. Além, é claro, de restringir seus planos. Menos planos, mais tempo para trabalhá-los com qualidade, como mencionados anteriormente. 3. Pense em recursos econômicos para apresentar backstory Para poder concentrar seus esforços de produção em menos cenas, Lucas dos Reis optou por apresentar o backstory através de fotografias. Além de deixar a produção mais barata, tornou-se uma ferramenta inventiva, que quebra algumas expectativas. Imagens de arquivo, planos detalhe de objetos, fotografias manipuladas - tudo isso, quando bem integrado à história, compõe um leque de opções viáveis para economizar recursos. 4. Aproveite as boas locações e corte as cenas de passagem Sabe aquele momento de transição entre uma cena e outra? O momento onde a personagem desce as escadas para sair de casa, ou caminha pela rua para chegar em algum lugar… Enfim, cenas de passagem. Será que seu curta realmente precisa delas? Concentrar a trama em poucas locações não só ajuda a economizar, mas também pode auxiliar na hora de manter viva a tensão dramática. Como bem sabemos, cinema independente é locação. O que significa isso? Significa que quando você não tem muito dinheiro, mas também não quer que isso fique evidente no resultado final, uma boa locação pode destacar seu filme e conferir maior valor de produção. Encontrou uma ótima locação disponível para você? Adapte o seu roteiro para utilizá-la ao máximo! 5. Trama simples, personagens complexas Lembra do recado inicial? Seu curta-metragem deve servir para mostrar sua capacidade de construir bons roteiros e/ou dirigir boas cenas. Para não comprometer esses fatores, simplifique a sua trama. Afinal, você quer dedicar melhor seu tempo em acertar as atuações, o andamento da cena e afinar o conteúdo e não em fazer todos os planos necessários para ninguém se perder na sua trama complexa. Quando fazemos um filme independente, tempo é um dos recursos mais valiosos. Algumas locações permitem gravações em horários restritos, certos atores tem horário para ir embora e mesmo a equipe pode impor certas restrições. Quanto menos cenas você precisar gravar naquele tempo disponível, mais tempo você passa aperfeiçoando o conteúdo no lugar de acelerar a produção. 6. Cuidado com o “na finalização a gente resolve” “Na finalização a gente soluciona isso” é uma frase que muitas vezes vem seguida de um risinho sarcástico. Isso porque todo mundo sabe que nunca é bem assim. Efeitos visuais de qualidade exige tempo, dinheiro e uma equipe super habilitada para isso. Você tem esses três elementos necessários? Beleza, vai fundo! Você não tem? Então evite esse pensamento. O que você puder resolver no set, resolva! Não tem como resolver no set? Repense o roteiro. Que outras soluções práticas existem? A finalização não é uma muleta que a gente usa quando “não tem o que fazer”. É uma parte integral, criativa, colaborativa do processo, que nasce junto com a ideia e com a realidade orçamentária do projeto. Com essas primeiras reflexões em mente você já pode começar a pensar uma produção barata, mas eficiente. O recado principal é um só: não crie obstáculos para você mesmo, foque nas oportunidades para o seu talento brilhar. Produza o filme que cabe no seu bolso, mas não deixe de produzir. Leia também nossa outra matéria sobre curtas-metragens para ter acesso a mais dicas! #cinema #cinemaindependente #cinemabrasileiro #curtametragem #festivaldecinema #roteiro #direção

  • 7 maneiras de apresentar melhor o nome de uma personagem

    Os roteiristas John August e Craig Mazin trazem dicas para apresentar o nome das personagens de maneira mais natural e criativa Ao escrever um roteiro, existem várias outras coisas mais complicadas do que introduzir o nome das personagens de maneira orgânica e que não soe falso. Mesmo assim, essa ainda é uma questão que aflige muitos, já que o modo como apresentamos as personagens diz muito sobre a trama - e sobre a nossa escrita. Por isso, traduzimos e adaptamos um texto da No Film School escrito por Christopher Boone, no qual ele traz dicas e opinião dos roteiristas John August e Craig Mazin sobre como apresentar o nome das personagens sem parecer falso ou forçado. Quando se trata de apresentar nomes de personagens, Mazin afirma: "É muito irritante. Eu odeio isso. É uma das partes que menos gosto do roteiro porque sempre parece artificial". Então, quais os truque para apresentar o nome de uma personagem ao público da forma mais natural possível? 7 dicas para apresentar o nome das personagens, de acordo com August e Mazin 1. Escreva uma conversa com mais de duas pessoas conversando Essa é básica, mas vale a lembrança: quando mais de duas pessoas estão conversando em uma cena, aproveite a oportunidade para dizer o nome de uma personagem no meio da conversa para esclarecer a quem estão se dirigindo. Isso naturalmente direciona a atenção do público para a personagem. Também é interessante apostar na ênfase. Durante um conflito, é mais provável que as pessoas chamem outras pessoas pelo nome porque desejam colocar ênfase em seu interlocutor. Isso já é uma oportunidade de demonstrar também o caráter das personagens. 2. Ao invés de dizer, mostre Os nomes dos personagens podem aparecer em placas de identificação das mesas, portas de escritórios, cartões de visita, cartas e até mesmo em outdoors, se isso fizer sentido para o personagem. Apenas tome cuidado: ao mostrar o nome de um personagem, o tom da cena pode vir a parecer forçado também. A ideia então é usar a criatividade e, principalmente, fazer sentido narrativo. 3. Coloque os personagens em momentos onde seus nomes são chamados Nomes são chamados em áreas de espera todos os dias, em qualquer serviço público ou privado. Se a sua personagem precisar de um médico ou marcar uma audição, use essas oportunidades para apresentar seus nomes. Mas claro que não basta escrever uma cena em uma área de espera apenas para divulgar o nome. Isso não faz sentido narrativo. E não fazer sentido ou ser chato são coisas bem piores do que não revelar o nome de uma personagem. 4. Use ligações e mensagens de texto Pense na vida real: sempre que você liga para alguém novo no telefone, você tem que se apresentar. Ou então, quando liga para um amigo que tem seu número salvo no telefone, ele geralmente atende dizendo seu nome. Cenas de telefonemas no roteiro oferecem uma grande oportunidade de apresentar o nome de uma personagem de maneira natural. Isso vale também para nomes de personagens aparecendo acima das mensagens de texto recebidas e enviadas. 5. Faça duas personagens falarem sobre outra Se ter uma personagem declarando seu nome abertamente em uma introdução parece muito sem graça para você, escreva uma cena em que duas personagens falam sobre uma terceira usando seu nome em voz alta. Essa pode ser uma forma alternativa de compartilhar o nome com o público e ainda deixar claro a proximidade entre as personagens. 6. Escreva uma cena especificamente sobre o nome diferentão de uma personagem Às vezes você pode escolher nomear sua personagem de maneira verdadeiramente memorável. Aproveite e faça uma cena que tenha bastante foco na introdução da personagem, para que ninguém esqueça seu nome. De quebra, você ainda ganha uma oportunidade de cena bem única, dependendo do quão exclusivo e narrativo é o nome em questão. 7. Escolha nunca mencionar o nome da personagem Ok, talvez essa sugestão não atinja o objetivo declarado. Mas, conforme Mazin afirma, você não precisa sempre mencionar o nome de uma personagem porque, para ele, o público realmente não se importa. "Tenho dificuldade em lembrar os nomes das personagens principais da maioria dos filmes, mesmo depois de tê-los visto, mas posso descrever a personagem com precisão suficiente para ter uma conversa sobre o filme depois", diz o roteirista. Dependendo do roteiro, isso é totalmente possível e até inovador. #roteiro #dicasderoteiro #personagem #JohnAugust #CraigMazin

  • A Teoria das Paixões com Hermes Leal

    Com seu trabalho inédito, o autor Hermes Leal expande as ferramentas de criação de personagem e oferece uma visão narrativa mais completa aos roteiristas No Brasil, quando se fala em "arco de personagem", quase ninguém oferece uma teoria didática para explicar esse conceito. Pior ainda, existe um problema de entender efetivamente quais ferramentas de criação que temos a nosso favor. Foi esse problema que o autor, jornalista e pesquisador Hermes Leal identificou no audiovisual brasileiro, após décadas de pesquisa e estudo narrativo. Fundador da Revista de Cinema e ávido pesquisador de teoria narrativa, Leal percebeu essa certa deficiência na formação dos roteiristas que acaba refletindo em uma falha construção de personagens. A partir da Semiótica das Paixões, Leal formulou uma teoria que trata do emocional dos personagens como ponto principal do drama no audiovisual. Essa teoria é inédita no país e, através dela, o autor conseguiu interpretar e reconstruir a trama de filmes como "Roma", "Parasita" e séries como "Game of Thrones". Quais os conceitos dessa Teoria? Como funciona essa construção mais densa de personagem? Quais reflexões você pode levantar sobre sua trama? Para discutir sobre tudo isso, conversamos com Hermes Leal sobre sua teoria da Semiótica das Paixões no cinema e seu profundo impacto no roteiro e no mercado. Acompanhe e entenda melhor a importância desse campo de criação inédito no audiovisual brasileiro! Quem é Hermes Leal? PhD em Narrativa de Ficção, Hermes Leal é escritor, com sete livros publicados, explorador e documentarista. É jornalista, Mestre em Cinema com especialização em Roteiro pela ECA/USP e Doutor em Letras, com especialização em Linguística e Semiótica das Paixões, pela FFLCH/USP. Leal fundou a Revista de Cinema, o principal veículo de difusão do cinema brasileiro, há 20 anos atrás. Parceira dos principais festivais de cinema do país, a Revista produz conteúdo diário com informações sobre o audiovisual. Os estudos de Leal na narrativa de ficção foram publicados pela editora Perspectiva (2017) na Coleção Estudos, com o título de “As Paixões na Narrativa – A Construção do Roteiro de Cinema”. Sua segunda obra neste campo, “As Paixões nos Personagens”, demonstra a aplicação de sua teoria nos roteiros e personagens de filmes e séries conhecidas. Esses trabalhos foram o nosso foco para essa matéria. Leal é também roteirista e diretor de séries televisivas como “Pensamento Contemporâneo” (canal Curta!) e “Cineastas” (canais Curta! e A&E), de longas documentais e ainda criador e roteirista da série “Amazon Fashion” (Fashion TV e Amazon Prime Video). Em suas próprias palavras, Leal afirma: “Eu estudei a semiótica para o cinema, na estética. Estudei a semiótica para o roteiro. É um trabalho de três décadas [...]. E eu nunca dei aula. Eu sou um acadêmico sem ser acadêmico. Um pesquisador há três décadas sem ninguém saber”, brinca. Mas como surgiu o interesse de produzir essa obra sobre semiótica especificamente para o roteiro? A má fama do roteiro brasileiro Quem já não ouviu um "não gosto de cinema brasileiro"? Esse típico comentário é nocivo e abrange toda a produção como se fosse homogênea. Porém, é preciso reconhecer que existe, sim, um certo problema em nossa construção e discurso criativo. Leal divide sua opinião sobre isso. “As pessoas diziam que o cinema brasileiro não tinha roteiro. Eu venho ouvindo isso desde sempre, até agora", afirma. Ele continua: "A gente pegou uma má fama que sobrou pra gente, mas eu acho que nem é muito culpa do roteirista. Acho que é mais culpa de como nós vemos o cinema”. Para Leal, o "problema" dos roteiros brasileiros é estrutural, possuindo raízes educacionais e também sociais. “Quando eu fiz essa teoria, acabei vendo o que complica o roteiro brasileiro. Eu consegui identificar aquilo que nos cega. [...] Nessa teoria científica da narrativa, eu consegui ver os nossos problemas”, afirma. E o que seria? As paixões e a verdade Leal afirma que a construção de personagens reais que tomam a dianteira do filme, carregando o tema (e não o contrário), é algo raro nos roteiros brasileiros de maneira geral. Já percebeu que muitos filmes são temáticos, querem provar alguma coisa, mas não constroem personagens icônicos e fortes o suficiente para que você crie laços emocionais? Pois é, isso prejudica tanto a discussão do tema quanto a própria recepção do público. “Geralmente esses filmes não chegam na verdade, não fazem você sair do discurso”, diz o autor. Leal continua: “Quando nós não sabemos chegar até a verdade, nós pegamos um atalho e vamos atrás da 'cura'”. Nesse ponto, o autor faz uma distinção entre o discurso temático e moral em primeiro lugar (chamando de cura) e quem o personagem realmente é (a verdade). A ‘cura’ não é muito boa porque ela apenas resolve aquilo que a personagem tá querendo. Agora, a verdade é outra coisa. Porque as personagens são imperfeitas. A gente trabalha com a imperfeição da personagem, a paixão da personagem. O ódio, a raiva, o rancor - é isso que faz a personagem agir. Toda ação é movida por uma emoção, então não adianta ter só teoria da ação sem teoria da emoção. - Hermes Leal Portanto, “a perfeição é uma busca, não é um estado nosso. É uma busca que a gente nunca vai encontrar”. E isso precisa estar presente na construção narrativa se quisermos levar vida a personagens de fato complexas, que lidam com questões assim como nosso público, mas que ainda contam uma história única. Isso reflete em personagens aclamadas mundo afora, como Tony Soprano (Família Sopranos), Nadia (Boneca Russa), Don Draper (Mad Men) e até mesmo Fleabag (Fleabag). Todas possuem características que abalam profundamente seu caráter e, mesmo assim, acompanhamos suas trajetórias assiduamente. “No Brasil, a gente acha que sentir emoções é uma coisa negativa. Nós temos um dos maiores índices de felicidade do mundo com um dos menores índices de leitura do mundo”, contrapõe Leal. Ao longo de sua carreira e pesquisa, o autor percebeu que a privação da leitura é um dos comportamentos que mais afeta nossa relação com as emoções. Ele constrói uma relação entre a falta de leitura, a verdade das emoções e a felicidade. Para ele, o brasileiro geralmente não se vê nas telas em toda sua complexidade - e isso é um problema que aparece no roteiro. “Na hora que o escritor vai desenvolver sua verdade, ele tem dificuldade com isso”, afirma. O "medo" de explorar sentimentos e também o desconhecimento sobre como eles aparecem na tela acaba sendo um grande problema para nós. Em luz disso, como funciona essa teoria elaborada por Leal? No que ela agrega e o que muda na estrutura do roteiro? É sobre isso que vamos falar a seguir. A Teoria das Paixões Para construir protagonistas interessantes, com diversas possibilidades, mas também coesas, o roteirista precisa de diferentes ferramentas que possibilitem escolhas narrativas mais densas. Por isso, a teoria de Leal é tão contundente. Ela permite que o autor faça escolhas conscientes sobre o que vai mover a personagem e qual caminho ela vai seguir. “A semiótica das paixões é o estudo das passionalidades das personagens, o afeto das personagens. Como elas são afetadas por raiva, ódio, vingança”, explica Leal. “Uma paixão se transforma em outras. Então, as personagens sofrem uma transformação no sentido dessas paixões, causando uma transformação na ação”. De acordo com o livro de Hermes Leal, "A Paixão nos Personagens", essa teoria é "Uma ciência da ficção, chamada assim por incorporar o sujeito à narrativa, por incluir o seu sentir junto ao seu agir". É a simples ação de colocar a personagem e suas emoções no centro, ao invés de articular uma narrativa de causalidades e enxertar um protagonista ali depois. E de onde vem essa teoria semiótica? “Da linha de Lacan, de Saussure. Todo o século 20 foi dominado pelo estruturalismo [...]. Agora, no século 21, nós colocamos o personagem e suas paixões dentro da narrativa. A partir do momento em que a personagem entra na narrativa, aquela narratividade fica boa”, explica Leal. Até hoje a gente estuda discurso. Essa teoria traz a estrutura narrativa que fica abaixo do discurso. A gente estuda o que gera o discurso. - Hermes Leal Baseado ainda no trabalho de A.J. Greimas do início dos anos 1990 e também em outros acadêmicos franceses, Leal traz uma verdadeira teoria matemática e lógica que segue os objetivos e relacionamentos das personagens, sendo isso que forma o arco geral da série ou filme no qual é aplicada. A Teoria leva em conta que a ficção possui três níveis: o nível “superficial” (onde estão os discursos, ações e diálogos); o “narrativo” (onde estão os estados dos pathos da alma e os modos de existência regendo as ações); e o “profundo” (onde forças tensivas operam para empurrar o personagem rumo à sua potencialização). Essa articulação de níveis é o que compõe uma jornada de personagem, onde essa está em busca de um objeto, que gera uma ação que, por sua vez, é regida pelas emoções desta personagem. Ou seja, o arco narrativo vai surgir da junção desses dois conceitos: do agir e do sentir. Quer visualizar melhor? “Coringa, por exemplo. Vamos estudar o estado emocional da personagem. Se você tirar o estado emocional da personagem, o Coringa não é nada. O emocional dele é provocado pelas paixões”, explica o autor. Fica claro por que a Teoria é importante. Num mundo onde o sentir que rege o agir, inclusive conversas entre pessoas, situações e transformações, o cinema tem a possibilidade de refletir a realidade humana em todas as suas interpretações e possibilidades. Os 7 esquemas e seus atos É fácil perceber sua importância, mas entender e aplicar a Teoria requer muito estudo. “Eu peguei essa teoria gigantesca e fiz 7 esquemas", afirma Leal, que divide metade em esquemas para estruturar o texto e o resto para construção da personagem. "Essa parte da personagem é totalmente novidade”, afirma. Em nossa matéria, iremos abordar alguns conceitos-chave que ajudam qualquer roteirista a refletir sobre suas histórias. Se você quiser ter acesso a toda a explicação sobre a Teoria das Paixões, conheça a obra e os cursos de Hermes Leal na íntegra. Os 7 esquemas que compõem a Teoria de Leal são: Programa Narrativo, Simulacro Existencial, Acontecimento Extraordinário, Surpresa, Dano e Fratura, Cólera e Vingança. Todos esses esquemas se cruzam, cada um com sua lógica e operando tanto no "sentir" quanto no "agir" e também no "escrever" do roteirista. E os atos? Quantos atos determinada trajetória precisa? Depende da paixão, dos danos e da transformação de cada personagem. Nos esquemas estruturais, por exemplo, está o Programa Narrativo. Esse é um programa de realização de uma personagem que está estruturada em uma jornada de três atos. Esse Programa é baseado em um contrato, no primeiro ato, uma manipulação no segundo e uma sanção no terceiro ato. A estrutura de três atos vem de Aristóteles, então eu consigo mostrar o porquê de precisar de três atos no mínimo. O primeiro ato tem a ver com o contrato entre as personagens, o segundo ato tem a ver com os arranjos criados entre essas personagens e o terceiro ato é a sanção para saber a verdade sobre aquele contrato. O primeiro ato esconde a verdade, o terceiro ato revela a verdade. Então é chamado arco da verdade. - Hermes Leal Leal então analisa filmes como “Coringa” e “Parasita” através disso, onde ele exemplifica com passagens e transformações essas diferentes etapas da realização de cada personagem. Os outros esquemas também elucidam a lógica de muitas emoções complexas e como mostrá-las narrativamente. No Simulacro Existencial, por exemplo, os objetivos e emoções dos personagens geram concessões, saltando etapas e criando mais uma fase chamada de potencialização. Ou seja, a Teoria abrange muitos caminhos de transformação. Contudo, o destaque entre os esquemas dos personagens é para o Acontecimento Extraordinário. Aí, a centralidade da ação, o ponto de tensão e a transformação do personagem em seu sentir (por exemplo, de raiva a ódio) promove um ponto de virada na história. Esse ponto, por exemplo, é significativo tanto do ponto de vista narrativo quanto puramente estrutural. Os acontecimentos extraordinários provocam surpresa tanto no personagem como no público, sendo comparado a um ponto de virada que não foi previsto antes e que muda o curso emocional do personagem. Implicação x concessão Ao longo da explicação da Teoria, Leal apresenta alguns conceitos que mudam nosso relacionamento com a construção narrativa. Por exemplo, das estruturas “implicativas” e suas opostas, as “concessivas”. As estruturas implicativas trazem ações esperadas e programadas pelo personagem. Já as concessivas baseiam-se no inesperado, que afetam e transformam o personagem profundamente. As duas coexistem na narrativa, precisando ser articuladas pelo roteirista. Leal explica: “A ação é implicativa, já as emoções são concessivas. Em Romeu e Julieta, por exemplo, a implicação indica que eles não deveriam namorar, mas eles namoram. Porque abre-se uma concessão”. O mais interessante é a universalidade dessas estruturas das paixões, algo que Leal reforça várias vezes. Tais estruturas podem ser aplicadas a diversos contextos, gêneros narrativos e emoções. Uma narrativa de vingança, por exemplo. Eu preciso construir um ódio na personagem: não há vingança sem ódio. Arya, de Game of Thrones, tem uma narrativa de vingança. Mas a narrativa dela é para liquidar o próprio ódio. Ela alimenta o ódio em uma lista e ela precisa matar as pessoas…. Ela vai matar as pessoas, mas a verdadeira busca é em liquidar o ódio dela. A liquidação da vingança não é matar gente, é acabar com o que você sente. - Hermes Leal Ou seja, para construir uma emoção concessiva e potente no personagem, é preciso conhecer quem ele é e quem ele vai se tornar. A partir daí, surgem suas ações - e não o contrário. Leal alerta: “Tem muito filme onde a personagem quer fazer uma concessão, mas não tinha uma implicação ali". O que mais Leal tem a dizer sobre a construção emocional das personagens? Dano e imperfeição das personagens Quer construir personagens complexas que possuam um arco de transformação potente? Então atribua danos e imperfeições a elas. Como assim? Em termos mais existenciais, todos nós lidamos com a "imperfeição" do ser. Na personagem narrativa, “essa imperfeição a gente chama de dano. Esse dano vai gerar um sofrimento. E esse sofrimento vai gerar nessa personagem uma vontade de liquidar esse sofrimento”, oferece Leal. Como eu vou sensibilizar uma personagem para ela seguir uma narrativa? A gente gera um dano nela. - Hermes Leal Essa necessidade de liquidar seu sofrimento e potencializar sua alma (algo universal e humano) é o que vai mover suas ações e também o que será o foco do filme, mesmo que o espectador não tenha ciência disso. E também é o que vai permear o discurso fílmico. Leal complementa: “Tem personagem que transforma suas paixões e tem personagem que não transforma”. Tudo depende da estrutura aplicada pelo roteirista e, principalmente, das emoções que estão em jogo. Essa ferramenta também vai literalmente universalizar a transformação da personagem, mesmo que a história seja regional. As emoções são nossa conexão com o mundo. O papel do destinador Dentro dessa reflexão teórica, um outro ponto interessante é o conceito do personagem destinador. Ele possui diversas funções e formas, atuando ou não sobre as sensações e transformações do personagem. Na Teoria, o destinador é um papel actancial que gera o conflito ou doa poder ao protagonista. O esquema narrativo aqui também funciona a partir do objeto (não necessariamente objetivo) de desejo da protagonista. Porém, esse possui os valores que ela almeja para liquidar seu dano e potencializar sua alma, não tendo uma forma física específica. Nessa busca por parte da personagem, o destinador vai cruzar seu caminho. Ou melhor, o caminho que o personagem fizer vai encontrar destinadores. Conforme a Teoria, existem algumas funções caracterizantes para o destinador: autodestinador, persuasivo, social e transcendente. De acordo com Leal, o persuasivo é o mais comum. Ele precisa possuir e transmitir a competência que o protagonista precisa para atingir sua realização passional. Aí, abre o campo para várias dinâmicas de relacionamento entre os personagens - tentações, manipulações irrecusáveis, provocações e intimidações, cada uma com sua lógica narrativa. Já o autodestinador existe quando é percebida alguma competência no próprio personagem que poderia realizar a completude de sua jornada. É mais raro e não depende de outro, implicando que não há personagens que vão alterar o arco de transformação. Na maioria das vezes, esse destinador é inicial no arco e acaba em frustração pelo personagem não conseguir sozinho. O destinador social fica fácil de identificar através das narrativas de super-herói, por exemplo. Esse destinador interfere na jornada entre personagem e objeto, tomando forma de um grande problema sociopolítico ou impedimento de grande escala. E quando o destinador é transcendente? Leal explica que é o mais polêmico, provocando uma profunda concessão nos personagens através de seu imenso poder sobre eles. Por exemplo, a figura de Deus ou uma crença irredutível que vai mover a jornada e transformação do personagem. Isso gera uma convicção certeira na mortalidade do personagem e motiva suas transformações. Tudo isso vai gerar conflitos e ações, além de novas ideias de personagens. Saiba mais sobre a transformadora teoria da Semiótica das Paixões no cinema acessando o portal online de Hermes Leal.

  • Oscar implementa mudanças históricas de representatividade

    O anúncio da estrita mudança de paradigmas na categoria de Melhor Filme promete aumentar diversidade na premiação Há muitos anos que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, está em débito quanto à diversidade nos filmes premiados. Mas esse cenário está mudando - e mudanças práticas nos requisitos para a categoria de Melhor Filme de 2024 foram anunciadas nesta terça (8). Para você ficar por dentro, traduzimos e adaptamos a matéria do The Hollywood Reporter que explica todos os novos pré-requisitos de representatividade que o filme candidato precisa ter. Confira! O que mudou na categoria de Melhor Filme? “Para incentivar a representação equitativa dentro e fora da tela, a fim de refletir melhor a diversidade do público que vai ao cinema”, os filmes deverão atender aos requisitos mínimos de representação e inclusão para concorrer ao Oscar de Melhor Filme a partir da 96ª corrida do Oscar (que reconhecerá as conquistas de 2024 e será realizada em 2025). Nesse ínterim, um formulário de Padrões de Inclusão da Academia terá que ser enviado à Academia para que um filme seja considerado para o 94º Oscar (reconhecendo filmes de 2021 lançado após 28 de fevereiro) e 95º Oscar (reconhecendo filmes de 2021). E nenhuma ação será necessária para filmes que desejem concorrer ao 93º Oscar, que será realizado no dia 25 de abril. Começando com o 96º Oscar, um filme terá que atender a pelo menos dois dos quatro padrões a seguir para ser elegível para o melhor filme. PADRÃO A: REPRESENTAÇÃO NA TELA, TEMAS E NARRATIVAS Para atingir o Padrão A, o filme deve atender a UM dos seguintes critérios: Atores principais ou coadjuvantes importantes: pelo menos um dos atores principais ou coadjuvantes significativos precisa pertencer a um grupo racial ou étnico sub-representado: Asiática; Hispânico/latino; Negro/afro-americano; Indígena/Nativa americana/Nativa do Alasca; Oriente Médio/Norte da África; Havaiano nativo ou outro ilhéu do Pacífico; Outra raça ou etnia sub-representada. Elenco geral: pelo menos 30% de todos os atores em papéis secundários e mais secundários pertencem a pelo menos dois dos seguintes grupos sub-representados: Mulheres; Grupo racial ou étnico; LGBTQ+; Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva. Enredo principal/assunto: o enredo principal, tema ou narrativa do filme precisa ser centrado em um grupo sub-representado: Mulheres; Grupo racial ou étnico; LGBTQ+; Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva. PADRÃO B: LIDERANÇA CRIATIVA E EQUIPE DE PROJETO Para atingir o Padrão B, o filme deve atender a UM dos critérios abaixo: Liderança criativa e chefes de departamento: pelo menos duas das seguintes posições de liderança criativa e chefes de departamento - roteirista, diretor de elenco, diretor de fotografia, compositor, figurinista, diretor, editor, cabeleireiro, maquiador, produtor, desenhista de produção, decorador de set, som, supervisor de efeitos visuais - são dos seguintes grupos sub-representados: Mulheres; Grupo racial ou étnico; LGBTQ+; Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva. Pelo menos uma dessas posições deve pertencer ao seguinte grupo racial ou étnico sub-representado: Asiática; Hispânico/latino; Negro/afro-americano; Indígena/Nativa americana/Nativa do Alasca; Oriente Médio/Norte da África; Havaiano nativo ou outro ilhéu do Pacífico; Outra raça ou etnia sub-representada. Outras funções-chave: pelo menos seis outros cargos de equipe e técnicos (excluindo assistentes de produção) devem ser de um grupo racial ou étnico sub-representado. Essas posições incluem, mas não estão limitadas a Primeiro AD, Gaffer, Supervisor de Roteiro, etc. Composição geral da equipe: pelo menos 30% da equipe do filme pertence aos seguintes grupos sub-representados: Mulheres; Grupo racial ou étnico; LGBTQ+; Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva. PADRÃO C: ACESSO E OPORTUNIDADES DA INDÚSTRIA Para atingir o Padrão C, o filme deve atender AMBOS os critérios abaixo: Aprendizagem remunerada e oportunidades de estágio: a distribuidora ou financiadora do filme deve ter pago estágios que são dos seguintes grupos sub-representados e atendem aos critérios abaixo: Mulheres; Grupo racial ou étnico; LGBTQ+; Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva. Os principais estúdios/distribuidores são obrigados a ter aprendizagens/estágios remunerados e contínuos, incluindo grupos sub-representados (também deve incluir grupos raciais ou étnicos) na maioria dos seguintes departamentos: produção/desenvolvimento, produção física, pós-produção, música, efeitos visuais, aquisições, negócios, distribuição, marketing e publicidade. Os mini-grandes estúdios/distribuidores independentes devem ter um mínimo de dois aprendizes/estagiários dos grupos sub-representados acima (pelo menos um de um grupo racial ou étnico sub-representado) em pelo menos um dos seguintes departamentos: produção/desenvolvimento, produção física, pós-produção, música, VFX, aquisições, negócios, distribuição, marketing e publicidade. Oportunidades de treinamento e desenvolvimento de habilidades (equipe): a empresa de produção, distribuição e/ou financiamento do filme devem oferecer treinamento e/ou oportunidades de trabalho para o desenvolvimento de habilidades abaixo da linha para pessoas dos seguintes grupos sub-representados: Mulheres; Grupo racial ou étnico; LGBTQ+; Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva. PADRÃO D: DESENVOLVIMENTO DE PÚBLICO Para atingir o Padrão D, o filme deve atender aos critérios abaixo: Representação em marketing, publicidade e distribuição: o estúdio e/ou empresa cinematográfica deve ter vários executivos seniores internos dentre os seguintes grupos sub-representados (deve incluir indivíduos de grupos raciais ou étnicos sub-representados) em suas equipes de marketing, publicidade e/ou distribuição: Asiática; Hispânico/latino; Negro/afro-americano; Indígena/Nativa americana/Nativa do Alasca; Oriente Médio/Norte da África; Havaiano nativo ou outro ilhéu do Pacífico; Outra raça ou etnia sub-representada; LGBTQ+; Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva. Todas as categorias, exceto Melhor Filme, serão mantidas de acordo com seus requisitos de elegibilidade atuais. Os filmes em categorias especiais submetidos para consideração de Melhor Filme/Inscrição Geral (por exemplo, longa-metragem de animação, documentário e longa-metragem internacional) serão tratados separadamente.

  • Como lançar seu filme com a Elo Company?

    Barbara Sturm, diretora de conteúdo da Elo Company, explica o processo de aquisição de um projeto e o que ele precisa ter para chamar a atenção dos players Muitos roteiristas têm dúvidas sobre o processo de distribuição de um filme. Como conseguir um contrato com uma distribuidora? Que materiais eu preciso? É possível que uma distribuidora se interesse pelo meu projeto se eu não tenho muita experiência? É imprescindível que um roteirista ou autor já reflita sobre a carreira do seu filme mesmo antes do projeto estar pronto. Para isso, é necessário entender o universo da distribuição e como isso influencia já na escrita do roteiro. Quem nos guia por esse importante tópico é Barbara Sturm, diretora de conteúdo na distribuidora Elo Company. Barbara divide conosco sua experiência e explica o que players como a Elo Company precisam para considerar a aquisição de um projeto. Quer saber por qual caminho percorrer para materializar o seu projeto? Veja a seguir! Quem é Barbara Sturm? Formada em cinema, Barbara Sturm participou dos programas internacionais de especialização em distribuição CICAE Training, do Festival de Veneza e Berlinale Talent Campus, do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Atuando no mercado de comercialização de filmes desde 2007, Sturm foi diretora da distribuidora Pandora Filmes, sendo responsável pela aquisição e estratégia de lançamento no Brasil de 34 filmes brasileiros e internacionais – entre eles “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert. No início de 2017, Barbara assumiu como diretora de conteúdo na distribuidora e agente de vendas internacionais Elo Company, responsável pelas áreas de aquisições de conteúdo, análise de projetos para investimento em produção e coordenação dos lançamentos em cinema. A empresa também é responsável pelo Selo “Elas”, projeto que investe em longas-metragens dirigidos por mulheres. Montando um projeto: book, valor agregado e outros elementos de venda O processo de venda dos filmes no mercado audiovisual atual se dá de várias formas - mas quase nenhum envolve ter só o roteiro e muito brilho no olho. Quando o assunto envolve fechar contrato com uma distribuidora, o que é necessário apresentar? No caso da Elo, Sturm traz alguns pontos importantes que precisam estar presentes no projeto: “o mercado e os players pedem que o projeto esteja envelopado. Isso quer dizer que ele já precisa ser um projeto e não só um roteiro. A primeira coisa que a distribuidora ou o canal vai analisar é o book", afirma ela. Mas o que é book? [O book] É a parte artística - sinopse, apresentação das personagens, currículo da direção e produção, as locações, o tema, a abordagem, a justificativa, dados sobre o público, etc - e a parte executiva - quanto custa o seu projeto e como você vai levantar esse dinheiro. - Barbara Sturm Ou seja, o book é um documento que traz informações equilibradas entre os pontos artísticos e executivos que envolvem a produção do filme. É aí que entra um termo muito importante: “produção”. Seu projeto não pode ser apenas um roteiro genial e a promessa de um grande filme. É preciso contar com um produtor que dê conta da parte executiva do seu book. Valor agregado ou selling points Quando falamos em valores, nem sempre estamos focados em dinheiro (embora seja um ponto extremamente importante). Se você for um autor iniciante, o que o seu projeto pode ter para atrair a atenção de players como a Elo Company? Dentro da venda do projeto, existem os valores agregados, ou selling points. Sturm explica: "por exemplo, o protagonista é um grande ator que já fez tantas coisas. Ou o fotógrafo já foi indicado ao Globo de Ouro e isso vai trazer um valor. Filmar nos Lençóis Maranhenses, que é um cartão postal brasileiro. Coisas assim”. Além disso, o valor agregado de um projeto envolve seu plano de financiamento, que apresenta para o player quais estratégias serão assumidas para levantar o dinheiro de produção. Você pode não ter captado todo o dinheiro necessário para produzir, mas é preciso ter um plano. Mesmo que seja uma projeção do plano de financiamento, você tem o que tá confirmado e o que não tá confirmado. Com isso, a gente avalia selling points - valores agregados de venda. Então, seu ator vale tanto, seu diretor vale tanto… É um primeiro filme? Não é um valor tão agregado porque você pode errar. Mas essa diretora fez 20 curtas em 5 anos e ganhou prêmio com todos. Ok, então esse já é um selling point. - Barbara Sturm Vale mencionar que o roteiro mesmo pode conquistar algum valor agregado, principalmente através de passagens em laboratórios e concursos de prestígio. Afinal, isso significa que agentes do mercado já sinalizaram interesse pelo projeto em questão. Por outro lado, a fonte dessa avaliação é levada em conta pelos players. Quando alguém já disse que aquele projeto é bom, isso é um valor agregado. Aí depois tem o “quem disse”. É a mesma coisa do Festival. Tem vinte louros de festival. Mas quais? - Barbara Sturm O tema e o conteúdo também contam como selling points. Barbara traz um exemplo: “se você tem hoje um projeto de longa protagonizado ou em um universo LGBT, ele tá mais valorizado pelas tendências da sociedade”. Portanto, é muito importante estar de olho nas questões urgentes do mundo. Além do mercado responder bem a certas tendências, um filme que carrega um discurso relevante e impactante terá mais chances de prosperar. Por fim, isso ainda envolve o potencial de atrair um determinado público. A ordem de venda de um filme, desde o produtor até a distribuidora Vamos dizer que você terminou de escrever o roteiro do seu filme, considerou todos esses pontos sobre público, tema, discurso, etc. Por fim, seu roteiro passou em um grande laboratório de desenvolvimento, dando um sinal positivo para o seu trabalho. O que fazer agora? Quem você procura? Barbara Sturm orienta: "a responsabilidade de levantar o filme é do produtor. Então, a primeira coisa que você precisa ter agregada a um roteiro é uma produtora”. Ela também esclarece uma dúvida que muitos têm quanto ao papel da distribuidora ao dizer que "o mercado de comercialização não se responsabiliza pela produção, por mais que ele invista no orçamento de produção. Não será 100% do orçamento”. Com um bom roteiro em mãos e uma produtora parceira para ajudá-lo a materializar sua ideia, é hora de pensar as estratégias e montar o book. “O roteiro é a obra e o book é o produto”, sintetiza Sturm. A própria elaboração desse material de vendas já revela ao autor os potenciais do projeto, mas também suas principais necessidades. Depois da avaliação do book, seu projeto está apto para uma segunda fase, onde o roteiro, enfim, será lido. Aí, vem uma coisa importante: o seu roteiro só é lido pela mesma pessoa uma vez na vida. Você precisa saber qual é o melhor momento de enviar o roteiro. - Barbara Sturm. Essa preparação do projeto é muito importante, mas não esqueça que a força também está no roteiro. Ele está bem formatado e revisado? É muito importante analisar a maturidade do texto e do seu discurso, principalmente em conjunto com sua produtora. E depois disso? Seu book foi lido pela distribuidora, seu roteiro também. Barbara afirma que “as negociações demoram. Na Elo a gente demora normalmente 4, 5 meses para assinar o contrato. Isso com todo mundo super a fim! Para fazer uma venda é mais ou menos esse tempo também”. Portanto, tenha paciência e esteja bem programado! O Selo ELAS e seu lugar no mercado Observadora e participante ativa do mercado audiovisual, Barbara conhece muito bem os pontos fracos e pontos fortes da nossa indústria. Ela conta que “em 2017, o ano em que eu entrei, foi a consolidação da ideia de que vamos ter mais filmes escritos por mulheres, dirigidos por mulheres. E o público quer!” Grandes exemplos dessa ascensão dos títulos com protagonismo feminino em frente e por trás das câmeras são os reconhecimentos de "Lady Bird: a Hora de Voar" (Lady Bird, 2017), "Big Little Lies" (2017) e "O Conto da Aia" (The Handmaid's Tale, 2017), para citar alguns. “Eu lancei o 'Que Horas Ela Volta?', que também foi muito forte. Depois, lancei o 'Olmo e a Gaivota', junto da campanha ‘meu corpo, minhas regras’, contra o endurecimento do aborto no Brasil”, conta. Com tudo isso, eu entrei na Elo - e a minha chefe é muito provocativa no bom sentido, muito apoiadora. Eu estava escrevendo uns artigos na Folha sobre o Oscar, sobre mulheres no cinema, sobre essa onda do público interessado por títulos femininos. Aí a minha chefe me provocou e falou: o que a gente podia fazer comercialmente para sermos um foco desses projetos de mulheres? - Barbara Sturm. Foi aí que o Selo ELAS nasceu em 2018. Barbara explica os detalhes: “o Selo [envolve] um grupo de experts, consultores do mercado. Pessoas que estão a fim de se unir, colaborar, ler coisas e passar sua experiência. Eu dividi essas pessoas em três áreas: artísticas, executivas e jurídicas. Hoje a gente tem um grupo de 20 consultores, que são de áreas diferentes, do Brasil inteiro”. Ou seja, o projeto escolhido para participar do Selo recebe uma consultoria especializada por um determinado ano. O projeto cresce sob o olhar dos diferentes profissionais envolvidos - e o de Barbara, que é responsável por contratar os projetos para o Selo e acompanhar o desenvolvimento. “Convido a diretora e alinho com ela, como distribuidora do projeto, o roteiro e o book", afirma. A partir daí, a diretora recebe consultorias dos vários profissionais e sai com seu projeto pronto para a comercialização. O Sela ELAS já está tomando seu lugar no mercado brasileiro, contando com 33 projetos de 34 realizadoras. "Metade disso é primeiro filme e ⅓ fora do eixo”, conta Barbara. Agora, você já pode elaborar seu projeto sabendo quais os principais elementos que ele precisa ter para atrair a atenção dos players. Boa sorte! #Dicas #Roteiro #Distribuição #Distribuidora #Projeto #BarbaraSturm #Entrevista #EloCompany

  • Entendendo as motivações conscientes e inconscientes do seu protagonista

    Trazemos dicas do roteirista Aaron Mendelsohn, que trabalha com estúdios como Fox e Disney, para elucidar sobre as diferenças entre desejos e necessidades narrativas Na hora de construir personagens para seu roteiro, é importante contar com um arsenal de ferramentas narrativas. Quase todas essas ferramentas se dedicam ao drama interno do personagem e suas motivações para agirem e falarem do jeito que falam. Nossa última matéria, na qual conversamos com a roteirista Nina Kopko, trouxe muitas discussões sobre isso, mas é sempre bom elaborar mais sobre o assunto. Por isso, hoje trazemos um texto escrito pelo consultor Michael Lee para o The Script Lab sobre motivações internas dos personagens e como melhor articular tudo isso. Além de traduzir, adaptamos para discutir mais profundamente sobre noções que Michael traz em seu texto. Quais são as diferenças entre motivações de caráter consciente e inconsciente? O texto do TSL traz o roteirista Aaron Mendelsohn para falar sobre isso, com dicas, reflexões e exemplos. Aaron Mendelsohn é co-criador e roteirista da franquia "Bud: O Cão Amigo" (Air Bud, 1998) da Disney, além de ser roteirista para a Fox, New Line, ABC, Warner Bros, Apple e outros. Ele também é professor de roteiro na Universidade Loyola Marymount e secretário-tesoureiro do Writers Guild of America West. Abaixo, leia o texto de Michael Lee traduzido e adaptado por nós sobre como melhor formular os desejos conscientes e inconscientes de seus personagens principais. Encontre maneiras de tornar o seu protagonista único [Os protagonistas] tendem a ser os personagens menos interessantes em um roteiro. Vamos pensar no que os torna únicos. Quais são alguns dos traços e qualidades interessantes de personalidade que eles têm? E então, assim, tentarei descobrir o desejo inconsciente e consciente deles. - Aaron Mendelsohn O primeiro passo para criar personagens atraentes é tentar encontrar maneiras diferentes de torná-los únicos e originais. Traços de personalidade, peculiaridades e origens específicas podem ajudar a melhor desenvolver um personagem. É a primeira abordagem para pegar um personagem bidimensional e moldá-lo em algo tridimensional. Nesse caso, Mendelsohn aponta para um personagem como Dory em "Procurando Nemo" e "Procurando Dory". Por que ela é única? Pois não consegue se lembrar de nada. Ela tem perda de memória a curto prazo e não pode reter informações por mais de um minuto. Essas são características que vão influenciar as ações dos personagens ao longo da trama e ajudar a formular melhor os eventos que testarão seu caráter único. Mas isso deve partir de um sentido narrativo temático, ou então de uma falha que precisa ser corrigida. Não se trata de ir fazendo listas técnicas dos personagens com sua cor favorita se isso não interfere no roteiro ou em seu arco narrativo. Além disso, é importante que o protagonista tenha contradições, mas nada deliberado e aleatório. Transformá-lo em tridimensional significa colocar suas crenças à prova, confrontá-lo com situações limites e lançar mão de cenas que demonstrem mudança em seu caráter - para qualquer direção. Desejo Consciente: a necessidade inicial Os personagens possuem o desejo consciente, também conhecido como The Want [A Necessidade] - é o que o personagem central pensa que quer. E, frequentemente, esse é um objetivo egoísta. Muitas vezes eles aparecem no início de uma história. Às vezes, quando o incidente incitante chega, eles pensam nele. É o que eles pensam que querem. - Aaron Mendelsohn O desejo consciente é esse desejo superficial inicial, também chamado de Set-Up Want pela autora e consultora Jill Chamberlain em seu livro "The Nutshell Technique". Inclusive, já fizemos uma matéria sobre erros de roteiro que ela e outros especialistas apontam como principais. Portanto, talvez o desejo inicial de um personagem que é policial seja querer finalmente ver alguma ação em seu trabalho. Talvez um pequeno grupo de crianças da cidade queira encontrar um cadáver para que possam ser heróis. Seja qual for o caso, o desejo consciente é onde a história começa. Em seu texto para a Screencraft, Jill Chamberlain explica de modo bem didático o quão importante é o Set-Up Want (Necessidade Inicial ou Desejo Consciente) do protagonista. Para isso, ela utiliza como exemplo o arco de Chris, protagonista do vencedor de Melhor Roteiro Original no Oscar de 2018 "Corra!" (Get Out, 2017). Leia o trecho abaixo: "O SET-UP WANT do protagonista Chris em suas cenas iniciais é parar de fumar. Ele atinge seu SET-UP WANT no evento que demarca o final do Ato 1 e nos empurra para o Ato 2, que eu chamo de PONTO SEM RETORNO. O PONTO SEM RETORNO é quando a mãe de Rose o hipnotiza e ele passa a não querer mais fumar. Nesse PONTO SEM RETORNO, ele alcança seu SET-UP WANT inicial de parar de fumar, mas há um grande CATCH associado à sua conquista: a partir deste ponto, as coisas ficam estranhas. O CATCH deve ser o teste perfeito da FALHA central do protagonista que, no caso de Chris, é seu medo de deixar os outros desde que abandonou sua mãe quando ela estava morrendo. Portanto, o Ato 2 será em grande parte um teste dessa FALHA e sua incapacidade de abandonar os outros o mantém em perigo e sem conseguir enxergar a verdade sobre Rose. As coisas ficam cada vez mais tensas para Chris até que, preso no porão, ele atinge o fundo do poço quando descobre toda a verdade: ele foi hipnotizado porque estava prestes a removerem seu cérebro e transplantá-lo na cabeça de outra pessoa. Ele chegou à sua CRISE, que é o desejo de nunca mais deixar de fumar (algo implícito, não falado), porque, se ele não quisesse parar de fumar, nunca teria sido hipnotizado no início. A CRISE é o ponto mais baixo e também exatamente o oposto de seu SET-UP WANT: 'parar de fumar'". Desejo Inconsciente: o que eles aprendem que realmente querem Aaron Mendelsohn, ao trazer a noção do Desejo Inconsciente, afirma: “O Desejo Inconsciente é o que o personagem central aprende, durante sua jornada, que ele realmente quer. E muitas vezes esse é um objetivo mais altruísta.” Ele continua explicando que, em alguns filmes, o desejo consciente e o inconsciente são os mesmos. Em "Birdman" (2014), o protagonista quer provar ao mundo que ele pode ser um ator dramático. Em "Gravidade" (Gravity, 2013), a protagonista quer sobreviver e voltar para casa. Os filmes são sobre sua jornada em direção ao objetivo e as lutas que eles devem superar para alcançá-lo. Mas a maioria dos filmes tem essa mudança dos desejos conscientes para desejos inconscientes, onde eles devem passar por provações e tribulações a fim de descobrirem o que realmente querem (e precisam de fato). Portanto, é o que o personagem precisa para corrigir sua falha moral que o impede de ser um ser humano melhor, um profissional melhor, uma mãe melhor, etc. É bom lembrar que, nesse momento, não se trata necessariamente de "certo e errado", mas sim em relação à falha central do personagem. Exemplos de desejo de caráter Consciente e Inconsciente Em "Breaking Bad" (2008), o desejo consciente do protagonista é sustentar sua família. Seu desejo inconsciente é recuperar sua masculinidade. Em "A Primeira Noite de um Homem" (The Graduate, 1967), o desejo consciente do protagonista é a Sra. Robinson — ou a relação sexual que ele deseja ter com ela. Seu desejo inconsciente é o que sua filha personifica dentro da história — o amor. Em "Mensagem Para Você" (You've Got Mail, 1998), existem dois personagens principais. O desejo consciente de Joe é dominar o mercado local de livros com sua nova loja de franquia. Já o desejo consciente de Kathleen é impedir que ele destrua sua livraria local. O desejo inconsciente dos dois é aprender que seus respectivos amigos virtuais são a combinação perfeita para o amor. Isso eles precisarão aprender juntos, ao final do filme. Curtiu ler sobre desejos de personagem? Assista a uma parte do vídeo (em inglês) com Aaron Mendelsohn trazido pelo TSL 360 (do The Script Lab), onde ele comenta sobre tais exemplos: #Roteiro #Personagens #DicasDeRoteiro #Tradução

  • Leia 10 roteiros de destaque de 2019

    Trazemos 10 roteiros de filmes com grande destaque no ano de 2019 para dar um impulso no seu vocabulário de escrita e inspirar novos jeitos de escrever roteiros Todo mundo adora assistir aos lançamentos do cinema recém saídos do forno. Porém, por diversos motivos, muitos roteiristas e autores acabam nunca lendo os roteiros desses filmes de sucesso. Hoje em dia, temos mais acesso a essas obras importantes e, consequentemente, aos benefícios que elas trazem para nossa visão artística. Para além da curiosidade de saber "como que o roteirista fez" para criar aquela cena incrível, ao ler um roteiro, temos a oportunidade de ver na prática como se estrutura certas sequências dramáticas, se expressa certos traços de personagens e várias outras práticas de roteiro. Além disso, a leitura é importantíssima para se treinar a escuta e escrita de diálogos, já que fornece muitas ideias de vocabulário, voz, ritmo e camadas de significado. Pensando nisso, vemos que o ano de 2019 foi cheio de projetos interessantes que merecem ser lidos. Mas por que? Quais os maiores motivos para lermos roteiros? O que essa prática melhora em nossa escrita? Por que ler roteiros é importante? Quem trabalha diretamente com roteiros de cinema sabe que é imprescindível conhecer muito bem o formato desse documento. E para quem é roteirista ou autor, ler roteiros de séries ou longas deveria ser uma prática constante. Os motivos principais você já deve imaginar: lendo, conseguimos analisar e absorver melhor as práticas de estrutura e linguagem cinematográfica mais criativas e eficazes do ramo. Muitas vezes, o filme pronto pode trazer muita abstração na hora de entender como o adversário foi construído ou de onde vem aquele modo de falar de algum personagem. No roteiro, mesmo sem as notas do autor, temos uma clareza maior do que foi utilizado para criar uma boa sequência. Isso envolve conhecer os termos de descrição, figuras de linguagem, indicações gráficas de pausa e ritmo, etc. Por exemplo, você sabia que muitos roteiristas utilizam cores diferentes ou diálogos escrito lado a lado para indicar diferentes temporalidades? Ver como um roteirista de grande visibilidade se expressa pode aumentar muito o vocabulário de escrita específica de roteiro. É dali que tiramos ideias que melhor expressam nossa concepção de ritmo, aumento de tensão, aproximação ou distância de um personagem e muitos outros artifícios dramáticos. Outro grande motivo para ler roteiros é na melhoria dos diálogos: grandes autores possuem uma cadência específica que colocam nas falas dos personagens. Isso parte do roteiro, mas muitas vezes as pessoas acabam colocando todo o crédito do trabalho do diálogo no ator ou diretor. Para não cometer essa atrocidade, é importante conhecer os vários artifícios de vocabulário linguagem e até mesmo pontuação que criam a sensação de um diálogo real na página de roteiro. Desde a cadência da fala até os inúmeros significados presentes ali podem ser analisados com mais calma quando se lê. Além de tudo, para quem escrever e dirige seus projetos, ler roteiros estimula muito a criatividade na atividade da direção. Muitos autores, como Noah Baumbach e Taika Waititi, já gostam de escrever visualizando suas técnicas de direção e sinalizando, com linguagem técnica, nas descrições e transições. Isso abre caminhos para inovação na direção estética e de atores, pois o autor que sabe como construir diferentes personagens na tela já vai conseguir trazer isso para a escrita do roteiro com mais propriedade. Infelizmente, muitos cursos de cinema ignoram esse passo importante da formação do roteirista. E muitos profissionais também deixam esse material riquíssimo de lado. Quer ficar por dentro de alguns dos melhores roteiros desse ano? Veja abaixo nossa seleção de roteiros de destaque de 2019. Boa leitura! Roteiros de destaque em 2019 que merecem ser lidos Infelizmente, não são muitos os roteiros de lançamentos brasileiros disponíveis por aí. Por isso, os roteiros que selecionamos são em inglês. Confira nossa seleção: 1. "História de um Casamento" (Marriage Story, 2019) Roteiro por Noah Baumbach. Sinopse: O olhar incisivo e complexo de Noah Baumbach sobre o término de um casamento como isso afeta os integrantes de uma família. Por que ler? Baumbach já estabeleceu sua voz autoral em filmes como "A Lula e a Baleia", "Margot e o Casamento" e "Frances Ha". Seu segundo projeto de drama com a Netflix, "História de um Casamento", segue muito o estilo reconhecível do autor, mas traz uma nova profundidade às tramas de amor, perda e relacionamentos. Baumbach traz muita dimensionalidade aos personagens que cria, assim como aos diálogos lapidados e ritmo impecável. É um roteiro para entender como um autor constrói e articula seu universo a ponto de ele ser incrivelmente particular e universal ao mesmo tempo. Um dos melhores do ano e da carreira do autor. Leia o roteiro de "História de um Casamento". 2. "O Irlandês" (The Irishman, 2019) Roteiro por Steven Zaillian. Baseado na obra de Charles Brandt. Sinopse: Conhecido como "O Irlandês", Frank Sheeran (Robert De Niro) é um veterano de guerra cheio de condecorações que concilia a vida de caminhoneiro com a de assassino de aluguel aliado da máfia. Promovido a líder sindical, ele torna-se o principal suspeito quando o mais famoso ex-presidente da associação, Jimmy Hoffa (Al Pacino), desaparece misteriosamente. Por que ler? O fato de que se trata de um filme dirigido por Martin Scorsese já é um bom motivo para ler, mas podemos citar outros. "O Irlandês" é um estudo biográfico colossal, pois traz à tona situações e momentos da vida de um personagem com um peso dramático muito grande e versátil, sem nunca sair da concentração temática. Em tom melancólico, o filme acompanha as várias mudanças no protagonista Frank com maturidade, tratando de muitos temas familiares à carreira de Scorsese com uma visão mais sóbria. O roteiro de Zaillian, também produzido pelo Netflix, tem 135 páginas de uma história grandiosa e muito humana, tornando-se bastante interessante também para quem tem projetos biográficos em mente. Leia o roteiro de "O Irlandês". 3. "Adoráveis Mulheres" (Little Women, 2019) Roteiro por Greta Gerwig. Baseado na obra de Louisa May Alcott. Sinopse: Os anseios e desafios durante o amadurecimento de quatro irmãs na América após a Guerra Civil. Por que ler? A roteirista, diretora e atriz Greta Gerwig obteve grande reconhecimento no Oscar de 2018, quando foi indicada à Melhor Direção e Melhor Roteiro Original por "Lady Bird: A Hora de Voar". Desde então, ela vem trazendo uma voz simultaneamente realista e poética aos seus projetos, procurando achar o equilíbrio entre sua divertida visão de mundo e um drama atraente para o público. Com sua versão de "Adoráveis Mulheres", ela traz um protagonismo feminino concreto e abundante, com histórias reais para contar. Além de tudo, o roteiro contém notas autorais de ritmo e temporalidade, trazendo um insight para as possibilidades de linguagem cinematográfica. "Adoráveis Mulheres" também se torna interessante para ver a estrutura de uma adaptação literária na prática. Leia o roteiro de "Adoráveis Mulheres". 4. "Dois Papas" (The Two Popes, 2019) Roteiro por Anthony McCarten. Sinopse: Por trás dos muros do Vaticano, o conservador Papa Bento XVI e o futuro liberal Papa Francisco devem encontrar um acordo entre si para criar um novo caminho para a Igreja Católica. Por que ler? Outro projeto da Netflix entra em nossa lista como roteiro de destaque. "Dois Papas" é um longa dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e tem um cenário ambicioso: o Vaticano. De acordo com o Hollywood Reporter, "o primeiro triunfo do filme é que o diálogo bem escrito entre os dois homens é completamente convincente. Não há como saber o que poderia ter sido dito por esses dois homens muito diferentes, mas a partir de tudo o que sabemos sobre seus antecedentes, a troca de idéias parece plausível". Portanto, aposte nesse roteiro para uma boa aula de diálogo e silêncio. Leia o roteiro de "Dois Papas". 5. "Ford vs Ferrari" (2019) Roteiro por Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e Jason Keller. Sinopse: O designer de carros Carroll Shelby e o piloto Ken Miles lutam contra a interferência corporativa, as leis da física e seus próprios demônios pessoais para construir um carro de corrida revolucionário para a Ford e desafiar a Ferrari nas 24 horas do Le Mans em 1966. Por que ler? O roteiro de "Ford vs Ferrari" é repleto de emoções e dialeto de corrida, além de personagens bem construídos. O diálogo é nítido e verdadeiro, mas geralmente é a linguagem descritiva que de destaca. Muito na linha de roteiros como "Whiplash: Em Busca da Perfeição" e "A Grande Aposta", as próprias descrições e observações trazem uma riqueza única ao filme, algo que todos os roteiristas deveriam propor ao escreverem suas obras. Uma ótima chance de entender como um verdadeiro blockbuster de substância é construído. Leia o roteiro de "Ford vs Ferrari". 6. "O Farol" (The Lighthouse, 2019) Roteiro por Robert Eggers e Max Eggers. Sinopse: Dois guardiões de um farol tentam manter sua sanidade enquanto vivem em uma remota e misteriosa ilha da Nova Inglaterra na década de 1890. Por que ler? Outra voz autoral emergente, Robert Eggers volta às telas com "O Farol", um thriller peculiar que sucedeu seu hit de suspense "A Bruxa". Um ode ao cinema antigo, silencioso e significativo, os irmãos Eggers trazem uma reflexão da solidão e caminhos da mente humana na trama estrelada por Robert Pattinson e Willem Dafoe. Esse é outro roteiro interessante para o estudo de diálogos, já que Eggers é conhecido pelo seu apreço por dialetos antiquados e fora do comum. Como fazer esse tipo de fala funcionar? Quando melhor utilizar uma linguagem diferenciada na boca do personagem? Você pode ter belos insights sobre isso lendo o roteiro e "O Farol". Leia o roteiro de "O Farol". 7. "Entre Facas e Segredos" (Knives Out, 2019) Roteiro de Rian Johnson. Sinopse: No melhor estilo mistério whodunit, um detetive investiga a morte de um patriarca de uma família excêntrica e combativa. Por que ler? O gênero "whodunit", outrora muito popular, acabou ficando antiquado e muito pouco produzido em Hollywood. De acordo com a Deadline, esse fato só aumenta a intriga em torno do sucesso do autor Rian Johnson com "Entre Facas e Segredos", um tributo cinematográfico a Agatha Christie que atualiza habilmente o clássico "whodunit all-star". Além de trabalhar muito bem os elementos de mistério, como o controle de informações, ritmo, modelos actanciais, o roteiro de Johnson foi escrito em apenas 7 meses, após terminar "Star Wars: O Último Jedi". Uma boa pedida de leitura para quem ficou curioso com o revival do gênero whodunit e como se constrói um mistério de sucesso. Leia o roteiro de "Entre Facas e Segredos". 8. "Dor e Glória" (Dolor y Gloria, 2019) Roteiro por Pedro Almodóvar. Sinopse: Um diretor de cinema reflete sobre as escolhas que fez na vida e como o passado e presente acabam desabando ao seu redor. Por que ler? Outro filme do autor Pedro Almodóvar que fez sucesso em festivais como Cannes, "Dor e Glória" traz uma narrativa pessoal e semi-autobiográfica sobre um cineasta envelhecido refletindo sobre sua vida, ao mesmo tempo que lida com a perda de sua juventude. O roteiro é sincero e permeado pelas memórias lapidadas de Almodóvar, demonstrando um grande triunfo artístico por empregar situações autobiográficas no formato dramático de forma eficaz. Para quem quiser entender mais sobre essa difícil e dolorosa arte de se colocar em seu próprio roteiro, Almodóvar traz uma boa construção narrativa que aposta em diversos rumos para contar tanto a sua a história como a do personagem. Leia o roteiro de "Dor e Glória". 9. "Coringa" (Joker, 2019) Roteiro por Todd Phillips e Scott Silver. Sinopse: Em Gotham City, o comediante falido Arthur Fleck lida com problemas mentais e é desconsiderado pela sociedade. Ele então embarca em uma espiral de ódio e crimes sangrentos, se tornando o seu alter-ego: Coringa. Por que ler? A versão de Phillips sobre o vilão da DC atraiu muitas críticas, mas conta com uma interessante abordagem anti-filme-de-herói-ou-vilão convencional. Ele e Silver mergulham nos recantos psicológicos da vida moderna, tentando construir um Coringa mais atual e compreensível. E isso vemos já no script. Além de polêmico, o roteiro de "Coringa" se assemelha ao de "O Farol" quando traz uma co-autoria do diretor do filme, o que acaba implicando em algumas intenções de decupagem já no roteiro. Para quem não gostou do filme e achou que ele pecou na construção apologética à violência, também é interessante ler para aprender o que não fazer. Leia o roteiro de "Coringa". 10. "Fora de Série" (Booksmart, 2019) Roteiro por Emily Halpern & Sarah Haskins, Susanna Fogel e Katie Silberman. Sinopse: Na véspera da formatura do ensino médio, duas melhores amigas de grande sucesso acadêmico percebem que deveriam ter trabalhado menos e se divertido mais. Determinadas a não perderem na competição social os colegas, as meninas tentam amontoar quatro anos de diversão em uma noite. Por que ler? O primeiro filme da diretora e atriz Olivia Wilde foi muito comparado a "Superbad", outro título da abordagem cômica do coming of age. Mesmo com algumas semelhanças, "Fora de Série" se preocupa com um rumo narrativo muito mais empático com o universo teen, focando em desconstruções e situações pouco representadas dentro do gênero. Um dos projetos que passou muito tempo na Black List, o roteiro de "Fora de Série" se torna um bom exemplo de como o ritmo de uma comédia é diferente, mesmo que mesclada com outros elementos dramáticos. Leia o roteiro de "Fora de Série". E aí, qual o seu roteiro favorito de 2019? Qual roteiro você tem mais curiosidade de ler? #roteiro #lista #Hollywood #escritaderoteiro #roteiros2019

  • Tema da narrativa: onde aparece e como articular

    A escolha temática é muito importante, mas algo essencial é saber articular o tema dentro da narrativa. Trazemos reflexões e dicas de roteiristas para ajudar nessa construção. Muitos roteiristas ainda são assombrados pelo tema de seus filmes ou séries, enfrentando problemas tanto básicos como avançados. Muitos não conseguem definir, outros não sabem como articular essa escolha dentro do roteiro. Como diferenciar o tema da premissa? Quais aspectos de criação que o tema mais influencia? Como inserir isso no diálogo? Mais do que discutir o conceito de tema, vamos apresentar algumas possibilidades de concepção e exposição temática no roteiro. Onde revelar o tema narrativo e como? Para descobrir, trazemos dicas de teóricos e roteiristas renomados, como Aaron Sorkin, Craig Mazin e Meg LeFauve. Diferenças básicas entre tema e premissa Essa distinção é um pouco confusa na cabeça de muitos roteiristas. Porém, é importante entender pelo menos o básico da discussão, para melhor articular os rumos da trama, das personagens, seu modo de agir, reagir, falar, etc. O tema é chamado por Robert McKee de “Ideia Governante” (Story, 2016) e por John Truby de "visão de mundo" do roteirista (The Anatomy of Story, 2007). Ou seja, a concepção do caráter e vulnerabilidades das personagens precisam necessariamente refletir essa discussão. Um outro modo de encarar a questão temática parte de um ponto em comum na fala dos roteiristas Meg LeFauve (Divertidamente, Capitã Marvel) e John August (Aladdin, Peixe Grande): é o DNA do filme (ou série). Isso aparece em cada cena, em cada diálogo e cada imagem. Em seu podcast Scriptnotes, August afirma que "você sente quando o tema está lá e percebe quando está faltando - mesmo quando o roteiro parece sólido." É importante ressaltar que o tema não se trata de um "comentário social". Essa articulação é o que carrega o tema dentro do filme ou série. Por isso, através de reflexão, pesquisa ou discussão, o roteirista vai precisar decidir e articular para si essa escolha temática antes de finalizar suas decisões narrativas e realizar qualquer tipo de comentário fílmico. Às vezes, [o tema] pode ser resumido em uma palavra. Em "X-MEN", o tema é mutação e todos os aspectos da história irradiam em torno dessa palavra. Os heróis e vilões são todos "mutantes", diferentes das pessoas normais. O vilão quer mudar todos os líderes do mundo. Vampira e os outros sofrem preconceito e perseguição por causa de sua "alteridade". - John August No exemplo anterior, August traz uma possibilidade simples de definir o tema: uma palavra única e muito abrangente. Isso pode ser observado também na série "Succession" (2018), por exemplo, onde o tema é literalmente o título da série (sucessão de poder) e envolve uma dinâmica de competição familiar, alianças e traições. Isso até funciona em certos casos e análises. Muitas vezes, porém, quando o tema pode ser expresso num só substantivo, ele pode acabar sendo pouco eficiente como norte narrativo. Isso acontece porque é algo muito geral e pouco específico. Um bom ponto de partida, nesse caso, é trabalhar com um conceito de oposição, como “Amor x Dinheiro”, "Real x Imaginário" ou "Particular x Comunitário". A partir daí, é possível ir especificando cada vez mais. Ainda mais potente é trabalhar o tema de uma forma mais elaborada, onde ele já vem na forma de uma pergunta ou afirmação. "Até onde vai a ganância do ser humano? " ou "cuidado com o que você deseja" são exemplos genéricos. É aí o tema se difere mais claramente da premissa. Mesmo que muitos roteiristas e teóricos se utilizem do mesmo nome para definir a ideia governante, é um consenso que a premissa geralmente precisa ser mais específica e mais narrativa, pois compreende a linha principal do filme já denominando personagens e contextos. Segundo Robert McKee, a premissa “raramente é uma afirmação completa. Geralmente, é uma questão aberta: o que aconteceria se…?”. Essa, inclusive, é uma poderosa ferramenta para se descobrir a premissa da história. Nesse caso, é bem parecido com o tema, mas esse se concentra no que a história trata. Já a premissa é o significado extraído da história, já com a presença de elementos narrativos que vão ser discutidos na trama. Tanto a premissa inicial quanto o tema podem partir de uma abstração ou hipótese, do tipo “o que aconteceria se…?”. Mas quando o roteirista determina o valor envolvido, a causa/consequência e as mudanças que ocorrerão, terá o tema. Um bom jeito de visualizar é imaginar que a premissa está mais perto de uma logline do que o tema, mas sem o tema definido, a premissa (idealmente) não existe. Se você ainda tem dificuldades para entender as diferenças, o autor Lucas Mirabete traz pontos bem didáticos em sua matéria "O que é premissa e tema de uma história?". A matéria é voltada para autores literários, mas ele comenta como isso também pode ser aplicado para roteiros. Leia também o texto "Tema: Sobre o que seu roteiro realmente é?" da Tertúlia Narrativa. Semelhanças entre tema e premissa: relação com a falha central e funções narrativas Mesmo que se diferenciem em complexidade e construção narrativa, tanto o tema quanto a premissa de uma boa história têm relação com a falha central do protagonista. Ele, portanto, deve carregar um dos lados temáticos e transformar-se de acordo com a escolha dramática. Necessário para guiar a estrutura e construção de personagem, o tema também deve revelar quais são as forças internas (de personagem) e externas (de eventos narrativos e linguagem) que irão aparecer na sua história. Sobre isso, em fala ao Creative Screenwriting podcast, o roteirista Aaron Sorkin (The Newsroom, A Rede Social) atenta: Quando você está falando sobre coisas como tema, precisa ter muito cuidado, porque não é isso que fará o "carro andar". É o que vai fazer o carro ser bom e dar uma boa volta. Mas não é isso que fará o carro andar - pelo menos não para mim. Todo mundo escreve diferente. Mas para mim, tenho que me ater - de perto, como se fosse um bote salva-vidas - à intenção e aos obstáculos. Apenas o básico de "alguém quer algo, algo está em seu caminho para obtê-lo" vai fazer a narrativa fluir. Verifique se você construiu bem isso. - Aaron Sorkin Ou seja: para ele, a escolha temática é importante, mas a "gasolina criativa" que habita sua mente enquanto escreve é a intenção das personagens, bem como os obstáculos que irão enfrentar. Ele continua: "Os temas ficarão aparentes para você e você poderá escolher os que desejar. Você pode se livrar daqueles que não estão fazendo bem à narrativa. Mas o 'carro' não vai andar a menos que você veja o básico do drama, e drama é: intenção e obstáculos, alguém quer alguma coisa, algo está em seu caminho”. Então, mais do que escrever sua escolha temática em pedra e nunca mais mudá-la, construa bem os objetivos e obstáculos das personagens. Isso vai vir à tona de um modo mais coeso e interessante quando partir da falha central que elas possuem ou devem corrigir. A partir disso, você pode bater o martelo sobre o tema principal e para onde a história está caminhando. O objetivo e obstáculo do protagonista podem também aparecer na premissa, dependendo do rumo narrativo que você escolher. É necessário também articular sua trama de personagens com base na função actancial de cada uma. Quem vai tomar atitudes contra o objetivo do protagonista? Por que? Qual lado do tema essa personagem representa? Isso vai ajudar a deixar a história mais coesa e a emoção dos personagens muito mais realistas. Onde aparece o tema no roteiro? Podemos entender o tema como uma espécie de norte narrativo, que depende da intenção do roteirista e também do gênero do filme. Segundo o autor William C. Martell (Outlines and the Thematic Method), existem três lugares onde o tema do filme é identificado e discutido com mais facilidade: A decisão climática da protagonista; O conflito (arco emocional) da protagonista; A maior oposição filosófica ou moral que existe entre protagonista e antagonista. Além de auxiliar e propor situações que inspiram as cenas do roteiro, essa concentração no tema ajuda a criar mais detalhes narrativos, que enriquecem o universo e a discussão. Isso pode vir em forma de história pregressa de uma personagem, ou mesmo um hábito que ela tem. Mas um dos principais propósitos da investigação do tema é desenvolver subtramas, seja em longas ou séries. Isso quer dizer explorar o outro lado da questão, ou mesmo outra abordagem/realidade. Pode significar criar um personagem que toma uma decisão oposta do protagonista ou que precisa lidar com o universo temático de modo muito diferente. Como deixar o tema claro sem ser óbvio? Como sempre, pode depender do gênero e formato do projeto. O roteirista Craig Mazin afirma que já revelou o tema da minissérie dramática Chernobyl "na primeira linha de diálogo [...]. Às vezes é exatamente onde acontece, diz". Ele também percebe isso em filmes de super heróis, por exemplo, onde a luta entre o bem e o mal é sempre discutida abertamente. Já Meg LeFauve, em sua Master Class no SundanceLab, traz o exemplo mais sutil presente de "Psicose" (Psycho, 1960), onde o tema aparece em um diálogo entre Marion (Janet Leigh) e Norman Bates (Anthony Perkins). O diálogo é articulado com destreza, trazendo à tona características de cada personagem. Além de compreender a discussão temática, perceba também se você consegue distinguir a intenção e o obstáculo principal das personagens: Leia o roteiro de "Psicose" na íntegra aqui ou aqui (em inglês). Perceba que, aqui, a "revelação" ou exploração mas clara do tema está sendo discutida nas primeiras sequências de diálogo entre os dois personagens principais, não no início do filme. Também é interessante notar que, mesmo através do diálogo, o tema está articulado de modo narrativo, trazendo contexto, intenções e caráter das personagens. Isso nos leva ao outro ponto: se não tem certeza de qual é o tema, muitas vezes é melhor trabalhar com uma linha geral de intenção. Você pode até sentir sobre o que escreve, mas será necessário articular isso numa frase para que seus outros textos de venda (como logline) sejam escritos com mais facilidade e clareza. Os roteiristas do Scriptnotes trazem um exercício interessante para encontrar ou reforçar o tema do filme: escolha uma cena que tenha impacto narrativo e isole-a de todas as outras. Em algum lugar da cena, o tema está presente? Não precisa ser num diálogo, pode ser uma rima visual ou até mesmo na aparição de alguma personagem específica. Isso vai trazer uma revelação temática a você, fornecendo mais ferramentas para trabalhar seu tema de modo mais sutil. E lembre-se: assim como Sorkin também afirma, não tente imitar a vida real nos diálogos, pois "ninguém rima" ou traz um "tema" constante na fala. Articule tudo no subtexto, através de metáforas ou até mesmo em diálogos interrompidos. É hora de experimentar escrevendo! O grande propósito do tema: reforçar a voz autoral O tema é o caminho que você escolheu seguir quando decidiu escrever sua história. O tema, portanto, é o norte para o qual você caminhará. Sem ele você pode se desviar do seu objetivo e sua história poderá ficar confusa [...]. - Lucas Mirabete (autor) Além de tudo isso, é importante saber que a escolha temática reforça a voz autoral do roteirista. É fundamental lembrar que estamos lidando com uma forma artística de expressão, muitas vezes individual. Portanto, o tema vai revelar a visão de mundo do artista. O que considera relevante discutir? Como enxerga certas questões temáticas e como elas se articulam - ou poderiam se articular -  no mundo? Isso fica claro nas decisões dramáticas das personagens, nos diálogos e até na estrutura. O autor vê naquele tema uma oportunidade para desenvolver uma comédia ou tragédia? Qual o gênero que escolheu e por qual motivo? Quando você realmente entende o DNA de um projeto, é muito mais fácil escrever e reescrever. Você sabe exatamente que tipos de cenas, momentos e linhas de diálogo pertencem ao seu filme e quais não. Todas as cenas do seu roteiro podem mudar, mas ainda parece o filme. Eu acho que uma das razões pelas quais filmes com vários escritores geralmente parecem desconexos é porque os escritores não estão trabalhando com o mesmo DNA. Eles podem concordar com 'do que se trata', mas nunca abordarão emocionalmente da mesma maneira. Não é possível. - John August Descobrir o tema do filme, para quem não tem certeza, não é uma questão linear. Vai depender muito do processo do autor e também do feedback que receber, pois as opiniões externas são muito importantes na busca de sentido e clareza narrativa. Lembre-se também das palavras de Jodie Foster: "se você descobrir o que comove você, vai conseguir comover outras pessoas". #Tema #Roteiro #DicasDeRoteiro #Premissa #Filme

Writer's Room 51 é um Núcleo Criativo de projetos audiovisuais autorais.

Newsroom 51 é um portal afiliado de artigos sobre roteiro, cinema, TV e streaming.

  • Branco Facebook Ícone
  • Branco Twitter Ícone
  • Branca Ícone Instagram
  • Branca Ícone LinkedIn
bottom of page