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Tema da narrativa: onde aparece e como articular

Atualizado: 2 de jun. de 2020

A escolha temática é muito importante, mas algo essencial é saber articular o tema dentro da narrativa. Trazemos reflexões e dicas de roteiristas para ajudar nessa construção.

Psicose
Psicose. Imagem: reprodução

Muitos roteiristas ainda são assombrados pelo tema de seus filmes ou séries, enfrentando problemas tanto básicos como avançados. Muitos não conseguem definir, outros não sabem como articular essa escolha dentro do roteiro.


Como diferenciar o tema da premissa? Quais aspectos de criação que o tema mais influencia? Como inserir isso no diálogo?


Mais do que discutir o conceito de tema, vamos apresentar algumas possibilidades de concepção e exposição temática no roteiro. Onde revelar o tema narrativo e como?


Para descobrir, trazemos dicas de teóricos e roteiristas renomados, como Aaron Sorkin, Craig Mazin e Meg LeFauve.


Diferenças básicas entre tema e premissa


Essa distinção é um pouco confusa na cabeça de muitos roteiristas. Porém, é importante entender pelo menos o básico da discussão, para melhor articular os rumos da trama, das personagens, seu modo de agir, reagir, falar, etc.


O tema é chamado por Robert McKee de “Ideia Governante” (Story, 2016) e por John Truby de "visão de mundo" do roteirista (The Anatomy of Story, 2007). Ou seja, a concepção do caráter e vulnerabilidades das personagens precisam necessariamente refletir essa discussão.

Um outro modo de encarar a questão temática parte de um ponto em comum na fala dos roteiristas Meg LeFauve (Divertidamente, Capitã Marvel) e John August (Aladdin, Peixe Grande): é o DNA do filme (ou série).


Isso aparece em cada cena, em cada diálogo e cada imagem. Em seu podcast Scriptnotes, August afirma que "você sente quando o tema está lá e percebe quando está faltando - mesmo quando o roteiro parece sólido."

Meg LeFauve
Meg LeFauve. Imagem: Hollywood Reporter

É importante ressaltar que o tema não se trata de um "comentário social". Essa articulação é o que carrega o tema dentro do filme ou série. Por isso, através de reflexão, pesquisa ou discussão, o roteirista vai precisar decidir e articular para si essa escolha temática antes de finalizar suas decisões narrativas e realizar qualquer tipo de comentário fílmico.


Às vezes, [o tema] pode ser resumido em uma palavra. Em "X-MEN", o tema é mutação e todos os aspectos da história irradiam em torno dessa palavra. Os heróis e vilões são todos "mutantes", diferentes das pessoas normais. O vilão quer mudar todos os líderes do mundo. Vampira e os outros sofrem preconceito e perseguição por causa de sua "alteridade". - John August

No exemplo anterior, August traz uma possibilidade simples de definir o tema: uma palavra única e muito abrangente. Isso pode ser observado também na série "Succession" (2018), por exemplo, onde o tema é literalmente o título da série (sucessão de poder) e envolve uma dinâmica de competição familiar, alianças e traições.


Isso até funciona em certos casos e análises. Muitas vezes, porém, quando o tema pode ser expresso num só substantivo, ele pode acabar sendo pouco eficiente como norte narrativo. Isso acontece porque é algo muito geral e pouco específico.


Um bom ponto de partida, nesse caso, é trabalhar com um conceito de oposição, como “Amor x Dinheiro”, "Real x Imaginário" ou "Particular x Comunitário". A partir daí, é possível ir especificando cada vez mais.


Ainda mais potente é trabalhar o tema de uma forma mais elaborada, onde ele já vem na forma de uma pergunta ou afirmação. "Até onde vai a ganância do ser humano? " ou "cuidado com o que você deseja" são exemplos genéricos.

Succession
Succession. Imagem: HBO

É aí o tema se difere mais claramente da premissa. Mesmo que muitos roteiristas e teóricos se utilizem do mesmo nome para definir a ideia governante, é um consenso que a premissa geralmente precisa ser mais específica e mais narrativa, pois compreende a linha principal do filme já denominando personagens e contextos.


Segundo Robert McKee, a premissa “raramente é uma afirmação completa. Geralmente, é uma questão aberta: o que aconteceria se…?”. Essa, inclusive, é uma poderosa ferramenta para se descobrir a premissa da história.


Nesse caso, é bem parecido com o tema, mas esse se concentra no que a história trata. Já a premissa é o significado extraído da história, já com a presença de elementos narrativos que vão ser discutidos na trama.


Tanto a premissa inicial quanto o tema podem partir de uma abstração ou hipótese, do tipo “o que aconteceria se…?”. Mas quando o roteirista determina o valor envolvido, a causa/consequência e as mudanças que ocorrerão, terá o tema.


Um bom jeito de visualizar é imaginar que a premissa está mais perto de uma logline do que o tema, mas sem o tema definido, a premissa (idealmente) não existe.


Se você ainda tem dificuldades para entender as diferenças, o autor Lucas Mirabete traz pontos bem didáticos em sua matéria "O que é premissa e tema de uma história?". A matéria é voltada para autores literários, mas ele comenta como isso também pode ser aplicado para roteiros.


Leia também o texto "Tema: Sobre o que seu roteiro realmente é?" da Tertúlia Narrativa.


Semelhanças entre tema e premissa: relação com a falha central e funções narrativas

Aaron Sorkin
Aaron Sorkin. Imagem: Masterclass

Mesmo que se diferenciem em complexidade e construção narrativa, tanto o tema quanto a premissa de uma boa história têm relação com a falha central do protagonista. Ele, portanto, deve carregar um dos lados temáticos e transformar-se de acordo com a escolha dramática.


Necessário para guiar a estrutura e construção de personagem, o tema também deve revelar quais são as forças internas (de personagem) e externas (de eventos narrativos e linguagem) que irão aparecer na sua história.


Sobre isso, em fala ao Creative Screenwriting podcast, o roteirista Aaron Sorkin (The Newsroom, A Rede Social) atenta: 


Quando você está falando sobre coisas como tema, precisa ter muito cuidado, porque não é isso que fará o "carro andar". É o que vai fazer o carro ser bom e dar uma boa volta. Mas não é isso que fará o carro andar - pelo menos não para mim. Todo mundo escreve diferente. Mas para mim, tenho que me ater - de perto, como se fosse um bote salva-vidas - à intenção e aos obstáculos. Apenas o básico de "alguém quer algo, algo está em seu caminho para obtê-lo" vai fazer a narrativa fluir. Verifique se você construiu bem isso. - Aaron Sorkin

Ou seja: para ele, a escolha temática é importante, mas a "gasolina criativa" que habita sua mente enquanto escreve é a intenção das personagens, bem como os obstáculos que irão enfrentar.


Ele continua: "Os temas ficarão aparentes para você e você poderá escolher os que desejar. Você pode se livrar daqueles que não estão fazendo bem à narrativa. Mas o 'carro' não vai andar a menos que você veja o básico do drama, e drama é: intenção e obstáculos, alguém quer alguma coisa, algo está em seu caminho”.


Então, mais do que escrever sua escolha temática em pedra e nunca mais mudá-la, construa bem os objetivos e obstáculos das personagens. Isso vai vir à tona de um modo mais coeso e interessante quando partir da falha central que elas possuem ou devem corrigir.


A partir disso, você pode bater o martelo sobre o tema principal e para onde a história está caminhando. O objetivo e obstáculo do protagonista podem também aparecer na premissa, dependendo do rumo narrativo que você escolher.


É necessário também articular sua trama de personagens com base na função actancial de cada uma. Quem vai tomar atitudes contra o objetivo do protagonista? Por que? Qual lado do tema essa personagem representa? 


Isso vai ajudar a deixar a história mais coesa e a emoção dos personagens muito mais realistas.


Onde aparece o tema no roteiro?

Psicose
Psicose. Imagem: reprodução

Podemos entender o tema como uma espécie de norte narrativo, que depende da intenção do roteirista e também do gênero do filme.


Segundo o autor William C. Martell (Outlines and the Thematic Method), existem três lugares onde o tema do filme é identificado e discutido com mais facilidade:

  • A decisão climática da protagonista;

  • O conflito (arco emocional) da protagonista;

  • A maior oposição filosófica ou moral que existe entre protagonista e antagonista.

Além de auxiliar e propor situações que inspiram as cenas do roteiro, essa concentração no tema ajuda a criar mais detalhes narrativos, que enriquecem o universo e a discussão.


Isso pode vir em forma de história pregressa de uma personagem, ou mesmo um hábito que ela tem. Mas um dos principais propósitos da investigação do tema é desenvolver subtramas, seja em longas ou séries.


Isso quer dizer explorar o outro lado da questão, ou mesmo outra abordagem/realidade. Pode significar criar um personagem que toma uma decisão oposta do protagonista ou que precisa lidar com o universo temático de modo muito diferente.


Como deixar o tema claro sem ser óbvio?

Psicose
Psicose. Imagem: Pinterest

Como sempre, pode depender do gênero e formato do projeto. O roteirista Craig Mazin afirma que já revelou o tema da minissérie dramática Chernobyl "na primeira linha de diálogo [...]. Às vezes é exatamente onde acontece, diz".


Ele também percebe isso em filmes de super heróis, por exemplo, onde a luta entre o bem e o mal é sempre discutida abertamente.


Meg LeFauve, em sua Master Class no SundanceLab, traz o exemplo mais sutil presente de "Psicose" (Psycho, 1960), onde o tema aparece em um diálogo entre Marion (Janet Leigh) e Norman Bates (Anthony Perkins).


O diálogo é articulado com destreza, trazendo à tona características de cada personagem. Além de compreender a discussão temática, perceba também se você consegue distinguir a intenção e o obstáculo principal das personagens: 


Leia o roteiro de "Psicose" na íntegra aqui ou aqui (em inglês).


Perceba que, aqui, a "revelação" ou exploração mas clara do tema está sendo discutida nas primeiras sequências de diálogo entre os dois personagens principais, não no início do filme.


Também é interessante notar que, mesmo através do diálogo, o tema está articulado de modo narrativo, trazendo contexto, intenções e caráter das personagens.


Isso nos leva ao outro ponto: se não tem certeza de qual é o tema, muitas vezes é melhor trabalhar com uma linha geral de intenção. Você pode até sentir sobre o que escreve, mas será necessário articular isso numa frase para que seus outros textos de venda (como logline) sejam escritos com mais facilidade e clareza.


Os roteiristas do Scriptnotes trazem um exercício interessante para encontrar ou reforçar o tema do filme: escolha uma cena que tenha impacto narrativo e isole-a de todas as outras. Em algum lugar da cena, o tema está presente? 


Não precisa ser num diálogo, pode ser uma rima visual ou até mesmo na aparição de alguma personagem específica. Isso vai trazer uma revelação temática a você, fornecendo mais ferramentas para trabalhar seu tema de modo mais sutil.


E lembre-se: assim como Sorkin também afirma, não tente imitar a vida real nos diálogos, pois "ninguém rima" ou traz um "tema" constante na fala. Articule tudo no subtexto, através de metáforas ou até mesmo em diálogos interrompidos.


É hora de experimentar escrevendo!


O grande propósito do tema: reforçar a voz autoral

Psicose
Psicose. Imagem: reprodução
O tema é o caminho que você escolheu seguir quando decidiu escrever sua história. O tema, portanto, é o norte para o qual você caminhará. Sem ele você pode se desviar do seu objetivo e sua história poderá ficar confusa [...]. - Lucas Mirabete (autor)

Além de tudo isso, é importante saber que a escolha temática reforça a voz autoral do roteirista. É fundamental lembrar que estamos lidando com uma forma artística de expressão, muitas vezes individual.


Portanto, o tema vai revelar a visão de mundo do artista. O que considera relevante discutir? Como enxerga certas questões temáticas e como elas se articulam - ou poderiam se articular -  no mundo?


Isso fica claro nas decisões dramáticas das personagens, nos diálogos e até na estrutura. O autor vê naquele tema uma oportunidade para desenvolver uma comédia ou tragédia? Qual o gênero que escolheu e por qual motivo?


Quando você realmente entende o DNA de um projeto, é muito mais fácil escrever e reescrever. Você sabe exatamente que tipos de cenas, momentos e linhas de diálogo pertencem ao seu filme e quais não. Todas as cenas do seu roteiro podem mudar, mas ainda parece o filme. Eu acho que uma das razões pelas quais filmes com vários escritores geralmente parecem desconexos é porque os escritores não estão trabalhando com o mesmo DNA. Eles podem concordar com 'do que se trata', mas nunca abordarão emocionalmente da mesma maneira. Não é possível. - John August

Descobrir o tema do filme, para quem não tem certeza, não é uma questão linear. Vai depender muito do processo do autor e também do feedback que receber, pois as opiniões externas são muito importantes na busca de sentido e clareza narrativa.


Lembre-se também das palavras de Jodie Foster: "se você descobrir o que comove você, vai conseguir comover outras pessoas".


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