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- 6 dicas práticas para escrever uma dramédia
Aprenda a construir uma dramédia com reflexões sobre os gêneros e dicas incríveis da roteirista Phoebe Waller-Bridge O que “comédia dramática” realmente significa? Quais os principais pontos para se manter em mente quando concebemos histórias com essa abordagem? Como trazer seriedade e comicidade a uma mesma história? Em geral, são narrativas que fundem comédia e drama para nos dar uma experiência emocional mais rica do que apenas um gênero é capaz de fazer sozinho. Qualquer drama comum pode nos fazer chorar. Qualquer comédia sagaz pode fazer nosso abdômen doer de tanto rir. Mas uma comédia dramática, ou dramédia, pode fazer as duas coisas. E deve fazer as duas coisas, se quiser ser rotulada como tal. Porém, não é tão simples assim. Na verdade, é possivelmente uma das combinações mais complexas de se mesclar. Por isso, trazemos 6 dicas práticas traduzidas e adaptadas do Script Reader Pro e da roteirista, atriz e produtora Phoebe Waller-Bridge, que assina séries de sucesso como "Fleabag" (2016), "Killing Eve" (2018) e mais. Acompanhe! O que torna as dramédias tão poderosas? A força de um drama é algo que está enraizado na experiência humana. E, hoje em dia, o público está mais sofisticado e exige arcos emocionais mais convincentes. Uma pessoa não sente apenas uma emoção durante toda a vida. Estamos em um estado de fluxo constante. Mesmo em um único dia, um indivíduo pode passar por uma miríade de sentimentos e emoções. Talvez seja por essas razões, as dramédias realmente ressoam com espectadores. Isso é o que os torna altamente relacionáveis e comercializáveis - há algo para todo mundo. E altamente identificável e comercializável é uma coisa ótima quando você está escrevendo qualquer roteiro. No geral, uma comédia dramática é uma expressão dinâmica e complicada de nossos egos dinâmicos e complicados, colocada no papel e vista na tela. É justamente por essas razões que torna a criação particularmente desafiadora, mas também imensamente gratificante (e comercializável). E, agora, vamos às 6 dicas simples para escrever uma dramédia de respeito! 1. Concentre-se nas personagens e suas falhas O que movimenta (e, idealmente, origina) uma narrativa é a personagem. Ou melhor, é o conjunto de oposições entre a falha principal, o objetivo e a necessidade de cada personagem. Tudo isso orquestrado a serviço de um ou mais temas. Na dramédia, isso não é diferente. Quem são as personagens da sua história? Quais falhas, dificuldades e reviravoltas elas precisarão passar para completar seu arco? Lembre-se da frase de Angela Carter: "A comédia é uma tragédia que acontece com outras pessoas". É seu trabalho desenvolver quem são essas pessoas e como elas lidam com dramas e momentos inusitados. Isso pode trazer ideias de pequenos detalhes de caráter, manias, hábitos ou crenças possivelmente engraçadas e também trágicas que aparecerão nas suas personagens. Precisa de ajuda com isso? Comece lendo essa entrevista e depois essa! 2. Pese a narrativa a favor do drama Aqui está a dificuldade: uma dramédia tem que servir a dois mestres e tem que realizar funções de conflito. Deve ser alegre quando necessário e repleto de drama quando necessário. É por essa mistura de gêneros que as dramédias são tão frequentemente descritas como "sinceras", "alegres" ou "charmosas". Mas misturar o drama em uma história com seu parceiro de comédia é onde está o desafio. E não há uma resposta clara ou fórmula padrão da indústria para isso. Mas há uma regra básica da dramaturgia que você pode aplicar: incline o tom do roteiro em favor do drama. Isso significa que pode ser útil abordar uma comédia dramática antes de mais nada como um drama. Mas são as reações às vezes humorísticas dos personagens ao conflito que o diferenciam de um drama direto. Em outras palavras, o equilíbrio tonal deve ser dramático, com momentos de hilaridade espalhados pela narrativa. Um exemplo: na série "Big Little Lies" (2017), a trama principal gira em torno de um marido assassino e abusivo. Porém, a narrativa mistura muitos momentos levemente engraçados, como as conversas entre as protagonistas, opiniões sinceras demais ou trocas sarcásticas entre Ed e o ex-marido de sua esposa, Nathan. Usando a comédia e o drama a seu favor Roteirista de destaque dos últimos anos, Phoebe Waller-Bridge sabe muito bem misturar momentos de drama real com um humor peculiar e original. “Tento desarmar o público o máximo que posso com a comédia e, em seguida, dou aquele soco no estômago com um drama quando menos se espera.” - Phoebe Waller-Bridge Alguns dos momentos mais comoventes em Fleabag vêm logo após uma piada. Justamente quando você pensa que é tudo risos e sorrisos, Waller-Bridge quebra o momento com uma linha ou sequência dramática. Tudo remonta à crença da autora de que as pessoas são vulneráveis quando riem, o que as deixa expostas por momentos de profundidade e drama. Comédia e drama podem ser categorias de gênero, mas são verdadeiras ferramentas que roteiristas devem ter em seu arsenal. 3. Aposte no humor sutil A comédia dramática é geralmente da variedade mais sutil. Não é aquela comédia escrachada encontrada em filmes e séries como "Se Beber, Não Case", "Se Eu Fosse Você" ou "Parks & Recreation". Isso significa que aquela cena hilária envolvendo um macaco bêbado em uma festa que está atualmente em seu roteiro dramático pode ser removida sem medo. Guarde para outro roteiro com um tom cômico mais amplo. Em vez disso, certifique-se de que o humor em seu roteiro de drama é suficientemente discreto. Portanto, incline-se mais para a sagacidade verbal e o humor enraizado no realismo, e menos para grandes momentos de comédia de erros e piadas sobre arroto. É por isso que, quando um momento abertamente exagerado da comédia física aparece em um drama, ele pode parecer fora do lugar e desnecessário. Deixe sua empolgação liderar o caminho Aqui, é importante lembrar-se novamente das falhas das suas personagens, que entrarão sutilmente em conflito e darão luz a situações cômicas. Por isso, é importante você realmente gostar da história que está contando e deixar se inspirar pelas suas vontades: o que você realmente quer ver na tela? Que tipo de situação faz você rir? “A primeira cena que escrevi para a segunda temporada [de Fleabag] é a cena no banheiro onde Fleabag está lá com o nariz sangrando, vira-se para a câmera e diz: 'Esta é uma história de amor'. Os produtores adoraram e disseram: 'O que acontece a seguir?' E eu disse: 'Não faço ideia!' Fiquei entusiasmada com isso e, a partir daí, trabalhei para descobrir quem ela odiaria o suficiente para dar um soco". - Phoebe Waller Bridge Nem sempre sabemos para onde nossas histórias estão indo. Waller-Bridge argumentaria que isso é uma coisa boa. Se sua história surpreende, se tem diálogos sérios, mas também irônicos e contraditórios, provavelmente significa que algo está funcionando. Siga esse instinto e deixe suas personagens mostrarem o caminho. Se você está animado com a perspectiva de onde algo pode levar, é provável que seu público também fique. Isso funciona com os pequenos momentos engraçados, que tornam-se especiais por não serem muito frequentes e acabam atraindo ainda mais a atenção do público. 4. Aumente o drama, diminua a comédia Ao passo que você constrói a sua ideia, é interessante perceber que em qualquer obra que mistura drama e comédia, o drama aumenta proporcionalmente com o nível de tensão da história. A comédia, contudo, faz o contrário. Mas o que isso significa? Simplesmente que seu roteiro deve se tornar cada vez mais como um drama, ao mesmo tempo que se torna menos como uma comédia. Na maioria das vezes, no momento em que um drama (um filme, pelo menos) atinge seu ato final, é mais ou menos transformado em um drama puro. As piadas praticamente desaparecem. Os divertidos mal-entendidos praticamente também somem. O que nos resta é o coração do filme - o drama que traz as lágrimas ao invés do riso - e dá uma comédia dramática com um tom especial único. Aí, o tema do filme será seu aliado para completar o arco das personagens. Alguns exemplos de histórias que demonstram isso são "Sideways" (2004), "A Primeira Noite de um Homem" (1967) e a própria Fleabag. 5. Explore sua própria vida Outra chave importante para aprender a escrever um roteiro de dramédia é explorar sua própria vida. Isso não deve ser confundido com o velho ditado "escreva o que você sabe". Alguns roteiristas aderem a isso com grande esmero. Outros argumentam que "só porque nunca estive em outro planeta, não significa que não posso escrever sobre isso". E nenhum estaria errado. Mas existe outra noção melhor ainda: "escreva o que você sente". Esse modo de pensar é absolutamente essencial na dramédia, já que o dia de todo mundo é um misto de bons e maus momentos. Além disso, sentimentos de diferentes intensidades e que surgem por motivos diferentes aumentam a sensação de identificação do público, assim como trazem à tona situações inusitadas e originais. Entenda que nossa própria vida - todos os dias - tem uma estrutura dividida em atos: manhã, tarde e noite. E muita “dramédia” acontece nos espaços intermediários. Qualquer roteirista com a ambição de escrever um roteiro de dramédia precisa sentir os grandes momentos da vida e suas minúcias, entendendo que é uma “personagem” em sua própria vida, agindo e fazendo escolhas dentro de seu próprio "arco". Agora elimine todas as partes chatas, plante esses sentimentos e experiências nas personagens, construa bem essas personagens dentro de um enredo bem estruturado e você estará no caminho certo para criar uma ótima comédia dramática. Escolha ser vulnerável “Às vezes você sente que é mais corajoso dizer algo ultrajante, mas nem sempre é. Às vezes é mais corajoso dizer a coisa vulnerável. ” - Phoebe Waller-Bridge Cada episódio de Fleabag apresenta pelo menos uma linha que é hilária, dolorosa ou de tirar o fôlego em sua honestidade. Exemplos? “Amor não é algo que pessoas fracas fazem”; “As pessoas são tudo o que temos”; “Às vezes me preocupo se eu seria menos feminista se tivesse seios maiores”, entre outras frases marcantes. Fleabag é notável em sua vulnerabilidade. E é porque Waller-Bridge entende que, às vezes, dizer algo extremamente vulnerável é incrivelmente corajoso. É preciso coragem para escrever o que todos estamos pensando, mas não conseguimos dizer em voz alta. Encontre isso em você e, em seguida, em suas personagens. Elabore maneiras diferentes que essas pessoas lidam com suas fraquezas e seus medos, escolhendo alguns momentos-chave para que elas sejam honestas. Afinal, o conflito no roteiro pode vir tanto da mentira quanto da verdade. 6. Experimente a Regra das Três Essa dica é sobre construção e timing de cena, já que a dramédia requer um malabarismo de ritmo bem complexo. “Eu sempre acho que deveria haver pelo menos três coisas acontecendo em uma cena ao mesmo tempo.” - Phoebe Waller-Bridge Uma cena sobre uma jovem encontrando-se com um banqueiro não é muito interessante. Mas quando a jovem está atrasada, completamente despreparada e suando profusamente (fazendo com que ela acidentalmente mostre o sutiã ao banqueiro em questão, que, a propósito, teve um problema com assédio sexual recentemente), a cena se torna instantaneamente mais atraente. “Eu sinto que quanto mais conflito você inflige em uma pessoa, mais real parece, porque caso contrário, é apenas uma conversa sobre um empréstimo bancário”, explica a roteirista. Seus personagens devem ser pessoas reais com problemas reais. E com que frequência nós simplesmente lidamos com uma coisa de cada vez? A vida é muito mais complicada e suas cenas devem refletir isso. Boa escrita! #roteiro #dicasderoteiro #dramédia #drama #comédia #Fleabag #PhoebeWallerBridge
- Escrevendo como Tarantino
O diretor e roteirista Vitor Mafra se inspira nos roteiros de Quentin Tarantino para falar sobre gênero, voz autoral e construção de cena Estudar roteiro também significa estudar o trabalho dos grandes mestres do cinema. É a partir das suas obras que entendemos muito sobre técnicas, efeitos e estilos que marcam gerações e ganham o coração do público. É exatamente essa a premissa do curso “O Roteiro no Cinema do Tarantino”, ministrado pelo professor, diretor e roteirista Vitor Mafra, que nos contou um pouco do que vai rolar no curso e o que podemos aprender com os roteiros de Quentin Tarantino. Além de dar aulas pela Roteiraria, Vitor Mafra também tem uma extensa carreira como diretor e roteirista, assinando títulos como a série de TV “Zé do Caixão” e o longa-metragem “Lascados”. Durante o papo falamos sobre voz autoral, construção de cena, combinação de gêneros e muito mais! Quem é Vitor Mafra? Vitor Mafra começou sua carreira na MTV em 1990, como editor e posteriormente diretor das criativas vinhetas do canal. A experiência em televisão o aproximou do diretor Fernando Meirelles, que o contratou como assistente. Foi diretor na O2 Filmes por mais dez anos. Lá, produziu e dirigiu seu primeiro curta: “Entre Tuas Rodas”, exibido em festivais nacionais e internacionais. Em 2010, co-dirigiu com o diretor Eric Lenate a montagem brasileira da peça “Celebração”, de Harold Pinter (Prêmio Nobel de Literatura). Em 2013, rodou seu primeiro longa, “Lascados”, atualmente disponível no Netflix. Entre os mais diversos trabalhos para a TV, criou, escreveu e dirigiu a aclamada série, ‘“Zé do Caixão” (Canal Space/Turner) com Matheus Nachtergaele no papel do ícone do terror brasileiro. Sua recém lançada série documental “Milton e o Clube da Esquina” é atualmente um dos programas de maior audiência no Canal Brasil. Vitor se especializou em criar, roteirizar e dirigir séries ficcionais e documentais, colaborando com os mais importantes players e produtores do mercado. Após anos dedicados à parte prática do audiovisual, passou a integrar o corpo docente da escola de roteiro Roteiraria, com um ciclo de aulas em que analisa a escrita do diretor Quentin Tarantino. Sobre o curso Com uma carga horária de 8 horas de duração distribuídas em 4 aulas, o curso “O Roteiro no Cinema do Tarantino” foca principalmente na análise aprofundada de quatro grandes obras do autor: “Pulp Fiction” (1994), “Jackie Brown” (1997), “Bastardos Inglórios” (2009) e “Era Uma Vez em Hollywood” (2019). “A primeira coisa que vamos discutir é como se aproximar de um filme”, comenta Mafra, explicando a didática através das “camadas”. “Vamos colocando camadas, do externo para o interno. Primeiro analisamos o gênero, depois as personagens, então a estrutura narrativa”, completa. Cada obra do autor serve como verdadeiro case para debater ferramentas específicas que fazem parte do seu estilo: da combinação de gêneros e referências à cultura pop em “Jackie Brown” à forma como Tarantino altera o curso da história, como é o caso em “Era Uma Vez em Hollywood”. “Por fim, chegamos na célula. Ou seja, como funciona uma cena”, explica Mafra. Para o professor e roteirista, é no desenho das cenas que Tarantino brilha, mas muitos projetos acabam encontrando dificuldades. Mafra responde: “esse é um dos principais problemas que identifico nos roteiros em geral. Às vezes a pessoa tem ótimas ideias, sacadas, premissas boas… Mas quando você chega na cena, percebe que ela não tem ritmo, que ela não funciona”. “O Orson Welles que disse: ‘o filme nada mais é do que um desfile de boas cenas’. Por isso que a gente vê filmes com grandes ideias e uma super premissa, mas que não vão bem por causa das cenas, que podem sair tortas, sem energia para levar o espectador a querer ver a próxima cena”. - Vitor Mafra Qual é, afinal, um dos principais pontos dessa célula? No caso de Tarantino, os diálogos. São os inventivos diálogos do autor norte-americano que conferem profundidade a personagens secundários, expõem o tema com sutileza, dão maior vida ao universo como um todo e o principal, impulsionam o filme para frente. “Quando analisamos o filme, os pontos de virada, os pontos importantes, por fim você vai chegar no tema. Os bons filmes escondem o tema, os filmes ‘não tão bons’ mostram o tema lá na frente o tempo inteiro”. - Vitor Mafra Fazer uma análise fílmica de um roteirista com uma voz autoral tão forte quanto o Tarantino é um ótimo guia para “desconstruir o processo”. É como se você retirasse todas as peças que compõem aquelas obras para, então, entender de fato o que faz o motor da história operar. “Entrar na cabeça do cara, nas decisões que ele tomou, gera muito conhecimento”, resume Mafra. O estilo Tarantino de escrever Para Mafra, “Tarantino tem uma voz autoral muito forte que começa na própria escrita”. De fato, basta ler um roteiro do cineasta para entender o ponto. Vitor Mafra acredita que o ritmo das cenas e a grande riqueza literária exibida pela perícia do autor são grandes destaques que garantem uma leitura prazerosa de seus roteiros. “É fácil identificar a grande influência da literatura pulp americana em Tarantino”, explica Mafra. Como é transmitida essa voz autoral nas obras do Tarantino? Segundo Mafra, vai “desde o vocabulário, às gírias, jeito de dividir cena, blocar os movimentos em cena”. Acima de tudo, os roteiros do Tarantino exibem muito bem o tom do filme. Acertar o tom no roteiro nem sempre é uma tarefa fácil, mas é essencial na hora de capturar a atenção e o entendimento de quem o lê. “Tarantino abertamente já disse que para seus diálogos se inspira muito no Elmore Leonard, autor de ‘Jackie Brown’”, comenta Mafra, revelando um pouco do universo referencial literário de Tarantino. Nascido em 1925, Elmore Leonard foi um escritor norte-americano e roteirista conhecido principalmente pela qualidade dos seus diálogos, trabalhando em gêneros como western, suspense e thrillers muito focados em crimes. Para Mafra, certamente um dos melhores dialoguistas da literatura norte-americana. Com essa inspiração em mente, fica fácil entender que a referência vai muito além da imagem. Referência de estilo e ritmo para a escrita em si do roteiro é um bom caminho para construir cenas fluidas e prazerosas para o leitor. “A voz do Tarantino tá no diálogo, mas também tá no cabeçalho, tá nas rubricas, tá em tudo. Essa ironia e humor constante tá em tudo”, Vitor Mafra comenta sobre a voz autoral nos roteiros do autor. “O roteirista precisa achar sua voz. Em termos de formatação, claro que tem coisas técnicas importantes que todo mundo precisa saber, mas principalmente encontre a sua voz no texto”. - Vitor Mafra Isso significa que, na hora de escrever uma cena, você precisa pensar muito além das ferramentas de construção dramáticas. Você precisa pensar na construção da sua frase, como diz o próprio Mafra. “Não é só uma descrição da cena. Tudo é ritmo, tudo é intenção. Que verbos você vai escolher para aquela cena? Isso é muito mais importante do que qualquer regrinha”, resume Mafra, que lança um recado: “para quem escreve, essa intersecção entre roteiro e literatura tem que ser constante”. - Vitor Mafra O poder das cenas longas Muito além da combinação de gêneros e do conhecimento sobre a cultura pop espalhado pelo roteiro, Tarantino detém um domínio sobre a construção de suas cenas. Muitas delas, por sinal, são longas e apresentam mais de um vetor narrativo. Há muitas vezes ações paralelas que irradiam tensão, interrompem e comentam a ação principal. Cenas icônicas com unidades fortes, que impulsionam diferentes vetores. “São camadas e camadas de decisões por cena, que às vezes duram quase vinte minutos”, Mafra contextualiza, apontando que dentro de uma mesma cena você tem, por vezes, “grandes movimentos dramáticos, brechas surpreendentes, clímax, pontos altos e pontos baixos”. Ou seja, um organismo muito complexo. Para quem busca um caminho mais formulaico, uma cena de 4 páginas pode acender um sinal vermelho. Não basta escrever cenas longas, é preciso ter o domínio dessas nuances e diálogos poderosos para capturar a atenção do público. De toda forma, esse lembrete é importante, pois conecta com outro recado dado por Mafra: “a escrita é um bom lugar pra você se atrever, sair da sua zona de conforto”. Assim, concluímos que as ferramentas de roteiro devem servir à voz autoral do criador (e não o contrário). Aquela famosa premissa: “trate as regras como guias e não como verdades absolutas”. Mais do que isso, lembre-se de estudar e se amparar em elementos que vão além dos livros de roteiro e dos índices narrativos que bem conhecemos. Sua escrita é interessante? Você transmite o tom da sua obra através das palavras? Você conduz o leitor a entender o ritmo da cena e seus pontos de tensão? A palavra tem poder, afinal de contas. Use-a com sabedoria. Curso “O Roteiro no Cinema de Tarantino” Informações Início: 17/05/21 Carga Horária: 8 horas-aula (4 encontros) Quando: segundas-feiras Horário: 19h às 21h Programa: 1 vez/semana 2 horas/dia Para mais informações, acesse: https://www.roteiraria.com.br/curso/o-roteiro-no-cinema-de-tarantino/ #roteiro #roteirista #Tarantino #roteiraria
- O roteiro na era binge-watching com Paula Knudsen
A roteirista e co-criadora de "Julie e os Fantasmas" divide suas impressões sobre escrever roteiros de série para plataformas de streaming Com a entrada dos streamings no mercado, o ritual semanal de acompanhar sua série preferida é uma ação cada vez mais rara. No lugar disso, vemos plataformas lançando temporadas inteiras no mesmo dia, fomentando a já crescente prática de binge-watching. Afinal, você sabe o que é binge-watching? Também conhecido como marathon-viewing, binge-watching é simplesmente a prática de “maratonar” uma mesma série por horas. Essa ação, por si só, pode mudar completamente a nossa forma de absorver o conteúdo. Há uma diferença enorme entre assistir a uma trama semanalmente e “maratonar” diversos episódios de uma vez só. Além de influenciar a experiência do espectador, essa realidade deve ser considerada pelo roteirista na hora de escrever sua série. Para entender melhor como a prática de binge-watching influencia a escrita de um roteiro, conversamos com a roteirista Paula Knudsen, que tem experiência nos dois modelos de criação - grade televisiva e plataformas de streaming. Através de experiências e conhecimentos adquiridos durante sua carreira, Knudsen fala sobre estrutura, piloto, roteiro para novas plataformas e muito mais! Quem é Paula Knudsen? Entre suas experiências no audiovisual, Paula Knudsen já escreveu para Netflix séries como “Samantha!” (Temporada 2) e “Spectros”. Além disso, criou, para a Amazon Prime Video, a série “Sentença”, drama de seis episódios com lançamento previsto ainda para 2021. Knudsen também é criadora do sucesso “Julie e os Fantasmas” (Nickelodeon e Band), série indicada duas vezes ao Emmy Internacional. Em relação a formação, Paula Knudsen tem bacharelado em Jornalismo pela Universidade de São Paulo e um Master of Fine Arts in Screenwriting for Film and Television da University of Southern California através da bolsa de estudos Fullbright. Escrevendo para streaming x grade de TV “Quando a gente sai da ideia de grade, outras coisas se tornam possíveis. A gente pensa no tamanho ideal da nossa história, qual o tamanho ideal de temporada”, começa Knudsen, reforçando que embora as regras mudem com o streaming, há muito conteúdo televisivo que ainda segue uma lógica clássica de grade de TV. Vale lembrar que mesmo algumas plataformas de streaming apostam em lançamentos semanais para alguns dos seus conteúdos. “Antes a base era TV a cabo - com 13 episódios - e TV aberta - 26 episódios. O que acontece é que pra fazer 26 episódios você vai precisar de algum tipo de procedural. E ainda existe esse modelo, se você olhar”. - Paula Knudsen Para a autora, esse modelo de temporadas longas às vezes pode levar a alguma “barriga” no meio da temporada. Com a nova forma de lançamento dos streamings, Knudsen afirma que é possível “avaliar o tamanho certo da temporada”, no lugar de depender do procedural para preencher a grade estabelecida. Knudsen aponta as séries britânicas como inspiração: “nas séries britânicas há um ritmo que se mantém, são séries normalmente com oito ou seis episódios”, explica a roteirista. Agora, temporadas com menos episódios se tornaram uma realidade e os players estão cada vez mais abertos a essa perspectiva. Afinal, como Knudsen explica, “os players hoje querem um conteúdo que seja assistido muitas vezes”. “Quando a gente falava em TV, precisávamos encher um número de semanas do ano. Hoje em dia os players não estão tão preocupados com isso tanto quanto ter um produto que todo mundo vá assistir”. - Paula Knudsen Em tempos de streaming, quanto mais sucesso uma série faz, maior o número de assinaturas. No lugar de cobrir uma agenda de programação para um período inteiro do ano, o roteirista, hoje, é desafiado a pensar no melhor tamanho para o seu projeto, entendendo os artíficios que podem levar ao binge-watching. Escrevendo um piloto na era binge-watching Se antes o roteirista precisava apresentar todas as personagens e todo o set up que vai levar ao desenrolar da trama logo de cara, hoje a lógica é um pouco diferente dependendo da plataforma. Segundo Knudsen, “muitos pilotos ainda fazem isso, mas hoje algumas reviravoltas você pode deixar no cliffhanger e retomar só em um segundo episódio”. Aqui, o efeito page turner se transforma no “clicar no próximo episódio” e seguir acompanhando a série. Para contextualizar esse novo modelo, Knudsen cita o exemplo da série “True Detective” (HBO), que atende a uma estrutura mais próxima a de um “longa-metragem”. “Isso nem é só pelo binge-watching, mas vem das pessoas assistirem a séries de uma forma diferente”, Knudsen completa. O que estimula essa mudança na forma de pensarmos o piloto? Knudsen afirma que há uma grande oportunidade de apresentarmos nossas informações “a conta-gotas”, mantendo o mistério e o engajamento que leva idealmente a pessoa a clicar no próximo episódio. “Tem aquela questão anterior ao binge-watching, que é a ideia do video on demand. Antes você precisava dar muita informação para ver se a pessoa voltava a assistir a série, quando passava sempre no mesmo horário, uma vez por semana. Então às vezes o piloto ficava carregado de trama. O que você quer vender hoje em dia são as personagens. Você quer que o público volte porque se apaixonou pelas personagens”. - Paula Knudsen Diante disso tudo, é preciso também considerar importantes contrastes entre o mercado audiovisual brasileiro e o hollywoodiano. “O mercado americano vende pilotos. O primeiro episódio apresenta a clareza dessa história e o quão interessantes são as personagens”, comenta Knudsen. O papel do piloto na hora de vender o projeto Para a autora, quando o roteirista tem apenas a bíblia do seu projeto, dificilmente ele vai conseguir transmitir a voz de suas personagens. Como sabemos, são as personagens que estão no centro de interesse dos players. “Você até pode ter as personagens na cabeça, mas é na hora que você começa a colocar no papel que elas vão te fazer perguntas”, resume a roteirista. Paula Knudsen reforça o papel da construção do piloto para a criação de complexidade do universo e das personagens: “a partir do piloto eu começo a anotar coisas para a temporada”. “Aqui no Brasil se vende muita bíblia para canal. Uma das coisas que fez a nossa série [“Sentença”] ser comprada pela Amazon sem uma produtora grande envolvida foi que eles gostaram muito do piloto. O que a produtora executiva levou para eles era uma bíblia e o piloto escrito em uma versão já avançada”. - Paula Knudsen Knudsen dá um importante recado para os roteiristas: “se você estiver escrevendo só a bíblia, você não está treinando roteiro”. De fato, principalmente para montar salas de roteiro, produtoras pedem cada vez mais um exemplo do seu trabalho. Esse exemplo, afinal, é um roteiro escrito. Se você tiver um exemplo de roteiro que denota sua voz e sua perícia como profissional, você certamente estará na frente. Perspectivas do mercado brasileiro “O que eu sinto falta do mercado brasileiro é o roteirista pensar assim: eu estou trabalhando nessa sala aqui, mas eu vou guardar um tempo para ir trabalhando nisso daqui que é meu”, reflete Knudsen. Parece simples, mas muitas vezes essa lógica é esquecida: para treinar escrita de roteiro é preciso… Escrever roteiro! Segundo Knudsen, um começo é ter um grupo de roteiristas que estejam mais ou menos no seu nível. Além de trocar páginas com pessoas próximas da sua realidade profissional, um grupo de roteiro também ajuda na hora de estabelecer metas e fôlego para seguir escrevendo. “Se você escrever 5 páginas por semana e seu objetivo é ter um piloto de comédia, em praticamente 5 semanas e meia você chega em uma primeira versão do roteiro. Quer dizer que se você pegar um pouco mais de 3 meses, você faz 3 versões”. - Paula Knudsen Para a autora, há também um grande apego por parte dos roteirista ao fato deles “terem uma boa ideia”. A essa questão, Knudsen acrescenta perguntas essenciais: “mas como essa ideia acontece? Qual é a voz da sua personagem? Na hora que você vai escrever é outra conversa”. O que fazer para entender melhor essas novas possibilidades estruturais? “Vale analisar e decupar episódios de séries que você ache que tem um clima bom. Ver as possibilidades que estão explorando e assistir às séries com isso em mente”, responde Knudsen. Escrever roteiros e estudar as séries que você gosta são duas ações que devem seguir lado a lado. Com o binge-watching e novas formas de consumir audiovisual, novas oportunidades narrativas nascem. Como roteirista, você tem a liberdade de fugir um pouco do procedural e experimentar estruturas diferentes, com temporadas mais curtas que concentrem melhor o potencial de produção. Ou seja, há novas possibilidades no horizonte criativo. Possibilidades que dependem de você! Tem um projeto na gaveta “esperando a hora certa de começar”? Lembre da dica: com 5 páginas por semana você tem um piloto em um pouco mais de um mês. #roteiro #roteirista #audiovisual #bingewatching #série #streaming #entrevista
- Escrevendo comédia com Vitor Brandt e Denis Nielsen
A dupla, responsável pelo filme “Cabras da Peste”, divide curiosidades dos bastidores, processo de desenvolvimento e dicas para dirigir cabras Vivemos momentos incertos no Brasil e no mundo - da crise sanitária aos intensos conflitos políticos. Em tempos de pandemia, dar uma boa risada nunca foi tão necessário quanto agora. Dito isso, com toda a certeza a comédia “Cabras da Peste”, lançada pela Netflix, veio em boa hora. Na trama, o irreverente e mestre em artes marciais Bruceuílis (Edmilson Filho) é um policial do interior do Ceará que precisa a todo o custo resgatar Celestina, a cabra que é também patrimônio da cidade. Para isso, Bruceuílis viaja até São Paulo, onde encontra Trindade (Matheus Nachtergaele), um escrivão da polícia com pouca aptidão para se aventurar em campo, preferindo manter-se em afazeres burocráticos. É justamente essa dupla improvável que viverá diversas confusões na cidade de São Paulo, em uma trama cheia de lutas, perseguições, traficantes perigosos, rapaduras e, é claro, com muitas risadas. Não apenas adoramos o filme, como ficamos curiosos para entender um pouco mais sobre o processo criativo por trás do roteiro. Por isso, conversamos com os roteiristas Denis Nielsen e o também diretor Vitor Brandt, as mentes criativas responsáveis por “Cabras da Peste”. Nielsen e Brandt refizeram os passos do projeto, contaram diversas curiosidades sobre o seu desenvolvimento e dividiram dicas essenciais para os roteiristas brasileiros. Atenção, a matéria contém alguns spoilers! Se você ainda não assistiu ao filme, colocaremos avisos durante o texto. Quem são Vitor Brandt e Denis Nielsen? Da esquerda para a direita, Vitor Brandt e Denis Nielsen. - Imagem:arquivo pessoal Denis Nielsen é um roteirista brasileiro formado em Audiovisual pela ECA-USP e com mestrado MFA em roteiro pela Loyola Marymount University (LMU), em Los Angeles, através da bolsa CAPES/Fulbright. Entre seus trabalhos, estão o roteiros de séries e longas-metragens, como "Cabras da Peste" (Netflix, 2021), o biopic de "Raul Seixas: Metamorfose Ambulante" (em pré-produção pela O2), "O Doutrinador" (Space/Paris Filmes 2018), a 2a temporada da série "Sintonia" (Netflix, em produção) e as 4 temporadas de "3%" (Netflix, 2015-2020). Denis ainda integrou as salas de roteiro das animações "Historietas Assombradas (para Crianças Malcriadas)" e "Oswaldo", ambos para a Cartoon Network, além de ter dirigido dois documentários musicais: "Sailing Band" (Paris Filmes, 2018) e "Sinfonia Caipira" (2019, disponível na Amazon Prime), premiado em festivais nos EUA. Vitor Brandt é formado em Audiovisual pela ECA-USP. Como roteirista, trabalhou em diversas séries, como "As Five" (2020) e "Contos do Edgar" (2013), nas animações Historietas Assombradas (para Crianças Malcriadas) e Oswaldo, além de ser um dos colaboradores na novela Malhação - Viva a Diferença (2017/2018), ganhadora do Emmy International Kids em 2019. É diretor e roteirista dos longa-metragens de comédia "Copa de Elite" (2014) e Cabras da Peste (2021). Fazer comédia em 2021 “É o pior momento para se estar vivo, mas acabou sendo o melhor momento para lançar esse filme”, brinca Denis Nielsen, se referindo ao momento de pandemia. Para Vitor Brandt, o humor leve de “Cabras da Peste” foi muito bem recebido pelo público. “A nossa intenção nunca foi essa, de fazer um filme que fosse um ‘aconchego’ para as pessoas, mas acabou sendo”, comenta. Com muitos regionalismos e referências a outros buddy cops dos anos 80, incluindo a própria versão abrasileirada de “The Heat is On”, diretamente da trilha sonora de “Um Tira da Pesada” (1984), “Cabras da Peste” oferece boas risadas para toda a família. Brandt acredita que essa foi uma grande bola dentro do projeto. “Nos últimos anos a comédia, com razão, foi vista como uma ferramenta para denunciar certos discursos. A comédia serve muito bem a isso e que bom que tem gente fazendo boa comédia assim. A gente não foge disso também, o filme tem algumas críticas. Mas chegamos em um momento em que tá todo mundo uma pilha de nervos apenas buscando uma coisa pra relaxar, pra rir”. - Vitor Brandt De fato, “Cabras da Peste” não deixa passar algumas críticas e alusões políticas, principalmente personificadas por Zeca Brito (interpretado pelo músico Falcão), um político de grande apelo popular, mas com terríveis segredos que esconde do povo. Inspirações e referências Segundo Nielsen, “as ideias meio que nascem junto das referências”. Para entendermos melhor as inspirações por trás do projeto, a dupla relembra seus filmes favoritos que marcaram época, principalmente aqueles exibidos pela Sessão da Tarde entre as décadas de 1980 e 1990 - grande destaque para “Os Aventureiros do Bairro Proibido” (1986). “Não era nem uma questão de ‘resgatar os filmes dos anos 80 e 90’. Não, a gente tá fazendo um lance que ao mesmo tempo a gente cresceu vendo e é o que fez a gente querer fazer filme”. - Denis Nielsen Com isso, duas questões ficam claras durante o filme: o universo referencial dos autores e o amor que eles nutrem por essas obras. Para Brandt, trabalhar com comédia para o cinema envolve fazer algo que agrade a uma boa parcela do público, tendo em mente o grande desafio de “fazer rir”. “Então a gente pensou: ‘já que nós vamos fazer uma comédia para o grande público, precisamos ir atrás das referências de filmes que a gente gosta. Essa coisa de fazer um filme policial surgiu logo de cara”, responde Brandt. Como surgiu o projeto? Segundo os roteiristas, tudo começou quando eles decidiram que fariam alguns projetos em parceria. Brandt comenta: “a gente sentou para ler umas ideias que tínhamos e essa ideia em particular surgiu meio que na sala mesmo”. Mayra Lucas, produtora da Glaz Entretenimento e um dos pontos em comum na carreira dos dois, foi a primeira a ouvir a bateria de pitchings. “A gente chegou com essa lista de projetos e fomos lendo. Ela foi gostando de todos meio que ‘mais ou menos’, nenhum brilhou os olhos até então. Mas a gente tinha essa ideia que estava pouco desenvolvida”, comenta Brandt. Nielsen completa: “era só uma premissa ainda”. A premissa era basicamente essa: um buddy cop protagonizado por um cearense e um paulista. Foi justamente essa combinação de fatores que atraiu a atenção de Mayra. “Aí ferrou - várias outras ideias meio encaminhadas, mas essa foi a ideia que deu certo”, brinca Nielsen. Nielsen revela que o título surgiu junto com a premissa (e com o primeiro tratamento do roteiro, em 2014), mas alguns dos principais elementos que compõem o filme vieram depois. O próprio sequestro da cabra, por exemplo, não foi algo que surgiu nos primeiros tratamentos, mas certamente é um elemento que dá graça e identidade à obra. “A premissa sempre foi a mesma, mas era um filme completamente diferente”, responde Brandt. A dupla revela que nos primeiros tratamentos a história era um pouco mais séria, ainda mais em relação à questão do tráfico de drogas. Com o tempo, porém, novos elementos surgiram para equilibrar os pontos dramáticos e dar mais leveza à narrativa, sem perder a tensão. No meio de tudo isso, um grande desafio também foi dirigir a cabra, uma das mais carismáticas personagens da trama. Segundo Brandt, é simplesmente impossível dirigir uma cabra. Assim, algumas adaptações foram feitas considerando isso e cenas engraçadas surgiram durante as gravações. A seguir, um spoiler do clímax da história: Sobre isso, Nielsen comenta: “em versões anteriores, na cena da bomba, a cabra roía a corda, eles saíam correndo e então tudo explodia”. Quem assistiu ao filme certamente nota uma grande mudança nessa cena de extrema tensão, onde Bruceuílles e Trindade se encontram na situação mais perigosa da história. Para Brandt, a cena, da forma como foi pensada, ficaria mais cara e complexa. Aí, uma escolha precisou ocorrer: “a gente acaba colocando na balança e reflete sobre onde realmente vale a pena investir o dinheiro”, diz. A solução pensada pode ser vista na versão final do filme: a cabra continua salvando a dupla, mas agora conta com um elemento de tensão ainda mais forte. Afinal, é preciso torcer para que ela arranque com os dentes o fio certo para desativar a bomba. Brandt brinca que embora tenha adorado a cena no papel, se ‘arrependeu completamente na hora de gravar”, justamente pelo seu ponto anterior: é impossível dirigir uma cabra. A cena levou duas diárias para ser gravada e segundo o diretor, na primeira diária deu tudo errado. “No dia seguinte aconteceu alguma coisa mágica que fez a cabra roer o fio e tudo deu certo, mas o que vocês viram lá foi 15 segundos de um plano de meia hora”, completa. Fim da zona de spoilers. Leituras, adaptações e punch-up Para Nielsen, não há mistério sobre o processo de criação: “a gente precisa rir, esse é o ponto principal”. É claro que é mais complexo do que isso, mas o lembrete é muito válido. Uma estrutura bem trabalhada não pode camuflar o principal objetivo de uma comédia: fazer rir. E fazer rir começa na sala de roteiro. Em relação ao processo de desenvolvimento, Nielsen afirma que pode ser um tanto caótico, mas conta com ferramentas importantes para construir um roteiro de comédia. As diferenças no perfil de criação de cada um foi uma peça chave para fazer o processo funcionar. “O Denis é um cara que gosta das coisas mais estruturadas”, revela Vitor, que continua: “eu gosto mais da bagunça, das coisas não terem muito sentido às vezes”. Graças a essa soma de aptidões, o filme encontra um belo balanço entre uma estrutura narrativa que apresenta muito bem a trama e momentos que fogem da realidade, mas dão muita graça aos eventos. “O bom de trabalhar junto é que cada um leva a trama para um lugar em que o outro não levaria sozinho” - Denis Nielsen Nos primeiros tratamentos, Vitor Brandt revela que fez parte do processo reler o roteiro e marcar todas as piadas que eles julgavam boas. “Quando você escreve uma comédia, acaba que você coloca umas piadas que nem gosta tanto, mas que você sabe que é uma piada”, explica. Sessões de punch-up também fizeram parte do processo. Para “Cabras da Peste”, os autores trouxeram os roteiristas Nigel Goodman, Hell Ravani e Leo Ferreira para a sua mesa. Para quem não conhece o termo, punch-up, na comédia, é basicamente uma leitura do roteiro com alguns convidados, normalmente humoristas e/ou roteiristas que trabalham o gênero. Durante a leitura, a ideia é fazer uma espécie de brainstorm de piadas, justamente para deixar as páginas ainda mais engraçadas. Ambos reforçam a importância do punch-up para quem escreve comédia, mas Vitor traz uma ressalva: “deixe claro que é para focar nas piadas, esse não é o momento de sugerir mudanças de estrutura do roteiro, por exemplo”. Do roteiro à direção Além do roteiro, Brandt também dirigiu o filme, assumindo uma segunda função que por vezes o levou a repensar algumas escolhas do roteiro: não pela qualidade das cenas, mas pela complexidade em filmá-las. “A gente tinha uma perseguição na Marginal com caminhão tombando”, Nielsen comenta, mostrando que algumas versões eram definitivamente complexas de se produzir. Sobre isso, o diretor responde: “Quando eu fiz o ‘Copa de Elite’ eu já tinha passado por essa experiência também de escrever um roteiro e depois ter de filmar o que eu escrevi. A gente imagina o filme dos nossos sonhos, mas quando é hora de fazer de fato, a gente se dá conta de que não dá pra fazer tudo”, resume. Muitas das cenas imaginadas no roteiro precisaram de adaptações para melhor utilizar o orçamento: de sequências de perseguição, a grandes multidões, explosões e até a dupla de policiais amarrados perigosamente sobre um moedor de carnes. Isso só reforça o papel criativo dos autores diante do desafio da materialização da sua obra. Quando é preciso adaptar, como passar por esse processo sem perder a qualidade dramática das cenas? “A partir daí nosso trabalho foi deixar as coisas mais simples, mas sem perder tudo o que criamos”, Brand ressalta, comentando um pouco também sobre o desafio de simplificar uma história que ganha muita força justamente pelas cenas de ação. Além disso, simplificar a trama em si também foi importante, no lugar de investir em complexas reviravoltas, que muitas vezes mais confundem do que engajam a audiência. Conselhos para roteiristas brasileiros Sobre o mercado brasileiro, Brandt comenta sobre a alta demanda por gêneros e formatos específicos: "A gente vê muitas notícias dizendo que ‘o canal tal tá atrás de série do tipo x’. Aí todo mundo começa a fazer os projetos do tipo x”. Nielsen completa o raciocínio: “mas nenhum desses roteiristas necessariamente amam aquele gênero”. Assim, muitas pessoas tentam seguir “as ondas do mercado”, o que em diversas situações as levam a um caminho incompatível com suas aptidões e gostos. Segundo Brandt, “a pessoa acaba tendo projetos só porque o mercado pede”. A dupla afirma que esse não foi o caso com “Cabras da Peste”. “Foi uma premissa que a produtora gostou, que os atores gostaram e a gente queria realmente fazer”, revela, reforçando também o papel dos elementos regionais para o seu humor. “As pessoas vão reconhecer coisas universais ali, mesmo que as piadas sejam muitas vezes bem regionais. A comédia brilha quando você a desenvolve na sua língua. Jeito de falar, palavra, uma simples troca de sílaba...Quando ela é específica.” - Denis Nielsen Para concluir seu raciocínio, Nielsen nos lembra que “esse filme não é engraçado por ser uma buddy comedy, mas por ser uma buddy comedy com um policial cearense e um policial paulista”. Além do conselho de “seguir o seu coração” na hora de desenvolver projetos pessoais, Brandt também traz outro importante ponto: o medo do brasileiro em escrever algo que “parece novela”, sendo que não há absolutamente nada de errado com isso. Pelo contrário: existe um grande valor cultural e narrativo no formato. Esse medo castra a criatividade do autor, que poderia muito bem se inspirar nas potências do melodrama para as suas obras. “As pessoas têm muito medo quando as coisas ‘parecem novela’. Algumas pessoas tratam isso como ofensa. E ao se afastar disso, você acaba às vezes criando histórias que não tem drama, pelo medo de criar um negócio que parece novela. Você perde muitas oportunidades assim”. - Vitor Brandt O roteirista traz o exemplo do piloto da série "Breaking Bad" para exemplificar essa ausência de medo de cair no “melodrama”. Walter White nos é apresentado no fundo do poço: com câncer, com problemas financeiros, com a esposa grávida, etc. “Se isso fosse escrito em uma sala de roteiro aqui em São Paulo, talvez alguma pessoa falasse que está exagerado, que parece novela”, Brandt contextualiza. Por fim, certamente “Cabras da Peste” reflete muito do amor que a dupla de criadores nutre por certos filmes e gêneros. Filmes estes que exerceram um papel fundamental na formação dos artistas. Uma comédia que faz rir, sem deixar de lado a noção de perigo e tensão. Um buddy cop muito do brasileiro, que se beneficiaria demais de uma continuação. Então fica a dica, Netflix! #CabrasdaPeste #Netflix #roteiro #audiovisual #comédia #humor
- Leia 12 roteiros internacionais de destaque de 2020 e 2021
Filmes indicados ao Oscar, séries vencedoras de Globos de Ouro e mais: leia roteiros que andam inspirando novas narrativas Você tem o hábito de ler roteiros? Sabe qual a importância? Para além da curiosidade de saber "como que o roteirista fez" para criar uma sequência interessante, temos a oportunidade de ver na prática como se estrutura certas questões dramáticas quando lemos o roteiro na íntegra. Isso ajuda muito a entender como revelar traços de personagens, construir tensão, como utilizar grafismos para dar ritmo e várias outras práticas de roteiro. Além disso, a leitura é fundamental para treinar a escrita de diálogos, já que fornece muitas ideias de vocabulário, voz, ritmo e camadas de significado. Pensando nisso, resolvemos repetir nossa matéria de sucesso de 2019 e trazer roteiros internacionais de destaque na íntegra - dessa vez, de filmes (e uma minssérie) lançados em 2020 e 2021 que fizeram bonito nas premiações, inovaram na linguagem ou receberam algum reconhecimento do público. Infelizmente, não são muitos os roteiros de lançamentos brasileiros disponíveis por enquanto. Por isso, os roteiros que selecionamos são em inglês. Confira os 12 roteiros incríveis abaixo e boa leitura! 1. O Gambito da Rainha (The Queen's Gambit, 2020) Série criada e escrita por Scott Frank e Allan Scott. Baseada na obra de Walter Tevis. Sinopse: Órfã na tenra idade de nove anos, a introvertida e prodigiosa Beth Harmon descobre e domina o jogo de xadrez nos Estados Unidos da década de 1960. Mas o estrelato infantil tem um preço. CLIQUE AQUI PARA LER O PILOTO 2. O Som do Silêncio (Sound Of Metal, 2020) Roteiro por Darius Marder & Abraham Marder. Sinopse: A vida e estabilidade emocional de um baterista de heavy metal entram em declínio quando ele de repente começa a perder a audição. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 3. Nomadland (2020) Roteiro por Chloé Zhao. Baseado na obra de Jessica Bruder. Sinopse: Depois de perder tudo na Grande Recessão, uma mulher embarca em uma jornada pelo oeste americano, vivendo como uma nômade moderna em sua van. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 4. Borat 2: Fita de Cinema Seguinte (Borat: Subsequent Moviefilm, 2020) Roteiro por Sacha Baron Cohen, Anthony Hines, Dan Swimer, Peter Baynham, Erica Rivinoja, Dan Mazer, Jena Friedman e Lee Kern. Sinopse: Borat retorna do Cazaquistão para a América e desta vez revela mais sobre os podres da cultura americana, da pandemia do COVID-19 e das eleições políticas. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 5. Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah, 2021) Roteiro por Will Berson, Shaka King, Kenneth Lucas e Keith Lucas. Sinopse: Bill O'Neal se infiltra no Partido dos Panteras Negras pelo agente do FBI Mitchell e J. Edgar Hoover. Enquanto o presidente do partido, Fred Hampton, sobe na carreira, apaixonando-se por uma colega revolucionária no caminho, uma surge uma batalha pela alma de O'Neal. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 6. Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7, 2020) Roteiro por Aaron Sorkin. Sinopse: A história de 7 pessoas em julgamento decorrente de várias acusações em torno do levante na Convenção Nacional Democrata de 1968 em Chicago, Illinois. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 7. Soul (2020) Roteiro por Pete Docter, Mike Jones e Kemp Powers. Sinopse: Depois de conseguir o show de sua vida, um pianista de jazz de Nova York de repente se vê preso em uma terra estranha entre a Terra e a vida após a morte, tentando retornar a tempo de uma apresentação importante. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 8. Kajillionaire (2020) Roteiro por Miranda July. Sinopse: A vida de uma jovem mulher vira de cabeça para baixo quando seus pais criminosos convidam um estranho para se juntar a eles em um grande assalto que estão planejando. Sua conexão improvável com outra jovem começa a desafiar a realidade estranha e estóica de sua família. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 9. O Tigre Branco (The White Tiger, 2021) Roteiro por Ramin Bahrani. Baseado na obra de Aravind Adiga. Sinopse: Um ambicioso motorista indiano usa sua inteligência e astúcia para escapar da pobreza e chegar ao topo. Mas ele encontra diversa situações de injustiça que ameaçam sua jornada. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 10. Estou Pensando em Acabar com Tudo (I'm Thinking Of Ending Things, 2020) Roteiro por Charlie Kaufman. Baseado na obra de Iain Reid. Sinopse: Cheia de receios, uma jovem viaja com seu novo namorado para a fazenda isolada de seus pais. Ao chegar, ela passa a questionar tudo que achava que sabia sobre ele, e sobre ela mesma. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 11. Destacamento Blood (Da 5 Bloods, 2020) Roteiro por Danny Bilson, Paul De Meo, Kevin Willmott e Spike Lee. Sinopse: Quatro veteranos afro-americanos lutam contra as forças do homem e da natureza quando retornam ao Vietnã em busca dos restos mortais de seu líder de esquadrão caído e da fortuna de ouro que ele os ajudou a esconder. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 12. Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020) Roteiro por Emerald Fennell. Sinopse: Uma jovem, traumatizada por um trágico acontecimento de seu passado, busca vingança contra aqueles que cruzaram seu caminho. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO Se você tiver acesso a roteiros brasileiros, compartilhe conosco pelo Facebook e conte para nós qual outro roteiro você gostaria de ler! #roteiro #roteiros #filmes #Oscar #GloboDeOuro
- 10 dicas de escrita que podemos aprender com Jerry Seinfeld
Conheça práticas e reflexões sobre narrativa e carreira que um dos comediantes mais bem-sucedidos do mundo tem a oferecer para roteiristas Você já deve saber que arrancar risadas ou mesmo lágrimas do público atual pode ser bem complicado. Mas saiba que isso é real para todo mundo - inclusive para Jerry Seinfeld, um dos comediantes mais bem-sucedidos da atualidade. Mas, ao invés de desistir daquele roteiro de anos ou daquela ideia simples que surgiu ontem, é preciso encarar a arte de escrever de um modo diferente. De acordo com Seinfeld, é necessário encontrar a sua voz autoral através de certos pilares, como prática, constância, observação e troca social. E como fazer tudo isso na prática? Existem reflexões que ajudam na hora de escrever e pensar narrativas? Para ajudar nessa questão, traduzimos e adaptamos dois textos que trazem dicas de Seinfeld que podem ser utilizadas por todos os tipos de roteirista: "7 Things We Can Learn From Jerry Seinfeld About Writing", de Justin Cox, e "Writing Onions Like You’re Jerry Seinfeld", de David Majister. Confira as dicas abaixo e já comece a trabalhar em seu próximo projeto! 1. Esteja sempre escrevendo Comediantes estão sempre escrevendo. Suas ideias estão em perpétuo progresso, pensamentos girando em suas cabeças, anotando palavras em cadernos. Em várias entrevistas, ou Seinfeld ou seu convidado fazem uma piada e o outro diz: "Isso é bom. Escreva isso!” Como roteiristas, devemos seguir este exemplo. Capture ideias e pensamentos à medida que ocorrem. Carregue um caderno ou use um aplicativo em seu telefone para anotar ideias à medida que surgem. Escreva enquanto espera na fila do supermercado ou corta o cabelo. Escreva enquanto espera o filme começar. Ter vários rascunhos em andamento é uma coisa boa. Isso permite que as ideias marinem enquanto aperfeiçoamos os detalhes antes da escrita do roteiro em si, dentro de uma estrutura. Seinfeld uma vez trabalhou em uma única piada por dois anos antes de contá-la para o público. Durante esses dois anos, ele escreveu e editou muitas piadas e bits adicionais, porque comediantes e escritores não podem passar dois anos trabalhando em uma única peça e nada mais. Roteiristas também: precisamos de vários projetos em andamento e devemos estar sempre escrevendo. Quanto mais variedade de ideias conseguimos concretizar e apresentar ao mercado, mais o trabalho será valorizado pela versatilidade e criatividade. 2. Mantenha os olhos abertos Ao longo de "Comedians in Cars Getting Coffee", Jerry Seinfeld transforma observações sobre o mundo ao seu redor em novo material. Como um espião bem treinado, Seinfeld ouve o comentário estranho de uma garçonete ou algo acontecendo em outra mesa. Ele usa essas observações como material infinito para desenvolver novas piadas. “Engraçado é o mundo em que vivo. Se você é engraçado, estou interessado. Se você não é engraçado, estou interessado." - Jerry Seinfeld Como roteiristas, precisamos treinar nosso cérebro para ser receptivo aos detalhes da vida. Quando observamos o mundo, a inspiração vem de todos os lugares. Uma conversa ouvida pode se transformar em uma linha de diálogo. Os maneirismos de um estranho podem desenvolver as características de um personagem. Um programa da Netflix pode inspirar novos rumos de um projeto. Quando abrimos os olhos para o mundo, possibilidades infinitas se apresentam, além de novas maneiras de construir personagens. 3. Teste ideias Milhões de pessoas explodem em gargalhadas assistindo a Chris Rock no Letterman. Mas apenas um punhado sabe o quanto Rock se esforça para tornar seu material hilário. Antes de qualquer turnê ou grande show, Rock testa centenas - às vezes milhares - de piadas. Ele aparece em pequenos espaços de comédia, sobe ao palco e exibe seu novo material. Rock faz até 50 apresentações como essa antes de uma turnê e a maioria das piadas que ele testa fracassam. Apenas algumas de suas piadas conseguem passar. Comediantes como Chris Rock e Jerry Seinfeld, que escrevem e se apresentam há décadas, não sabem dizer se suas novas piadas são engraçadas até que as testem. Nem mesmo os comediantes sabem o que fará seu público rir até que façam um experimento. Seinfeld chama esse processo de experimentação de "gastar muito tempo propositalmente" trabalhando com material que não se conecta. Ao perder tempo com piadas que não funcionam, ele eventualmente cai no 'ouro' que faz os outros rirem. Com roteiro é a mesma coisa! O escritor Peter Sims chama esses testes de “pequenas apostas”. Tudo que você cria é uma aposta. Portanto, é melhor começar com pequenas apostas: uma sinopse, uma temática, uma personagem. Faça uma tonelada de pequenas apostas, nas quais o seu investimento de tempo seja relativamente pequeno. Quando algo prova ser um sucesso entre seus colegas, núcleo criativo ou mesmo pitchings menores, você pode desenvolver o projeto ainda mais, adicionando mais camadas. Vivemos em uma época em que testar seu trabalho é mais fácil do que nunca como roteirista, já que a internet, núcleos e festivais de roteiro podem fornecer feedback imediato sobre sua narrativa. 4. Adicione "tecido conjuntivo" e amplifique seu tema Sempre que Seinfeld refina seu material, ele se concentra muito nas ligações entre as piadas, que chama de "tecido conjuntivo". No roteiro, esse tecido que une as ideias pode ser constituído de alguns componentes, como tema, rede de conflitos de interesse, relações entre as personagens e o universo, etc. O tema adiciona profundidade à escrita. Você até pode escrever uma história sólida com um enredo envolvente, mas com um tema minimamente desenvolvido. Porém, desenvolver um tema em seu trabalho é uma das coisas que leva um roteiro de bom a ótimo, atraindo o leitor para outro nível do qual ele pode não estar consciente. Como você pode amplificar seu tema? Comece lendo nossa matéria sobre isso. Logo depois, é preciso saber identificar temas nas suas ideias. Tente procurar por: analogias e metáforas; idéias repetidas; a mensagem que você está tentando transmitir. Depois de encontrar um tema, já apontando um conflito ou sua ideia narrativa governante, amplifique-o com personagens, situações e por aí em diante. 5. Reestruture seu roteiro para criar tensão A tensão é construída em grande parte por meio de lacunas de informação - coisas que você sabe como roteirista, mas que evita contar ao leitor ou espectador. Aí, o leitor continua lendo para preencher as lacunas de informação que você cria. Refinar seu trabalho permite que você estruture lacunas de informações para o máximo engajamento. Tudo bem deixar algumas intenções e informações mais claras no primeiro tratamento. Mas, assim que possível, experimente revelar detalhes mais tarde ou alongar certas sequências para gerar aquela expectativa no público. Isso vale para qualquer gênero! 6. Não tenha medo do real Alguns dos melhores materiais desenvolvidos por comediantes são autodepreciativos. Sarah Silverman transformou sua batalha contra o câncer em um especial de stand up. Chris Rock usa o fim de seu casamento para criar piadas. Jerry Seinfeld usa suas vivências nova-iorquinas 'irritantes' como material. Assim como os comediantes, roteiristas não devem ter medo de cair na real com seu público. Enquanto o objetivo de um comediante é fazer as pessoas rirem, roteiristas se esforçam para obter uma variedade de resultados: riso, conhecimento, percepção, emoção, etc. Seja qual for o objetivo, devemos nos injetar em nossa escrita. Uma escrita autêntica e pessoal captura a atenção do leitor e fornece profundidade para histórias e personagens. No roteiro, temos a possibilidade incrível de explorar nossas experiências pessoais por meio de palavras e personagens que soam reais. Se algo difícil acontecer, escreva sobre isso. Trabalhe as emoções. Algo maravilhoso? Use essa experiência para inspirar outras pessoas - seja uma obra de ficção ou não. 7. Revisite suas histórias favoritas Esta é uma forma ótima de criar mais conteúdo enquanto você aprimora seu ofício. Seinfeld frequentemente revisita a mesma ideia ou situação de muitas maneiras diferentes, por meio de histórias e ângulos diferentes. Isso nos ajuda a entender a ideia de forma mais completa. Experimente revisitar ideias que funcionam bem ou que você acha tão atraentes a ponto de não conseguir tirá-las da cabeça. 8. Fique com raiva Comediantes não têm medo de ficar com raiva. Toda a premissa de Seinfeld se concentra nas pequenas coisas que o irritam. Quando Jerry Seinfeld e Larry David se sentam para comer panquecas, as pequenas coisas que incomodam cada um deles vêm à tona e proporcionam uma comédia incrível. “Toda boa comédia vem de um lugar de raiva. Descubra o que te deixa com raiva e trabalhe nisso a partir daí." - Jerry Seinfeld O que te incomoda? Quais detalhes do cotidiano te enlouquecem? Pegue tudo isso e transforme isso em uma sátira. Crie uma personagem que tenha aquele traço irritante, que deixa os espectadores com raiva. Entenda a sua irritação e use isso como motor de descoberta e criação narrativa (sempre com moderação e respeito ao próximo, claro). 9. Use seus amigos Ao longo dos 85 episódios de "Comedians in Cars Getting Coffee", existe um caminho comum entre os comediantes para o sucesso da comédia. Quando um comediante escreve um novo material, geralmente faz uma apresentação para um grupo seleto de amigos. Quando o roteiro parece polido o suficiente, aí sim se apresentam em um clube. “Os Quatro Níveis da Comédia: Faça seus amigos rirem; Faça estranhos rir; Seja pago para fazer estranhos rir; Faça as pessoas imitarem como você fala porque é muito divertido.” - Jerry Seinfeld Roteiristas devem seguir um caminho semelhante. Embora fosse bom que seu primeiro trabalho publicado se tornasse uma sensação da noite para o dia, essa não é a realidade para a grande maioria das pessoas. Devemos escrever e escrever e não ter medo de compartilhar nosso trabalho com as pessoas que se preocupam conosco e ajudam nossas ideias a se concretizarem. Mas devemos evitar a armadilha de dar rascunhos a amigos que apenas fornecerão afirmações e elogios. É importante também compartilhar nosso trabalho com amigos que serão críticos e oferecerão feedback relevante. Além disso, bem como a dica número 2, experimente utilizar características de pessoas que você conhece em personagens. Não só na comédia, mas em qualquer construção narrativa, o poder de mimetizar o real e articulá-lo narrativamente é uma grande vantagem na profissão. 10. Nunca se acomode Jerry Seinfeld trabalha como comediante há décadas. No início, Seinfeld escrevia e trabalhava em clubes. Ele invadiu a televisão e obteve sucesso com "Seinfeld" antes de tentar filmes e documentários. Enquanto continuava a fazer stand up, Seinfeld tentou abordar um novo gênero e criou o "Comedians in Cars Getting Coffee". Sem nunca se acomodar, Seinfeld está sempre procurando a próxima oportunidade. “Uma vez que você começa a fazer apenas o que já provou que pode fazer, você está no caminho da morte.” - Jerry Seinfeld Queira ou não, roteiristas precisam de desafios. O crescimento vem da diversificação, não só da reciclagem do mesmo conteúdo que você escreveu na semana passada. Não importa o gênero que você preferir, busque oportunidades para se expandir e encontrar novos desafios. E o positivo é que você pode fazer isso agora mesmo. #JerrySeinfeld #dicas #roteiro #comédia
- Núcleos de roteiro: o poder da criação coletiva
Paulo Leierer, co-idealizador do núcleo Peripécia, explica a importância deste modelo de trabalho para o mercado e carreira do roteirista Aquela ideia do roteirista que trabalha sozinho sem precisar de ninguém é muito antiga e pouco se relaciona com a realidade do mercado. Por outro lado, aquela outra ideia de um grupo de roteiristas trabalhando uma década produzindo conteúdos para o mesmo player também não funciona em todas as realidades. A quarentena nos obrigou a ficar em casa, mas isso não significa que o trabalho do roteirista é tão solitário quanto alguns imaginam. Pelo contrário: vemos diversas novas produtoras de desenvolvimento e núcleos de roteiro surgindo nos últimos anos, justamente porque os profissionais se deram conta do valor da construção coletiva de um projeto. É nesse cenário de colaboração e crescimento conjunto que nasce o núcleo de roteiro Peripécia, idealizado pelos roteiristas Paulo Leierer e Marina Moretti. Batemos um super papo com Leierer para entender o valor dos núcleos de roteiro para a carreira de um roteirista (seja ele iniciante ou mesmo estabelecido), mas também para o processo criativo das produtoras e players. Confira! Quem é Paulo Leierer? Roteirista e professor, Paulo Leierer trabalha principalmente desenvolvendo projetos de comédia para grandes produtoras de São Paulo, incluindo O2 Filmes, Elo Company, Glaz Entretenimento, Coração da Selva, Claraluz, Sentimental, entre outras. Seus últimos trabalhos como roteiristas incluem a sitcom “Tudo Em Família”, ganhadora do PRODAV e prevista para estrear em 2021, o desenvolvimento de uma comédia para o grupo Turner e o curta-metragem "Um Filme de Baixo Orçamento", que estreou em Gramado e foi exibido nos cinco continentes. Além disso, Leierer teve conteúdos veiculados ou desenvolvidos em canais como Comedy Central, Netflix e CineBrasilTV. Paulo Leierer foi também finalista do concurso de roteiro Guiões, em Portugal; do prêmio ABRA de roteiro e do concurso de roteiros de pilotos do FRAPA. Como professor, Leierer dá aula na Academia Internacional de Cinema (AIC) e Roteiraria. O roteirista recentemente fundou, junto com Marina Moretti, o núcleo de roteiros chamado Peripécia, que atualmente forma sua carteira de projetos. Segundo Leierer, o Peripécia nasceu “para somar forças e desenvolver projetos coletivamente”. Para completar, Paulo Leierer também integra a nova Diretoria da ABRA - Associação Brasileira de Autores Roteiristas, que assume seu primeiro ano de mandato em 2021. Da ideia ao núcleo Emplacar um contrato de desenvolvimento não é uma tarefa fácil, ainda mais para quem está começando. Em um cenário competitivo, com recursos e janelas limitadas, onde o currículo do roteirista exerce um papel importante, como encontrar caminhos viáveis? Paulo Leierer divide sua opinião sobre o assunto: “Fui percebendo que alguns excelentes projetos de determinadas pessoas não tinham a visibilidade que eu achava que mereciam, justamente por não terem esse acesso às produtoras. Ou mesmo porque tinham questões dramatúrgicas ou mercadológicas facilmente ajustáveis, mas não tinha alguém para ajustar e melhorar isso. Por isso o projeto não ia tão para frente.” - Paulo Leierer “Nós formamos um grupo para fazer um projeto chamado ‘Fim dos Tempos’, que foi segundo lugar no FRAPA em 2020, para a gente trabalhar de um modo experimental através do desenvolvimento coletivo”, comenta Leierer, revelando o começo da ideia de formar um núcleo de roteiro. A ideia deu certo e a vontade de reunir profissionais e novos projetos cresceu. Assim, do grupo informal de desenvolvimento nasce um verdadeiro núcleo de criação, com intuito de fortalecer os projetos e proporcionar pontes entre roteiristas e players. Embora o fator coletivo faça parte integral da ideia, Leierer reforça: “o desenvolvimento coletivo não tira a autoria do projeto, isso é um mito”. Para que serve um núcleo de roteiro? Talvez você já tenha ouvido falar em núcleos criativos, mas não sabe exatamente sua função na carreira do roteirista ou mesmo o modelo de trabalho. Para sanar qualquer possível dúvida, perguntamos à Leierer quais são os elementos motivadores que envolvem o Peripécia e suas práticas de desenvolvimento. “O papel de um núcleo é colaborar com visões sobre aquele tema, aquele universo, que vão fornecer o material ao autor para que ele possa imprimir a sua visão.” - Paulo Leierer Para Leierer, é através do processo coletivo que o autor entende as fraquezas do seu projeto, mas também consegue potencializar seus diferenciais. Para os idealizadores de um núcleo de roteiro, a carteira de projetos e o próprio processo criativo podem fortalecer sua “marca” para o mercado. “Esse tipo de iniciativa de fazer um núcleo, de pensar coletivamente, acaba fazendo você criar uma marca, que agrega um valor aos trabalhos que estão sob aquele guarda-chuva”, destaca. Segundo Leierer, o próprio player começa a encarar o projeto com outros olhos quando sabe que ele foi desenvolvido em um núcleo que atende a um certo padrão de qualidade. “Eu sinto que isso tem acontecido rápido e a tendência é acontecer mais”, completa. Para o roteirista, participar de um núcleo vai muito além do debate criativo. Leierer comenta que muitas pessoas ainda têm dúvidas sobre os materiais de venda. “Muitas vezes a pessoa ainda não sabe que material de vendas produzir, como produzir. A gente sistematiza isso também, a parte dos materiais, para ficar coerente no momento da apresentação”, responde. Selecionando projetos para o Peripécia “Queremos muito trabalhar com roteiristas em começo de carreira justamente para fazer essa ponte e conseguir juntar pessoas com experiência, ideias e visões novas, não tão viciadas nos processos”, explica Leierer, pontuando o valor de trabalhar coletivamente com profissionais em estágios diferentes na sua carreira. Como núcleo de roteiro, o Peripécia se dedica a filtrar os projetos que fazem sentido com a sua carteira em formação, sempre considerando a “identidade do núcleo” como fator de extrema importância. “A gente sabe que não quer atirar para todo o lado, então acabamos buscando projetos mais próximos da nossa cara. Buscamos projetos com uma visão consistente e que tragam alguma ‘pimenta’ no gênero utilizado, além de populares e pertinentes para o mercado” resume Leierer. O núcleo Peripécia está em busca de novos projetos, mas principalmente através de eventos de mercado. O Peripécia participará das rodadas de negócio do Primeiro Tratamento, do ROTA e do Serie_Lab. Além disso, o núcleo está desenvolvendo uma plataforma para envio de projetos e lança um aviso: “a gente vai ler e dar uma devolutiva que é mais do que somente ‘não queremos’”. O caminho “contrário” também é uma realidade: produtoras procuram núcleos para desenvolver uma demanda específica. Para Leierer, esse movimento reflete uma necessidade do mercado, que precisa cada vez mais contar com núcleos e produtoras independentes para desenvolver ideias inovadoras. O valor dos núcleos para as produtoras e players De onde surgem as novas ideias? O processo industrial de colocar uma equipe em uma sala para desenvolver diversos projetos ano após ano nem sempre é a melhor escolha. Paulo Leierer reforça a importância de “arejar as ideias”. Assim, os núcleos e produtoras independentes surgem como uma alternativa viável para um mercado que busca sempre por novas grandes ideias. “Tanto a produtora quanto o player se fortalecem com esse modelo”, explica Paulo, sugerindo que vamos ver um crescimento ainda maior de núcleos de roteiro pelo Brasil. “Um exemplo disso é a Globo, que tinha um método de produção muito autorreferencial até alguns anos atrás, mas agora trabalha com mais produtoras independentes e novos criadores, o que resultou, na minha opinião, em um salto ainda maior de qualidade”, destaca. Processo criativo Paulo afirma que o núcleo não trabalha com projetos que estão quase prontos. “A gente pega o projeto ainda em uma fase embrionária”, afirma, completando: “Começamos a desenvolver todos esses materiais junto com o criador ou a criadora. Não é bem uma consultoria porque não é tão vertical”. Quando o projeto amadurece, Leierer e Moretti organizam reuniões com os demais criadores do núcleo, com intuito de ler os projetos e proporcionar importantes inputs. Eles reiteram o cuidado de não fazer uma reunião com muita gente logo no ponto embrionário dos projetos, pois experiências assim podem mais prejudicar do que ajudar o processo. Afinal, o roteirista primeiro precisa estar em um chão mais sólido, mais certo do projeto em si, antes de abrir espaço para impressões gerais. “Antes de tudo, o autor precisa saber qual o destino daquele projeto. Assim, as pessoas que estão ali vão poder contribuir para que o projeto chegue naquele destino esperado.” - Paulo Leierer Para reforçar a questão autoral, Leierer esclarece: “o nosso papel no núcleo não é adequar a história da pessoa a uma visão que a gente tenha, mas ajudar a potencializar a história que ela quer contar”. A carreira do projeto depois do núcleo Uma vez negociada a venda do projeto com uma segunda parte, seja produtora ou mesmo um player, é combinada uma parcela desse valor no contrato para o núcleo. Ou seja, apenas quando o projeto for de fato vendido o núcleo recebe algo pelo processo, que vai da colaboração artística a um certo agenciamento de mercado também. “Em todo contrato com as produtoras nós estabelecemos um valor mínimo que segue as diretrizes dos valores da ABRA”, responde Leierer, que destaca outro ponto importante: “Uma condição dos nossos contratos também é a participação do roteirista ou da roteirista na sala de roteiro. Não como head, mas como roteirista integrante de alguma forma”. Conselhos para quem está desenvolvendo um projeto novo Antes de enviar seu projeto para avaliação ou mesmo formar o seu próprio núcleo, existe um importante passo: entender as premissas básicas na construção de um bom projeto. Paulo Leierer comenta a importância de estar atento a alguns pontos principais durante o desenvolvimento da sua ideia: “Primeiro, entender o que você está comunicando, de que forma e com que efeito. Se isso não ficar evidente, a pessoa não sabe por onde ela vai se relacionar emocionalmente com aquele projeto. A escrita do roteiro e do projeto em si também é muito importante. Tudo deve ser visual, mas o texto deve ser gosto de ler. Se o seu texto é duro… Passou. Uma terceira coisa é sair do lugar comum. Alguns temas e algumas ideias estão sempre ‘pipocando’ por aí.” - Paulo Leierer Além de tudo isso, Leierer pontua a importância da visão autoral sobre o tema a ser desenvolvido e cuidar com o “primeiro pensamento” sobre algumas ideias. Afinal, muitos projetos que permanecem nessas “conclusões superficiais” acabam se tornando previsíveis. “É preciso uma investigação do universo e de si mesmo”, comenta Leierer. De fato, encontrar uma voz autoral forte o suficiente para destacar um tema de uma forma inovadora não é tarefa fácil - e exige muita “investigação pessoal”. “É na hora do pitch que nós fazemos a venda, dá pra ver no olho da pessoa. É quando a gente fala ‘eu quero criar essa história por causa disso, isso importa pra mim e eu preciso comunicar essa questão’. Aí a pessoa compra o projeto. Então se a pessoa não sabe ainda o que é isso para ela, fica difícil pensar em tramas, episódios, etc.” - Paulo Leierer. Fica a lição: antes de desenvolver tramas muito bem amarradas, pense bem na mensagem e no efeito das suas obras. Seu pitch é capaz de encantar os players e parceiros? Descobrir o potencial do seu projeto para o mercado passa primeiro por encontrar o seu valor dentro de si. #roteiro #roteirista #núcleoderoteiro #Peripécia #audiovisual
- Os destaques da 5ª Edição do ROTA - Festival de Roteiro Audiovisual
Além de Concurso de Roteiros de Curta, Encontro de Negócios e Laboratório de Projetos de Série, o ROTA traz nomes de peso para Seminários especiais em evento 100% Online Se você é roteirista e ainda não ouviu falar do ROTA - Festival de Roteiro Audiovisual, então tem algo errado aí! Principalmente se você estiver no começo da carreira. A boa notícia é que ainda dá tempo de ficar por dentro do Festival e aproveitar tudo o que o ROTA tem para oferecer. Mas afinal, o que é o ROTA? Trata-se de um espaço de debate e encontro entre profissionais e estudantes de roteiro. Um evento que chega na sua 5ª Edição e segue em formato 100% online, entre os dias 16 e 21 de março de 2021, atendendo a roteiristas de todos os cantos do Brasil (e do mundo). Em seu leque de ações, o ROTA oferece Concurso de Roteiros de Curta, Encontro de Negócios, Laboratório de Projetos de Série, Mostra Competitiva de Curtas e Seminários com profissionais de peso do nosso mercado. Quer saber o que vai rolar nessa nova edição do evento? Então confira nosso papo mais do que especial com os idealizadores do ROTA! A equipe do ROTA Imagem: da esquerda para a direita: Gabriela Liuzzi Dalmasso, Carla Perozzo e Evandro Melo. A equipe idealizadora do Festival é composta pelo trio Gabriela Liuzzi Dalmasso, Carla Perozzo e Evandro Melo. Segundo Perozzo, a ideia de criação do ROTA surgiu em um elevador. “Foi aí que decidimos fazer um Festival de Roteiros. Hoje nós temos uma amizade muito especial! Muitos sonhos se realizaram e novos sonhos estão surgindo”, comenta Perozzo. Os três se conheceram nos corredores da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, mas trazem consigo um background de formações e experiências bem diversas! Gabriela Liuzzi Dalmasso é formada em roteiro cinematográfico pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro e fez diversos cursos livres de roteiro. É diretora do ROTA - Festival de Roteiro Audiovisual, sócia da Aiuru Filmes e do coletivo Audiovisionários. Foi finalista do Laboratório Novos Roteiristas, consultora do Laboratório de Curtas Luzes da Cidade e jurada do II Prêmio Rede Sina. Além disso, dirigiu e roteirizou o curta "Com os pés na cabeça", dirigiu o curta “A Trilha” e foi assistente de direção em 4 outros curtas. Carla Perozzo é professora de filosofia e apaixonada desde sempre pela sétima arte. Perozzo começou a estudar roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro em 2016, na mesma turma que Gabriela Luiza Dalmasso e Evandro Melo, amigos com quem divide a direção do ROTA Festival. Ator, diretor, produtor e professor, Evandro Melo é formado pela Escola de Teatro Martins Pena. Começou a escrita adaptando contos para serem usados nas aulas de interpretação. Dedicado ao teatro, Melo esteve em Angola como convidado, para onde levou a obra de Nelson Rodrigues com ineditismo ao palco, além de filmar um documentário sobre a Companhia de Teatro Horizonte Njinga Mbande de Luanda. Desenvolve atualmente um roteiro de ficção em animação com recortes documentais sobre os índios isolados da região Uru Eu Wau Wau, de Rondônia. Uma nova edição e um recorde de inscrições “Nós estamos na quinta edição do ROTA e uma das melhores coisas que aconteceu nessa edição foi o patrocínio, que permitiu que a gente fizesse um Festival totalmente gratuito”, revela Dalmasso. A edição 2021 do ROTA recebeu recursos através da Linha para Festivais da Lei Aldir Blanc. Justamente por isso, o Festival hoje acontece mais cedo, considerando que a última edição ocorreu em novembro de 2020. Sobre essa questão, Melo comenta: “A gente pensou - o pessoal acabou de enviar seus projetos para o ROTA, será que vai ter público para essa nova edição em março?” Não só teve público, como o ROTA bateu novos recordes. “Teve um recorde de inscrições, maior do que do ano passado ainda. Foram 1.373 inscrições, todas as linhas de ação com recorde de inscrição. É uma mostra de que a gente realmente precisa desse movimento no roteiro no Brasil de um modo geral”. - Evandro Melo “Nós somos muitos sonhadores, aos poucos a gente vai vendo até onde a gente pode chegar”, completa Dalmasso, dando a dica de que o ROTA segue firme e forte, buscando ampliar seu alcance e linhas de ação. Graças ao formato online, o ROTA permite inscrições de todos os cantos do Brasil e inclusive do mundo! “Ano passado tivemos inscrições de quase todos os estados brasileiros”, comenta Melo. “Além desses estados todos, tivemos também inscrições de brasileiros espalhados pelo mundo. Nós temos o objetivo de ser um Festival brasileiro para fomentar o nosso mercado, mas também estamos abertos para brasileiros de todos os cantos do mundo. E essas pessoas têm vindo” - Gabriela Liuzzi Dalmasso Para Evandro, esse resultado é sinal de que “o ROTA está conseguindo espalhar o interesse pelo roteiro para as mais diversas partes do Brasil”. O que vai rolar no ROTA 2021? Neste ano, o Festival retoma suas tradicionais linhas de ação com algumas novidades especiais. “São cinco linhas de ação: Concurso de Roteiros de Curta, Encontro de Negócios, Laboratório de Projetos de Série, Mostra Competitiva de Curtas e Seminários. Esse ano o Seminário ocorre nas seis noites do Festival, com dois eventos por noite - um às 19 horas e outro às 20h30”, informa Dalmasso. Os Seminários começam no dia 16 de março, mas as inscrições estão abertas para todos os interessados! São mesas temáticas que contam com participações de roteiristas de renome nos mais diversos formatos. Entre os destaques, a mesa “Roteiro de não-ficção”, com Ana Abreu e Letícia Padilha (18/03, às 20h30), a palestra “O ponto de vista do editor sobre o roteiro”, com Eduardo Escorel (18/03, às 19h00), a entrevista do Primeiro Tratamento com Fábio Porchat (19/03, às 19h00), a palestra “Estruturas narrativas não hegemônicas, o que temos a aprender com o episódio final de I May Destroy You”, com a roteirista Maíra de Oliveira, Presidente da ABRA - Associação Brasileira de Autores Roteiristas, e muito mais! Ficou curioso para conferir a programação completa? Fique ligado no site do ROTA e nas redes sociais: Site: https://www.rotafestival.com/ Facebook: @rotafestival Instagram: @rotafestival Twitter: @rotafestival O papel dos Festivais de Roteiro na carreira do roteirista Festival de roteiro ainda é um assunto novo no mercado daqui. O FRAPA, precursor na América Latina, chegou na sua oitava edição em 2020, que ocorreu de forma 100% virtual. O Serie_Lab, que seguiu os passos do FRAPA, chegou em sua quarta edição com plataforma própria e parceiros de peso. Para o trio de idealizadores do ROTA, não existe competição por esse espaço - é através da união que o mercado se fortalece. “Os festivais de modo geral estimulam a pessoa a seguir em frente. Se não tem um respaldo como o nosso, como o do FRAPA, o do Serie_Lab… A pessoa muitas vezes sai da faculdade, escreve coisas e coloca na gaveta. Para onde ela vai levar o projeto dela? Como ela vai caminhar com aquilo? Onde ela vai chegar? Então esses espaços servem para ela apresentar o seu trabalho, como para ela se apresentar também”. - Evandro Melo O ROTA também promove “reencontros” com participantes de edições passadas. A equipe do Festival contou que alguns finalistas dos seus concursos já tem seus filmes gravados, que agora seguem carreira em outros espaços, bem como alguns antigos participantes voltam como curadores dos concursos. “Apesar de todos os problemas que passamos, a gente vive um momento favorável para o roteirista. O roteirista passou a ser valorizado e ganhar um espaço que não tinha antes”, complementa Dalmasso, lembrando que os desafios para o audiovisual são grandes, mas há perspectivas novas para os criadores. “E a ABRA tá fazendo uma ação de valorização do roteirista que a gente sempre pensou, sempre idealizou. Cada vez mais estamos tomando conhecimento de quem escreve essas histórias que fazem as pessoas rirem, se emocionarem, se informarem, comenta Melo, que complementa: “a gente sonha em botar o roteirista um pouco mais a frente”. E para quem ainda não conferiu, a galera dá um recado: as palestras e apresentações de projetos do ano passado estão abertas no Youtube e Facebook do ROTA para ser assistido. Clique aqui para conferir tudo! #ROTA #roteiro #roteirista #FestivaldeRoteiro
- Desafio das 5 Páginas: inovando na comédia
Nessa edição da análise, visitamos os principais desafios e liberdades dos subgêneros screen life e mockumentary para te ajudar a levar as risadas para outro nível A comédia é um gênero muito versátil. E, por isso, traz junto de si uma série de desafios em sua escrita. Esses desafios podem se tornar ainda maiores quando o roteirista decide inovar - seja na temática, no formato ou mesmo na linguagem. É por essa razão que esse é o tema da nossa análise do Desafio das 5 Páginas da vez: linguagens inovadoras que prometem carregar as risadas para outro nível. Nesta edição, analisamos o roteiro do longa-metragem "Match", de Daniel Duncan, e "Solar dos Prazeres", de Victor Hugo Liporage. "Match" traz a linguagem do subgênero screen life film, enquanto o roteiro de Victor Hugo Liporage aposta num mockumentário (mockumentary ou pseudo documentário) recheado de humor brasileiro. Nossa análise também envolveu a participação dos roteiristas Tiago de Carvalho Ferreira, Ian Perlungieri e Carol Santoian, que lança seu conteúdo em vídeo no seu canal do YouTube. A Carol já comentou sobre "Match", de Daniel Duncan, em um vídeo super interessante e completo com análises de página: Além de análises próprias e de nossos parceiros, trazemos exemplos dos roteiros de "Searching", "The Office" e mais. Quer entender melhor sobre essas abordagens narrativas? Quer conferir as análises dos roteiros? Continue conosco! Screen life: da vida para a tela - e vice versa Hoje em dia, a vida é repleta de telas: computadores, celulares, tablets, etc. O cinema já percebeu isso e incorporou essa linguagem de diversas formas, seja em séries como "Família Moderna" (Modern Family, 2009-2020) ou longa-metragens como "Amizade Desfeita" (Unfriended, 2014) e "Buscando" (Searching, 2018), thriller de Aneesh Chaganty e Sev Ohanian. Confira um excerto do episódio “Connection Lost” (S6Ep16) de "Modern Family", bem como um pouco do Making Of: Mas é possível escrever um roteiro inteiro nesse formato? Não só é possível, como pouco explorado e também mais barato de produzir (por exemplo, o episódio de "Modern Family" do vídeo acima foi criado no Illustrator). Nesse subgênero, existem algumas maneiras específicas de lidar com o formato: como liderar o fluxo de informações narrativas, ritmo, a própria formatação do roteiro, etc. Sobre o roteiro de "Buscando", Aneesh Chaganty revelou em uma entrevista com o Script Pipeline que o projeto nasceu de um curta-metragem onde o recurso do screen life foi testado antes de expandir para um longa. [...] A única razão pela qual decidimos expandir [o filme] de 8 minutos para um longa é porque encontramos uma maneira de não fazer [dessa linguagem] um truque. E, se eu tivesse que dar uma resposta sobre o motivo de não parecer um truque, é porque é emocional. Tínhamos feito a montagem de abertura para provar que, mesmo que este não fosse o primeiro filme feito somente nas telas, tínhamos esperança que seria o primeiro que fosse cinematográfico. Algo emocionante que faz você esquecer o que está assistindo nas telas. E para nós, se pudéssemos executar isso por 90 minutos, iríamos nessa direção. - Aneesh Chaganty Mas, para fazer isso, foi essencial que os roteiristas prestassem atenção à estrutura da história e ter certeza de que: 1) estavam sendo claros com o fluxo narrativo e 2) não repetissem recursos e "caminhos digitais". Estávamos seguindo uma estrutura de roteiro muito clássica, quase básica, mas dentro dessa estrutura, em constante evolução a cada beat. Então, dissemos a nós mesmos, por exemplo, para nunca ter duas conversas no iMessage. Como se tudo estivesse acontecendo uma vez. Estudamos cada botão em uma tela de computador e perguntamos qual é a implicação emocional disso, a que lugar da história essa implicação pertence, etc. - Aneesh Chaganty É evidente que, assim como num roteiro em formato master scenes, é necessário muita pesquisa. Por que esse formato vai servir para a sua história? Quais sites, botões e caminhos que suas personagens irão utilizar? E mais: no caso da comédia, como deixar isso engraçado? É preciso pensar a linguagem e utilizar a versatilidade do ritmo da tela ao seu favor, independente dos gêneros que estarão liderando a abordagem da história. O positivo é que existem milhares de abordagens para esse fluxo digital - a internet inteira é sua referência. Confira um excerto do roteiro de "Buscando": Tradução: DING. Uma mensagem de “Margot Kim”. Desculpa, o wifi é terrível aqui O cursor de David abre o iMessage e nós- INTERCALAR JANELA DE IMESSAGE E FACETIME DE DAVID Sem problemas. Estava prestes a perguntar como foi a final hoje? Bem. Mesmo se eu falhasse, o Sr. Lee não me deixaria rodar. Ele disse que eu sou sua aluna favorito. De longe. Duvido que você tenha falhado. Você trabalha muito. E estou orgulhoso de você por isso. David faz uma pausa e, lentamente, começa a digitar: ̶M̶a̶m̶ã̶e̶ ̶t̶a̶m̶b̶é̶m̶ ̶e̶s̶t̶a̶r̶i̶a̶. Ele apaga. Em seguida, tenta novamente. ̶E̶u̶ ̶s̶e̶i̶ ̶q̶u̶e̶ ̶m̶a̶m̶ã̶e̶ ̶t̶a̶m̶b̶é̶m̶ ̶e̶s̶t̶a̶r̶i̶a̶. Ele destaca o texto. Exclui. Sai do aplicativo e- DESKTOP - LAPTOP PESSOAL DE DAVID - NOITE Uma hora depois, David ABRE seu navegador da web, VIAJA para- YOUTUBE - GOOGLE CHROME -e dá play em uma música relaxante. Enquanto toca no fundo, David VISITA- TECHCRUNCH - GOOGLE CHROME - onde ele verifica as atualizações do setor, ABRINDO cada link de interesse em sua própria guia. Então ele ABRE- GMAIL - GOOGLE CHROME - onde ele CLICA em um e-mail de um “Dr. Vadlamani, MD ” intitulado: “Recomendação de Acompanhamento”. Iniciar- O médico sugere que David reconsidere a mudança da psiquiatria para a terapia. Mas David não está interessado. Em vez disso- Ele rola pela longa recomendação antes de pousar na parte que está procurando: “... Mas se você decidir continuar no caminho atual, recomendo o Trazodone.” Então, antes de sair escrevendo "Print da tela de WhatsApp de Fulano" no roteiro, o mais importante é estabelecer muito bem o coração da história e sua estrutura. Quem quer o quê? Quem precisa aprender o quê? E por aí vai. Leia o roteiro completo de "Buscando" (em inglês) "Match", de Daniel Duncan Nosso parceiro Tiago de Carvalho Ferreira, roteirista e consultor, oferece um resumo sobre as primeiras páginas do roteiro de Daniel Duncan: Conhecemos Annie, que é apresentada por seu perfil no site OkCupid e que depois conversa com sua amiga Nina. Logo sabemos que Annie terminou com seu ex-namorado Peter para ficar com uma mulher, mas ela desapareceu das redes sociais. Entendemos rápido quem é Annie, despojada, personalidade forte e desconfiada de relacionamentos, mas intrigada pelo sumiço da mulher. O gênero cômico é leve e divertido e os diálogos expõem as questões que suas ações não podem. - Tiago de Carvalho Confira um trecho do roteiro de "Match": Já de início, a roteirista Carol Santoian levanta um ponto importante: quando escrevemos um screen life film (ou série), é preciso deixar bem claro qual o estilo, uso e interface do aplicativo, site ou programa que consta na cena. Muitas vezes o leitor não visualiza tão bem quanto iria se enxergasse uma imagem. Confira outro excerto do roteiro de "Match": Tiago concorda com Carol: "acredito ser importante identificar no cabeçalho das cenas de quem é a tela que estamos acompanhando e o local da ação, montando melhor essas informações. A troca de telas podem ser melhores resolvidas com mais menções de cortes, pois fiquei um pouco confuso com o corte do OkCupid para a conversa de Annie com sua amiga Nina e a introdução de Peter." Afinal, é comum utilizarmos vários dispositivos diferentes em uma mesma página de roteiro, como no roteiro de Duncan: OkCupid, Skype e Facetime e ainda inserção de flashbacks. Isso enriquece o ritmo da narrativa, mas no roteiro pode ficar confuso se não for muito bem indicado. E quanto à personagem de um screen life film? A internet é uma grande aliada na hora de construí-la. Em "Match", essa questão de perfil/avatar está construída como uma máscara que esconde a vulnerabilidade da personagem Annie, por exemplo. As reflexões das personagens serão refletidas em seus acessos - seja em sites, vídeos, imagens, redes sociais, programas. Aí, fica ainda mais desafiador o ato de intercalar o ritmo do cursor do mouse com sites e apps que exponham o estado de espírito da personagem. Duncan, por exemplo, também apostou no recurso do voice over e do chat por vídeo, aliados nesse tipo de roteiro. Tiago levanta um questionamento para o restante de "Match". "Se Annie está tão preocupada em reencontrar sua ex-ficante", pergunta, "porque ela está no OkCupid no começo do roteiro? Seria uma forma de tentar superar a mulher ou de procurá-la no site? Por fim, explorar o que Annie faz e fala, colocando tais ações em conflito, como já aponta sua amiga Nina, podem render consequências bem interessantes para a trama e para a progressão dramática da personagem". Além disso, os sons digitais e reais não podem ser esquecidos. Existe aí um universo de sinais que indicam ações, ao invés de mostrá-las. O recurso sonoro pode, inclusive, trazer vários momentos cômicos para as cenas - um vídeo fora de hora, uma música nada a ver, uma frase embaraçosa pela webcam e por aí vai. Mockumentary: comédia de puro contraste Já no reino da comédia, o mockumentary se vale do formato e linguagem documental para fazer uma sátira ou até mesmo paródia. Aqui, o humor surge muito em razão dos contrastes de realidade, dos recursos de montagem e, principalmente, das personalidades conflitantes das personagens. Algo comum é apostar na sátira social, valendo-se de arquétipos, convenções culturais e comportamentos típicos de certos grupos de pessoas, sempre procurando o conflito dentro do universo narrativo. São muitos os exemplos de mockumentaries e pseudodocumentários queridos pelo público: "The Office" (ambos), "Modern Family", "Parks & Recreation", "Documentary Now!", "American Vandal", "What We Do in the Shadows", "Borat" e diversos outros. Um dos poucos exemplos brasileiros que se utiliza de vários signos desse subgênero é "Ilha das Flores" (1988), de Jorge Furtado. E um bom mockumentary é aquele que explora os contrastes mais absurdos das personagens e seus comportamentos. Em "Vida de Escritório" (The Office, US, 2005-2013) por exemplo, os comportamentos são muito influenciados pela presença das câmeras e dos documentaristas (fictícios). Além disso, os depoimentos muitas vezes contradizem ações que a câmera capta - seja na cara dura ou às escondidas. Confira um trecho do piloto de "Another Period" (2013-1018) onde o simples contraste das expectativas do público com a reação das personagens já produz humor: Tradução: INT. SALA DE ESTAR - DIA 4 Garfield traz um TELEGRAMA para Beatrice. Ela olha e joga no chão. VICTOR O que isso está escrito? BEATRICE Eu não sei ler. Garfield o entrega a Albert, que o lê. ALBERT Querida. LILLIAN Sim querido? ALBERT Não sei bem como dizer isso... suas... suas amigas, as irmãs Claudette? Eles morreram. INT. TALKING HEADS: LILLIAN E BEATRICE LILLIAN Nossas melhores amigas morreram! BEATRICE Finalmente! LILLIAN O falecimento das irmãs Claudette significa que há 2 vagas abertas no Newport 400 - as 400 pessoas mais importantes de toda a sociedade. E eu sei quem vai preenchê-las. BEATRICE Quem? LILLIAN Nós. Elas morreram. Para abrir espaço para nós. BEATRICE Devíamos enviar a elas um cartão de agradecimento. Bem como muitos, esse subgênero se equilibra também na força das personagens. É necessária a presença de um(a) bom(boa) protagonista, com objetivos e complexidades bem característicos de si e que entrem em conflito com seus arredores. Vide Michael Scott ou Leslie Knope, por exemplo. "Solar dos Prazeres", de Victor Hugo Liporage Tiago de Carvalho nos apresenta as primeiras páginas do longa de Victor Hugo Liporage, "Solar dos Prazeres": Estamos no território do mockumentary, um documentário sobre personagens ficcionais. Em outras palavras, o roteiro emula a linguagem de um falso documentário sobre moradores do prédio residencial que dá nome ao projeto. Conhecemos, pouco a pouco, os personagens principais em uma reunião do prédio: a síndica Glória, o casal que está brigado Wilson e Suelen, bem como Selminha e Luiz. As câmeras registram tudo, usando de entrevistas individuais para explorar as motivações e personalidade dos personagens. - Tiago de Carvalho E quanto às personagens principais? Confira um trecho do roteiro de "Solar dos Prazeres": Aqui, a protagonista Glória chama a atenção para si, justificando a presença das câmeras no roteiro de maneira esperta: a equipe já estaria fazendo um documentário sobre o prédio e, nesse momento, Glória pede para que registrassem a reunião. Vale lembrar que o diálogo e o comportamento inicial das personagens precisa ter muita força, pois vai ditar a primeira impressão que o público terá - impressão essa que pode se confirmar ou, de forma mais cômica, desfazer-se totalmente em razão dos conflitos narrativos. Confira um trecho do episódio "E-mail Surveillance" (S2Ep9) de "The Office" que expõe e explora a personalidade conflituosa e estereotípica do protagonista Michael Scott já no início: Tradução: INT. SALA DE MICHAEL - DIA 1 MICHAEL está bebendo café, olhando pela janela. Um olhar de preocupação cruza seu rosto. A câmera olha pela janela e vê... EXT. ESTACIONAMENTO - CONTÍNUO - D1 UM JOVEM HOMEM MUÇULMANO com uma mochila entrando no prédio. INT. SALA DE MICHAEL - CONTÍNUO - D1 Michael disca o telefone em pânico. MICHAEL Atende, atende, droga. SECRETÁRIA ELETRÔNICA (V.O) Você ligou para a segurança- MICHAEL Isso é ruim. INT. ESCRITÓRIO - CONTÍNUO - D1 Michael sai correndo de sua sala. MICHAEL Pessoal, tranquem as portas, desliguem as luzes, finjam que não estão aqui. JIM (calmamente) Estamos em perigo? MICHAEL Eu não sei. Não temos tempo a perder de isso for real. Ele corre para trancar a porta e desligar as luzes. MICHAEL (CONT.) Shh, shh, shh. Todos estão em silêncio. Alguém BATE na porta. Eles esperam. Mais um TAP TAP TAP. MICHAEL - TALKING HEAD MICHAEL O cara do TI e eu não tivemos um bom começo. De volta ao roteiro de Liporage, Tiago afima que "é uma forma eficiente de iniciar o roteiro. A quinta página do roteiro termina com um ótimo gancho para dar sequência a trama: furtos no prédio. Além disso, já temos o problema de relacionamento entre Wilson e Suelen e Luiz, que se incomoda com o conteúdo do grupo do WhatsApp, por ser religioso, mas não perde tempo em vender produtos para a equipe que grava sua entrevista", diz. Confira esse trecho em "Solar dos Prazeres": Portanto, na hora de escrever um mockumentary, desenvolva muito bem as personagens e pense em conflitos - ainda mais conflituosos do que você pensaria em outros gêneros. É através desses vários embates e contrastes que as personalidades vão brilhar e entreter o público. Muitas vezes, um protagonista com características literalmente opostas é o que traz mais oportunidades dramáticas. Só lembre-se de desenvolvê-lo aos poucos, mostrando as características mais excêntricas e engraçadas primeiro (óbvio)! Nessa linha, Tiago dá a última dica para o roteiro de Liporage: Como já temos personagens tão bem delineados pelas entrevistas, sinto que Glória poderia ser melhor explorada, pois sendo a síndica e a primeira a ser apresentada, acredito que ela será a condutora da trama e gerenciadora dos conflitos. 'Solar dos Prazeres' é um projeto bem interessante e que, para potencializar a comédia, pode investir mais em Glória e em sua relação com os outros moradores do prédio e com a própria equipe que registra seus atos. - Tiago de Carvalho E você, como vai inovar na comédia em seu próximo projeto? #comédia #DesafioDas5Páginas #screenlifefilm #roteiro #dicasderoteiro
- A carreira do roteirista com Letícia Bulhões Padilha
A roteirista de séries como “A Culpa é da Carlota” e "Faz Teu Nome" divide impressões sobre o ramo da comédia e como encontrar seu espaço na indústria sem contatos No audiovisual, é muito comum escutarmos histórias parecidas quando falamos do começo da carreira de roteiristas de sucesso. Estar “no lugar certo”, “na hora certa” e com condições financeiras adequadas para ralar muito no começo é uma combinação recorrente. E quando esse não é exatamente o seu contexto? É possível encontrar seu espaço na indústria sem contatos, com pouco dinheiro ou mesmo com pouca ideia de como trilhar nesse difícil começo? A carreira do roteirista não precisa depender desses aspectos contextuais (que definitivamente ajudam muito). É possível, sim, organizar de forma proativa o seu caminho na indústria audiovisual sem contar com tantos “empurrões na direção certa”. Para entender como isso pode acontecer, conversamos com a roteirista Letícia Bulhões Padilha, que fez parte da equipe da sala de roteiro de séries como “A Culpa é da Carlota” (Comedy Central Brasil) - adaptação do formato argentino “La Culpa es de Colón” - e o “O Diário de Mika” (Disney Channel) - criada por Elizabeth Mendes e nomeada ao Emmy Kids Awards -, entre tantos outros trabalhos. Nessa entrevista, dividimos um pouco das experiências de Letícia para entender alguns importantes aspectos da carreira de um roteirista; por onde começar, como encontrar as primeiras oportunidades, como organizar o rumo da sua carreira, entre outros pontos. Quer entender um pouco mais da trajetória da Letícia no roteiro? Não deixe de ouvir a sua entrevista no podcast Primeiro Tratamento através deste link! Quem é Letícia Bulhões Padilha? Com 10 anos de carreira como roteirista, Letícia Bulhões Padilha coleciona experiências bem diversas na área, mas sempre com o foco em trabalhar com comédia. No Comedy Central, Padilha fez parte da equipe das séries “A Culpa é da Carlota” e “Auto Posto” - criado, dirigido e com redação final de Marcelo Botta - que muitos acreditam ter “previsto” a pandemia mesmo antes dela acontecer, isso por conta do último episódio da temporada. Ainda na TV fechada, a roteirista integrou a sala de roteiro do programa “Faz Teu Nome” (Multishow), apresentado por Tom Cavalcante e Tirullipa. Além disso, Letícia também tem experiência com conteúdo infantil, tendo trabalhado nas séries “Super Lila” (Discovery Kids), criada por Leonor Corrêa e atualmente em fase de produção, “Senninha na Pista Maluca” (Gloob) e “Os Chocolix” (Nickelodeon), criada por Jacqueline Shor, entre outras. No cinema, a roteirista fez colaboração e consultoria no longa-metragem de comédia “Incompatível” (Gullane/Fox). Para completar, Bulhões Padilha também desbravou o YouTube, tendo trabalhado com Felipe Neto entre 2016 e 2018, atuando como pesquisadora de conteúdo para os vídeos do youtuber. O começo da carreira “Começar na área é muito difícil”, começa Bulhões Padilha, que dividiu com a gente os diferentes desafios que assumiu ao decidir ser roteirista. Mas antes de qualquer decisão no meio audiovisual vem a sua formação em Sociologia. “Eu tinha 17 anos, queria cursar Rádio e TV, não passei em universidade pública, meus pais perderam o emprego e não podiam pagar uma faculdade para mim”, Letícia explica. Com poucos cursos gratuitos voltados a audiovisual e roteiro, o empecilho financeiro é uma das primeiras travas do profissional que não detém tantos recursos para começar. Letícia, então, foi em busca de trabalho para pagar os cursos que gostaria de fazer. “Desde pequena eu passo na frente de torres de TV e o meu coração bate mais forte”, revela Bulhões Padilha. De atendente de telemarketing à recepcionista, Letícia trabalhou em diversas áreas, mas sempre com um mesmo foco: financiar sua formação e ir atrás dos seus sonhos no meio audiovisual. “Então na época eu fiz um curso de roteiro que não me ajudou muito” - Bulhões Padilha fala sobre suas primeiras experiências estudando o ofício. “Os cursos eram muito elitistas, eles falavam muito do Cinema Noir, Western, Buñuel, etc. E no fim… Eu não sabia o que era um cabeçalho!” A roteirista deixa bem claro que sua meta sempre foi trabalhar com comédia. Para isso, o primeiro passo era entender a arquitetura que compõe um roteiro. Assim, só depois seria possível seguir seus estudos para o caminho que a roteirista trilha até hoje, se especializando em compreender os diferentes artifícios que envolvem o humor e a construção de piadas. Além da formação, Letícia também buscava o DRT, essencial para quem buscava trabalhar em emissoras de TV naquela época. Denominada a partir de “Delegacia Regional do Trabalho”, DRT é um registro profissional pedido principalmente por algumas emissoras para exercer a função de roteirista. “Eu virava monitora dos cursos justamente porque eu queria o DRT”, comenta. Enquanto isso ocorria, Letícia revela que trabalhou bastante com projetos de amigos e conhecidos, criando conexões e praticando a arte do roteiro. “Primeiro eu fazia muito um trabalho de produção por não me sentir confortável ainda para mostrar os meus textos”, responde, deixando claro que nem sempre é fácil dividir nossos primeiros trabalhos com roteiristas mais experientes. Primeiras experiências como roteirista “Em um desses cursos, uma das alunas, da Casablanca, me disse que precisaria de uma assistente para um projeto”, comenta Bulhões Padilha, que lembra que o “valor baixo” anunciado para a vaga em 2012 (R$ 1.500) já era cinco vezes mais do que o seu último salário. “Eu pensei: tipo assim, eu já estou ganhando quatro dígitos”, brinca a roteirista. Começo de carreira normalmente é assim: o profissional se desdobra em diferentes funções, procurando seu espaço enquanto tenta desenvolver um estilo próprio. Se você não tem aquele padrinho ou madrinha superstar da indústria para arranjar um belo atalho, vai ser preciso se dividir bastante. Nisso, a diversidade é o que conta. Não foi diferente com Letícia, que entre tantas funções, já trabalhou como ghostwriter em uma ação das redes sociais da ativista e apresentadora de TV Luisa Mell e pesquisadora de conteúdo para os vídeos do youtuber Felipe Neto, um dos maiores nomes da plataforma no Brasil. Além, é claro, de escrever muito conteúdo institucional com o objetivo único de viver de roteiro. A roteirista, porém, afirma que nada disso surgiu “do nada” ou de forma fácil. Tudo em sua carreira foi fruto de dedicação e o famoso “ir atrás dos seus objetivos”. A própria oportunidade de trabalhar com Felipe Neto veio depois de muita pesquisa da parte da roteirista sobre o cenário do Youtube Brasil. “A gente vivia um momento muito incerto aqui no Brasil e trabalhar com youtube parecia uma grana fixa. Eles recebem em dólar. Então eu pensei: eu vou listar todos os youtubers que são famosos em 2016. Fui listando os youtubers e comecei a pesquisar amigos em comum. Fui por esse caminho - conversando, tentando, mandando mensagem”. - Letícia Bulhões Padilha Esperar baterem na porta com uma oportunidade não é uma forma realista de encarar o mercado. Para completar, o caminho nem sempre é “óbvio”. Com tantas plataformas de exibição hoje em dia é possível diversificar abordagens e multiplicar caminhos. O que é preciso para ser “roteirista”? “Eu queria ser chamada de roteirista”, revela Bulhões Padilha. Essa é uma questão muito pertinente - quando podemos nos considerar verdadeiramente roteiristas? Sabemos que o roteirista é aquele que desenvolve roteiros, simples assim. Por outro lado, o “ser chamada de roteirista” envolve um pouco mais do que isso. Envolve um reconhecimento do mercado. Letícia divide um pouco do que envolveu o seu processo de reconhecimento: “para isso, enviei currículo para um monte de lugares. Fui escrever vídeo-aula, institucional, etc.”Quem vê crédito em série do Comedy Central nem sempre vê todo o trabalho de base. Um trabalho muitas vezes recheado de cursos, monitorias, freelas institucionais, vídeo-aulas, colaborações em projetos de conhecidos e muito mais. Como a própria Letícia reforça, tornar-se roteirista envolve se preocupar em “viver dos seus roteiros”. No começo, isso significa todo e qualquer tipo de roteiro que aparecer. Se você for um roteirista iniciante, é preciso muita bagagem e conhecimento antes de fazer uma maior “curadoria” em sua carreira. Saindo da zona de conforto Uma das perguntas mais recorrentes no nosso portal é sobre onde encontrar oportunidades como roteirista, ou mesmo produtoras dispostas a ler projetos originais. Não existe um “caminho das pedras”, um trajeto mágico e secreto que nunca ninguém contou. O que existe é trabalho e persistência. “Eu entrava nos sites e ia mandando e-mails”, explica Bulhões Padilha. Em seus e-mails de primeiro contato, Letícia se apresentava e falava um pouco sobre a sua trajetória e objetivo de escrever ficção, além de se disponibilizar a enviar um curta-metragem autoral (registrado na Fundação Biblioteca Nacional) como exemplo do seu trabalho. Em uma das vezes em que Letícia se predispôs a “maratonar” em um envio de e-mails para produtoras, de mais de 300 e-mails, a roteirista revela que marcou cinco entrevistas e conquistou três trabalhos diferentes como resultado da triagem, entre eles uma oportunidade no estúdio Super Toons, uma produtora especializada em desenhos animados para público infantil. “No Estúdio Super Toons foi onde eu mais me desenvolvi como profissional”, conta Letícia. Além de desenvolver a escrita, a roteirista também aproveitou a oportunidade de circular em eventos de mercado, como o Rio2C, em nome da produtora. Afinal, não basta escrever, é preciso ser visto, se apresentar ao mercado e conhecer as pessoas que podem conectar os seus objetivos aos caminhos mais frutíferos para a sua carreira. “Eu passei a ser cada vez mais requisitada nas reuniões de conteúdo da produtora, tanto dos jobs que ela pegava, quanto dos projetos que ela produzia”, comenta. “Depois de quatro anos lá eu decidi que eu já tinha aprendido muito escrevendo animação infantil. Eu já consegui ser chamada de roteirista, tinha produções com o meu nome na TV fechada, mas agora eu precisava sair da minha zona de conforto e ir atrás daquilo que eu realmente queria fazer”. - Letícia Bulhões Padilha Sair da zona de conforto não é fácil, principalmente quando isso envolve deixar para trás um trabalho fixo para se aventurar no competitivo mercado audiovisual. Nesse caso, o importante é não ficar parado: procurar seu nicho e desenvolver novas habilidades pode levar você para caminhos que você nem imaginava. Depois de um tempo trabalhando com pesquisa de conteúdo para o Felipe Neto, Letícia foi contratada pela Gullane para fazer uma consultoria temática de memes e brigas na internet para o longa-metragem “Incompatível”, do roteirista Paulo Cursino, ambientado justamente nesse universo dos youtubers. Pois é, a ponte entre o Youtube e uma grande produção para o cinema nacional era mais curta do que se imaginaria. “Tinha que escrever a briga entre os haters. Eles perceberam que por eu trabalhar com o Felipe Neto talvez eu entendesse um pouco desse universo mais acalorado dos fãs”, brinca Bulhões Padilha, que completa: “eu tenho o maior orgulho desse job, foi a minha primeira experiência em um roteiro de longa”. Em sua trajetória em busca de um caminho na comédia, Letícia encontrou no Youtube uma janela interessante para desenvolver novas habilidades. “Eu fui trabalhar com uma youtuber de Brasília, mas aí já não era só uma produção de conteúdo. Além da produção de conteúdo eu fiz o roteiro e a direção”. Letícia também trabalhou para o Luccas Neto, irmão de Felipe Neto e um dos maiores nomes no Youtube dedicado a conteúdo infantil. “Ele queria desenvolver um projeto para criança, mas que o público adulto criasse identificação também”. Depois de acumular experiência trabalhando com memes, tretas de internet e grandes youtubers, Letícia deu um novo salto em sua carreira através de um post em seu facebook - o famoso “manda jobs”. Nunca subestime o “manda jobs”. “A roteirista Julia Rodrigues Mota me sugeriu fazer uma postagem nas redes brincando com o fato de eu estar procurando emprego, então eu fiz uma postagem de uma foto do meu gato”. - Letícia Bulhões Padilha Não é por acaso que alguém da Viacom viu o post de Letícia e a chamou para uma conversa. Foram anos de contatos e eventos frequentados. A roteirista comenta que inclusive já trabalhou em um argumento de série em troca de um passe para o Rio2C, compreendendo a importância de frequentar os espaços certos para otimizar suas chances de conquistar uma oportunidade. Através dessa indicação de seu contato na Viacom, Letícia viria a trabalhar no programa “A Culpa é da Carlota”, do Comedy Central. “Me perguntaram porque eu havia sido indicada e eu falei que tinha trabalhado com o Felipe Neto pensando em ideias de vídeos. Foi aí que a Fernanda Leite, chefe de roteiro, disse: ‘então, a gente precisa justamente de alguém que pense ideias de quadros e temas que vão servir de escada para que os talentos façam graça, é basicamente a mesma coisa’. Eles precisavam de alguém que fizesse essa curadoria e entendesse o que tem graça e o que não tem. Me perguntaram se eu achava que eu era essa pessoa e eu disse que sim, eu era essa pessoa”. - Letícia Bulhões Padilha O lembrete aqui é para você manter o foco no seu objetivo, mas correr atrás do máximo de oportunidades possíveis que possam ampliar suas habilidades únicas. Volta e meia as oportunidades aparecem assim: “precisamos de alguém que entenda especificamente disso”. Para ser esse “alguém”, basta correr atrás dessas experiências. Trabalhando com humor “Eu sou mulher e eu escrevo comédia: ainda é um negócio que a gente precisa enfiar o pé na porta em 2020, imagina em 2010”, comenta Letícia, que depois de 10 anos dedicados ao meio audiovisual, divide conosco desafios e mudanças que ela percebe no cenário da comédia brasileira. “O ambiente da comédia era muito hostil. Em 2010 faltava muito um acolhimento, um ‘vamos aprender a fazer juntos’, uma generosidade. Até por isso eu tive muita dificuldade de mostrar os meus textos”. - Letícia Bulhões Padilha Embora reforce esses antigos “ranços” do mercado, Letícia afirma que “aos poucos tá começando a ter um certo acolhimento”. Para Bulhões Padilha, esse acolhimento é essencial. “Às vezes 40 minutos de conversa com aquele roteirista estreante já ajuda muito na carreira dele”, afirma, revelando que está sempre disposta a ajudar dentro das suas capacidades. Se o mercado do roteiro já é muito competitivo, quando falamos em trabalhar especificamente com humor, o desafio às vezes pode ser ainda maior. Por isso, perguntamos à roteirista que conselhos e perspectivas ela traz consigo sobre roteiristas estreantes que buscam ingresso na área. “Tem a questão do tom da comédia, que é muito difícil um roteirista estreante acertar ainda. É preciso ter um repertório antes”, comenta Letícia. “Normalmente o roteirista estreante, vamos dizer, gostava do ‘Sai de Baixo’ nos anos 90 e ria do Jackass, então ele vai tentar combinar um pouco de tudo o que ele gosta no mesmo projeto e não necessariamente isso tudo vai combinar. Não necessariamente isso sustenta uma história”. - Letícia Bulhões Padilha Letícia destaca a importância em entender como cada projeto de comédia se comunica com o público-alvo, sem perder o ritmo da narrativa. “O impulso do roteirista de comédia é colocar piada, mas tem que ter uma história ali também. A primeira coisa que você precisa se preocupar é em fazer a história. Uma história que tenha uma comicidade por trás. Aí sim você se preocupa com punchline” - Letícia Bulhões Padilha Além disso, ainda é preciso considerar o “tipo de humor” do seu projeto para entender onde ele melhor se encaixa no mercado. Letícia destaca a importância em estudar a programação das emissoras e compreender realmente qual o melhor espaço para o seu projeto. Não adianta apresentar um projeto genial de comédia para uma emissora que sequer trabalha com esse tipo de material. “Outra coisa a se pensar é para quem você está apresentando aquele tipo de humor. O Comedy Central tem um humor diferente do Multishow, por exemplo”, a roteirista contextualiza. Todo roteirista está no mesmo barco Letícia deixa claro que está sempre aberta a ajudar e manter contato com roteiristas iniciantes que precisam de um norte. “Eu me disponho a conversar, marco com a pessoa, pago um café, a gente bate um papo. A única coisa que eu peço é que um dia ela faça o mesmo por alguém também quando estiver no meu lugar”, ressalta. É bom deixar claro que é preciso ter certa noção na hora de fazer contato com outro profissional do ramo. Quer algumas dicas para entender melhor do assunto? Dá uma olhadinha na nossa matéria de 2019. Por fim, Letícia deixa um recado final para quem está começando no meio, conferindo ainda mais destaque a alguns pontos que mencionamos: “Vá atrás de trabalho. Apareceu vídeo institucional? Pega! Apareceu um infantil? Pega! Reality Show? Pega. Vá atrás de trabalho e mostre para o mercado que você é um roteirista. Antes de ser roteirista de comédia você é um roteirista. Se acostume a pagar as suas contas fazendo isso. Não fica focado na ideia de que ‘só vou fazer se for um roteiro de comédia’ ou algo do tipo. Eu comecei querendo comédia em 2010, mas eu fui escrever o Carlota em 2019. O caminho é longo”. - Letícia Bulhões Padilha O caminho é longo e ele não é o mesmo para todo mundo. Dito isso, é claro que existem algumas metas em comum: pratique, faça contatos, vá em eventos, participe de concursos, etc. O que não dá é para ficar parado, esperando que o seu talento seja reconhecido por quem nem ao menos sabe que você existe. Também não dá para apostar todas as suas fichas naquele único projeto interminável que você jura ser o “maior sucesso de todos os tempos”. Quer ser roteirista e está começando? Um passo de cada vez. Primeiro, invista na sua formação. Depois, viva daquilo que você escreve. Aos poucos você desenvolve seu estilo e as habilidades necessárias para conquistar oportunidades que te levem além. #roteiro #roteirista #audiovisual #série #sérienacional
- Desafio das 5 Páginas: construção de atmosfera
Em nosso novo Desafio, exploramos mais três roteiros de leitores da página para entender como construir atmosferas poderosas em roteiros Você valoriza as descrições dos seus roteiros? Existe um perfil de roteirista que busca ser o mais prático e sucinto possível. Embora não esteja errado, caso essa estratégia seja levada às últimas consequências, você pode acabar prejudicando a atmosfera da sua obra. Afinal, como funciona essa coisa de construir atmosfera no roteiro? Roteiro, como bem sabemos, não é apenas um mapa, um guia com falas e descrições. É claro que o objetivo final de um roteiro é se tornar um filme ou série, mas não podemos esquecer que o primeiro contato ainda será com a escrita. Para potencializar a experiência desse primeiro leitor, a construção da atmosfera fará toda a diferença no momento da leitura. Você não quer apenas apresentar uma cena de ação ou um diálogo dramático. Você quer que o seu primeiro leitor se sinta parte do seu universo narrativo e que em momento algum sinta que está lendo apenas um manual de instruções genérico. Vamos explorar melhor esse tema a seguir, mas antes de mais nada não deixe de conferir o vídeo produzido pela nossa parceira Carol Santoian, que se inspirou em alguns dos roteiros selecionados em nosso Desafio para falar do tópico! Assista: Tchekhov e a atmosfera Em um artigo bem interessante no portal Industrial Scripts, o famoso princípio de Tchekhov é resgatado para lançar uma luz sobre esse tema. Nele, o dramaturgo sugere que se o autor apresenta uma arma no primeiro capítulo de uma história, essa mesma arma precisa ser disparada em um capítulo posterior. Se ela não for disparada, então ela não deveria estar lá. Para compreendermos o papel desse princípio na construção ativa da atmosfera de um filme, a matéria traça um paralelo com o filme “Corra!” (2017), do cineasta Jordan Peele. Em um primeiro momento, a cabeça do animal morto exibida como um troféu serve como elemento atmosférico. Chris se encontra em um ambiente hostil e predatório. O elemento, enfim, não encerra sua participação ali. Pelo contrário - acaba se tornando elemento ativo no plot. Chris utiliza a cabeça do animal para salvar sua vida próximo do final do filme. Construindo atmosferas Segundo matéria da Scriptmag, “atmosfera é a experiência visceral criada pelo ambiente de uma cena”. Em outras palavras, a sensação construída a partir dos próprios elementos que compõem a ambientação, de objetos à questões naturais. Para isso, como mencionamos, não basta distribuir descrições genéricas. É preciso “ir além do óbvio”. A atmosfera em um roteiro mostra o domínio do artista sobre o seu universo, que deve apresentar uma singularidade. De acordo com a matéria, existem pelo menos três grandes oportunidades para explorarmos a atmosfera em um roteiro. Atmosfera pela locação O local onde a história acontece exerce uma força determinante na hora de criar uma atmosfera única. A matéria da Scriptmag apresenta a cena de abertura de “Cidadão Kane” (1941) como grande exemplo desse ponto. Elementos descritos como “uma janela, distante, iluminada”, “em volta quase tudo é escuro” e o imenso “K” apresentado na cena ajudam a construir uma atmosfera única e sinistra, que denota uma tristeza aparente. Atmosfera pelos elementos naturais Além do local em si, elementos naturais como clima e momento do dia também ajudam a otimizar a atmosfera da história. A tempestade do outro lado da janela fechada do castelo sombrio não é por acaso! Bem como a neve aparentemente infinita que reforça o isolamento melancólico daquele casebre de madeira. Atmosfera através da música Essa não podia faltar: a música é capaz de extrair de nós uma série de sensações e também é um elemento poderoso na hora de construir atmosfera. Sugerir música no roteiro pode muito bem ajudar a criar aquele clima de solidão, ou felicidade, ou mesmo indicar que uma personagem fez uma importante descoberta. Sem contar nos filmes de faroeste, que são campeões na arte de apresentar um perigoso forasteiro a partir de indicações musicais. Sobre o uso da música e ritmo no roteiro, escrevemos um outro artigo que você pode acessar através deste link! A atmosfera nos roteiros dos nossos leitores Vamos começar nossas análises com o roteiro "Às Seis, em Ponto", de Andréa Cohim. Quem comenta o roteiro é Carol Santoian, que destaca a pressa do roteiro em ressaltar alguns dos seus elementos estranhos na construção da atmosfera de terror. “Nas primeiras cinco páginas do roteiro somos apresentados a Dolores - uma mulher um tanto misteriosa, que trabalha atendendo pessoas em uma ONG e que assiste programas de TV sensacionalistas”, começa Santoian, que completa: “A cena inicial é pontual em apresentar que estamos diante de um roteiro de terror. Mas, se por um lado é interessante evidenciar os elementos do gênero, por outro, nós temos uma cena gore que não nos dá medo ou gera tensão. A construção se apressa em indicar que há algo de estranho ali - com sons e barulhos que abrem o roteiro. Acredito que para a construção da tensão, a cena poderia partir de algo mais cotidiano e, aos poucos, introduzir os elementos que o perturbam (como o rádio que toca, as pancadas e os sibilos). Dessa forma, quando o vestido e seus efeitos no corpo da protagonista fossem mostrados, eles teriam mais impacto em nós e não seriam apenas imagens grotescas. Mas, mesmo que essa introdução peque em construir essa tensão, o som é trabalhado de forma interessante no roteiro, devendo apenas ter cuidado para não ser banalizado”. Segundo Santoian, as reflexões e curiosidades que as cinco primeiras páginas de “Às Seis, em Ponto” deixa no imaginário do leitor são interessantes o suficiente para seguir adiante (o que é muito importante em um roteiro). A construção da atmosfera, de uma maneira simplificada, confere “sabor às palavras”. Manter a curiosidade do leitor (e, consequentemente, do futuro espectador) é um dos grandes objetivos aqui. “Essa apresentação fragmentada, que pretende criar um mistério ao redor da protagonista, é eficiente em gerar curiosidade, mas, por não explicar quase nada sobre o que realmente se trata a trama, acaba por transformar tal qualidade em confusão”, comenta Santoian, ressaltando um cuidado importante. A atmosfera deve trabalhar a favor da trama e não torná-la ainda mais confusa. Para entendermos na prática a construção de atmosfera através dos elementos do ambiente, Ian Perlungieri comenta o roteiro “Ocultos”, de Igor Fonseca. Ian destaca os elementos que trabalham a favor da atmosfera na trama: “Nas primeiras cinco páginas de Ocultos, de Igor Fonseca, nos aproximamos de um casebre meio escondido por um milharal. É lá que conhecemos Ana, que tenta fazer seu filho recém-nascido dormir. Em seguida, ela atende uma ligação da mãe e, em razão do sinal da telefonia celular, precisa ir para fora de casa informar para a mãe os pormenores do batismo do filho na semana seguinte. Terminada a ligação, um barulho esquisito vindo da plantação lhe desperta estranheza, mas é só o seu cão, Thor. Porém, o cachorro passa a rosnar para o milharal, enquanto outros cães nas proximidades latem e uivam. Thor avança contra o milharal e desaparece da vista de Ana, mas conseguimos escutar um uivo de dor e, em seguida, o silêncio”. Para reforçar a tensão, o roteiro cria um impedimento que dispara uma ação da personagem, que então precisa se deslocar para fora da casa se quiser se comunicar com a mãe. Pequenos elementos surgem e reforçam a atmosfera estranha daquele ambiente, mas são facilmente explicados pelo roteiro. Até que o cão começa a rosnar para o milharal, um ambiente denso e estranho, que deixa para a imaginação do leitor tudo o que possivelmente há do outro lado. “As cinco primeiras páginas de Ocultos são eficientes, estabelecendo claramente o tom do projeto. O isolamento interiorano, a ameaça invisível e as referências religiosas – como o batismo e a oração de Ana – se inspiram em clichês do horror para estabelecer um pacto muito claro com seu espectador, o que é sempre bem-vindo”, comenta Ian. De fato, a utilização de elementos que fazem parte do imaginário popular associado a determinados gêneros é um atalho muito interessante para uma atmosfera imediata. Afinal, o leitor já associa certos elementos a determinados climas. Assim, o autor pode “surfar a onda” desses elementos, ou mesmo quebrar suas expectativas. Sobre a ambientação, Ian levanta certas sugestões: “Nota-se, porém, que apesar de apresentar coesão temática em seu início, a ambientação do projeto poderia ser ainda mais explorada. A tensão com o desconhecido também poderia ter sido refletida, por exemplo, na reação de Ana com o repentino ganido de Thor. Ou, ainda, mais tempo antes de Ana finalmente decidir colocar o bebê na cadeirinha e pegar uma faca na cozinha. Outra ideia, se estiver de acordo com o futuro do projeto, é apresentar rastros de sangue em direção ao milharal quando Ana sai de sua casa à procura de Carlos”. De qualquer forma, “'Ocultos', segundo Perlungieri, é “um projeto maduro, que usa bem o silêncio, construindo uma atmosfera tensa e escolhendo, com sabedoria, as informações que irá ceder aos espectadores”. Falando em elementos atmosféricos que dialogam com questões do imaginário popular, Ian também comenta “Sara”, roteiro de Barbara Balian. “Nas cinco primeiras páginas de Sara, de Barbara Balian, conhecemos Sara, uma freira cuja exaustão é palpável, tanto por suas olheiras quanto por suas ações, como o ‘respirar fundo’ e a ‘recuperação do fôlego’, começa Perlugieri, que segue seu comentário: “Em sua cela, Sara liga um rock em seu aparelho de som e dança sozinha até se lembrar de algo. Essa repentina lembrança, no entanto, pode soar artificial. Por que ela se lembraria de algo naquele exato momento? Talvez uma ação externa desperte a lembrança nela, como uma palavra da música ou um barulho diferente. De qualquer maneira, Sara se dirige a entrada do convento para trancar uma última porta, mas encontra uma mala por lá. Ao abrir a mala, surpreende-se com um cadáver em seu interior. O susto de Sara é o mesmo que o do espectador, o que é muito bem-vindo. Afinal, as cinco primeiras páginas de Sara são bem eficientes em nos colocar lado a lado com a protagonista. Sugere-se, porém, plantar a ideia do suspense de modo sutil focando, por exemplo, no sangue da imagem de Cristo. Dessa maneira, se cria um prenúncio do que está por vir”. Ian Perlungieri faz algumas sugestões e reflexões que podem ajudar o roteiro: “Ademais, talvez possa somar ao projeto o acréscimo de descrições. Ou, ainda, detalhar o tamanho da mala, uma vez que não se trata de uma mala pequena, mas sim grande o suficiente para caber um cadáver em seu interior. Além disso, se no início estamos próximos do rosto de Sara e no fim das cinco páginas é ela quem pega o telefone e roda os números, por que nos separamos de Sara quando ela vai buscar a morfina para a Madre Superiora? Talvez seja interessante estarmos com ela nesse momento também, já que a personagem é o nosso primeiro contato com o projeto e estamos com ela na maior parte do tempo". Perlungieri reforça que o projeto "acerta ao tridimensionalisar rapidamente a protagonista". Como sempre mencionamos, personagens densas conferem a trama uma potência única. Em "Sara", acompanhamos contradições e tensões muito bem apresentadas para as 5 primeiras páginas. Não deixe a "regra" limitar a criatividade Como em qualquer outro tema, há muito mais que poderíamos citar sobre construção de atmosfera. Queremos ampliar esses e tantos outros assuntos em novas entrevistas e artigos para o portal. Dito isso, queremos deixar um recado final sobre o assunto: "regras" são importantes, mas cuidado para não perder "o sabor das palavras". Um roteiro é escrito para ser filmado - ele não é uma obra final. É por isso que ele precisa atender a algumas regras de formatação e escrita. Independente disso, é preciso mencionar que a "carreira" de um projeto no mercado não costuma ser assim tão curta. Isso significa que muito provavelmente seu roteiro vai passar por diversas mãos e olhares críticos antes de ter qualquer oportunidade de ser gravado. Essas pessoas precisam se sentir cativadas, convidadas a imaginar seu universo, construir suas cenas com o uso da imaginação. São pessoas que precisam captar o tom da obra apenas através de palavras, que precisam entender o ritmo para saber onde o projeto melhor se encaixa. A atmosfera é muito útil nesse momento. Por isso não basta descrever - é preciso encantar. Por mais "marqueteiro" que isso pareça, acredite - é real. Às vezes vale mais "deslizar um pouco" nas regras de escrita para passar a atmosfera necessária. Não esqueça: escrever roteiro não é uma prova do ENEM. Você nunca vai ver uma pessoa falando: "muito bom o roteiro, mas vi três erros de formatação, então ele tá fora". Tenha bom senso, mas lembre-se que é o enredo que faz a diferença na hora de um projeto ir para frente ou não. #roteiro #audiovisual #cinema #desafiodas5páginas #roteirista
- Como trabalhar duplo protagonismo no roteiro?
Como melhor trabalhar com mais de um protagonista em seu filme ou série? Trazemos um texto da Creative Screenwriting cheio de dicas e reflexões sobre o assunto A protagonista é a personagem principal da história. É a força motriz central da narrativa e passa pela maior transformação física, emocional, intelectual e espiritual. O universo da história é revelado por meio de sua perspectiva e o envolvimento do público cresce na medida em que os conflitos e obstáculos são resolvidos. E quando queremos tratar de dois protagonistas em nossa história? Quais estratégias considerar? Quais opções criativas existem à nossa disposição? Traduzimos e adaptamos o texto do Creative Screenwriting sobre isso, para ajudar na construção do duplo protagonismo de maneira mais interessante. Acompanhe! Primeiras questões a se considerar O caso de ter dois protagonistas é um daqueles tópicos de escrita de roteiros que divide opiniões e é inteiramente determinado pelas preferências estilísticas de quem escreve. Várias protagonistas podem complicar a história, mas isso foi feito com sucesso muitas vezes ao longo da história do cinema. Ao considerar se você deve ou não usar duas protagonistas, questione se a narrativa seria ou não mais forte e simplificada com um único protagonista. Por que a necessidade de vários protagonistas? Essa escolha estilística tem uma função prática? Tem função simbólica? A história transita suavemente entre as perspectivas? Com a mudança de perspectivas, a coerência é a chave. Seu público pode perder a conexão com a narrativa se o foco mudar muito. Quando feitas corretamente, as narrativas devem se entrelaçar perfeitamente. Costure os mistérios, levando à próxima cena. Faça o público questionar o que vem a seguir, mas nunca permita que eles parem por estarem completamente perdidos. Isso vai estragar o fluxo. Dito isso, uma história fascinante pode ser contada alternando entre a pessoa que é o objeto do mistério e a pessoa que o resolve, por meio de dois pontos de vista que ilustram esse determinado elemento de mistério. É importante pensar sobre como os protagonistas se cruzam e se relacionam em termos de tema. Eles estão na mesma jornada ou em seus próprios caminhos únicos? De qualquer forma, a transformação de uma personagem deve coincidir com a do outro de alguma forma significativa. Saiba diferenciar as estratégias narrativas de protagonismo O roteirista Scott Myers defende a diferença entre protagonistas duplos e co-protagonistas. Co-protagonistas: duas personagens iguais compartilham uma jornada. Protagonistas duplos: duas personagens iguais têm sua própria transformação única. O exemplo mais claro de co-protagonistas no cinema pode ser encontrado nas duplas de comédias do cinema mudo, como Laurel e Hardy ("O Gordo e o Magro"). Cada roteiro tem vários enredos com narrativas paralelas. É mais comum na televisão, porque seus arcos de história precisam ser concluídos dentro de um episódio único, ao mesmo tempo que se ligam aos arcos gerais da temporada/série. Sem mencionar todas as linhas de personagens individuais dentro desses sistemas. Por enquanto, vamos nos concentrar nos recursos. Quando se trata de narrativas paralelas, são geralmente apontadas seis categorias principais - três das quais se aplicam aqui. 1. Narrativas paralelas Essas narrativas são frequentemente contadas por meio de enredos de personagens individuais igualmente importantes (micro-enredos). Várias protagonistas têm suas próprias histórias que servem ao macro-enredo - o enredo abrangente que as une. As histórias são geralmente truncadas, o que significa que são quebradas em intervalos claros de atos ou partes separadas - embora sejam conectadas por temática direta. Exemplos de narrativas paralelas são as obras de Alejandro González Iñárritu e Guillermo Arriaga - "Amores Brutos", "21 Gramas" e "Babel"; "Pulp Fiction: Tempo de Violência", "Simplesmente Amor", para citar alguns. 2. Múltiplos protagonistas Um grupo de personagens trabalha junto para completar uma jornada ou objetivo. O número mais comum de personagens para o grupo é quatro, mas conjuntos maiores ou menores podem se unir para algumas batalhas épicas. Os exemplos incluem "Os Vingadores - The Avengers", "Se Beber, Não Case" e "Viagem das Garotas". 3. Jornadas duplas Quando duas protagonistas igualmente importantes se aproximam, se afastam ou encontram paralelos fisicamente, emocionalmente ou ambos. Essas jornadas duplas geralmente têm um conjunto de histórias A, B e C. A - Personagem 1 B - personagem 2 C - Jornada compartilhada. Em "O Segredo de Brokeback Mountain", vemos dois protagonistas em oposição aos co-protagonistas, porque Ennis e Jack têm suas próprias histórias que convergem, se separam, correm paralelamente e, em seguida, convergem novamente. A: Ennis Del Mar - casa-se com Alma e tem duas filhas. B: Jack Twist - muda-se para o Texas e casa-se com Lureen. Mas o amor que eles compartilham um pelo outro sempre os traz de volta, mesmo que apenas por um breve momento doloroso. C: Seu amor reprimido. Esta é a força motriz de cada personagem e que informa as vidas separadas que eles fazem para si próprios. A gravidade os fez colidir. A colisão de sua paixão e a força na repelência imediata de seus verdadeiros desejos os conduzem a um amor não realizado. "Os Suspeitos", escrito por Aaron Guzikowski, é outro grande exemplo de duplo protagonismo, abordando o caso de uma criança desaparecida de diferentes ângulos desse tema central: os dois lados da justiça. Dover recorre à justiça dos vigilantes, fazendo justiça com as próprias mãos, enquanto Loki anda na linha tênue da legalidade. Objetivos internos x objetivos externos Frequentemente, em narrativas duplas e com co-protagonistas, uma personagem tem um objetivo externo, enquanto a outra tem um objetivo interno. Em "Toy Story", o ciúme de Woody de ser substituído pelo novo brinquedo de Andy, Buzz Lightyear, faz com que os dois fiquem presos. O objetivo de Woody é não ser substituído. Buzz precisa perceber que ele é um brinquedo e não um cadete espacial real. Seu objetivo em comum é voltar para seu dono. O uso de protagonistas duplos permite que roteiristas explorem uma visão mais detalhada e matizada da história a partir de diferentes perspectivas. Isso abre muitas possibilidades narrativas. E aí, o objetivo é fazer isso sem que o público esteja 100% ciente. Encontrar uma maneira de suas narrativas ou mundos se conectarem de alguma forma é vital para criar um enredo coeso.















