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Escrevendo como Tarantino

O diretor e roteirista Vitor Mafra se inspira nos roteiros de Quentin Tarantino para falar sobre gênero, voz autoral e construção de cena

Imagem: reprodução

Estudar roteiro também significa estudar o trabalho dos grandes mestres do cinema. É a partir das suas obras que entendemos muito sobre técnicas, efeitos e estilos que marcam gerações e ganham o coração do público.


É exatamente essa a premissa do curso “O Roteiro no Cinema do Tarantino”, ministrado pelo professor, diretor e roteirista Vitor Mafra, que nos contou um pouco do que vai rolar no curso e o que podemos aprender com os roteiros de Quentin Tarantino.


Além de dar aulas pela Roteiraria, Vitor Mafra também tem uma extensa carreira como diretor e roteirista, assinando títulos como a série de TV “Zé do Caixão” e o longa-metragem “Lascados”. Durante o papo falamos sobre voz autoral, construção de cena, combinação de gêneros e muito mais!


Quem é Vitor Mafra?

Imagem: arquivo pessoal

Vitor Mafra começou sua carreira na MTV em 1990, como editor e posteriormente diretor das criativas vinhetas do canal. A experiência em televisão o aproximou do diretor Fernando Meirelles, que o contratou como assistente. Foi diretor na O2 Filmes por mais dez anos. Lá, produziu e dirigiu seu primeiro curta: “Entre Tuas Rodas”, exibido em festivais nacionais e internacionais.


Em 2010, co-dirigiu com o diretor Eric Lenate a montagem brasileira da peça “Celebração”, de Harold Pinter (Prêmio Nobel de Literatura). Em 2013, rodou seu primeiro longa, “Lascados”, atualmente disponível no Netflix. Entre os mais diversos trabalhos para a TV, criou, escreveu e dirigiu a aclamada série, ‘“Zé do Caixão” (Canal Space/Turner) com Matheus Nachtergaele no papel do ícone do terror brasileiro.


Sua recém lançada série documental “Milton e o Clube da Esquina” é atualmente um dos programas de maior audiência no Canal Brasil. Vitor se especializou em criar, roteirizar e dirigir séries ficcionais e documentais, colaborando com os mais importantes players e produtores do mercado. Após anos dedicados à parte prática do audiovisual, passou a integrar o corpo docente da escola de roteiro Roteiraria, com um ciclo de aulas em que analisa a escrita do diretor Quentin Tarantino.


Sobre o curso

Imagem: reprodução

Com uma carga horária de 8 horas de duração distribuídas em 4 aulas, o curso “O Roteiro no Cinema do Tarantino” foca principalmente na análise aprofundada de quatro grandes obras do autor: “Pulp Fiction” (1994), “Jackie Brown” (1997), “Bastardos Inglórios” (2009) e “Era Uma Vez em Hollywood” (2019).


“A primeira coisa que vamos discutir é como se aproximar de um filme”, comenta Mafra, explicando a didática através das “camadas”. “Vamos colocando camadas, do externo para o interno. Primeiro analisamos o gênero, depois as personagens, então a estrutura narrativa”, completa.


Cada obra do autor serve como verdadeiro case para debater ferramentas específicas que fazem parte do seu estilo: da combinação de gêneros e referências à cultura pop em “Jackie Brown” à forma como Tarantino altera o curso da história, como é o caso em “Era Uma Vez em Hollywood”.


“Por fim, chegamos na célula. Ou seja, como funciona uma cena”, explica Mafra. Para o professor e roteirista, é no desenho das cenas que Tarantino brilha, mas muitos projetos acabam encontrando dificuldades. Mafra responde: “esse é um dos principais problemas que identifico nos roteiros em geral. Às vezes a pessoa tem ótimas ideias, sacadas, premissas boas… Mas quando você chega na cena, percebe que ela não tem ritmo, que ela não funciona”.


“O Orson Welles que disse: ‘o filme nada mais é do que um desfile de boas cenas’. Por isso que a gente vê filmes com grandes ideias e uma super premissa, mas que não vão bem por causa das cenas, que podem sair tortas, sem energia para levar o espectador a querer ver a próxima cena”. - Vitor Mafra

Qual é, afinal, um dos principais pontos dessa célula? No caso de Tarantino, os diálogos. São os inventivos diálogos do autor norte-americano que conferem profundidade a personagens secundários, expõem o tema com sutileza, dão maior vida ao universo como um todo e o principal, impulsionam o filme para frente.


“Quando analisamos o filme, os pontos de virada, os pontos importantes, por fim você vai chegar no tema. Os bons filmes escondem o tema, os filmes ‘não tão bons’ mostram o tema lá na frente o tempo inteiro”. - Vitor Mafra

Fazer uma análise fílmica de um roteirista com uma voz autoral tão forte quanto o Tarantino é um ótimo guia para “desconstruir o processo”. É como se você retirasse todas as peças que compõem aquelas obras para, então, entender de fato o que faz o motor da história operar. “Entrar na cabeça do cara, nas decisões que ele tomou, gera muito conhecimento”, resume Mafra.


O estilo Tarantino de escrever

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Para Mafra, “Tarantino tem uma voz autoral muito forte que começa na própria escrita”. De fato, basta ler um roteiro do cineasta para entender o ponto. Vitor Mafra acredita que o ritmo das cenas e a grande riqueza literária exibida pela perícia do autor são grandes destaques que garantem uma leitura prazerosa de seus roteiros. “É fácil identificar a grande influência da literatura pulp americana em Tarantino”, explica Mafra.


Como é transmitida essa voz autoral nas obras do Tarantino? Segundo Mafra, vai “desde o vocabulário, às gírias, jeito de dividir cena, blocar os movimentos em cena”. Acima de tudo, os roteiros do Tarantino exibem muito bem o tom do filme. Acertar o tom no roteiro nem sempre é uma tarefa fácil, mas é essencial na hora de capturar a atenção e o entendimento de quem o lê.


“Tarantino abertamente já disse que para seus diálogos se inspira muito no Elmore Leonard, autor de ‘Jackie Brown’”, comenta Mafra, revelando um pouco do universo referencial literário de Tarantino. Nascido em 1925, Elmore Leonard foi um escritor norte-americano e roteirista conhecido principalmente pela qualidade dos seus diálogos, trabalhando em gêneros como western, suspense e thrillers muito focados em crimes. Para Mafra, certamente um dos melhores dialoguistas da literatura norte-americana.


Com essa inspiração em mente, fica fácil entender que a referência vai muito além da imagem. Referência de estilo e ritmo para a escrita em si do roteiro é um bom caminho para construir cenas fluidas e prazerosas para o leitor. “A voz do Tarantino tá no diálogo, mas também tá no cabeçalho, tá nas rubricas, tá em tudo. Essa ironia e humor constante tá em tudo”, Vitor Mafra comenta sobre a voz autoral nos roteiros do autor.


“O roteirista precisa achar sua voz. Em termos de formatação, claro que tem coisas técnicas importantes que todo mundo precisa saber, mas principalmente encontre a sua voz no texto”. - Vitor Mafra

Isso significa que, na hora de escrever uma cena, você precisa pensar muito além das ferramentas de construção dramáticas. Você precisa pensar na construção da sua frase, como diz o próprio Mafra.


“Não é só uma descrição da cena. Tudo é ritmo, tudo é intenção. Que verbos você vai escolher para aquela cena? Isso é muito mais importante do que qualquer regrinha”, resume Mafra, que lança um recado: “para quem escreve, essa intersecção entre roteiro e literatura tem que ser constante”. - Vitor Mafra

O poder das cenas longas

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Muito além da combinação de gêneros e do conhecimento sobre a cultura pop espalhado pelo roteiro, Tarantino detém um domínio sobre a construção de suas cenas. Muitas delas, por sinal, são longas e apresentam mais de um vetor narrativo. Há muitas vezes ações paralelas que irradiam tensão, interrompem e comentam a ação principal.


Cenas icônicas com unidades fortes, que impulsionam diferentes vetores. “São camadas e camadas de decisões por cena, que às vezes duram quase vinte minutos”, Mafra contextualiza, apontando que dentro de uma mesma cena você tem, por vezes, “grandes movimentos dramáticos, brechas surpreendentes, clímax, pontos altos e pontos baixos”. Ou seja, um organismo muito complexo.


Para quem busca um caminho mais formulaico, uma cena de 4 páginas pode acender um sinal vermelho. Não basta escrever cenas longas, é preciso ter o domínio dessas nuances e diálogos poderosos para capturar a atenção do público. De toda forma, esse lembrete é importante, pois conecta com outro recado dado por Mafra: “a escrita é um bom lugar pra você se atrever, sair da sua zona de conforto”.


Assim, concluímos que as ferramentas de roteiro devem servir à voz autoral do criador (e não o contrário). Aquela famosa premissa: “trate as regras como guias e não como verdades absolutas”. Mais do que isso, lembre-se de estudar e se amparar em elementos que vão além dos livros de roteiro e dos índices narrativos que bem conhecemos. Sua escrita é interessante? Você transmite o tom da sua obra através das palavras? Você conduz o leitor a entender o ritmo da cena e seus pontos de tensão? A palavra tem poder, afinal de contas. Use-a com sabedoria.


Curso “O Roteiro no Cinema de Tarantino”


Informações


Início:

17/05/21


Carga Horária:

8 horas-aula

(4 encontros)


Quando:

segundas-feiras

Horário:

19h às 21h


Programa:

1 vez/semana

2 horas/dia


Para mais informações, acesse:



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