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Criando séries originais, com Bia Crespo

A roteirista explica sobre o processo de venda de séries autorais, dando dicas de desenvolvimento, caminhos e gêneros em alta

"Ted Lasso"
"Ted Lasso". Imagem: reprodução

Assinar o roteiro de uma série original é o sonho de muita gente do audiovisual - e com razão! Uma narrativa seriada dá espaço para vários pontos de vista, personagens interessantes e discussões duradouras.


Mas não é tão fácil assim. A ideia de desenvolver um universo original inteiramente por si só pode não ser o melhor caminho a se seguir, principalmente quando se fala em séries comerciais. Mas então, como começar a pensar em séries originais? O que desenvolver? No quê apostar?


Conversamos novamente com a roteirista Bia Crespo sobre isso, que agrega experiências em canais como Globoplay e HBO. Bia explica quais as melhores abordagens para criar séries com viés popular, quais materiais desenvolver e muito mais.


Além disso, ao final da matéria, você já fica sabendo mais sobre nossa próxima edição do LAB 51 com a TDC Conteúdo. Confira!


As séries na carreira de Bia Crespo

Bia Crespo
Bia Crespo. Imagem: Condé+

Bia Crespo é roteirista, co-fundadora da TDC Conteúdo e já trabalhou como produtora em várias séries (como "O Negócio" e "PSI", por exemplo). Ela afirma que começou sua carreira de roteirista no FRAPA 2019 com uma série, tentando vender a série "Robin", em co-autoria com Ray Tavares. Essa foi a primeira experiência autoral de fato.


Antes disso, Crespo participou como colaboradora na série "O Doutrinador", da Paris Entretenimento, numa sala de roteiro com Mirna Nogueira e Denis Nielsen. Em 2021, integrou a sala de roteiro da série inédita "Rensga Hits!", prevista para estrear em 2022 na Globoplay. "Foi uma sala incrível e maravilhosa, que gosto muito", comenta. Crespo trabalhou na sala junto de Renata Corrêa, Otávio Chamorro, Vitor Rodrigues e Nathália Cruz.


Além disso, Bia Crespo trabalhou em uma ideia de série original junto de Ray Tavares com a Conspiração, onde assina co-criação e desenvolvimento da bíblia. Outros trabalhos atuais dela são séries para PBA Buenos Aires e Chatrone.


Saiba mais sobre Bia Crespo clicando aqui.


Da idéia à venda


Sala de roteiro de "Rensga Hits!"
Sala de roteiro de "Rensga Hits!". Imagem: arquivo pessoal Bia Crespo

Frequentemente, surge a pergunta: "É mais fácil vender uma série adaptada ou original?"


Enquanto não há resposta absoluta, Crespo opina: "Acho que é mais certeiro apostar em IP [propriedade intelectual], mas é muito raro ter dinheiro para comprar os direitos. A corrida por obra literária está absurda, as produtoras sabem que é mais fácil vender uma obra adaptada. Então, para conseguir encontrar um livro que seja comercial mas ninguém comprou ainda, é difícil".


E foi assim que Crespo, inclusive, começou a entrar no mercado das séries autorais. Seu projeto seriado "Robin" foi desenvolvido junto da autora Ray Tavares, a partir de um conto de Ray. Portanto, Crespo apostou numa parceria. E para quem pensa em fazer isso, ela dá a dica:


Eu recomendo fazer o que eu fiz com a Ray: muitos autores têm vontade de ir para o roteiro. Muitos deles têm muitos conhecimento de como funciona o mercado e o feedback do público. Sinto que os escritores são um pouco menos sensíveis que roteiristas para receber feedback e adaptar narrativa. Aí, a dica é: se você conhece autores que querem adaptar suas obras, faça uma parceria! Encontre algo que fique bom para os dois. - Bia Crespo

No entanto, séries originais são muito interessantes também - tanto para roteiristas quanto para o mercado. Mas, nesse caso, Crespo afirma que existe um trabalho bem complexo que feitura de bíblia, já que é preciso colocar "todas as regras, todos os arcos de personagem" e só daí partir para os roteiros. Em "Rensga Hits!", o trabalho de Crespo e da sala de roteiro começou a partir de uma bíblia de venda, por exemplo.

Atypical
"Atypical". Imagem: Netflix

Então, você decidiu desenvolver uma série original. Ótimo! Mas é preciso saber de algumas coisas de antemão. Por exemplo, quais as diferenças entre vender um longa e uma série para um player?


Quando vamos apresentar um longa, as pessoas estão mais dispostas a comprar uma ideia, uma premissa. Porque a gente sabe que é menos trabalhoso desenvolver uma premissa para longa do que para série. Já consegui vender longas que não tinham necessariamente muito 'meio', porque depois isso muda. Com séries, não vejo isso acontecer. As pessoas são muito criteriosas com a história. Elas querem ter certeza de que tem um arco bem sólido, que os personagens são exploráveis e têm veias dramáticas e, principalmente, se vai ter fôlego para mais temporadas. É o que mais escuto. - Bia Crespo

Nisso, Crespo afirma que um problema muito comum é se empolgar e criar toda a história da primeira temporada, esgotando tramas e personagens, sem pensar muito além. Ou então, criar uma história de longa-metragem "esticada" no formato de série. "Fica na nossa cabeça essa ideia de fazer uma série e às vezes não tem história pra isso", diz. "É algo muito complexo, com muitos personagens. É preciso perguntar: esse personagem gera uma série?"


Quer um exemplo? Bia Crespo oferece: "Temos que tomar muito cuidado com o tipo de série 'Crônicas da vida real'. Deve ter ficado aquele legado de 'Friends' e de 'Seinfeld'. É legal retratar o dia a dia, mas é um pouco ultrapassado quando é simplesmente 'a vida de 3 amigos de 30 anos no bairro tal'. Não dá, tem que ter um diferencial".


Crespo elabora: "Temos séries como 'Special', 'Please Like Me' e 'Atypical', que são mais ou menos isso, têm elementos parecidos mas tem coisas nos protagonistas que se diferenciam muito do que já vimos. Acho que a gente precisa pensar muito no que os nossos personagens têm de diferente para ter uma série".


E, para ajudar nisso, nada melhor do que apostar em histórias da nossa própria vida, ou então apostar fundo na pesquisa para entender como construir personagens interessantes que não estão sendo exploradas no mundo das séries.


Mas e as minisséries, como ficam?

"O Gambito da Rainha
"O Gambito da Rainha". Imagem: The New York Times

O audiovisual brasileiro já conhece muito bem o formato de minisséries. Porém, recentemente, esse formato andou ganhando o coração da audiência - e também dos players, que perceberam o enorme sucesso da minissérie "O Gambito da Rainha" (The Queen's Gambit, 2020/Netflix).


E aí, como vender uma minissérie? É sorte? É uma boa aposta?


"Quando eu estava fazendo 'Robin', em 2019, a regra era: 'não fazemos minisséries. Passar longe'", conta Crespo. "Minissérie era algo que só tinha na Globo, depois das 23h, só autores famosos faziam. Mas o que aconteceu? 'O Gambito da Rainha'. Então, agora, fazemos minisséries e sim, tem demanda por isso". Que ótima notícia!


Mas a roteirista atenta: "Aí, a competição é grande e não tem tanto espaço. Por que? Porque quando a gente monta o circo que é uma primeira temporada, o player está investindo em algo que é pra gerar várias temporadas, para ganhar dinheiro a longo prazo", explica. "Se ele está investindo aquele dinheiro para fazer uma só temporada, precisa ser 'A TEMPORADA', um negócio que todo mundo vai assistir e comentar. Ou, por exemplo, essas séries documentais, de true crime, que são minisséries populares".


Então, dá para perceber que os streamings têm muito mais abertura hoje em dia (inclusive de gênero), mas é preciso cautela. "Tem muito mais demanda por séries ainda", afirma Crespo.

É preciso refletir por que é uma minissérie e não um longa. Como os dois têm um arco fechado, tem que pensar muito bem por que essa história precisa de episódios para ser contada. - Bia Crespo

Os públicos da série

Imagem: Showmetech

Já sabemos que, tanto para escrever quanto para vender um longa-metragem comercial, é fundamental conhecer nosso público. Mas como funciona com séries? "Vamos pensar nos conflitos da grande maioria das pessoas do país", oferece Crespo. Isso quer dizer que basear uma série inteira apenas em privilégios de certas classes não é necessariamente ideal para o público. Principalmente se a série tem o propósito de ser assistida por milhares de pessoas.


"Série é um pouco mais nichada que filme. Filme comercial é para o maior número possível de pessoas assistirem. Com séries, as pessoas vão procurar o tipo de série que elas querem ver", explica Crespo. Isso quer dizer que temos um pouco mais de liberdade para contar histórias, mas também existe muito mais competição por temas, linguagens e espaço no mercado.


Ela continua: "É bom saber que o público-alvo existe e saber quais séries esse público assiste, que têm relação com a sua. De preferência, use casos de sucesso". Ou seja, nada de colocar referências de séries canceladas ou que fizeram pouquíssimo público, pois isso não ajuda em nada a sua tentativa de venda.


Além disso, na hora de montar seus materiais de venda, pode ser que seja mais fácil indicar um público-alvo por interesse. Bia Crespo exemplifica: "Pode ser fãs de suspense, fãs de true crime, etc. Pode também pegar informações e dados fora da TV para reforçar", sugere.


Ficou na dúvida se sua série é comercial ou não? Séries comerciais geralmente lidam com temas variados e apostam em salas de roteiro, não tanto em autoralidade única - principalmente de autores iniciantes. Portanto, não tente mirar fora da realidade "e apostar todas as fichas na HBO de primeira", sugere a roteirista.


Pensar no orçamento e feitura de sua série também é importante. "Assista as séries que estão sendo feitas e opere dentro dessa realidade do mercado brasileiro. É legal ousar em um ou outro aspecto, mas é fundamental focar nos personagens. São eles que carregam a trama", diz Crespo.


As personagens e os materiais de venda de séries

Bom Dia, Verônica
"Bom Dia, Verônica". Imagem: VIX

Personagens parecem ser a alma da narrativa moderna, carregando transformações, temas e visões importantes. E isso não é diferente na série - pelo contrário, essa ideia é elevada à última potência.


Para mim, o que diferencia mesmo um material do outro é a descrição de personagens. Porque o personagem é o que vai dar o caldo da série. Quando desgasta o protagonista, tem que ter outro personagem pra tocar a história, ficar variando as tramas. E, em longas, geralmente nem coloco descrição de personagem para vender. - Bia Crespo

Portanto, é fundamental dedicar um grande tempo de seu desenvolvimento para suas personagens. Isso vai fazer toda a diferença na sua trama e também em como você apresenta sua série. Quanto mais claro o trajeto de sua personagem, mais chances de seu pitch ser bem sucedido.


Mas como exatamente apresentar sua bíblia para uma produtora ou player? O que é legal de desenvolver e o que não é necessário?


Bia Crespo explica. "Bíblia de série é: arco de temporada, personagens e justificativa, em linhas gerais. Explique por que fazer a série, por que você e por que agora. Isso ajuda muito a vender, também no pitch. Dá uma diferença, pois o mercado de série está bem competitivo, então tem que convencer o player ou produtora com a relevância e sua relação com a história", diz.


E se não tiver? "Sempre tem!", afirma. "E é bom ser honesto. Vejo uma herança dos editais, um texto de justificativa muito acadêmico, tudo fica meio igual. Não é isso que estou falando, falo sobre um texto quase livre, onde você conta porque quer fazer a série e deixa vir do coração. Então, quanto mais honesto, melhor", finaliza.


Qual a diferença entre bíblia de venda e de desenvolvimento?


Veja bem: para fazer sua série, não precisa sair escrevendo 8 temporadas e esperar vender tudo assim. "A maioria das pessoas do mercado não lêem materiais grandes ou longos. De todos os lugares que eu mandei o piloto, ninguém nunca leu. Não existe isso", afirma Crespo.


Por que? "Porque, geralmente, quando produtoras e players entram no projeto, eles vão pedir para mudar um milhão de coisas. Então, de que adianta você parar a sua vida para escrever um piloto que vai precisar ter a colaboração de várias pessoas depois?"


É ótimo escrever pilotos para testar e ter na manga, caso seja necessário enviar um sample para alguma vaga ou mesmo sugerir um arco de piloto na hora de vender seu projeto de série. Mas não é essencial.


O longa-metragem é uma coisa mais individual mesmo. É mais fácil escrever um roteiro de longa sozinho. Agora, a série é por si própria uma coisa coletiva. Não dá pra escrever ou desenvolver uma série inteira sozinho, não tem como. Não deve ter tanta coisa na cabeça de vocês. A sala de roteiro é a principal parte de uma série, porque se a gente tá tendo uma história guiada pela diversidade de personagens, nada mais certo do que ter diversidade de vozes. E é isso que uma sala de roteiro traz para uma série. - Bia Crespo

Quer a dica de ouro do que desenvolver para a sua série original? Para Crespo, a Bíblia de Venda é, "geralmente, um documento sucinto, trabalhado no design gráfico com atmosfera e referências. Não é para mandar .word!", afirma.

[Bíblia de venda] Geralmente, tem o cabeçalho com título, nome dxs autorxs, episódios e duração (sem número de temporadas) e gênero. Daí, logline, sinopse de 1 página, breve descrição de personagens principais e essenciais (sem detalhes supérfluos), temporadas futuras, justificativa e uma breve biografia, com seus contatos. - Bia Crespo

Uma dúvida comum é: e se pedirem sinopses dos episódios? Crespo responde: "Eu acho que se você tem o arco da temporada, já tem os episódios pensados. Não faz sentido mandar os dois, é a mesma coisa". Além disso, algumas pessoas acham interessante colocar um argumento sucinto do piloto que desenvolveu. É uma boa pedida, mas lembre-se que isso já pode ser trabalhado no texto da sinopse ou do arco de temporada (que é um texto mais desenvolvido).


Crespo afirma que o tamanho ideal seriam 5 a 8 páginas de texto. "Primeiro, porque você vai ter que retrabalhar depois. Segundo, porque a gente deve ser pago para desenvolver além disso", diz.


Já a Bíblia de Desenvolvimento é outra história. É um documento geralmente feito depois da série vendida, "na sala de roteiro, com feedback de produtora, player e daí já chega a 60, 80 páginas. Um trabalho muito mais complexo", afirma Crespo.


Sabendo disso, você já pode parar de trabalhar exaustivamente e de graça, pois não vai valer muito a pena. Lembre-se que a força da série está na premissa, nas personagens e na justificativa.


O que o mercado de séries precisa?

"Ted Lasso". Imagem: reprodução

Com tantas opções, gêneros e formatos diferentes sendo feitos, é fácil se perder quando se pensa no tipo de série que vende mais, ou que precisa ser mais produzida.


"Eu queria ver mais histórias solares, otimistas, pra cima", divide Crespo. "E você pode fazer várias temporadas com conflito e ainda ser otimista. 'Parks and Recreation', por exemplo, é super otimista e pra cima, mas com ganchos entre as temporadas", exemplifica ela.


Quando pensamos nessa questão, precisamos nos colocar na posição de espectadores. O que queremos assistir depois de um dia de trabalho? Quais histórias nos cativam, mas não estão sendo contadas nesse formato? Para Bia Crespo, "não é sempre que quero pensar demais. Mas não precisa ser superficial no tema! Você pode trazer um monte de questões e lidar de forma mais leve". Ela traz como exemplos séries bem atuais que trazem exatamente essa abordagem: "Hacks" (2021) e "Maravilhosa Sra. Maisel" (2017).


Além disso, os gêneros mais requisitados pelos players ainda giram em torno da comédia - tanto adulta, quanto infanto-juvenil. Crespo afirma que gostaria de ver mais sitcoms brasileiros, já que são divertidos, possuem poucos cenários e um grupo de personagens diferenciadas, com questões inusitadas entre si. Outros gêneros interessantes para o mercado são thriller e terror, já que, de acordo com ela, "o legal da série é que tem mais espaço para gêneros além da comédia e drama".


Temas esportivos, como "Ted Lasso" (2020), ou então séries "estilo novela", também. Um bom exemplo é "Coisa Mais Linda", da Netflix (2019). Essas séries possuem episódios com trama focada num núcleo reconhecível de personagens (muitas vezes, de família), possuindo tantos episódios quanto uma série convencional.


Bia Crespo traz uma mensagem final otimista: "O legal é se libertar das amarras da complexidade. Série pode ser simples, desde que seja interessante e que entretenha". Portanto, não desanime! O mercado de séries está em constante crescimento e a sua ideia pode ter um espaço nele também.


Quer uma ajudinha? Então inscreva-se no LAB 51 - Séries, a 2ª edição de nosso laboratório de desenvolvimento em parceria com a TDC Conteúdo. Serão 6 projetos selecionados para terem acesso (online) a aulas, discussões e consultorias com Bia Crespo.


Outros 6 semifinalistas terão acesso a aula inaugural com importantes reflexões sobre a criação de séries no Brasil. Para todo mundo que se inscrever (selecionados ou não), temos um presente mais do que especial para ajudar na formação - anunciaremos em breve!


O LAB 51 é focado em séries com apelo comercial e as inscrições vão de 27/09/21 a 15/10/21.


Leia o regulamento e prepare seus projetos!




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