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O pensamento de montagem na escrita do roteiro

Dicas gerais para unir roteiro e montagem já no processo de escrita

Script
Imagem: IndieWire

Dentro do aspecto fundamental de conhecer os elementos da linguagem cinematográfica, o diálogo entre o roteiro e a montagem do filme muitas vezes é subestimado pelo roteirista iniciante.


Por vezes, os aspectos dessa linguagem acabam sendo diluídos em áreas específicas, comprometendo o ensino e aprendizado do futuro roteirista. Portanto, ele aprende que roteiro e montagem são duas coisas distantes ("uma no início e outra no fim") e que não falam a mesma língua.


Na verdade, essa relação simbiótica não poderia ser mais próxima.


De modo bem introdutório, um roteirista profissional sabe escrever o filme com a futura montagem já na cabeça. Essa relação é básica para a integridade da construção narrativa de qualquer filme ou episódio, seja ficcional ou documental.

Cineasta e montadora Leni Riefenstahl.
Cineasta e montadora Leni Riefenstahl. Imagem: Reprodução

Com isso em mente, quais dicas devemos lembrar na hora de preparar nosso roteiro para receber uma montagem mais construtiva? Como editar o próprio roteiro de antemão e sugerir melhor os caminhos para a montagem do filme?


Se você está começando a escrever, confira nossas dicas para lembrar dos aspectos mais importantes dessa conversa básica que acaba, por vezes, esquecida.


A importância da integração entre roteiro e montagem


No artigo "The Total Filmmaker: thinking of screenwriting, directing and editing as one role", Erik Knudsen usa o termo "situação industrial" para se referir ao mercado de Hollywood. Podemos entender que, no mercado audiovisual de grande e média escala, vemos frequentemente a separação total ou parcial dos profissionais envolvidos na produção de um filme ou série.


Ele afirma que "Situações industriais enfatizam a idéia de grandes equipes complexas construindo um produto". Nas produções de grande escala (mundiais, não somente hollywoodianas), vemos que o roteiro é "um blueprint industrial" a ser seguido pelo resto da equipe.


Salvo aspectos externos, como vetos de produção ou falta de orçamento, o roteiro deve ser seguido na sua essência, representação e construção dramática.


Portanto, o montador (assim como o diretor, diretor de arte, etc) tem o dever de proteger a história, a escrita e a direção. Dentro disso, ele tem a possibilidade de montar construtivamente, conduzindo bem o ritmo da cena e lançando sugestões narrativas.


O que não é interessante é a noção de que "na montagem se arruma" os desafios e problemas da construção dramática. A montagem é um processo de proteção e sugestão que já começa na escrita do próprio roteiro.


Exemplo de um bom diálogo entre roteiro e montagem: Whiplash


Noções básicas de linguagem, como ritmo, induções dramáticas e ressignificação posterior podem e devem ser trabalhadas já na escrita.


Tom Cross, montador de filmes como "Whiplash: Em Busca da Perfeição (Whiplash, 2014) e "La La Land: Cantando Estações" (La La Land, 2016), conta ao The Beat sobre o processo de trabalhar com o diretor e roteirista Damien Chazelle, o qual

sempre gosta de contar suas histórias através da edição. Em Whiplash, ele queria que as cenas musicais e práticas fossem brutais, como as cenas de boxe de Raging Bull. Com La La Land, ele queria longas tomadas, e com o movimento da câmera, ele queria que fosse lento e romântico.

Isso aparece no corpo da cena, já no roteiro, para depois ser traduzido para a linguagem da direção e da montagem final.


Observe um exemplo de construção de ritmo através do roteiro de Whiplash, escrito por Damien Chazelle:

Excerto de Whiplash
Excerto de Whiplash. Imagem: Sony

Sugerimos a leitura do roteiro de Whiplash na íntegra para entender ainda melhor essa e outras questões de linguagem.


A professora Maria Dora Genis Mourão(1) define a montagem como a "maneira como o cinema articula as imagens e os sons e os aproxima que o transforma em discurso. [Através dela] Criam-se novos sentidos, uma nova lógica onde os significados não são transparentes, nascida da associação de fragmentos."


Mas para que essa conversa entre roteiro e montagem funcione bem - e novas lógicas possam sequer serem construídas -, o roteirista precisa escrever já "assistindo" ao filme. Esse é o talento básico da construção narrativa, assegurando uma melhor perspectiva das curvas e contrastes dramáticos.

Tom Cross
Tom Cross. Imagem: Universal

Sugerir artifícios "de montagem" já no roteiro, portanto, é muito benéfico para a história e para a construção do filme em si. Isso acontece também para a condução de todas as áreas posteriores (direção, arte, etc).


Mesmo que essa sugestão se altere no processo de direção, a história e seu significado ainda possuirão uma boa base dramática.


A edição já faz parte do processo de escrita


Para escrever um bom roteiro, é necessário possuir muito domínio sobre as ferramentas de construção dramática. Entre elas, importantes noções do próprio processo de escrever.


Matt Giegerich, do site Movie Outline, traz a famosa expressão "escrever é reescrever". Na conversa entre roteiro e montagem que existe na mente do roteirista, isso não poderia ser mais real.


No ato de escrever os primeiros tratamentos, é imprescindível que o roteirista escreva tudo o que se passa pela cabeça criativa naquele momento. O processo de criação dramática envolve engordar a cena de ações e diálogos. Isso vai ajudar a expôr para si todas as intenções dos personagens e a grande evolução narrativa.

Roteiro
Imagem: Papo de Cinema

Logo após, o roteirista entra no processo de edição das cenas, ou reescrita. Esse momento é essencial para a integridade e força dramática da cena, que normalmente requer uma concentração mais profunda para sustentar-se na tela.


A conversa com a montagem construtiva, portanto, começa na condensação de falas e ações.


Isso envolve visualizar a cadência dos elementos de linguagem mencionados por Knudsen e tantos outros artifícios que compõe a incrível linguagem cinematográfica. Vamos agora utilizar o exemplo da justaposição.


Exemplo de processo conjunto: a justaposição de cenas


Nathan Blair, numa matéria da Script Magazine, traz a ideia de "edição do roteiro" exemplificada pela justaposição de cenas.


O conceito é básico e nada novo: a justaposição reforça ou expõe o contraste ou concentração dramática da história através da justaposição de duas ou mais cenas.


Num bom roteiro, essa ferramenta é prevista desde o início como base para a construção narrativa. Blair reitera que

"Muitas vezes, a justaposição através de 'ação transversal e paralela' é considerada uma técnica do montador. Uma poderosa seqüência paralela de ação cruzada ocorre em O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, quando imagens violentas são justapostas ao batismo de um bebê. As cenas também podem ser justapostas sem cortes transversais ou sem paralelos. Por exemplo, um momento muito divertido, cortar diretamente em um momento chato pode acentuar esse tédio através do contraste."

O uso da justaposição na "edição do roteiro" (ou processo de reescrita) pode ser interessante não só para condensar os fatos como também para reiterar a curva dramática dos personagens.


Tomando a fala de Blair como exemplo, a sensação de tédio em uma cena ou sequência pode ser fundamentalmente importante para o trajeto evolutivo dos personagens ou trama em geral.


Portanto, isso deve ser sedimentado no roteiro, para que a montagem possa executar tal sugestão narrativa e ainda ter a liberdade de sugerir novos rumos de linguagem que suportem essa primeira ideia.

Sofia Coppola em "O Poderoso Chefão"
Sofia Coppola em "O Poderoso Chefão". Imagem: Time

Em resumo: esse e outros recursos considerados de "montagem" são, na verdade, elementos básicos de escrita de roteiro. Quando ocorrem, de fato, no processo da montagem, normalmente aparecem quando se torna necessário diminuir a minutagem do filme ou consertar algum erro de direção.


Dicas "de montagem" que ajudam no roteiro


Se você está começando a escrever para cinema e TV, é interessante que tenha em mente algumas dicas para articular melhor a linguagem narrativa dentro do seu roteiro. Ter um pensamento "de montagem" e conhecer seus artifícios só tem a engrandecer a sua história.


Scriptwriting
Imagem: Upwork

1. Entrar tarde e sair cedo


Primeiramente, a regra geral da montagem é que devemos entrar nas cenas o mais tarde possível e sair delas o mais cedo possível. Isso pode influenciar no diálogo, por exemplo: algumas introduções e saudações iniciais podem ser desnecessárias.


Normalmente, a cena possui um ou mais motivos para existir e raramente é para ser um palco de cumprimentos.


Claro que essa noção pode ser desafiada e flexibilizada - desde que siga o propósito narrativo do tema ou personagem abordado.


2. Condensar falas iniciais


O montador, em ação de montagem construtiva, pode vir a sugerir o corte em algumas falas ou até mesmo pedaços de diálogos iniciais que estejam "sobrando". Experimente fazer isso já no roteiro após ter certeza do núcleo narrativo da cena. Você poderá não só salvar tempo como começar cada cena de modo mais intrigante.


3. Acabe no ponto alto


Quando se trata de comédia, uma boa ideia pode ser acabar a cena no ponto alto da piada.


Como Matt Giegerich comenta, não dê tempo de outros personagens comentarem a piada ou fato antes de cortar. Isso pode acabar diluindo o poder cômico da cena já no roteiro.


4. Crie cenas, não situações


Por fim, evite tratar suas cenas como situações. Quando isso acontece, normalmente envolve não definir previamente o motivo daquela cena existir no tratamento final do roteiro - ou então, não desenvolver muito bem as características, falhas e desejos dos seus personagens.


Se isso ocorrer, pode ficar complicado para o montador definir um corte final na cena, já que essa contém somente representações de momentos e não uma curva dramática que avance a história.



Se você se interessa em aprender mais sobre os artifícios da montagem e linguagem cinematográfica, conheça o curso "Montagem e Linguagem Cinematográfica" de Federico Bardini.


Confira abaixo o vídeo do curso:


(1) Fonte: A montagem cinematográfica como ato criativo, Revista Significação (USP).


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