Com projetos como “Comédia MTV”, “Segredos de Justiça” e “Ninguém tá Olhando” em sua carreira, o roteirista e diretor Teodoro Poppovic fala sobre a difícil arte de desenvolver uma voz própria no mercado audiovisual
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A vontade de se tornar roteirista normalmente nasce a partir de um sonho. É no encantamento diante de cenas emblemáticas do cinema e televisão que concluímos: “é isso que eu quero fazer da minha vida”. Dificilmente encontramos roteiristas por aí que soltam frases como: “minha decisão foi pragmática, queria ganhar dinheiro”.
Sendo assim, é fácil compreender o choque que encontramos no nosso trajeto no mercado audiovisual. O choque entre a “decisão do coração” e o “planejamento de uma carreira sólida”. Para quem se formou em Cinema nas universidades, esse choque pode ser ainda mais forte, dependendo das portas que se abrirão. Afinal, com exceção de alguns cursos técnicos que assumem premissas diferentes, a faculdade de Cinema sempre foi um espaço de formação de artistas com voz autoral e visão própria da sua arte.
O que acontece quando esse ou essa artista encontra todos os desafios de um mercado centralizado por plataformas de streaming e com pouco fomento ao cinema independente? É preciso desistir da sua veia artística e se camuflar no estilo vigente de desenvolvimento? Há um meio termo?
É sobre isso tudo e muito mais que conversamos com o roteirista e diretor Teodoro Poppovic, que iniciou sua carreira na MTV e hoje é criador e showrunner de projetos próprios em grandes streamings. Poppovic deixa claro: “eu me vejo como roteirista, mas cada vez menos como roteirista que consegue trabalhar em qualquer projeto”. Segundo o roteirista, com o tempo Poppovic adquiriu a consciência de que gostar de cinema de arte não o afasta do comercial. Pelo contrário, é possível se beneficiar de ambos os lados dessa equação. Confira!
Quem é Teodoro Poppovic?
Teodoro é roteirista e diretor formado em cinema, iniciando sua carreira na MTV Brasil. Foi um dos redatores responsáveis pelos programas de humor da emissora, como o "Comédia MTV" e o "15 Minutos", ganhadores do prêmio APCA. Com Cao Hamburger fez o programa "No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais" e criou mais três séries: "Família Imperial", "Pedro e Bianca" e "Que Monstro te Mordeu?". Por esses projetos ganhou prêmios internacionais como o Prix Jeunesse e o Emmy.
Em 2017, estreou seu primeiro longa, "Transtornada Obsessiva Compulsiva", dirigido em parceria com Paulo Caruso. O filme foi exibido em festivais como SXSW, PÖFF Tallinn e o Transilvânia Film Festival. Como roteirista, Teodoro já trabalhou com a O2 Filmes, RT Features, Gaumont, Boutique, Gullane, Conspiração e co-criou e escreveu as séries "Destino SP/RJ" (HBO), "Segredos de Justiça" (Globo) e "Ninguém Tá Olhando" (Netflix), série vencedora do Emmy Internacional em 2020. Em 2019, lançou sua série "Feras" (MTV/Globoplay) como diretor geral e roteirista.
Eu não acho que seja um roteirista que consegue fazer tudo da forma que já está encomendada previamente. Eu preciso colocar um tanto da minha personalidade nos projetos para que eles funcionem. - Teodoro Poppovic
Poppovic conta que ao sair da faculdade, rapidamente se tornou “a pessoa que desenvolvia as ideias de outras pessoas”. Assim, entre seus objetivos próprios e muita colaboração, iniciava sua carreira no audiovisual.
O espaço do autor na produção comercial
Depois de se formar na universidade, Poppovic encontrou suas primeiras oportunidades na MTV, um espaço de formação e experimentação para muitos jovens talentos da época.
Na época eu tinha bem claro na minha cabeça a diferença entre o que era cinema comercial e o que era cinema autoral. E eu achava que tinha que fazer um cinema tarkoviskyano, denso... Por outro lado, eu já trabalhava na MTV Brasil, editando os clipes do Cine MTV. Eu me divertia muito trabalhando lá. Eu fazia meus próprios textos, fazia narrações às vezes, botava o meu humor. Mas na faculdade eu era um cara meio arrogante e achava que tinha que fazer um cinema sem concessões. Eu esquecia que eu também era um comunicador profissionalmente e pensava que tinha de inventar a própria linguagem. - Teodoro Poppovic
Segundo Poppovic, demorou um tempo ainda para ele entender que havia espaço para sua autoralidade, mesmo nas produções comerciais. Sua voz se desenvolveu principalmente para o lado do humor, característica forte em seus projetos.
“Sempre vi o mundo através do humor. O humor sempre foi uma espécie de refúgio onde eu conseguia quebrar essa quarta parede ou criar um certo alívio da tensão”, comenta Poppovic, que traz o filme “Parasita” como um bom exemplo de obra que transita muito bem entre o suspense de tirar o fôlego e os alívios cômicos de arrancar risadas.
O papel da MTV na formação de Poppovic
“A MTV tinha essa liberdade onde você podia escrever e produzir suas próprias coisas e você ia de estagiário a produtor muito rápido. Existia um senso de solidariedade. Muita gente legal passou por lá e existia a chance de fazer suas próprias coisas, com esse espírito do Hermes e Renato”, contextualiza o roteirista, explicando que a própria MTV tinha “duas faces”. De um lado, existia a MTV dos acústicos muito bem produzidos. Do outro, a MTV das pequenas produções e apostas experimentais, como o caso do “Hermes e Renato”.
De repente eu tive a chance de fazer o ‘Então Tá, Vamos Falar de Música’, um programa onde eu assumia a direção, a locução e ainda fazia as entrevistas. Esse programa trouxe uma identidade muito minha, com uma pegada de almanaque digital. - Teodoro Poppovic
O “Então Tá, Vamos Falar de Música”, como o próprio Poppovic descreve, era uma espécie de "Wikipédia" sobre os diversos gêneros musicais. Um verdadeiro almanaque, mesclando informação com entrevistas e, é claro, trechos icônicos de videoclipes.
Teodoro destaca a importância do programa na sua carreira como diretor, já fora da MTV: “Eu entendi que ali existia um traço da minha personalidade. Eu estava falando de música e fazendo um pouco o que o Donald Glover chama de Cavalo de Tróia: vendendo um projeto a partir de uma demanda, mas fazendo do meu jeito”, explica.
A liberdade e o espaço que encontrou na MTV exerceu um papel muito importante na carreira de Poppovic, que, além de assumir o “Então Tá, Vamos Falar de Música”, também trabalhou em programas de sucesso como “15 Minutos” e “Comédia MTV”, onde iniciou sua parceria com talentos como Marcelo Adnet e Tatá Werneck.
Onde o autoral encontra o comercial
Depois da MTV, Teodoro Poppovic ressalta a importância que duas grandes produtoras brasileiras exerceram em sua carreira: a O2 e a Primo Filmes. Entre os projetos realizados na O2, está a série “Destino São Paulo” (HBO), criada em parceria com Fábio Mendonça. Junto da Primo Filmes e o Cao Hamburger, Poppovic desenvolveu a série “No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais” (Futura), onde ele assinou o roteiro e a direção com Paulinho Caruso, mas também a narração - como fazia em “Então Tá, Vamos Falar de Música”. Eduardo Coutinho, Fernando Meirelles, Esmir Filho e Zé do Caixão foram alguns dos nomes entrevistados para a série, entre entrevistas e esquetes de humor que exploravam as múltiplas possibilidades do audiovisual.
Como resultado da sua carreira até então, Poppovic afirma que “percebeu que era inegável a ligação entre seu trabalho e o humor”. “Apesar de ter aquela minha versão da faculdade ainda, daquele cara que só queria ser levado a sério… Achava que se eu fosse fazer uma comédia, não seria um trabalho autoral. Era uma visão ultrapassada”, resume Poppovic.
Eu achava que no Brasil existia um estigma sobre fazer comédia. Até pode existir, mas o estigma tá muito mais na nossa cabeça, na maneira que a gente se percebe. Você tem que fazer o que gosta de fazer. - Teodoro Poppovic
Em seu primeiro longa-metragem, "Transtornada Obsessiva Compulsiva", outra parceria com o diretor Paulo Caruso, o objetivo, segundo Poppovic, era “fazer público e entregar algo de autoral ao mesmo tempo”. Protagonizado por Tatá Werneck, o filme conta a história de Kika, uma atriz de novelas e campanhas publicitárias que vive o auge da sua carreira. Mesmo assim, por trás das câmeras, ainda precisa lidar com crises pessoais, profissionais e todas as limitações que envolvem o seu transtorno obsessivo compulsivo.
Sempre estive nesse lugar de já ter alguma experiência, mas também ter uma vontade de inovação. Em fazer coisas que não caíssem em uma repetição. - Teodoro Poppovic
Na busca por conciliar o autoral com o comercial, Poppovic conta que já recusou propostas de canais que ofereciam estabilidade financeira para se dedicar a projetos pessoais. Esse foi o caso de “Feras”, série que criou junto com Felipe Sant'Angelo para a MTV graças a políticas públicas, uma coprodução com o Fundo Setorial do Audiovisual.
Considerado o seu “projeto mais autoral construído por muitas vozes”, “Feras”, produzida pela Primo Filmes, apresenta os desafios dos relacionamentos modernos pela ótica de Ciro, um rapaz que acaba de se tornar solteiro novamente e tenta navegar nesse novo mundo guiado pelo olhar parcial e duvidoso dos seus amigos.
Sobre sua experiência em “Feras”, Poppovic afirma: “eu acreditava que existia um grande espaço para fazer TV autoral no Brasil - e acho que talvez ainda exista”. Apesar desse espaço, o roteirista deixa claro que “retrocedemos como indústria em oportunidades com o desgaste das políticas públicas e o desmonte da Ancine”.
Existe esse espaço autoral na TV, mas o cinema ainda é o fundamental nesse sentido. O espaço de experimentação, de fazer essa comunhão com o seu projeto de fato, sem ter pressão das diretrizes de canal, é no cinema. - Teodoro Poppovic
Desenvolvendo a própria voz no mercado de séries
“O melhor para o filme é o melhor para o filme. Na série, o melhor para a série passa por muitas pessoas, por muitas coisas. Não é só a sua obra audiovisual, envolve toda uma lógica de mercado. Você não é autor, você é uma peça da engrenagem que pode até mesmo ser trocada de temporada em temporada”, explica Poppovic, que aponta na “imperfeição do cinema” uma grande qualidade do formato. Na TV, segundo ele, é preciso amarrar muito mais as tramas.
Para mim, o roteiro é o lugar onde o autor melhor se comunica. Quando você passa a dirigir, passa a envolver mais dinheiro - ou algum dinheiro - e as coisas mudam. - Teodoro Poppovic
Para Poppovic, o mercado audiovisual brasileiro vem se expandindo, mesmo com algumas limitações recentes, mas “existem novas regras”. “É mais difícil se colocar. Se a gente quer um trabalho para pagar as contas, ou se a gente quer um trabalho mais autoral, que vai levar mais tempo para se desenvolver”, explica Poppovic, deixando claro que o pensamento estratégico faz parte da vida do roteirista. Parte do nosso trabalho, hoje, é produzir a própria carreira.
Sobre esses espaços para novas vozes, o roteirista deixa claro que existem, sim, iniciativas de inclusão vindas de canais e plataformas. “Mas isso não pode vir só dos canais privados. Os autores, as autoras hoje em dia tem uma percepção muito grande de si e do mundo, das suas prioridades, faltas, nortes autorais”, esclarece Poppovic.
O roteirista que produz
Quando nossas ambições artísticas não coincidem com as demandas do mercado, a resposta muitas vezes é assumir o papel de roteirista-produtor. Poppovic afirma que sempre tenta entrar como produtor das suas próprias obras. “Eu tenho projetos que faço por demanda, para garantir o sustento, mas também projetos onde a zona de risco é maior, que desenvolvo por conta própria ou com parceiros criativos”, resume.
Como produtor da minha própria ideia, quando a gente vai apresentar para um certo canal, a gente já tem algum poder de entrada. Já tem uma outra interlocução. Mas para ter isso, você precisa ter alguma independência financeira. - Teodoro Poppovic
O que não dá é para ficar parado, mesmo diante de um cenário tão desafiador. Poppovic aconselha que os artistas independentes sigam buscando formas de produzir suas ideias, seja por crowdfunding, editais regionais, parcerias, etc. “É importantíssimo que você conheça a obra de alguém através de uma obra audiovisual filmada. A conversa é um ótimo jeito de conhecer alguém, mas quando eu vou ver o curta de uma pessoa, a experiência é inegavelmente potente”, conta Poppovic.
Talvez você encontre dificuldades em produzir aquele seu longa-metragem complexo, que exigiria 1, 2, 3 milhões ou mais. A resposta não pode ser “deixar de produzir”. Como classe, precisamos resistir, seguir forçando o nosso olhar, mesmo que seja através de uma cena, de um curta-metragem de 5 ou 10 minutos. Se você busca desenvolver sua voz ou mesmo encontrar um espaço na engrenagem da indústria audiovisual, é muito importante procurar plataformas para aprimorar sua arte. Ou seja, “mostrar a sua cara”.
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