Laura Fazoli, do Departamento de Aquisição e Desenvolvimento de Talentos Criativos da Globo, divide suas experiências e dá dicas para roteiristas iniciantes

Além de maior rede de mídia do Brasil, a Globo sempre foi conhecida como o “lugar do autor”. Isso significa que, de modo geral, entende-se o valor de um bom texto e por isso o investimento em buscar novos talentos pelo Brasil é bem forte.
Uma dessas pessoas que dedica sua carreira a conectar talentos a projetos da casa é Laura Fazoli. Acostumada a rodar o Brasil participando de eventos e festivais diversos, Fazoli dividiu um pouco da sua história, dicas para roteiristas e como seu trabalho vem se adaptando em tempos de pandemia.
Quem é Laura Fazoli?

“Isso eu falo pra todo mundo que tá querendo entrar no audiovisual: apareceu uma oportunidade de trabalho voluntário em uma mostra? Vai! Você vai ter moeda de troca, vai poder marcar um café, vai conversar com profissionais incríveis”, aconselha Fazoli.
Segundo Fazoli, sua chegada na Globo é um resultado disso tudo. Fazoli mantém ativo o acompanhamento de novas produções audiovisuais, atuando como jurada de alguns festivais para fomento como os da SPCine e o próprio Emmy (Sir Peter Ustinov), onde também já foi jurada da categoria Novelas Internacionais.
Com todo esse backstory e tendo iniciado nas artes aos 10 anos, quando começou a fazer teatro, faz todo o sentido que Laura Fazoli, hoje, desempenhe essa importante missão de encontrar talentos. “Essa porta do mercado sempre esteve um pouco aberta, mas o que temos de diferente hoje é que a gente não fica mais esperando uma demanda para chamar uma pessoa”, revela Fazoli, acendendo aquela chama de esperança nos nossos corações de roteirista. Antes de sair enviando CV e marcando reunião, que tal pegar algumas dicas que a própria Fazoli divide para quem sonha em trabalhar no audiovisual?
A difícil arte de se apresentar (principalmente para iniciantes)

“Eu gosto muito de trocar ideia”, começa Fazoli, que não perde tempo em deixar claro que o seu negócio é compreender a pessoa como um todo. Quem espera que a reunião com a Laura Fazoli funcione quase como um grande questionário sobre carreira e a Globo, pode mudar logo essa impressão.
“O que um roteirista faz? Ele conta histórias. O que diferencia alguém que não tem nada feito, que eu não posso provar a capacidade na prática é a pessoa ser no mínimo curiosa, criativa, com bons insights” - Laura Fazoli
Fazoli destaca que não precisa ser "tagarela'', mas é interessante ter repertório. O que isso significa? Se você tem pouca ou quase nenhuma experiência na área, é preciso entender, antes de mais nada, quais são as suas referências, tanto na arte quanto na vida. Quem é você, afinal? Pode parecer quase um processo psicanalítico, mas são informações vitais para certos matchs com projetos da casa. Afinal, se parte da sua história é ser uma mãe solo com dois filhos, faria todo sentido Fazoli te indicar para uma sala de roteiro que necessite dessa vivência.
“Isso de ser interessante não tá ligado a quantos cursos de roteiro você faz. Uma curiosidade que seja cinéfila, literária, por exemplo. É preciso ter uma sintonia com a realidade, a pessoa não pode ser completamente alienada. Brasilidades, pluralidades, jeito de falar que não estamos tão acostumados - eu costumo reparar muito nisso”, resume Fazoli.
Outro ponto que surgiu bastante durante a conversa com Laura Fazoli é a questão de buscar “a universalidade no particular”, citando uma convicção trazida pelo escritor russo Leon Tolstói. Segundo Fazoli, é falando do seu quintal que você conversa com o mundo. Isso mostra o quão interessante é abraçar suas vivências, suas origens, sua própria voz, se desenvolvendo como roteirista a partir destes pontos. Cuidado com o genérico: pessoas contratam pessoas. Em um mundo onde formamos cada vez mais profissionais experts na técnica, o que vai realmente diferenciar você?
Onde estão os talentos?

Como a própria Laura Fazoli comenta, hoje ela e seus colegas da área não precisam de uma demanda específica para procurar novos talentos. Pelo contrário. “A gente vai lançando uma luz e encontrando novas pessoas. Mas quando eu vou buscar talentos, eu já tenho que ter feito um mapeamento, caso contrário não fica legítimo. Tenho que estar com esse radar ligado, assim como meu parceiro de trabalho William Hinestrosa”, comenta Fazoli.
Compreendendo sua função como “a construção de uma cartografia artística”, Fazoli sabe que não se pode depender de apenas uma frente quando queremos justamente uma pluralidade de vozes. Que lugares estão no seu radar, afinal?
“Primeiramente festivais de cinema. De todos os tamanhos!”, comenta Fazoli, destacando o Festival Internacional de Cinema de Gramado, o Festival do Rio, a Mostra de Cinema de São Paulo, a Mostra de Cinema de Tiradentes, o Kinoforum, o É Tudo Verdade, entre tantos outros.
Apesar de ter as grandes mostras e festivais em seu radar, Fazoli destaca a importância de fomentos como a Lei Aldir Blanc para o surgimento de novas plataformas de exibição. “Com a pandemia, diversos pequenos festivais surgiram. Isso foi bom para assistirmos filmes que talvez a gente não fosse conhecer”, destaca.
Além dos festivais, Fazoli comenta que, em tempos “normais”, exposições, teatro e eventos de literatura também faziam parte da sua rotina profissional, mas com um adendo: para quem vem da literatura, é sempre bom buscar um desenvolvimento específico para a narrativa do roteiro.
E a faculdade? Formamos diversos profissionais ano após ano - pessoas qualificadas que, segundo a própria Fazoli, “vêm com uma pegada mais técnica”. “A faculdade não é um celeiro ruim, mas nem sempre é na faculdade que você vai descobrir o novo [José Luiz] Villamarim”, completa Fazoli, destacando a importância de procurar talentos dentro e fora das faculdades, pois muita gente encontra seu caminho no audiovisual de forma paralela.
Laura Fazoli sabe muito bem como a vida pode nos levar a múltiplas formações e experiências. Atriz desde os 10 anos de idade, Fazoli comenta que nunca se sentiu boa o suficiente para o ofício, mas sabia que gostaria de continuar no “ambiente artístico”. Nesse meio tempo, já atuou no teatro, operou som, trabalhou em bilheteria e em diversas produções de peças, até encontrar definitivamente o seu rumo.
Formada em Administração, logo Fazoli compreendeu que sua expertise organizacional cairia muito bem no meio audiovisual. Afinal, é preciso “produzir” as ideias. Graças a essa base e também a sua própria cinefilia, Fazoli dedicou-se por muito tempo a trabalhar em mostras e festivais pelo Brasil, onde aproveitou para assistir a diversos filmes e formar uma sólida base de contatos no audiovisual. Nada disso foi por acaso - tudo isso faz sentido na sua carreira.
A vitrine audiovisual em tempos de pandemia

Festivais, exposições, mostras, teatro… Hoje, em 2021, parece um sonho distante, antigo, que ficou no passado ou para um futuro (próximo, esperamos). Em tempos de pandemia, como se colocar no mercado? Ainda mais se você está no início de carreira!
A jornada de Laura Fazoli não parou: “durante a pandemia passei a ficar ainda mais de olho nas redes sociais, principalmente Instagram. Comecei a mapear muita gente a partir do Instagram”. O que significa isso? Número de seguidores? Fotos bombadas? Altas hashtags? Nada disso (embora exista um valor, sim, na construção de um bom público online). O lance é a criatividade.
Fazoli explica o que observa nas redes sociais: “Tem um pessoal incrível que a gente descobre em lives do Instagram: jornalistas fazendo talk show, por exemplo, criadores de novas narrativas”, responde. Para mostrar o que entende como “ser criativo nas redes sociais”, Fazoli dá como exemplo a conta do Instagram @eva.stories. Através de posts e stories, acompanhamos, como se fossem compartilhadas em tempo real, as memórias da personagem Eva, uma menina judia vivendo durante a Segunda Guerra Mundial.
Com os recursos que você tem, como você pode apresentar-se ao mercado e continuar se desenvolvendo como roteirista? Se Laura Fazoli trabalha buscando talentos, é preciso entender que parte desse trabalho é responsabilidade sua! O que significa isso? “Apareça, faça os seus roteiros, os seus formatos, as suas ideias, jogue as ideias no mercado, bata na porta de produtora”, aconselha Fazoli.
O que você tem aí? Um celular, acesso a internet e alguns amigos? O que te impede de construir a sua versão de um @eva.stories. O que te impede de fazer o seu talk show, com a liberdade de colocar a sua visão e vivência nesse formato?
Prefere desenvolver seus roteiros, mas não está tão disposto assim para produzir as ideias? Existem outros caminhos.
“Faça seus roteiros, mas saiba que se você tiver passado por algum laboratório de roteiro, por exemplo, seu nome já circula.” - Laura Fazoli
São muitos os roteiros, projetos, argumentos, sinopses, o que for, que circulam por aí. Cada festival, cada laboratório de desenvolvimento que seleciona o seu projeto, é um carimbo a mais, além de manter o seu nome circulando pelo mercado.
“Quando existia o PRODAV de desenvolvimento pelo Fundo Setorial do Audiovisual, já era uma chancela. Significava que aquele talento era minimamente interessante, afinal esteve em uma sala de roteiro trabalhando”, responde Fazoli. Mesmo sem esse incentivo do Fundo Setorial, temos laboratórios de desenvolvimento espalhados pelo Brasil e o mundo. Para quem não dispõe de recursos para viajar internacionalmente e participar destes eventos, é sempre bom ficar de olho em bolsas de estudos.
O que entendemos com tudo isso? Que roteirista nenhum se desenvolve sozinho, trancado no seu canto. É preciso trabalhar seu estilo e sua “marca” no mercado. Você está começando e sente que não tem muito a oferecer para recrutadores como a Laura Fazoli? Saiba que trocar uma boa ideia, apresentar repertório e estar disposto a continuar se desenvolvendo profissionalmente já é um belo de um passo.
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