Roteirista e diretor de “Todas As Razões Para Esquecer” (2018), Pedro Coutinho fala sobre o processo de construir uma carreira autoral no cenário brasileiro atual
Sabemos que a jornada de formação de um roteirista pode ser tão múltipla quanto as novas oportunidades de produção e exibição dos seus primeiros trabalhos. O que não significa que os desafios são pequenos - pelo contrário! Mesmo com um mercado aquecido graças a uma grande leva de plataformas de streaming investindo no Brasil, hoje testemunhamos uma grande queda nas produções independentes por conta da paralisação das políticas públicas voltados ao audiovisual.
Assim, parece evidente apontar os dois caminhos que restaram aos talentos do audiovisual: atender às demandas das plataformas ou penar para financiar suas obras de forma completamente independente. Como desenvolver sua voz em um mercado cada vez mais concentrado nas plataformas de streaming e com raros financiamentos públicos? Para tratar desse e outros assuntos, batemos um super papo com o roteirista, diretor e crítico de cinema Pedro Coutinho.
Desenvolvendo sua voz ao trabalhar temas do cotidiano, sempre com bom humor, Coutinho divide os desafios e as vitórias que surgiram no seu caminho, além de apresentar seu processo de criação e alternativas de financiamento de suas obras.
Quem é Pedro Coutinho?
Pedro Coutinho, carioca de 39 anos, é roteirista, diretor e crítico de cinema, se formou em Comunicação Social pela PUC-Rio e também fez Mestrado em Cinema pela Columbia University, em Nova York. Ele produz conteúdos que falam sobre o cotidiano das pessoas, com um toque de humor e situações inusitadas, que abrilhantam seu repertório.
Amante do cinema desde novo, Pedro começou a desenvolver projetos no meio audiovisual quando trabalhou como estagiário de assistente de direção do longa-metragem "O Casamento de Romeu e Julieta", de Bruno Barreto, em 2004. Seu primeiro curta-metragem como diretor foi o "O Nome do Gato", em 2009. Seu primeiro longa-metragem como roteirista e diretor, “Todas As Razões Para Esquecer”, lançado em 2018, foi indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de “Melhor Comédia do Ano” e selecionado para vários festivais ao redor do mundo, incluindo São Francisco, Havana, Rio e São Paulo.
Dois de seus curtas-metragens, “O Nome do Gato” (2009) e “O Jogo” (2013), foram selecionados para mais de 60 festivais e premiados em diversos países como Brasil, EUA, Inglaterra, Croácia, Espanha, Suíça, Índia, entre outros. Já a segunda temporada da série de televisão “Elmiro Miranda Show” (TBS, 2014), em que foi diretor, foi indicada ao Prêmio Monet de “Melhor Programa Humorístico por Assinatura”.
Coutinho escreveu o piloto e foi headwriter da série “Eu, Ela e 1 Milhão de Seguidores”, do Multishow em 2017. Também participou como roteirista da série “Meu Passado Me Condena”, em 2014. Colaborou no roteiro do longa-metragem “O Homem Perfeito”, em 2018, e esteve nos núcleos criativos das produtoras Damasco Filmes e O2 Filmes. Também roteirizou projetos para os cineastas Bruno Barreto e José Henrique Fonseca, assim como desenvolveu séries para Fox e Globoplay.
Mesmo durante a pandemia, teve a oportunidade de escrever e dirigir remotamente o curta-metragem “Call”, para o Instituto Maria da Penha, que fala sobre violência doméstica durante o isolamento e teve mais de 35 milhões de views. No decorrer desse período de isolamento, dirigiu e escreveu o episódio “Sem Saída”, da série "5x Comédia”, para a Amazon, que conta a história de um casal que vai para lados completamente opostos na forma como lidam com o primeiro mês de confinamento.
Primeiros passos na carreira
Com o foco em adquirir experiências e desenvolver sua própria voz autoral, Pedro Coutinho começou como estagiário de direção e, posteriormente, assumiu a função de assistente de direção em diversos filmes publicitários e projetos para o cinema.
“Em 2018 eu ganhei um edital para fazer um curta. Era o meu primeiro curta, ‘O Nome do Gato’”, comenta Coutinho, deixando claro que o instinto teve um papel muito importante nessa primeira experiência cinematográfica.
Para o roteirista, ganhar uma bolsa de mestrado para estudar na Columbia University (Nova York) foi “a chance de aprofundar os estudos no cinema”. “Entre 2012 e 2013 eu voltei para o Brasil e por ter uma relação já com a publicidade, voltei dirigindo filmes publicitários. Só que em paralelo eu também trabalhava como roteirista para diversos cineastas”, explica Coutinho, que entende bem os hiatos que envolvem o desenvolvimento de projetos próprios no Brasil.
Cinema no Brasil tem aquela coisa: você faz projeto e nem sempre sabe quando vai acontecer. - Pedro Coutinho
O primeiro longa: do micro-orçamento à Netflix
Para quem sonha em desenvolver o seu próprio longa-metragem, mas acredita que as barreiras atuais de produção são grandes demais para serem superadas, Pedro Coutinho tem uma história para contar. Uma história que mostra que existem muitas oportunidades no mercado para quem deseja apresentar, na prática, a sua própria voz.
Quando voltei para o Brasil, eu já tinha a vontade de dirigir um longa meu. Acabei juntando vários amigos, pegando um pouco de dinheiro, com apoio da produtora onde eu trabalhava na época com publicidade, a Paranoid. Escrevi um roteiro pensando muito em como fazer ele da maneira mais simples possível e que ao mesmo tempo fosse algo que eu me identificasse. - Pedro Coutinho
“Todas as Razões para Esquecer” levou mais ou menos um ano para ser escrito. Coutinho conta que o plano de desenvolver o longa com investimento próprio e “um micro-orçamento" influenciou bastante o processo de escrita. “Foi muito bem pensado em termos de locação e produção. Usei a minha própria casa, gravamos um pouco na produtora também, tudo para que o filme pudesse ser realizado”, explica.
A produção independente trilhou caminhos frutíferos. Após o lançamento no cinema, o filme teve sua estreia na Netflix, atingindo um público ainda maior. Sobre essa segunda janela de exibição, Coutinho comenta: “nunca recebi tanta mensagem!”.
Protagonizado por Jhonny Massaro e Bianca Comparato, “Todas as Razões para Esquecer” é uma comédia romântica que narra a história do término do relacionamento entre Antônio e Sofia depois de 3 anos juntos. Procurando a cura desse término nas alternativas mais improváveis, Antônio transita entre momentos cômicos e agridoces, entendendo a difícil missão de seguir em frente.
A gente teve a sorte de fechar o licenciamento com a Netflix antes do filme ir para o cinema. Mostramos o corte, eles gostaram e já tinha um acordo estabelecido de ir para a Netflix depois do cinema. Então teve esse retorno financeiro, o filme se pagou e ainda tivemos certo lucro. - Pedro Coutinho
Coutinho destaca o papel que o seu primeiro longa exerceu em sua carreira como diretor e roteirista. “Com certeza isso me colocou em outro patamar”, inicia Coutinho, que completa: “Um patamar de chegar em outras pessoas e oferecer novos projetos. O leque abriu”.
Para o autor, produzir seu primeiro longa com os recursos disponíveis no momento foi essencial. “O mercado audiovisual tem muito essa coisa de ‘será que essa pessoa consegue entregar?’. Ter um longa próprio é uma prova de que eu consigo”, comenta.
A voz autoral em tempos de crise
Coutinho, que se considera muito mais diretor do que roteirista, sabe dos obstáculos que encontramos no mercado audiovisual atual, ainda mais quando buscamos dirigir ideias próprias. O autor, que também coleciona experiências colaborativas em plataformas de streamings, explica um pouco melhor o novo status da nossa indústria e como ele influencia o seu processo de concepção de uma ideia nova.
A gente está em um momento complexo de entender o audiovisual hoje em dia. Não existem muitos recursos públicos, a Ancine está lá estagnada. Ao mesmo tempo, a gente percebe que muitos longas estão sendo lançados pelas plataformas. A questão é que as plataformas, tirando uma exceção ou outra, ditam exatamente o que elas querem. Tem que ser aquele tipo de filme, aquele tipo de formato, daquele gênero. Isso acaba limitando os estilos de filmes que vemos no mercado hoje. - Pedro Coutinho
Apesar disso, o autor deixa claro que o mercado audiovisual brasileiro está bem aquecido, principalmente para aqueles que se dispõe a adquirir experiência trabalhar coletivamente em projetos que estão em desenvolvimento. “Diversas séries estão rolando, as pessoas que trabalham no mercado estão trabalhando. Nossa indústria continua operacional. A indústria continua”, completa, com um tom otimista.
Entre o congelamento de recursos e uma pandemia global, muitas são as oportunidades de surtar, ainda mais se você é um roteirista independente tentando desenvolver seus projetos no Brasil de hoje. Como todo esse cenário influencia o processo criativo?
Coutinho explica que se sentiu muito ansioso durante a pandemia, considerando desenvolver um projeto enxuto para produzir com recursos reduzidos, recriando a experiência do filme “Todas as Razões para Esquecer”.
Por outro lado, Coutinho afirma que está desenvolvendo dois projetos ficcionais inéditos mais ambiciosos que o seu primeiro longa. Um deles foi selecionado para o Script Revision Lab do Cine Qua Non Lab (México), onde ele pode entender o seu roteiro através de novos olhares.
Quando você escreve um roteiro e coloca ele na roda, você está se expondo. Ao mesmo tempo em que você está se expondo, você tem que entender bem o foco da história que você quer contar. Ter a certeza do tipo de história, do tipo de tema que você quer trabalhar, até para você direcionar as pessoas quando elas estiverem lendo, para que elas também possam direcionar seus comentários nesse sentido. Às vezes a gente pensa que está no controle e às vezes a narrativa vai para um outro lugar, ainda mais quando você tem uma liberdade total. - Pedro Coutinho
Criação, processos e autoconhecimento
“Essa minha busca por uma certa linguagem autoral é um processo em amadurecimento que está em constante transformação”, comenta Coutinho, afirmando que sua prioridade sempre será “contar boas histórias que se sustentem do começo ao fim, com personagens que sejam interessantes e engajem a audiência”.
Ciente de que o mundo também passa por uma constante evolução, há novos temas, novas pautas a serem discutidas. O desafio, aqui, é aproximar esses novos temas do estilo que Coutinho vem desenvolvendo durante sua carreira.
Hoje em dia, quando eu vou contar uma história com liberdade, uma história minha, já vem embutido uma coisa própria. Um tipo de humor, que bate com a ironia, com o sarcasmo, mas que ao mesmo tempo traz um drama inserido. - Pedro Coutinho
Aqui é importante destacar um ponto: o desenvolvimento da sua voz. “A gente adora ficar se comparando - ‘vou fazer uma coisa meio Tarantino’. Gente, Tarantino é o Tarantino. Entender o seu perfil é um processo de autoconhecimento”, Coutinho comenta.
“Hoje em dia eu tenho consciência dos meus limites e eu sei o que eu posso agregar no roteiro, no que eu sou bom, no que eu preciso melhorar”, explica Coutinho. Como autores-roteiristas em um mercado inquieto, em constante transformação, não podemos perder o foco no desenvolvimento da nossa voz e em maneiras criativas de viabilizar os projetos pessoais.
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