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- Escrevendo comédia com Vitor Brandt e Denis Nielsen
A dupla, responsável pelo filme “Cabras da Peste”, divide curiosidades dos bastidores, processo de desenvolvimento e dicas para dirigir cabras Vivemos momentos incertos no Brasil e no mundo - da crise sanitária aos intensos conflitos políticos. Em tempos de pandemia, dar uma boa risada nunca foi tão necessário quanto agora. Dito isso, com toda a certeza a comédia “Cabras da Peste”, lançada pela Netflix, veio em boa hora. Na trama, o irreverente e mestre em artes marciais Bruceuílis (Edmilson Filho) é um policial do interior do Ceará que precisa a todo o custo resgatar Celestina, a cabra que é também patrimônio da cidade. Para isso, Bruceuílis viaja até São Paulo, onde encontra Trindade (Matheus Nachtergaele), um escrivão da polícia com pouca aptidão para se aventurar em campo, preferindo manter-se em afazeres burocráticos. É justamente essa dupla improvável que viverá diversas confusões na cidade de São Paulo, em uma trama cheia de lutas, perseguições, traficantes perigosos, rapaduras e, é claro, com muitas risadas. Não apenas adoramos o filme, como ficamos curiosos para entender um pouco mais sobre o processo criativo por trás do roteiro. Por isso, conversamos com os roteiristas Denis Nielsen e o também diretor Vitor Brandt, as mentes criativas responsáveis por “Cabras da Peste”. Nielsen e Brandt refizeram os passos do projeto, contaram diversas curiosidades sobre o seu desenvolvimento e dividiram dicas essenciais para os roteiristas brasileiros. Atenção, a matéria contém alguns spoilers! Se você ainda não assistiu ao filme, colocaremos avisos durante o texto. Quem são Vitor Brandt e Denis Nielsen? Da esquerda para a direita, Vitor Brandt e Denis Nielsen. - Imagem:arquivo pessoal Denis Nielsen é um roteirista brasileiro formado em Audiovisual pela ECA-USP e com mestrado MFA em roteiro pela Loyola Marymount University (LMU), em Los Angeles, através da bolsa CAPES/Fulbright. Entre seus trabalhos, estão o roteiros de séries e longas-metragens, como "Cabras da Peste" (Netflix, 2021), o biopic de "Raul Seixas: Metamorfose Ambulante" (em pré-produção pela O2), "O Doutrinador" (Space/Paris Filmes 2018), a 2a temporada da série "Sintonia" (Netflix, em produção) e as 4 temporadas de "3%" (Netflix, 2015-2020). Denis ainda integrou as salas de roteiro das animações "Historietas Assombradas (para Crianças Malcriadas)" e "Oswaldo", ambos para a Cartoon Network, além de ter dirigido dois documentários musicais: "Sailing Band" (Paris Filmes, 2018) e "Sinfonia Caipira" (2019, disponível na Amazon Prime), premiado em festivais nos EUA. Vitor Brandt é formado em Audiovisual pela ECA-USP. Como roteirista, trabalhou em diversas séries, como "As Five" (2020) e "Contos do Edgar" (2013), nas animações Historietas Assombradas (para Crianças Malcriadas) e Oswaldo, além de ser um dos colaboradores na novela Malhação - Viva a Diferença (2017/2018), ganhadora do Emmy International Kids em 2019. É diretor e roteirista dos longa-metragens de comédia "Copa de Elite" (2014) e Cabras da Peste (2021). Fazer comédia em 2021 “É o pior momento para se estar vivo, mas acabou sendo o melhor momento para lançar esse filme”, brinca Denis Nielsen, se referindo ao momento de pandemia. Para Vitor Brandt, o humor leve de “Cabras da Peste” foi muito bem recebido pelo público. “A nossa intenção nunca foi essa, de fazer um filme que fosse um ‘aconchego’ para as pessoas, mas acabou sendo”, comenta. Com muitos regionalismos e referências a outros buddy cops dos anos 80, incluindo a própria versão abrasileirada de “The Heat is On”, diretamente da trilha sonora de “Um Tira da Pesada” (1984), “Cabras da Peste” oferece boas risadas para toda a família. Brandt acredita que essa foi uma grande bola dentro do projeto. “Nos últimos anos a comédia, com razão, foi vista como uma ferramenta para denunciar certos discursos. A comédia serve muito bem a isso e que bom que tem gente fazendo boa comédia assim. A gente não foge disso também, o filme tem algumas críticas. Mas chegamos em um momento em que tá todo mundo uma pilha de nervos apenas buscando uma coisa pra relaxar, pra rir”. - Vitor Brandt De fato, “Cabras da Peste” não deixa passar algumas críticas e alusões políticas, principalmente personificadas por Zeca Brito (interpretado pelo músico Falcão), um político de grande apelo popular, mas com terríveis segredos que esconde do povo. Inspirações e referências Segundo Nielsen, “as ideias meio que nascem junto das referências”. Para entendermos melhor as inspirações por trás do projeto, a dupla relembra seus filmes favoritos que marcaram época, principalmente aqueles exibidos pela Sessão da Tarde entre as décadas de 1980 e 1990 - grande destaque para “Os Aventureiros do Bairro Proibido” (1986). “Não era nem uma questão de ‘resgatar os filmes dos anos 80 e 90’. Não, a gente tá fazendo um lance que ao mesmo tempo a gente cresceu vendo e é o que fez a gente querer fazer filme”. - Denis Nielsen Com isso, duas questões ficam claras durante o filme: o universo referencial dos autores e o amor que eles nutrem por essas obras. Para Brandt, trabalhar com comédia para o cinema envolve fazer algo que agrade a uma boa parcela do público, tendo em mente o grande desafio de “fazer rir”. “Então a gente pensou: ‘já que nós vamos fazer uma comédia para o grande público, precisamos ir atrás das referências de filmes que a gente gosta. Essa coisa de fazer um filme policial surgiu logo de cara”, responde Brandt. Como surgiu o projeto? Segundo os roteiristas, tudo começou quando eles decidiram que fariam alguns projetos em parceria. Brandt comenta: “a gente sentou para ler umas ideias que tínhamos e essa ideia em particular surgiu meio que na sala mesmo”. Mayra Lucas, produtora da Glaz Entretenimento e um dos pontos em comum na carreira dos dois, foi a primeira a ouvir a bateria de pitchings. “A gente chegou com essa lista de projetos e fomos lendo. Ela foi gostando de todos meio que ‘mais ou menos’, nenhum brilhou os olhos até então. Mas a gente tinha essa ideia que estava pouco desenvolvida”, comenta Brandt. Nielsen completa: “era só uma premissa ainda”. A premissa era basicamente essa: um buddy cop protagonizado por um cearense e um paulista. Foi justamente essa combinação de fatores que atraiu a atenção de Mayra. “Aí ferrou - várias outras ideias meio encaminhadas, mas essa foi a ideia que deu certo”, brinca Nielsen. Nielsen revela que o título surgiu junto com a premissa (e com o primeiro tratamento do roteiro, em 2014), mas alguns dos principais elementos que compõem o filme vieram depois. O próprio sequestro da cabra, por exemplo, não foi algo que surgiu nos primeiros tratamentos, mas certamente é um elemento que dá graça e identidade à obra. “A premissa sempre foi a mesma, mas era um filme completamente diferente”, responde Brandt. A dupla revela que nos primeiros tratamentos a história era um pouco mais séria, ainda mais em relação à questão do tráfico de drogas. Com o tempo, porém, novos elementos surgiram para equilibrar os pontos dramáticos e dar mais leveza à narrativa, sem perder a tensão. No meio de tudo isso, um grande desafio também foi dirigir a cabra, uma das mais carismáticas personagens da trama. Segundo Brandt, é simplesmente impossível dirigir uma cabra. Assim, algumas adaptações foram feitas considerando isso e cenas engraçadas surgiram durante as gravações. A seguir, um spoiler do clímax da história: Sobre isso, Nielsen comenta: “em versões anteriores, na cena da bomba, a cabra roía a corda, eles saíam correndo e então tudo explodia”. Quem assistiu ao filme certamente nota uma grande mudança nessa cena de extrema tensão, onde Bruceuílles e Trindade se encontram na situação mais perigosa da história. Para Brandt, a cena, da forma como foi pensada, ficaria mais cara e complexa. Aí, uma escolha precisou ocorrer: “a gente acaba colocando na balança e reflete sobre onde realmente vale a pena investir o dinheiro”, diz. A solução pensada pode ser vista na versão final do filme: a cabra continua salvando a dupla, mas agora conta com um elemento de tensão ainda mais forte. Afinal, é preciso torcer para que ela arranque com os dentes o fio certo para desativar a bomba. Brandt brinca que embora tenha adorado a cena no papel, se ‘arrependeu completamente na hora de gravar”, justamente pelo seu ponto anterior: é impossível dirigir uma cabra. A cena levou duas diárias para ser gravada e segundo o diretor, na primeira diária deu tudo errado. “No dia seguinte aconteceu alguma coisa mágica que fez a cabra roer o fio e tudo deu certo, mas o que vocês viram lá foi 15 segundos de um plano de meia hora”, completa. Fim da zona de spoilers. Leituras, adaptações e punch-up Para Nielsen, não há mistério sobre o processo de criação: “a gente precisa rir, esse é o ponto principal”. É claro que é mais complexo do que isso, mas o lembrete é muito válido. Uma estrutura bem trabalhada não pode camuflar o principal objetivo de uma comédia: fazer rir. E fazer rir começa na sala de roteiro. Em relação ao processo de desenvolvimento, Nielsen afirma que pode ser um tanto caótico, mas conta com ferramentas importantes para construir um roteiro de comédia. As diferenças no perfil de criação de cada um foi uma peça chave para fazer o processo funcionar. “O Denis é um cara que gosta das coisas mais estruturadas”, revela Vitor, que continua: “eu gosto mais da bagunça, das coisas não terem muito sentido às vezes”. Graças a essa soma de aptidões, o filme encontra um belo balanço entre uma estrutura narrativa que apresenta muito bem a trama e momentos que fogem da realidade, mas dão muita graça aos eventos. “O bom de trabalhar junto é que cada um leva a trama para um lugar em que o outro não levaria sozinho” - Denis Nielsen Nos primeiros tratamentos, Vitor Brandt revela que fez parte do processo reler o roteiro e marcar todas as piadas que eles julgavam boas. “Quando você escreve uma comédia, acaba que você coloca umas piadas que nem gosta tanto, mas que você sabe que é uma piada”, explica. Sessões de punch-up também fizeram parte do processo. Para “Cabras da Peste”, os autores trouxeram os roteiristas Nigel Goodman, Hell Ravani e Leo Ferreira para a sua mesa. Para quem não conhece o termo, punch-up, na comédia, é basicamente uma leitura do roteiro com alguns convidados, normalmente humoristas e/ou roteiristas que trabalham o gênero. Durante a leitura, a ideia é fazer uma espécie de brainstorm de piadas, justamente para deixar as páginas ainda mais engraçadas. Ambos reforçam a importância do punch-up para quem escreve comédia, mas Vitor traz uma ressalva: “deixe claro que é para focar nas piadas, esse não é o momento de sugerir mudanças de estrutura do roteiro, por exemplo”. Do roteiro à direção Além do roteiro, Brandt também dirigiu o filme, assumindo uma segunda função que por vezes o levou a repensar algumas escolhas do roteiro: não pela qualidade das cenas, mas pela complexidade em filmá-las. “A gente tinha uma perseguição na Marginal com caminhão tombando”, Nielsen comenta, mostrando que algumas versões eram definitivamente complexas de se produzir. Sobre isso, o diretor responde: “Quando eu fiz o ‘Copa de Elite’ eu já tinha passado por essa experiência também de escrever um roteiro e depois ter de filmar o que eu escrevi. A gente imagina o filme dos nossos sonhos, mas quando é hora de fazer de fato, a gente se dá conta de que não dá pra fazer tudo”, resume. Muitas das cenas imaginadas no roteiro precisaram de adaptações para melhor utilizar o orçamento: de sequências de perseguição, a grandes multidões, explosões e até a dupla de policiais amarrados perigosamente sobre um moedor de carnes. Isso só reforça o papel criativo dos autores diante do desafio da materialização da sua obra. Quando é preciso adaptar, como passar por esse processo sem perder a qualidade dramática das cenas? “A partir daí nosso trabalho foi deixar as coisas mais simples, mas sem perder tudo o que criamos”, Brand ressalta, comentando um pouco também sobre o desafio de simplificar uma história que ganha muita força justamente pelas cenas de ação. Além disso, simplificar a trama em si também foi importante, no lugar de investir em complexas reviravoltas, que muitas vezes mais confundem do que engajam a audiência. Conselhos para roteiristas brasileiros Sobre o mercado brasileiro, Brandt comenta sobre a alta demanda por gêneros e formatos específicos: "A gente vê muitas notícias dizendo que ‘o canal tal tá atrás de série do tipo x’. Aí todo mundo começa a fazer os projetos do tipo x”. Nielsen completa o raciocínio: “mas nenhum desses roteiristas necessariamente amam aquele gênero”. Assim, muitas pessoas tentam seguir “as ondas do mercado”, o que em diversas situações as levam a um caminho incompatível com suas aptidões e gostos. Segundo Brandt, “a pessoa acaba tendo projetos só porque o mercado pede”. A dupla afirma que esse não foi o caso com “Cabras da Peste”. “Foi uma premissa que a produtora gostou, que os atores gostaram e a gente queria realmente fazer”, revela, reforçando também o papel dos elementos regionais para o seu humor. “As pessoas vão reconhecer coisas universais ali, mesmo que as piadas sejam muitas vezes bem regionais. A comédia brilha quando você a desenvolve na sua língua. Jeito de falar, palavra, uma simples troca de sílaba...Quando ela é específica.” - Denis Nielsen Para concluir seu raciocínio, Nielsen nos lembra que “esse filme não é engraçado por ser uma buddy comedy, mas por ser uma buddy comedy com um policial cearense e um policial paulista”. Além do conselho de “seguir o seu coração” na hora de desenvolver projetos pessoais, Brandt também traz outro importante ponto: o medo do brasileiro em escrever algo que “parece novela”, sendo que não há absolutamente nada de errado com isso. Pelo contrário: existe um grande valor cultural e narrativo no formato. Esse medo castra a criatividade do autor, que poderia muito bem se inspirar nas potências do melodrama para as suas obras. “As pessoas têm muito medo quando as coisas ‘parecem novela’. Algumas pessoas tratam isso como ofensa. E ao se afastar disso, você acaba às vezes criando histórias que não tem drama, pelo medo de criar um negócio que parece novela. Você perde muitas oportunidades assim”. - Vitor Brandt O roteirista traz o exemplo do piloto da série "Breaking Bad" para exemplificar essa ausência de medo de cair no “melodrama”. Walter White nos é apresentado no fundo do poço: com câncer, com problemas financeiros, com a esposa grávida, etc. “Se isso fosse escrito em uma sala de roteiro aqui em São Paulo, talvez alguma pessoa falasse que está exagerado, que parece novela”, Brandt contextualiza. Por fim, certamente “Cabras da Peste” reflete muito do amor que a dupla de criadores nutre por certos filmes e gêneros. Filmes estes que exerceram um papel fundamental na formação dos artistas. Uma comédia que faz rir, sem deixar de lado a noção de perigo e tensão. Um buddy cop muito do brasileiro, que se beneficiaria demais de uma continuação. Então fica a dica, Netflix! #CabrasdaPeste #Netflix #roteiro #audiovisual #comédia #humor
- Leia 12 roteiros internacionais de destaque de 2020 e 2021
Filmes indicados ao Oscar, séries vencedoras de Globos de Ouro e mais: leia roteiros que andam inspirando novas narrativas Você tem o hábito de ler roteiros? Sabe qual a importância? Para além da curiosidade de saber "como que o roteirista fez" para criar uma sequência interessante, temos a oportunidade de ver na prática como se estrutura certas questões dramáticas quando lemos o roteiro na íntegra. Isso ajuda muito a entender como revelar traços de personagens, construir tensão, como utilizar grafismos para dar ritmo e várias outras práticas de roteiro. Além disso, a leitura é fundamental para treinar a escrita de diálogos, já que fornece muitas ideias de vocabulário, voz, ritmo e camadas de significado. Pensando nisso, resolvemos repetir nossa matéria de sucesso de 2019 e trazer roteiros internacionais de destaque na íntegra - dessa vez, de filmes (e uma minssérie) lançados em 2020 e 2021 que fizeram bonito nas premiações, inovaram na linguagem ou receberam algum reconhecimento do público. Infelizmente, não são muitos os roteiros de lançamentos brasileiros disponíveis por enquanto. Por isso, os roteiros que selecionamos são em inglês. Confira os 12 roteiros incríveis abaixo e boa leitura! 1. O Gambito da Rainha (The Queen's Gambit, 2020) Série criada e escrita por Scott Frank e Allan Scott. Baseada na obra de Walter Tevis. Sinopse: Órfã na tenra idade de nove anos, a introvertida e prodigiosa Beth Harmon descobre e domina o jogo de xadrez nos Estados Unidos da década de 1960. Mas o estrelato infantil tem um preço. CLIQUE AQUI PARA LER O PILOTO 2. O Som do Silêncio (Sound Of Metal, 2020) Roteiro por Darius Marder & Abraham Marder. Sinopse: A vida e estabilidade emocional de um baterista de heavy metal entram em declínio quando ele de repente começa a perder a audição. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 3. Nomadland (2020) Roteiro por Chloé Zhao. Baseado na obra de Jessica Bruder. Sinopse: Depois de perder tudo na Grande Recessão, uma mulher embarca em uma jornada pelo oeste americano, vivendo como uma nômade moderna em sua van. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 4. Borat 2: Fita de Cinema Seguinte (Borat: Subsequent Moviefilm, 2020) Roteiro por Sacha Baron Cohen, Anthony Hines, Dan Swimer, Peter Baynham, Erica Rivinoja, Dan Mazer, Jena Friedman e Lee Kern. Sinopse: Borat retorna do Cazaquistão para a América e desta vez revela mais sobre os podres da cultura americana, da pandemia do COVID-19 e das eleições políticas. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 5. Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah, 2021) Roteiro por Will Berson, Shaka King, Kenneth Lucas e Keith Lucas. Sinopse: Bill O'Neal se infiltra no Partido dos Panteras Negras pelo agente do FBI Mitchell e J. Edgar Hoover. Enquanto o presidente do partido, Fred Hampton, sobe na carreira, apaixonando-se por uma colega revolucionária no caminho, uma surge uma batalha pela alma de O'Neal. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 6. Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7, 2020) Roteiro por Aaron Sorkin. Sinopse: A história de 7 pessoas em julgamento decorrente de várias acusações em torno do levante na Convenção Nacional Democrata de 1968 em Chicago, Illinois. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 7. Soul (2020) Roteiro por Pete Docter, Mike Jones e Kemp Powers. Sinopse: Depois de conseguir o show de sua vida, um pianista de jazz de Nova York de repente se vê preso em uma terra estranha entre a Terra e a vida após a morte, tentando retornar a tempo de uma apresentação importante. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 8. Kajillionaire (2020) Roteiro por Miranda July. Sinopse: A vida de uma jovem mulher vira de cabeça para baixo quando seus pais criminosos convidam um estranho para se juntar a eles em um grande assalto que estão planejando. Sua conexão improvável com outra jovem começa a desafiar a realidade estranha e estóica de sua família. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 9. O Tigre Branco (The White Tiger, 2021) Roteiro por Ramin Bahrani. Baseado na obra de Aravind Adiga. Sinopse: Um ambicioso motorista indiano usa sua inteligência e astúcia para escapar da pobreza e chegar ao topo. Mas ele encontra diversa situações de injustiça que ameaçam sua jornada. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 10. Estou Pensando em Acabar com Tudo (I'm Thinking Of Ending Things, 2020) Roteiro por Charlie Kaufman. Baseado na obra de Iain Reid. Sinopse: Cheia de receios, uma jovem viaja com seu novo namorado para a fazenda isolada de seus pais. Ao chegar, ela passa a questionar tudo que achava que sabia sobre ele, e sobre ela mesma. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 11. Destacamento Blood (Da 5 Bloods, 2020) Roteiro por Danny Bilson, Paul De Meo, Kevin Willmott e Spike Lee. Sinopse: Quatro veteranos afro-americanos lutam contra as forças do homem e da natureza quando retornam ao Vietnã em busca dos restos mortais de seu líder de esquadrão caído e da fortuna de ouro que ele os ajudou a esconder. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO 12. Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020) Roteiro por Emerald Fennell. Sinopse: Uma jovem, traumatizada por um trágico acontecimento de seu passado, busca vingança contra aqueles que cruzaram seu caminho. CLIQUE AQUI PARA LER O ROTEIRO Se você tiver acesso a roteiros brasileiros, compartilhe conosco pelo Facebook e conte para nós qual outro roteiro você gostaria de ler! #roteiro #roteiros #filmes #Oscar #GloboDeOuro
- 10 dicas de escrita que podemos aprender com Jerry Seinfeld
Conheça práticas e reflexões sobre narrativa e carreira que um dos comediantes mais bem-sucedidos do mundo tem a oferecer para roteiristas Você já deve saber que arrancar risadas ou mesmo lágrimas do público atual pode ser bem complicado. Mas saiba que isso é real para todo mundo - inclusive para Jerry Seinfeld, um dos comediantes mais bem-sucedidos da atualidade. Mas, ao invés de desistir daquele roteiro de anos ou daquela ideia simples que surgiu ontem, é preciso encarar a arte de escrever de um modo diferente. De acordo com Seinfeld, é necessário encontrar a sua voz autoral através de certos pilares, como prática, constância, observação e troca social. E como fazer tudo isso na prática? Existem reflexões que ajudam na hora de escrever e pensar narrativas? Para ajudar nessa questão, traduzimos e adaptamos dois textos que trazem dicas de Seinfeld que podem ser utilizadas por todos os tipos de roteirista: "7 Things We Can Learn From Jerry Seinfeld About Writing", de Justin Cox, e "Writing Onions Like You’re Jerry Seinfeld", de David Majister. Confira as dicas abaixo e já comece a trabalhar em seu próximo projeto! 1. Esteja sempre escrevendo Comediantes estão sempre escrevendo. Suas ideias estão em perpétuo progresso, pensamentos girando em suas cabeças, anotando palavras em cadernos. Em várias entrevistas, ou Seinfeld ou seu convidado fazem uma piada e o outro diz: "Isso é bom. Escreva isso!” Como roteiristas, devemos seguir este exemplo. Capture ideias e pensamentos à medida que ocorrem. Carregue um caderno ou use um aplicativo em seu telefone para anotar ideias à medida que surgem. Escreva enquanto espera na fila do supermercado ou corta o cabelo. Escreva enquanto espera o filme começar. Ter vários rascunhos em andamento é uma coisa boa. Isso permite que as ideias marinem enquanto aperfeiçoamos os detalhes antes da escrita do roteiro em si, dentro de uma estrutura. Seinfeld uma vez trabalhou em uma única piada por dois anos antes de contá-la para o público. Durante esses dois anos, ele escreveu e editou muitas piadas e bits adicionais, porque comediantes e escritores não podem passar dois anos trabalhando em uma única peça e nada mais. Roteiristas também: precisamos de vários projetos em andamento e devemos estar sempre escrevendo. Quanto mais variedade de ideias conseguimos concretizar e apresentar ao mercado, mais o trabalho será valorizado pela versatilidade e criatividade. 2. Mantenha os olhos abertos Ao longo de "Comedians in Cars Getting Coffee", Jerry Seinfeld transforma observações sobre o mundo ao seu redor em novo material. Como um espião bem treinado, Seinfeld ouve o comentário estranho de uma garçonete ou algo acontecendo em outra mesa. Ele usa essas observações como material infinito para desenvolver novas piadas. “Engraçado é o mundo em que vivo. Se você é engraçado, estou interessado. Se você não é engraçado, estou interessado." - Jerry Seinfeld Como roteiristas, precisamos treinar nosso cérebro para ser receptivo aos detalhes da vida. Quando observamos o mundo, a inspiração vem de todos os lugares. Uma conversa ouvida pode se transformar em uma linha de diálogo. Os maneirismos de um estranho podem desenvolver as características de um personagem. Um programa da Netflix pode inspirar novos rumos de um projeto. Quando abrimos os olhos para o mundo, possibilidades infinitas se apresentam, além de novas maneiras de construir personagens. 3. Teste ideias Milhões de pessoas explodem em gargalhadas assistindo a Chris Rock no Letterman. Mas apenas um punhado sabe o quanto Rock se esforça para tornar seu material hilário. Antes de qualquer turnê ou grande show, Rock testa centenas - às vezes milhares - de piadas. Ele aparece em pequenos espaços de comédia, sobe ao palco e exibe seu novo material. Rock faz até 50 apresentações como essa antes de uma turnê e a maioria das piadas que ele testa fracassam. Apenas algumas de suas piadas conseguem passar. Comediantes como Chris Rock e Jerry Seinfeld, que escrevem e se apresentam há décadas, não sabem dizer se suas novas piadas são engraçadas até que as testem. Nem mesmo os comediantes sabem o que fará seu público rir até que façam um experimento. Seinfeld chama esse processo de experimentação de "gastar muito tempo propositalmente" trabalhando com material que não se conecta. Ao perder tempo com piadas que não funcionam, ele eventualmente cai no 'ouro' que faz os outros rirem. Com roteiro é a mesma coisa! O escritor Peter Sims chama esses testes de “pequenas apostas”. Tudo que você cria é uma aposta. Portanto, é melhor começar com pequenas apostas: uma sinopse, uma temática, uma personagem. Faça uma tonelada de pequenas apostas, nas quais o seu investimento de tempo seja relativamente pequeno. Quando algo prova ser um sucesso entre seus colegas, núcleo criativo ou mesmo pitchings menores, você pode desenvolver o projeto ainda mais, adicionando mais camadas. Vivemos em uma época em que testar seu trabalho é mais fácil do que nunca como roteirista, já que a internet, núcleos e festivais de roteiro podem fornecer feedback imediato sobre sua narrativa. 4. Adicione "tecido conjuntivo" e amplifique seu tema Sempre que Seinfeld refina seu material, ele se concentra muito nas ligações entre as piadas, que chama de "tecido conjuntivo". No roteiro, esse tecido que une as ideias pode ser constituído de alguns componentes, como tema, rede de conflitos de interesse, relações entre as personagens e o universo, etc. O tema adiciona profundidade à escrita. Você até pode escrever uma história sólida com um enredo envolvente, mas com um tema minimamente desenvolvido. Porém, desenvolver um tema em seu trabalho é uma das coisas que leva um roteiro de bom a ótimo, atraindo o leitor para outro nível do qual ele pode não estar consciente. Como você pode amplificar seu tema? Comece lendo nossa matéria sobre isso. Logo depois, é preciso saber identificar temas nas suas ideias. Tente procurar por: analogias e metáforas; idéias repetidas; a mensagem que você está tentando transmitir. Depois de encontrar um tema, já apontando um conflito ou sua ideia narrativa governante, amplifique-o com personagens, situações e por aí em diante. 5. Reestruture seu roteiro para criar tensão A tensão é construída em grande parte por meio de lacunas de informação - coisas que você sabe como roteirista, mas que evita contar ao leitor ou espectador. Aí, o leitor continua lendo para preencher as lacunas de informação que você cria. Refinar seu trabalho permite que você estruture lacunas de informações para o máximo engajamento. Tudo bem deixar algumas intenções e informações mais claras no primeiro tratamento. Mas, assim que possível, experimente revelar detalhes mais tarde ou alongar certas sequências para gerar aquela expectativa no público. Isso vale para qualquer gênero! 6. Não tenha medo do real Alguns dos melhores materiais desenvolvidos por comediantes são autodepreciativos. Sarah Silverman transformou sua batalha contra o câncer em um especial de stand up. Chris Rock usa o fim de seu casamento para criar piadas. Jerry Seinfeld usa suas vivências nova-iorquinas 'irritantes' como material. Assim como os comediantes, roteiristas não devem ter medo de cair na real com seu público. Enquanto o objetivo de um comediante é fazer as pessoas rirem, roteiristas se esforçam para obter uma variedade de resultados: riso, conhecimento, percepção, emoção, etc. Seja qual for o objetivo, devemos nos injetar em nossa escrita. Uma escrita autêntica e pessoal captura a atenção do leitor e fornece profundidade para histórias e personagens. No roteiro, temos a possibilidade incrível de explorar nossas experiências pessoais por meio de palavras e personagens que soam reais. Se algo difícil acontecer, escreva sobre isso. Trabalhe as emoções. Algo maravilhoso? Use essa experiência para inspirar outras pessoas - seja uma obra de ficção ou não. 7. Revisite suas histórias favoritas Esta é uma forma ótima de criar mais conteúdo enquanto você aprimora seu ofício. Seinfeld frequentemente revisita a mesma ideia ou situação de muitas maneiras diferentes, por meio de histórias e ângulos diferentes. Isso nos ajuda a entender a ideia de forma mais completa. Experimente revisitar ideias que funcionam bem ou que você acha tão atraentes a ponto de não conseguir tirá-las da cabeça. 8. Fique com raiva Comediantes não têm medo de ficar com raiva. Toda a premissa de Seinfeld se concentra nas pequenas coisas que o irritam. Quando Jerry Seinfeld e Larry David se sentam para comer panquecas, as pequenas coisas que incomodam cada um deles vêm à tona e proporcionam uma comédia incrível. “Toda boa comédia vem de um lugar de raiva. Descubra o que te deixa com raiva e trabalhe nisso a partir daí." - Jerry Seinfeld O que te incomoda? Quais detalhes do cotidiano te enlouquecem? Pegue tudo isso e transforme isso em uma sátira. Crie uma personagem que tenha aquele traço irritante, que deixa os espectadores com raiva. Entenda a sua irritação e use isso como motor de descoberta e criação narrativa (sempre com moderação e respeito ao próximo, claro). 9. Use seus amigos Ao longo dos 85 episódios de "Comedians in Cars Getting Coffee", existe um caminho comum entre os comediantes para o sucesso da comédia. Quando um comediante escreve um novo material, geralmente faz uma apresentação para um grupo seleto de amigos. Quando o roteiro parece polido o suficiente, aí sim se apresentam em um clube. “Os Quatro Níveis da Comédia: Faça seus amigos rirem; Faça estranhos rir; Seja pago para fazer estranhos rir; Faça as pessoas imitarem como você fala porque é muito divertido.” - Jerry Seinfeld Roteiristas devem seguir um caminho semelhante. Embora fosse bom que seu primeiro trabalho publicado se tornasse uma sensação da noite para o dia, essa não é a realidade para a grande maioria das pessoas. Devemos escrever e escrever e não ter medo de compartilhar nosso trabalho com as pessoas que se preocupam conosco e ajudam nossas ideias a se concretizarem. Mas devemos evitar a armadilha de dar rascunhos a amigos que apenas fornecerão afirmações e elogios. É importante também compartilhar nosso trabalho com amigos que serão críticos e oferecerão feedback relevante. Além disso, bem como a dica número 2, experimente utilizar características de pessoas que você conhece em personagens. Não só na comédia, mas em qualquer construção narrativa, o poder de mimetizar o real e articulá-lo narrativamente é uma grande vantagem na profissão. 10. Nunca se acomode Jerry Seinfeld trabalha como comediante há décadas. No início, Seinfeld escrevia e trabalhava em clubes. Ele invadiu a televisão e obteve sucesso com "Seinfeld" antes de tentar filmes e documentários. Enquanto continuava a fazer stand up, Seinfeld tentou abordar um novo gênero e criou o "Comedians in Cars Getting Coffee". Sem nunca se acomodar, Seinfeld está sempre procurando a próxima oportunidade. “Uma vez que você começa a fazer apenas o que já provou que pode fazer, você está no caminho da morte.” - Jerry Seinfeld Queira ou não, roteiristas precisam de desafios. O crescimento vem da diversificação, não só da reciclagem do mesmo conteúdo que você escreveu na semana passada. Não importa o gênero que você preferir, busque oportunidades para se expandir e encontrar novos desafios. E o positivo é que você pode fazer isso agora mesmo. #JerrySeinfeld #dicas #roteiro #comédia
- Núcleos de roteiro: o poder da criação coletiva
Paulo Leierer, co-idealizador do núcleo Peripécia, explica a importância deste modelo de trabalho para o mercado e carreira do roteirista Aquela ideia do roteirista que trabalha sozinho sem precisar de ninguém é muito antiga e pouco se relaciona com a realidade do mercado. Por outro lado, aquela outra ideia de um grupo de roteiristas trabalhando uma década produzindo conteúdos para o mesmo player também não funciona em todas as realidades. A quarentena nos obrigou a ficar em casa, mas isso não significa que o trabalho do roteirista é tão solitário quanto alguns imaginam. Pelo contrário: vemos diversas novas produtoras de desenvolvimento e núcleos de roteiro surgindo nos últimos anos, justamente porque os profissionais se deram conta do valor da construção coletiva de um projeto. É nesse cenário de colaboração e crescimento conjunto que nasce o núcleo de roteiro Peripécia, idealizado pelos roteiristas Paulo Leierer e Marina Moretti. Batemos um super papo com Leierer para entender o valor dos núcleos de roteiro para a carreira de um roteirista (seja ele iniciante ou mesmo estabelecido), mas também para o processo criativo das produtoras e players. Confira! Quem é Paulo Leierer? Roteirista e professor, Paulo Leierer trabalha principalmente desenvolvendo projetos de comédia para grandes produtoras de São Paulo, incluindo O2 Filmes, Elo Company, Glaz Entretenimento, Coração da Selva, Claraluz, Sentimental, entre outras. Seus últimos trabalhos como roteiristas incluem a sitcom “Tudo Em Família”, ganhadora do PRODAV e prevista para estrear em 2021, o desenvolvimento de uma comédia para o grupo Turner e o curta-metragem "Um Filme de Baixo Orçamento", que estreou em Gramado e foi exibido nos cinco continentes. Além disso, Leierer teve conteúdos veiculados ou desenvolvidos em canais como Comedy Central, Netflix e CineBrasilTV. Paulo Leierer foi também finalista do concurso de roteiro Guiões, em Portugal; do prêmio ABRA de roteiro e do concurso de roteiros de pilotos do FRAPA. Como professor, Leierer dá aula na Academia Internacional de Cinema (AIC) e Roteiraria. O roteirista recentemente fundou, junto com Marina Moretti, o núcleo de roteiros chamado Peripécia, que atualmente forma sua carteira de projetos. Segundo Leierer, o Peripécia nasceu “para somar forças e desenvolver projetos coletivamente”. Para completar, Paulo Leierer também integra a nova Diretoria da ABRA - Associação Brasileira de Autores Roteiristas, que assume seu primeiro ano de mandato em 2021. Da ideia ao núcleo Emplacar um contrato de desenvolvimento não é uma tarefa fácil, ainda mais para quem está começando. Em um cenário competitivo, com recursos e janelas limitadas, onde o currículo do roteirista exerce um papel importante, como encontrar caminhos viáveis? Paulo Leierer divide sua opinião sobre o assunto: “Fui percebendo que alguns excelentes projetos de determinadas pessoas não tinham a visibilidade que eu achava que mereciam, justamente por não terem esse acesso às produtoras. Ou mesmo porque tinham questões dramatúrgicas ou mercadológicas facilmente ajustáveis, mas não tinha alguém para ajustar e melhorar isso. Por isso o projeto não ia tão para frente.” - Paulo Leierer “Nós formamos um grupo para fazer um projeto chamado ‘Fim dos Tempos’, que foi segundo lugar no FRAPA em 2020, para a gente trabalhar de um modo experimental através do desenvolvimento coletivo”, comenta Leierer, revelando o começo da ideia de formar um núcleo de roteiro. A ideia deu certo e a vontade de reunir profissionais e novos projetos cresceu. Assim, do grupo informal de desenvolvimento nasce um verdadeiro núcleo de criação, com intuito de fortalecer os projetos e proporcionar pontes entre roteiristas e players. Embora o fator coletivo faça parte integral da ideia, Leierer reforça: “o desenvolvimento coletivo não tira a autoria do projeto, isso é um mito”. Para que serve um núcleo de roteiro? Talvez você já tenha ouvido falar em núcleos criativos, mas não sabe exatamente sua função na carreira do roteirista ou mesmo o modelo de trabalho. Para sanar qualquer possível dúvida, perguntamos à Leierer quais são os elementos motivadores que envolvem o Peripécia e suas práticas de desenvolvimento. “O papel de um núcleo é colaborar com visões sobre aquele tema, aquele universo, que vão fornecer o material ao autor para que ele possa imprimir a sua visão.” - Paulo Leierer Para Leierer, é através do processo coletivo que o autor entende as fraquezas do seu projeto, mas também consegue potencializar seus diferenciais. Para os idealizadores de um núcleo de roteiro, a carteira de projetos e o próprio processo criativo podem fortalecer sua “marca” para o mercado. “Esse tipo de iniciativa de fazer um núcleo, de pensar coletivamente, acaba fazendo você criar uma marca, que agrega um valor aos trabalhos que estão sob aquele guarda-chuva”, destaca. Segundo Leierer, o próprio player começa a encarar o projeto com outros olhos quando sabe que ele foi desenvolvido em um núcleo que atende a um certo padrão de qualidade. “Eu sinto que isso tem acontecido rápido e a tendência é acontecer mais”, completa. Para o roteirista, participar de um núcleo vai muito além do debate criativo. Leierer comenta que muitas pessoas ainda têm dúvidas sobre os materiais de venda. “Muitas vezes a pessoa ainda não sabe que material de vendas produzir, como produzir. A gente sistematiza isso também, a parte dos materiais, para ficar coerente no momento da apresentação”, responde. Selecionando projetos para o Peripécia “Queremos muito trabalhar com roteiristas em começo de carreira justamente para fazer essa ponte e conseguir juntar pessoas com experiência, ideias e visões novas, não tão viciadas nos processos”, explica Leierer, pontuando o valor de trabalhar coletivamente com profissionais em estágios diferentes na sua carreira. Como núcleo de roteiro, o Peripécia se dedica a filtrar os projetos que fazem sentido com a sua carteira em formação, sempre considerando a “identidade do núcleo” como fator de extrema importância. “A gente sabe que não quer atirar para todo o lado, então acabamos buscando projetos mais próximos da nossa cara. Buscamos projetos com uma visão consistente e que tragam alguma ‘pimenta’ no gênero utilizado, além de populares e pertinentes para o mercado” resume Leierer. O núcleo Peripécia está em busca de novos projetos, mas principalmente através de eventos de mercado. O Peripécia participará das rodadas de negócio do Primeiro Tratamento, do ROTA e do Serie_Lab. Além disso, o núcleo está desenvolvendo uma plataforma para envio de projetos e lança um aviso: “a gente vai ler e dar uma devolutiva que é mais do que somente ‘não queremos’”. O caminho “contrário” também é uma realidade: produtoras procuram núcleos para desenvolver uma demanda específica. Para Leierer, esse movimento reflete uma necessidade do mercado, que precisa cada vez mais contar com núcleos e produtoras independentes para desenvolver ideias inovadoras. O valor dos núcleos para as produtoras e players De onde surgem as novas ideias? O processo industrial de colocar uma equipe em uma sala para desenvolver diversos projetos ano após ano nem sempre é a melhor escolha. Paulo Leierer reforça a importância de “arejar as ideias”. Assim, os núcleos e produtoras independentes surgem como uma alternativa viável para um mercado que busca sempre por novas grandes ideias. “Tanto a produtora quanto o player se fortalecem com esse modelo”, explica Paulo, sugerindo que vamos ver um crescimento ainda maior de núcleos de roteiro pelo Brasil. “Um exemplo disso é a Globo, que tinha um método de produção muito autorreferencial até alguns anos atrás, mas agora trabalha com mais produtoras independentes e novos criadores, o que resultou, na minha opinião, em um salto ainda maior de qualidade”, destaca. Processo criativo Paulo afirma que o núcleo não trabalha com projetos que estão quase prontos. “A gente pega o projeto ainda em uma fase embrionária”, afirma, completando: “Começamos a desenvolver todos esses materiais junto com o criador ou a criadora. Não é bem uma consultoria porque não é tão vertical”. Quando o projeto amadurece, Leierer e Moretti organizam reuniões com os demais criadores do núcleo, com intuito de ler os projetos e proporcionar importantes inputs. Eles reiteram o cuidado de não fazer uma reunião com muita gente logo no ponto embrionário dos projetos, pois experiências assim podem mais prejudicar do que ajudar o processo. Afinal, o roteirista primeiro precisa estar em um chão mais sólido, mais certo do projeto em si, antes de abrir espaço para impressões gerais. “Antes de tudo, o autor precisa saber qual o destino daquele projeto. Assim, as pessoas que estão ali vão poder contribuir para que o projeto chegue naquele destino esperado.” - Paulo Leierer Para reforçar a questão autoral, Leierer esclarece: “o nosso papel no núcleo não é adequar a história da pessoa a uma visão que a gente tenha, mas ajudar a potencializar a história que ela quer contar”. A carreira do projeto depois do núcleo Uma vez negociada a venda do projeto com uma segunda parte, seja produtora ou mesmo um player, é combinada uma parcela desse valor no contrato para o núcleo. Ou seja, apenas quando o projeto for de fato vendido o núcleo recebe algo pelo processo, que vai da colaboração artística a um certo agenciamento de mercado também. “Em todo contrato com as produtoras nós estabelecemos um valor mínimo que segue as diretrizes dos valores da ABRA”, responde Leierer, que destaca outro ponto importante: “Uma condição dos nossos contratos também é a participação do roteirista ou da roteirista na sala de roteiro. Não como head, mas como roteirista integrante de alguma forma”. Conselhos para quem está desenvolvendo um projeto novo Antes de enviar seu projeto para avaliação ou mesmo formar o seu próprio núcleo, existe um importante passo: entender as premissas básicas na construção de um bom projeto. Paulo Leierer comenta a importância de estar atento a alguns pontos principais durante o desenvolvimento da sua ideia: “Primeiro, entender o que você está comunicando, de que forma e com que efeito. Se isso não ficar evidente, a pessoa não sabe por onde ela vai se relacionar emocionalmente com aquele projeto. A escrita do roteiro e do projeto em si também é muito importante. Tudo deve ser visual, mas o texto deve ser gosto de ler. Se o seu texto é duro… Passou. Uma terceira coisa é sair do lugar comum. Alguns temas e algumas ideias estão sempre ‘pipocando’ por aí.” - Paulo Leierer Além de tudo isso, Leierer pontua a importância da visão autoral sobre o tema a ser desenvolvido e cuidar com o “primeiro pensamento” sobre algumas ideias. Afinal, muitos projetos que permanecem nessas “conclusões superficiais” acabam se tornando previsíveis. “É preciso uma investigação do universo e de si mesmo”, comenta Leierer. De fato, encontrar uma voz autoral forte o suficiente para destacar um tema de uma forma inovadora não é tarefa fácil - e exige muita “investigação pessoal”. “É na hora do pitch que nós fazemos a venda, dá pra ver no olho da pessoa. É quando a gente fala ‘eu quero criar essa história por causa disso, isso importa pra mim e eu preciso comunicar essa questão’. Aí a pessoa compra o projeto. Então se a pessoa não sabe ainda o que é isso para ela, fica difícil pensar em tramas, episódios, etc.” - Paulo Leierer. Fica a lição: antes de desenvolver tramas muito bem amarradas, pense bem na mensagem e no efeito das suas obras. Seu pitch é capaz de encantar os players e parceiros? Descobrir o potencial do seu projeto para o mercado passa primeiro por encontrar o seu valor dentro de si. #roteiro #roteirista #núcleoderoteiro #Peripécia #audiovisual
- Os destaques da 5ª Edição do ROTA - Festival de Roteiro Audiovisual
Além de Concurso de Roteiros de Curta, Encontro de Negócios e Laboratório de Projetos de Série, o ROTA traz nomes de peso para Seminários especiais em evento 100% Online Se você é roteirista e ainda não ouviu falar do ROTA - Festival de Roteiro Audiovisual, então tem algo errado aí! Principalmente se você estiver no começo da carreira. A boa notícia é que ainda dá tempo de ficar por dentro do Festival e aproveitar tudo o que o ROTA tem para oferecer. Mas afinal, o que é o ROTA? Trata-se de um espaço de debate e encontro entre profissionais e estudantes de roteiro. Um evento que chega na sua 5ª Edição e segue em formato 100% online, entre os dias 16 e 21 de março de 2021, atendendo a roteiristas de todos os cantos do Brasil (e do mundo). Em seu leque de ações, o ROTA oferece Concurso de Roteiros de Curta, Encontro de Negócios, Laboratório de Projetos de Série, Mostra Competitiva de Curtas e Seminários com profissionais de peso do nosso mercado. Quer saber o que vai rolar nessa nova edição do evento? Então confira nosso papo mais do que especial com os idealizadores do ROTA! A equipe do ROTA Imagem: da esquerda para a direita: Gabriela Liuzzi Dalmasso, Carla Perozzo e Evandro Melo. A equipe idealizadora do Festival é composta pelo trio Gabriela Liuzzi Dalmasso, Carla Perozzo e Evandro Melo. Segundo Perozzo, a ideia de criação do ROTA surgiu em um elevador. “Foi aí que decidimos fazer um Festival de Roteiros. Hoje nós temos uma amizade muito especial! Muitos sonhos se realizaram e novos sonhos estão surgindo”, comenta Perozzo. Os três se conheceram nos corredores da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, mas trazem consigo um background de formações e experiências bem diversas! Gabriela Liuzzi Dalmasso é formada em roteiro cinematográfico pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro e fez diversos cursos livres de roteiro. É diretora do ROTA - Festival de Roteiro Audiovisual, sócia da Aiuru Filmes e do coletivo Audiovisionários. Foi finalista do Laboratório Novos Roteiristas, consultora do Laboratório de Curtas Luzes da Cidade e jurada do II Prêmio Rede Sina. Além disso, dirigiu e roteirizou o curta "Com os pés na cabeça", dirigiu o curta “A Trilha” e foi assistente de direção em 4 outros curtas. Carla Perozzo é professora de filosofia e apaixonada desde sempre pela sétima arte. Perozzo começou a estudar roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro em 2016, na mesma turma que Gabriela Luiza Dalmasso e Evandro Melo, amigos com quem divide a direção do ROTA Festival. Ator, diretor, produtor e professor, Evandro Melo é formado pela Escola de Teatro Martins Pena. Começou a escrita adaptando contos para serem usados nas aulas de interpretação. Dedicado ao teatro, Melo esteve em Angola como convidado, para onde levou a obra de Nelson Rodrigues com ineditismo ao palco, além de filmar um documentário sobre a Companhia de Teatro Horizonte Njinga Mbande de Luanda. Desenvolve atualmente um roteiro de ficção em animação com recortes documentais sobre os índios isolados da região Uru Eu Wau Wau, de Rondônia. Uma nova edição e um recorde de inscrições “Nós estamos na quinta edição do ROTA e uma das melhores coisas que aconteceu nessa edição foi o patrocínio, que permitiu que a gente fizesse um Festival totalmente gratuito”, revela Dalmasso. A edição 2021 do ROTA recebeu recursos através da Linha para Festivais da Lei Aldir Blanc. Justamente por isso, o Festival hoje acontece mais cedo, considerando que a última edição ocorreu em novembro de 2020. Sobre essa questão, Melo comenta: “A gente pensou - o pessoal acabou de enviar seus projetos para o ROTA, será que vai ter público para essa nova edição em março?” Não só teve público, como o ROTA bateu novos recordes. “Teve um recorde de inscrições, maior do que do ano passado ainda. Foram 1.373 inscrições, todas as linhas de ação com recorde de inscrição. É uma mostra de que a gente realmente precisa desse movimento no roteiro no Brasil de um modo geral”. - Evandro Melo “Nós somos muitos sonhadores, aos poucos a gente vai vendo até onde a gente pode chegar”, completa Dalmasso, dando a dica de que o ROTA segue firme e forte, buscando ampliar seu alcance e linhas de ação. Graças ao formato online, o ROTA permite inscrições de todos os cantos do Brasil e inclusive do mundo! “Ano passado tivemos inscrições de quase todos os estados brasileiros”, comenta Melo. “Além desses estados todos, tivemos também inscrições de brasileiros espalhados pelo mundo. Nós temos o objetivo de ser um Festival brasileiro para fomentar o nosso mercado, mas também estamos abertos para brasileiros de todos os cantos do mundo. E essas pessoas têm vindo” - Gabriela Liuzzi Dalmasso Para Evandro, esse resultado é sinal de que “o ROTA está conseguindo espalhar o interesse pelo roteiro para as mais diversas partes do Brasil”. O que vai rolar no ROTA 2021? Neste ano, o Festival retoma suas tradicionais linhas de ação com algumas novidades especiais. “São cinco linhas de ação: Concurso de Roteiros de Curta, Encontro de Negócios, Laboratório de Projetos de Série, Mostra Competitiva de Curtas e Seminários. Esse ano o Seminário ocorre nas seis noites do Festival, com dois eventos por noite - um às 19 horas e outro às 20h30”, informa Dalmasso. Os Seminários começam no dia 16 de março, mas as inscrições estão abertas para todos os interessados! São mesas temáticas que contam com participações de roteiristas de renome nos mais diversos formatos. Entre os destaques, a mesa “Roteiro de não-ficção”, com Ana Abreu e Letícia Padilha (18/03, às 20h30), a palestra “O ponto de vista do editor sobre o roteiro”, com Eduardo Escorel (18/03, às 19h00), a entrevista do Primeiro Tratamento com Fábio Porchat (19/03, às 19h00), a palestra “Estruturas narrativas não hegemônicas, o que temos a aprender com o episódio final de I May Destroy You”, com a roteirista Maíra de Oliveira, Presidente da ABRA - Associação Brasileira de Autores Roteiristas, e muito mais! Ficou curioso para conferir a programação completa? Fique ligado no site do ROTA e nas redes sociais: Site: https://www.rotafestival.com/ Facebook: @rotafestival Instagram: @rotafestival Twitter: @rotafestival O papel dos Festivais de Roteiro na carreira do roteirista Festival de roteiro ainda é um assunto novo no mercado daqui. O FRAPA, precursor na América Latina, chegou na sua oitava edição em 2020, que ocorreu de forma 100% virtual. O Serie_Lab, que seguiu os passos do FRAPA, chegou em sua quarta edição com plataforma própria e parceiros de peso. Para o trio de idealizadores do ROTA, não existe competição por esse espaço - é através da união que o mercado se fortalece. “Os festivais de modo geral estimulam a pessoa a seguir em frente. Se não tem um respaldo como o nosso, como o do FRAPA, o do Serie_Lab… A pessoa muitas vezes sai da faculdade, escreve coisas e coloca na gaveta. Para onde ela vai levar o projeto dela? Como ela vai caminhar com aquilo? Onde ela vai chegar? Então esses espaços servem para ela apresentar o seu trabalho, como para ela se apresentar também”. - Evandro Melo O ROTA também promove “reencontros” com participantes de edições passadas. A equipe do Festival contou que alguns finalistas dos seus concursos já tem seus filmes gravados, que agora seguem carreira em outros espaços, bem como alguns antigos participantes voltam como curadores dos concursos. “Apesar de todos os problemas que passamos, a gente vive um momento favorável para o roteirista. O roteirista passou a ser valorizado e ganhar um espaço que não tinha antes”, complementa Dalmasso, lembrando que os desafios para o audiovisual são grandes, mas há perspectivas novas para os criadores. “E a ABRA tá fazendo uma ação de valorização do roteirista que a gente sempre pensou, sempre idealizou. Cada vez mais estamos tomando conhecimento de quem escreve essas histórias que fazem as pessoas rirem, se emocionarem, se informarem, comenta Melo, que complementa: “a gente sonha em botar o roteirista um pouco mais a frente”. E para quem ainda não conferiu, a galera dá um recado: as palestras e apresentações de projetos do ano passado estão abertas no Youtube e Facebook do ROTA para ser assistido. Clique aqui para conferir tudo! #ROTA #roteiro #roteirista #FestivaldeRoteiro
- Desafio das 5 Páginas: inovando na comédia
Nessa edição da análise, visitamos os principais desafios e liberdades dos subgêneros screen life e mockumentary para te ajudar a levar as risadas para outro nível A comédia é um gênero muito versátil. E, por isso, traz junto de si uma série de desafios em sua escrita. Esses desafios podem se tornar ainda maiores quando o roteirista decide inovar - seja na temática, no formato ou mesmo na linguagem. É por essa razão que esse é o tema da nossa análise do Desafio das 5 Páginas da vez: linguagens inovadoras que prometem carregar as risadas para outro nível. Nesta edição, analisamos o roteiro do longa-metragem "Match", de Daniel Duncan, e "Solar dos Prazeres", de Victor Hugo Liporage. "Match" traz a linguagem do subgênero screen life film, enquanto o roteiro de Victor Hugo Liporage aposta num mockumentário (mockumentary ou pseudo documentário) recheado de humor brasileiro. Nossa análise também envolveu a participação dos roteiristas Tiago de Carvalho Ferreira, Ian Perlungieri e Carol Santoian, que lança seu conteúdo em vídeo no seu canal do YouTube. A Carol já comentou sobre "Match", de Daniel Duncan, em um vídeo super interessante e completo com análises de página: Além de análises próprias e de nossos parceiros, trazemos exemplos dos roteiros de "Searching", "The Office" e mais. Quer entender melhor sobre essas abordagens narrativas? Quer conferir as análises dos roteiros? Continue conosco! Screen life: da vida para a tela - e vice versa Hoje em dia, a vida é repleta de telas: computadores, celulares, tablets, etc. O cinema já percebeu isso e incorporou essa linguagem de diversas formas, seja em séries como "Família Moderna" (Modern Family, 2009-2020) ou longa-metragens como "Amizade Desfeita" (Unfriended, 2014) e "Buscando" (Searching, 2018), thriller de Aneesh Chaganty e Sev Ohanian. Confira um excerto do episódio “Connection Lost” (S6Ep16) de "Modern Family", bem como um pouco do Making Of: Mas é possível escrever um roteiro inteiro nesse formato? Não só é possível, como pouco explorado e também mais barato de produzir (por exemplo, o episódio de "Modern Family" do vídeo acima foi criado no Illustrator). Nesse subgênero, existem algumas maneiras específicas de lidar com o formato: como liderar o fluxo de informações narrativas, ritmo, a própria formatação do roteiro, etc. Sobre o roteiro de "Buscando", Aneesh Chaganty revelou em uma entrevista com o Script Pipeline que o projeto nasceu de um curta-metragem onde o recurso do screen life foi testado antes de expandir para um longa. [...] A única razão pela qual decidimos expandir [o filme] de 8 minutos para um longa é porque encontramos uma maneira de não fazer [dessa linguagem] um truque. E, se eu tivesse que dar uma resposta sobre o motivo de não parecer um truque, é porque é emocional. Tínhamos feito a montagem de abertura para provar que, mesmo que este não fosse o primeiro filme feito somente nas telas, tínhamos esperança que seria o primeiro que fosse cinematográfico. Algo emocionante que faz você esquecer o que está assistindo nas telas. E para nós, se pudéssemos executar isso por 90 minutos, iríamos nessa direção. - Aneesh Chaganty Mas, para fazer isso, foi essencial que os roteiristas prestassem atenção à estrutura da história e ter certeza de que: 1) estavam sendo claros com o fluxo narrativo e 2) não repetissem recursos e "caminhos digitais". Estávamos seguindo uma estrutura de roteiro muito clássica, quase básica, mas dentro dessa estrutura, em constante evolução a cada beat. Então, dissemos a nós mesmos, por exemplo, para nunca ter duas conversas no iMessage. Como se tudo estivesse acontecendo uma vez. Estudamos cada botão em uma tela de computador e perguntamos qual é a implicação emocional disso, a que lugar da história essa implicação pertence, etc. - Aneesh Chaganty É evidente que, assim como num roteiro em formato master scenes, é necessário muita pesquisa. Por que esse formato vai servir para a sua história? Quais sites, botões e caminhos que suas personagens irão utilizar? E mais: no caso da comédia, como deixar isso engraçado? É preciso pensar a linguagem e utilizar a versatilidade do ritmo da tela ao seu favor, independente dos gêneros que estarão liderando a abordagem da história. O positivo é que existem milhares de abordagens para esse fluxo digital - a internet inteira é sua referência. Confira um excerto do roteiro de "Buscando": Tradução: DING. Uma mensagem de “Margot Kim”. Desculpa, o wifi é terrível aqui O cursor de David abre o iMessage e nós- INTERCALAR JANELA DE IMESSAGE E FACETIME DE DAVID Sem problemas. Estava prestes a perguntar como foi a final hoje? Bem. Mesmo se eu falhasse, o Sr. Lee não me deixaria rodar. Ele disse que eu sou sua aluna favorito. De longe. Duvido que você tenha falhado. Você trabalha muito. E estou orgulhoso de você por isso. David faz uma pausa e, lentamente, começa a digitar: ̶M̶a̶m̶ã̶e̶ ̶t̶a̶m̶b̶é̶m̶ ̶e̶s̶t̶a̶r̶i̶a̶. Ele apaga. Em seguida, tenta novamente. ̶E̶u̶ ̶s̶e̶i̶ ̶q̶u̶e̶ ̶m̶a̶m̶ã̶e̶ ̶t̶a̶m̶b̶é̶m̶ ̶e̶s̶t̶a̶r̶i̶a̶. Ele destaca o texto. Exclui. Sai do aplicativo e- DESKTOP - LAPTOP PESSOAL DE DAVID - NOITE Uma hora depois, David ABRE seu navegador da web, VIAJA para- YOUTUBE - GOOGLE CHROME -e dá play em uma música relaxante. Enquanto toca no fundo, David VISITA- TECHCRUNCH - GOOGLE CHROME - onde ele verifica as atualizações do setor, ABRINDO cada link de interesse em sua própria guia. Então ele ABRE- GMAIL - GOOGLE CHROME - onde ele CLICA em um e-mail de um “Dr. Vadlamani, MD ” intitulado: “Recomendação de Acompanhamento”. Iniciar- O médico sugere que David reconsidere a mudança da psiquiatria para a terapia. Mas David não está interessado. Em vez disso- Ele rola pela longa recomendação antes de pousar na parte que está procurando: “... Mas se você decidir continuar no caminho atual, recomendo o Trazodone.” Então, antes de sair escrevendo "Print da tela de WhatsApp de Fulano" no roteiro, o mais importante é estabelecer muito bem o coração da história e sua estrutura. Quem quer o quê? Quem precisa aprender o quê? E por aí vai. Leia o roteiro completo de "Buscando" (em inglês) "Match", de Daniel Duncan Nosso parceiro Tiago de Carvalho Ferreira, roteirista e consultor, oferece um resumo sobre as primeiras páginas do roteiro de Daniel Duncan: Conhecemos Annie, que é apresentada por seu perfil no site OkCupid e que depois conversa com sua amiga Nina. Logo sabemos que Annie terminou com seu ex-namorado Peter para ficar com uma mulher, mas ela desapareceu das redes sociais. Entendemos rápido quem é Annie, despojada, personalidade forte e desconfiada de relacionamentos, mas intrigada pelo sumiço da mulher. O gênero cômico é leve e divertido e os diálogos expõem as questões que suas ações não podem. - Tiago de Carvalho Confira um trecho do roteiro de "Match": Já de início, a roteirista Carol Santoian levanta um ponto importante: quando escrevemos um screen life film (ou série), é preciso deixar bem claro qual o estilo, uso e interface do aplicativo, site ou programa que consta na cena. Muitas vezes o leitor não visualiza tão bem quanto iria se enxergasse uma imagem. Confira outro excerto do roteiro de "Match": Tiago concorda com Carol: "acredito ser importante identificar no cabeçalho das cenas de quem é a tela que estamos acompanhando e o local da ação, montando melhor essas informações. A troca de telas podem ser melhores resolvidas com mais menções de cortes, pois fiquei um pouco confuso com o corte do OkCupid para a conversa de Annie com sua amiga Nina e a introdução de Peter." Afinal, é comum utilizarmos vários dispositivos diferentes em uma mesma página de roteiro, como no roteiro de Duncan: OkCupid, Skype e Facetime e ainda inserção de flashbacks. Isso enriquece o ritmo da narrativa, mas no roteiro pode ficar confuso se não for muito bem indicado. E quanto à personagem de um screen life film? A internet é uma grande aliada na hora de construí-la. Em "Match", essa questão de perfil/avatar está construída como uma máscara que esconde a vulnerabilidade da personagem Annie, por exemplo. As reflexões das personagens serão refletidas em seus acessos - seja em sites, vídeos, imagens, redes sociais, programas. Aí, fica ainda mais desafiador o ato de intercalar o ritmo do cursor do mouse com sites e apps que exponham o estado de espírito da personagem. Duncan, por exemplo, também apostou no recurso do voice over e do chat por vídeo, aliados nesse tipo de roteiro. Tiago levanta um questionamento para o restante de "Match". "Se Annie está tão preocupada em reencontrar sua ex-ficante", pergunta, "porque ela está no OkCupid no começo do roteiro? Seria uma forma de tentar superar a mulher ou de procurá-la no site? Por fim, explorar o que Annie faz e fala, colocando tais ações em conflito, como já aponta sua amiga Nina, podem render consequências bem interessantes para a trama e para a progressão dramática da personagem". Além disso, os sons digitais e reais não podem ser esquecidos. Existe aí um universo de sinais que indicam ações, ao invés de mostrá-las. O recurso sonoro pode, inclusive, trazer vários momentos cômicos para as cenas - um vídeo fora de hora, uma música nada a ver, uma frase embaraçosa pela webcam e por aí vai. Mockumentary: comédia de puro contraste Já no reino da comédia, o mockumentary se vale do formato e linguagem documental para fazer uma sátira ou até mesmo paródia. Aqui, o humor surge muito em razão dos contrastes de realidade, dos recursos de montagem e, principalmente, das personalidades conflitantes das personagens. Algo comum é apostar na sátira social, valendo-se de arquétipos, convenções culturais e comportamentos típicos de certos grupos de pessoas, sempre procurando o conflito dentro do universo narrativo. São muitos os exemplos de mockumentaries e pseudodocumentários queridos pelo público: "The Office" (ambos), "Modern Family", "Parks & Recreation", "Documentary Now!", "American Vandal", "What We Do in the Shadows", "Borat" e diversos outros. Um dos poucos exemplos brasileiros que se utiliza de vários signos desse subgênero é "Ilha das Flores" (1988), de Jorge Furtado. E um bom mockumentary é aquele que explora os contrastes mais absurdos das personagens e seus comportamentos. Em "Vida de Escritório" (The Office, US, 2005-2013) por exemplo, os comportamentos são muito influenciados pela presença das câmeras e dos documentaristas (fictícios). Além disso, os depoimentos muitas vezes contradizem ações que a câmera capta - seja na cara dura ou às escondidas. Confira um trecho do piloto de "Another Period" (2013-1018) onde o simples contraste das expectativas do público com a reação das personagens já produz humor: Tradução: INT. SALA DE ESTAR - DIA 4 Garfield traz um TELEGRAMA para Beatrice. Ela olha e joga no chão. VICTOR O que isso está escrito? BEATRICE Eu não sei ler. Garfield o entrega a Albert, que o lê. ALBERT Querida. LILLIAN Sim querido? ALBERT Não sei bem como dizer isso... suas... suas amigas, as irmãs Claudette? Eles morreram. INT. TALKING HEADS: LILLIAN E BEATRICE LILLIAN Nossas melhores amigas morreram! BEATRICE Finalmente! LILLIAN O falecimento das irmãs Claudette significa que há 2 vagas abertas no Newport 400 - as 400 pessoas mais importantes de toda a sociedade. E eu sei quem vai preenchê-las. BEATRICE Quem? LILLIAN Nós. Elas morreram. Para abrir espaço para nós. BEATRICE Devíamos enviar a elas um cartão de agradecimento. Bem como muitos, esse subgênero se equilibra também na força das personagens. É necessária a presença de um(a) bom(boa) protagonista, com objetivos e complexidades bem característicos de si e que entrem em conflito com seus arredores. Vide Michael Scott ou Leslie Knope, por exemplo. "Solar dos Prazeres", de Victor Hugo Liporage Tiago de Carvalho nos apresenta as primeiras páginas do longa de Victor Hugo Liporage, "Solar dos Prazeres": Estamos no território do mockumentary, um documentário sobre personagens ficcionais. Em outras palavras, o roteiro emula a linguagem de um falso documentário sobre moradores do prédio residencial que dá nome ao projeto. Conhecemos, pouco a pouco, os personagens principais em uma reunião do prédio: a síndica Glória, o casal que está brigado Wilson e Suelen, bem como Selminha e Luiz. As câmeras registram tudo, usando de entrevistas individuais para explorar as motivações e personalidade dos personagens. - Tiago de Carvalho E quanto às personagens principais? Confira um trecho do roteiro de "Solar dos Prazeres": Aqui, a protagonista Glória chama a atenção para si, justificando a presença das câmeras no roteiro de maneira esperta: a equipe já estaria fazendo um documentário sobre o prédio e, nesse momento, Glória pede para que registrassem a reunião. Vale lembrar que o diálogo e o comportamento inicial das personagens precisa ter muita força, pois vai ditar a primeira impressão que o público terá - impressão essa que pode se confirmar ou, de forma mais cômica, desfazer-se totalmente em razão dos conflitos narrativos. Confira um trecho do episódio "E-mail Surveillance" (S2Ep9) de "The Office" que expõe e explora a personalidade conflituosa e estereotípica do protagonista Michael Scott já no início: Tradução: INT. SALA DE MICHAEL - DIA 1 MICHAEL está bebendo café, olhando pela janela. Um olhar de preocupação cruza seu rosto. A câmera olha pela janela e vê... EXT. ESTACIONAMENTO - CONTÍNUO - D1 UM JOVEM HOMEM MUÇULMANO com uma mochila entrando no prédio. INT. SALA DE MICHAEL - CONTÍNUO - D1 Michael disca o telefone em pânico. MICHAEL Atende, atende, droga. SECRETÁRIA ELETRÔNICA (V.O) Você ligou para a segurança- MICHAEL Isso é ruim. INT. ESCRITÓRIO - CONTÍNUO - D1 Michael sai correndo de sua sala. MICHAEL Pessoal, tranquem as portas, desliguem as luzes, finjam que não estão aqui. JIM (calmamente) Estamos em perigo? MICHAEL Eu não sei. Não temos tempo a perder de isso for real. Ele corre para trancar a porta e desligar as luzes. MICHAEL (CONT.) Shh, shh, shh. Todos estão em silêncio. Alguém BATE na porta. Eles esperam. Mais um TAP TAP TAP. MICHAEL - TALKING HEAD MICHAEL O cara do TI e eu não tivemos um bom começo. De volta ao roteiro de Liporage, Tiago afima que "é uma forma eficiente de iniciar o roteiro. A quinta página do roteiro termina com um ótimo gancho para dar sequência a trama: furtos no prédio. Além disso, já temos o problema de relacionamento entre Wilson e Suelen e Luiz, que se incomoda com o conteúdo do grupo do WhatsApp, por ser religioso, mas não perde tempo em vender produtos para a equipe que grava sua entrevista", diz. Confira esse trecho em "Solar dos Prazeres": Portanto, na hora de escrever um mockumentary, desenvolva muito bem as personagens e pense em conflitos - ainda mais conflituosos do que você pensaria em outros gêneros. É através desses vários embates e contrastes que as personalidades vão brilhar e entreter o público. Muitas vezes, um protagonista com características literalmente opostas é o que traz mais oportunidades dramáticas. Só lembre-se de desenvolvê-lo aos poucos, mostrando as características mais excêntricas e engraçadas primeiro (óbvio)! Nessa linha, Tiago dá a última dica para o roteiro de Liporage: Como já temos personagens tão bem delineados pelas entrevistas, sinto que Glória poderia ser melhor explorada, pois sendo a síndica e a primeira a ser apresentada, acredito que ela será a condutora da trama e gerenciadora dos conflitos. 'Solar dos Prazeres' é um projeto bem interessante e que, para potencializar a comédia, pode investir mais em Glória e em sua relação com os outros moradores do prédio e com a própria equipe que registra seus atos. - Tiago de Carvalho E você, como vai inovar na comédia em seu próximo projeto? #comédia #DesafioDas5Páginas #screenlifefilm #roteiro #dicasderoteiro
- A carreira do roteirista com Letícia Bulhões Padilha
A roteirista de séries como “A Culpa é da Carlota” e "Faz Teu Nome" divide impressões sobre o ramo da comédia e como encontrar seu espaço na indústria sem contatos No audiovisual, é muito comum escutarmos histórias parecidas quando falamos do começo da carreira de roteiristas de sucesso. Estar “no lugar certo”, “na hora certa” e com condições financeiras adequadas para ralar muito no começo é uma combinação recorrente. E quando esse não é exatamente o seu contexto? É possível encontrar seu espaço na indústria sem contatos, com pouco dinheiro ou mesmo com pouca ideia de como trilhar nesse difícil começo? A carreira do roteirista não precisa depender desses aspectos contextuais (que definitivamente ajudam muito). É possível, sim, organizar de forma proativa o seu caminho na indústria audiovisual sem contar com tantos “empurrões na direção certa”. Para entender como isso pode acontecer, conversamos com a roteirista Letícia Bulhões Padilha, que fez parte da equipe da sala de roteiro de séries como “A Culpa é da Carlota” (Comedy Central Brasil) - adaptação do formato argentino “La Culpa es de Colón” - e o “O Diário de Mika” (Disney Channel) - criada por Elizabeth Mendes e nomeada ao Emmy Kids Awards -, entre tantos outros trabalhos. Nessa entrevista, dividimos um pouco das experiências de Letícia para entender alguns importantes aspectos da carreira de um roteirista; por onde começar, como encontrar as primeiras oportunidades, como organizar o rumo da sua carreira, entre outros pontos. Quer entender um pouco mais da trajetória da Letícia no roteiro? Não deixe de ouvir a sua entrevista no podcast Primeiro Tratamento através deste link! Quem é Letícia Bulhões Padilha? Com 10 anos de carreira como roteirista, Letícia Bulhões Padilha coleciona experiências bem diversas na área, mas sempre com o foco em trabalhar com comédia. No Comedy Central, Padilha fez parte da equipe das séries “A Culpa é da Carlota” e “Auto Posto” - criado, dirigido e com redação final de Marcelo Botta - que muitos acreditam ter “previsto” a pandemia mesmo antes dela acontecer, isso por conta do último episódio da temporada. Ainda na TV fechada, a roteirista integrou a sala de roteiro do programa “Faz Teu Nome” (Multishow), apresentado por Tom Cavalcante e Tirullipa. Além disso, Letícia também tem experiência com conteúdo infantil, tendo trabalhado nas séries “Super Lila” (Discovery Kids), criada por Leonor Corrêa e atualmente em fase de produção, “Senninha na Pista Maluca” (Gloob) e “Os Chocolix” (Nickelodeon), criada por Jacqueline Shor, entre outras. No cinema, a roteirista fez colaboração e consultoria no longa-metragem de comédia “Incompatível” (Gullane/Fox). Para completar, Bulhões Padilha também desbravou o YouTube, tendo trabalhado com Felipe Neto entre 2016 e 2018, atuando como pesquisadora de conteúdo para os vídeos do youtuber. O começo da carreira “Começar na área é muito difícil”, começa Bulhões Padilha, que dividiu com a gente os diferentes desafios que assumiu ao decidir ser roteirista. Mas antes de qualquer decisão no meio audiovisual vem a sua formação em Sociologia. “Eu tinha 17 anos, queria cursar Rádio e TV, não passei em universidade pública, meus pais perderam o emprego e não podiam pagar uma faculdade para mim”, Letícia explica. Com poucos cursos gratuitos voltados a audiovisual e roteiro, o empecilho financeiro é uma das primeiras travas do profissional que não detém tantos recursos para começar. Letícia, então, foi em busca de trabalho para pagar os cursos que gostaria de fazer. “Desde pequena eu passo na frente de torres de TV e o meu coração bate mais forte”, revela Bulhões Padilha. De atendente de telemarketing à recepcionista, Letícia trabalhou em diversas áreas, mas sempre com um mesmo foco: financiar sua formação e ir atrás dos seus sonhos no meio audiovisual. “Então na época eu fiz um curso de roteiro que não me ajudou muito” - Bulhões Padilha fala sobre suas primeiras experiências estudando o ofício. “Os cursos eram muito elitistas, eles falavam muito do Cinema Noir, Western, Buñuel, etc. E no fim… Eu não sabia o que era um cabeçalho!” A roteirista deixa bem claro que sua meta sempre foi trabalhar com comédia. Para isso, o primeiro passo era entender a arquitetura que compõe um roteiro. Assim, só depois seria possível seguir seus estudos para o caminho que a roteirista trilha até hoje, se especializando em compreender os diferentes artifícios que envolvem o humor e a construção de piadas. Além da formação, Letícia também buscava o DRT, essencial para quem buscava trabalhar em emissoras de TV naquela época. Denominada a partir de “Delegacia Regional do Trabalho”, DRT é um registro profissional pedido principalmente por algumas emissoras para exercer a função de roteirista. “Eu virava monitora dos cursos justamente porque eu queria o DRT”, comenta. Enquanto isso ocorria, Letícia revela que trabalhou bastante com projetos de amigos e conhecidos, criando conexões e praticando a arte do roteiro. “Primeiro eu fazia muito um trabalho de produção por não me sentir confortável ainda para mostrar os meus textos”, responde, deixando claro que nem sempre é fácil dividir nossos primeiros trabalhos com roteiristas mais experientes. Primeiras experiências como roteirista “Em um desses cursos, uma das alunas, da Casablanca, me disse que precisaria de uma assistente para um projeto”, comenta Bulhões Padilha, que lembra que o “valor baixo” anunciado para a vaga em 2012 (R$ 1.500) já era cinco vezes mais do que o seu último salário. “Eu pensei: tipo assim, eu já estou ganhando quatro dígitos”, brinca a roteirista. Começo de carreira normalmente é assim: o profissional se desdobra em diferentes funções, procurando seu espaço enquanto tenta desenvolver um estilo próprio. Se você não tem aquele padrinho ou madrinha superstar da indústria para arranjar um belo atalho, vai ser preciso se dividir bastante. Nisso, a diversidade é o que conta. Não foi diferente com Letícia, que entre tantas funções, já trabalhou como ghostwriter em uma ação das redes sociais da ativista e apresentadora de TV Luisa Mell e pesquisadora de conteúdo para os vídeos do youtuber Felipe Neto, um dos maiores nomes da plataforma no Brasil. Além, é claro, de escrever muito conteúdo institucional com o objetivo único de viver de roteiro. A roteirista, porém, afirma que nada disso surgiu “do nada” ou de forma fácil. Tudo em sua carreira foi fruto de dedicação e o famoso “ir atrás dos seus objetivos”. A própria oportunidade de trabalhar com Felipe Neto veio depois de muita pesquisa da parte da roteirista sobre o cenário do Youtube Brasil. “A gente vivia um momento muito incerto aqui no Brasil e trabalhar com youtube parecia uma grana fixa. Eles recebem em dólar. Então eu pensei: eu vou listar todos os youtubers que são famosos em 2016. Fui listando os youtubers e comecei a pesquisar amigos em comum. Fui por esse caminho - conversando, tentando, mandando mensagem”. - Letícia Bulhões Padilha Esperar baterem na porta com uma oportunidade não é uma forma realista de encarar o mercado. Para completar, o caminho nem sempre é “óbvio”. Com tantas plataformas de exibição hoje em dia é possível diversificar abordagens e multiplicar caminhos. O que é preciso para ser “roteirista”? “Eu queria ser chamada de roteirista”, revela Bulhões Padilha. Essa é uma questão muito pertinente - quando podemos nos considerar verdadeiramente roteiristas? Sabemos que o roteirista é aquele que desenvolve roteiros, simples assim. Por outro lado, o “ser chamada de roteirista” envolve um pouco mais do que isso. Envolve um reconhecimento do mercado. Letícia divide um pouco do que envolveu o seu processo de reconhecimento: “para isso, enviei currículo para um monte de lugares. Fui escrever vídeo-aula, institucional, etc.”Quem vê crédito em série do Comedy Central nem sempre vê todo o trabalho de base. Um trabalho muitas vezes recheado de cursos, monitorias, freelas institucionais, vídeo-aulas, colaborações em projetos de conhecidos e muito mais. Como a própria Letícia reforça, tornar-se roteirista envolve se preocupar em “viver dos seus roteiros”. No começo, isso significa todo e qualquer tipo de roteiro que aparecer. Se você for um roteirista iniciante, é preciso muita bagagem e conhecimento antes de fazer uma maior “curadoria” em sua carreira. Saindo da zona de conforto Uma das perguntas mais recorrentes no nosso portal é sobre onde encontrar oportunidades como roteirista, ou mesmo produtoras dispostas a ler projetos originais. Não existe um “caminho das pedras”, um trajeto mágico e secreto que nunca ninguém contou. O que existe é trabalho e persistência. “Eu entrava nos sites e ia mandando e-mails”, explica Bulhões Padilha. Em seus e-mails de primeiro contato, Letícia se apresentava e falava um pouco sobre a sua trajetória e objetivo de escrever ficção, além de se disponibilizar a enviar um curta-metragem autoral (registrado na Fundação Biblioteca Nacional) como exemplo do seu trabalho. Em uma das vezes em que Letícia se predispôs a “maratonar” em um envio de e-mails para produtoras, de mais de 300 e-mails, a roteirista revela que marcou cinco entrevistas e conquistou três trabalhos diferentes como resultado da triagem, entre eles uma oportunidade no estúdio Super Toons, uma produtora especializada em desenhos animados para público infantil. “No Estúdio Super Toons foi onde eu mais me desenvolvi como profissional”, conta Letícia. Além de desenvolver a escrita, a roteirista também aproveitou a oportunidade de circular em eventos de mercado, como o Rio2C, em nome da produtora. Afinal, não basta escrever, é preciso ser visto, se apresentar ao mercado e conhecer as pessoas que podem conectar os seus objetivos aos caminhos mais frutíferos para a sua carreira. “Eu passei a ser cada vez mais requisitada nas reuniões de conteúdo da produtora, tanto dos jobs que ela pegava, quanto dos projetos que ela produzia”, comenta. “Depois de quatro anos lá eu decidi que eu já tinha aprendido muito escrevendo animação infantil. Eu já consegui ser chamada de roteirista, tinha produções com o meu nome na TV fechada, mas agora eu precisava sair da minha zona de conforto e ir atrás daquilo que eu realmente queria fazer”. - Letícia Bulhões Padilha Sair da zona de conforto não é fácil, principalmente quando isso envolve deixar para trás um trabalho fixo para se aventurar no competitivo mercado audiovisual. Nesse caso, o importante é não ficar parado: procurar seu nicho e desenvolver novas habilidades pode levar você para caminhos que você nem imaginava. Depois de um tempo trabalhando com pesquisa de conteúdo para o Felipe Neto, Letícia foi contratada pela Gullane para fazer uma consultoria temática de memes e brigas na internet para o longa-metragem “Incompatível”, do roteirista Paulo Cursino, ambientado justamente nesse universo dos youtubers. Pois é, a ponte entre o Youtube e uma grande produção para o cinema nacional era mais curta do que se imaginaria. “Tinha que escrever a briga entre os haters. Eles perceberam que por eu trabalhar com o Felipe Neto talvez eu entendesse um pouco desse universo mais acalorado dos fãs”, brinca Bulhões Padilha, que completa: “eu tenho o maior orgulho desse job, foi a minha primeira experiência em um roteiro de longa”. Em sua trajetória em busca de um caminho na comédia, Letícia encontrou no Youtube uma janela interessante para desenvolver novas habilidades. “Eu fui trabalhar com uma youtuber de Brasília, mas aí já não era só uma produção de conteúdo. Além da produção de conteúdo eu fiz o roteiro e a direção”. Letícia também trabalhou para o Luccas Neto, irmão de Felipe Neto e um dos maiores nomes no Youtube dedicado a conteúdo infantil. “Ele queria desenvolver um projeto para criança, mas que o público adulto criasse identificação também”. Depois de acumular experiência trabalhando com memes, tretas de internet e grandes youtubers, Letícia deu um novo salto em sua carreira através de um post em seu facebook - o famoso “manda jobs”. Nunca subestime o “manda jobs”. “A roteirista Julia Rodrigues Mota me sugeriu fazer uma postagem nas redes brincando com o fato de eu estar procurando emprego, então eu fiz uma postagem de uma foto do meu gato”. - Letícia Bulhões Padilha Não é por acaso que alguém da Viacom viu o post de Letícia e a chamou para uma conversa. Foram anos de contatos e eventos frequentados. A roteirista comenta que inclusive já trabalhou em um argumento de série em troca de um passe para o Rio2C, compreendendo a importância de frequentar os espaços certos para otimizar suas chances de conquistar uma oportunidade. Através dessa indicação de seu contato na Viacom, Letícia viria a trabalhar no programa “A Culpa é da Carlota”, do Comedy Central. “Me perguntaram porque eu havia sido indicada e eu falei que tinha trabalhado com o Felipe Neto pensando em ideias de vídeos. Foi aí que a Fernanda Leite, chefe de roteiro, disse: ‘então, a gente precisa justamente de alguém que pense ideias de quadros e temas que vão servir de escada para que os talentos façam graça, é basicamente a mesma coisa’. Eles precisavam de alguém que fizesse essa curadoria e entendesse o que tem graça e o que não tem. Me perguntaram se eu achava que eu era essa pessoa e eu disse que sim, eu era essa pessoa”. - Letícia Bulhões Padilha O lembrete aqui é para você manter o foco no seu objetivo, mas correr atrás do máximo de oportunidades possíveis que possam ampliar suas habilidades únicas. Volta e meia as oportunidades aparecem assim: “precisamos de alguém que entenda especificamente disso”. Para ser esse “alguém”, basta correr atrás dessas experiências. Trabalhando com humor “Eu sou mulher e eu escrevo comédia: ainda é um negócio que a gente precisa enfiar o pé na porta em 2020, imagina em 2010”, comenta Letícia, que depois de 10 anos dedicados ao meio audiovisual, divide conosco desafios e mudanças que ela percebe no cenário da comédia brasileira. “O ambiente da comédia era muito hostil. Em 2010 faltava muito um acolhimento, um ‘vamos aprender a fazer juntos’, uma generosidade. Até por isso eu tive muita dificuldade de mostrar os meus textos”. - Letícia Bulhões Padilha Embora reforce esses antigos “ranços” do mercado, Letícia afirma que “aos poucos tá começando a ter um certo acolhimento”. Para Bulhões Padilha, esse acolhimento é essencial. “Às vezes 40 minutos de conversa com aquele roteirista estreante já ajuda muito na carreira dele”, afirma, revelando que está sempre disposta a ajudar dentro das suas capacidades. Se o mercado do roteiro já é muito competitivo, quando falamos em trabalhar especificamente com humor, o desafio às vezes pode ser ainda maior. Por isso, perguntamos à roteirista que conselhos e perspectivas ela traz consigo sobre roteiristas estreantes que buscam ingresso na área. “Tem a questão do tom da comédia, que é muito difícil um roteirista estreante acertar ainda. É preciso ter um repertório antes”, comenta Letícia. “Normalmente o roteirista estreante, vamos dizer, gostava do ‘Sai de Baixo’ nos anos 90 e ria do Jackass, então ele vai tentar combinar um pouco de tudo o que ele gosta no mesmo projeto e não necessariamente isso tudo vai combinar. Não necessariamente isso sustenta uma história”. - Letícia Bulhões Padilha Letícia destaca a importância em entender como cada projeto de comédia se comunica com o público-alvo, sem perder o ritmo da narrativa. “O impulso do roteirista de comédia é colocar piada, mas tem que ter uma história ali também. A primeira coisa que você precisa se preocupar é em fazer a história. Uma história que tenha uma comicidade por trás. Aí sim você se preocupa com punchline” - Letícia Bulhões Padilha Além disso, ainda é preciso considerar o “tipo de humor” do seu projeto para entender onde ele melhor se encaixa no mercado. Letícia destaca a importância em estudar a programação das emissoras e compreender realmente qual o melhor espaço para o seu projeto. Não adianta apresentar um projeto genial de comédia para uma emissora que sequer trabalha com esse tipo de material. “Outra coisa a se pensar é para quem você está apresentando aquele tipo de humor. O Comedy Central tem um humor diferente do Multishow, por exemplo”, a roteirista contextualiza. Todo roteirista está no mesmo barco Letícia deixa claro que está sempre aberta a ajudar e manter contato com roteiristas iniciantes que precisam de um norte. “Eu me disponho a conversar, marco com a pessoa, pago um café, a gente bate um papo. A única coisa que eu peço é que um dia ela faça o mesmo por alguém também quando estiver no meu lugar”, ressalta. É bom deixar claro que é preciso ter certa noção na hora de fazer contato com outro profissional do ramo. Quer algumas dicas para entender melhor do assunto? Dá uma olhadinha na nossa matéria de 2019. Por fim, Letícia deixa um recado final para quem está começando no meio, conferindo ainda mais destaque a alguns pontos que mencionamos: “Vá atrás de trabalho. Apareceu vídeo institucional? Pega! Apareceu um infantil? Pega! Reality Show? Pega. Vá atrás de trabalho e mostre para o mercado que você é um roteirista. Antes de ser roteirista de comédia você é um roteirista. Se acostume a pagar as suas contas fazendo isso. Não fica focado na ideia de que ‘só vou fazer se for um roteiro de comédia’ ou algo do tipo. Eu comecei querendo comédia em 2010, mas eu fui escrever o Carlota em 2019. O caminho é longo”. - Letícia Bulhões Padilha O caminho é longo e ele não é o mesmo para todo mundo. Dito isso, é claro que existem algumas metas em comum: pratique, faça contatos, vá em eventos, participe de concursos, etc. O que não dá é para ficar parado, esperando que o seu talento seja reconhecido por quem nem ao menos sabe que você existe. Também não dá para apostar todas as suas fichas naquele único projeto interminável que você jura ser o “maior sucesso de todos os tempos”. Quer ser roteirista e está começando? Um passo de cada vez. Primeiro, invista na sua formação. Depois, viva daquilo que você escreve. Aos poucos você desenvolve seu estilo e as habilidades necessárias para conquistar oportunidades que te levem além. #roteiro #roteirista #audiovisual #série #sérienacional
- Desafio das 5 Páginas: construção de atmosfera
Em nosso novo Desafio, exploramos mais três roteiros de leitores da página para entender como construir atmosferas poderosas em roteiros Você valoriza as descrições dos seus roteiros? Existe um perfil de roteirista que busca ser o mais prático e sucinto possível. Embora não esteja errado, caso essa estratégia seja levada às últimas consequências, você pode acabar prejudicando a atmosfera da sua obra. Afinal, como funciona essa coisa de construir atmosfera no roteiro? Roteiro, como bem sabemos, não é apenas um mapa, um guia com falas e descrições. É claro que o objetivo final de um roteiro é se tornar um filme ou série, mas não podemos esquecer que o primeiro contato ainda será com a escrita. Para potencializar a experiência desse primeiro leitor, a construção da atmosfera fará toda a diferença no momento da leitura. Você não quer apenas apresentar uma cena de ação ou um diálogo dramático. Você quer que o seu primeiro leitor se sinta parte do seu universo narrativo e que em momento algum sinta que está lendo apenas um manual de instruções genérico. Vamos explorar melhor esse tema a seguir, mas antes de mais nada não deixe de conferir o vídeo produzido pela nossa parceira Carol Santoian, que se inspirou em alguns dos roteiros selecionados em nosso Desafio para falar do tópico! Assista: Tchekhov e a atmosfera Em um artigo bem interessante no portal Industrial Scripts, o famoso princípio de Tchekhov é resgatado para lançar uma luz sobre esse tema. Nele, o dramaturgo sugere que se o autor apresenta uma arma no primeiro capítulo de uma história, essa mesma arma precisa ser disparada em um capítulo posterior. Se ela não for disparada, então ela não deveria estar lá. Para compreendermos o papel desse princípio na construção ativa da atmosfera de um filme, a matéria traça um paralelo com o filme “Corra!” (2017), do cineasta Jordan Peele. Em um primeiro momento, a cabeça do animal morto exibida como um troféu serve como elemento atmosférico. Chris se encontra em um ambiente hostil e predatório. O elemento, enfim, não encerra sua participação ali. Pelo contrário - acaba se tornando elemento ativo no plot. Chris utiliza a cabeça do animal para salvar sua vida próximo do final do filme. Construindo atmosferas Segundo matéria da Scriptmag, “atmosfera é a experiência visceral criada pelo ambiente de uma cena”. Em outras palavras, a sensação construída a partir dos próprios elementos que compõem a ambientação, de objetos à questões naturais. Para isso, como mencionamos, não basta distribuir descrições genéricas. É preciso “ir além do óbvio”. A atmosfera em um roteiro mostra o domínio do artista sobre o seu universo, que deve apresentar uma singularidade. De acordo com a matéria, existem pelo menos três grandes oportunidades para explorarmos a atmosfera em um roteiro. Atmosfera pela locação O local onde a história acontece exerce uma força determinante na hora de criar uma atmosfera única. A matéria da Scriptmag apresenta a cena de abertura de “Cidadão Kane” (1941) como grande exemplo desse ponto. Elementos descritos como “uma janela, distante, iluminada”, “em volta quase tudo é escuro” e o imenso “K” apresentado na cena ajudam a construir uma atmosfera única e sinistra, que denota uma tristeza aparente. Atmosfera pelos elementos naturais Além do local em si, elementos naturais como clima e momento do dia também ajudam a otimizar a atmosfera da história. A tempestade do outro lado da janela fechada do castelo sombrio não é por acaso! Bem como a neve aparentemente infinita que reforça o isolamento melancólico daquele casebre de madeira. Atmosfera através da música Essa não podia faltar: a música é capaz de extrair de nós uma série de sensações e também é um elemento poderoso na hora de construir atmosfera. Sugerir música no roteiro pode muito bem ajudar a criar aquele clima de solidão, ou felicidade, ou mesmo indicar que uma personagem fez uma importante descoberta. Sem contar nos filmes de faroeste, que são campeões na arte de apresentar um perigoso forasteiro a partir de indicações musicais. Sobre o uso da música e ritmo no roteiro, escrevemos um outro artigo que você pode acessar através deste link! A atmosfera nos roteiros dos nossos leitores Vamos começar nossas análises com o roteiro "Às Seis, em Ponto", de Andréa Cohim. Quem comenta o roteiro é Carol Santoian, que destaca a pressa do roteiro em ressaltar alguns dos seus elementos estranhos na construção da atmosfera de terror. “Nas primeiras cinco páginas do roteiro somos apresentados a Dolores - uma mulher um tanto misteriosa, que trabalha atendendo pessoas em uma ONG e que assiste programas de TV sensacionalistas”, começa Santoian, que completa: “A cena inicial é pontual em apresentar que estamos diante de um roteiro de terror. Mas, se por um lado é interessante evidenciar os elementos do gênero, por outro, nós temos uma cena gore que não nos dá medo ou gera tensão. A construção se apressa em indicar que há algo de estranho ali - com sons e barulhos que abrem o roteiro. Acredito que para a construção da tensão, a cena poderia partir de algo mais cotidiano e, aos poucos, introduzir os elementos que o perturbam (como o rádio que toca, as pancadas e os sibilos). Dessa forma, quando o vestido e seus efeitos no corpo da protagonista fossem mostrados, eles teriam mais impacto em nós e não seriam apenas imagens grotescas. Mas, mesmo que essa introdução peque em construir essa tensão, o som é trabalhado de forma interessante no roteiro, devendo apenas ter cuidado para não ser banalizado”. Segundo Santoian, as reflexões e curiosidades que as cinco primeiras páginas de “Às Seis, em Ponto” deixa no imaginário do leitor são interessantes o suficiente para seguir adiante (o que é muito importante em um roteiro). A construção da atmosfera, de uma maneira simplificada, confere “sabor às palavras”. Manter a curiosidade do leitor (e, consequentemente, do futuro espectador) é um dos grandes objetivos aqui. “Essa apresentação fragmentada, que pretende criar um mistério ao redor da protagonista, é eficiente em gerar curiosidade, mas, por não explicar quase nada sobre o que realmente se trata a trama, acaba por transformar tal qualidade em confusão”, comenta Santoian, ressaltando um cuidado importante. A atmosfera deve trabalhar a favor da trama e não torná-la ainda mais confusa. Para entendermos na prática a construção de atmosfera através dos elementos do ambiente, Ian Perlungieri comenta o roteiro “Ocultos”, de Igor Fonseca. Ian destaca os elementos que trabalham a favor da atmosfera na trama: “Nas primeiras cinco páginas de Ocultos, de Igor Fonseca, nos aproximamos de um casebre meio escondido por um milharal. É lá que conhecemos Ana, que tenta fazer seu filho recém-nascido dormir. Em seguida, ela atende uma ligação da mãe e, em razão do sinal da telefonia celular, precisa ir para fora de casa informar para a mãe os pormenores do batismo do filho na semana seguinte. Terminada a ligação, um barulho esquisito vindo da plantação lhe desperta estranheza, mas é só o seu cão, Thor. Porém, o cachorro passa a rosnar para o milharal, enquanto outros cães nas proximidades latem e uivam. Thor avança contra o milharal e desaparece da vista de Ana, mas conseguimos escutar um uivo de dor e, em seguida, o silêncio”. Para reforçar a tensão, o roteiro cria um impedimento que dispara uma ação da personagem, que então precisa se deslocar para fora da casa se quiser se comunicar com a mãe. Pequenos elementos surgem e reforçam a atmosfera estranha daquele ambiente, mas são facilmente explicados pelo roteiro. Até que o cão começa a rosnar para o milharal, um ambiente denso e estranho, que deixa para a imaginação do leitor tudo o que possivelmente há do outro lado. “As cinco primeiras páginas de Ocultos são eficientes, estabelecendo claramente o tom do projeto. O isolamento interiorano, a ameaça invisível e as referências religiosas – como o batismo e a oração de Ana – se inspiram em clichês do horror para estabelecer um pacto muito claro com seu espectador, o que é sempre bem-vindo”, comenta Ian. De fato, a utilização de elementos que fazem parte do imaginário popular associado a determinados gêneros é um atalho muito interessante para uma atmosfera imediata. Afinal, o leitor já associa certos elementos a determinados climas. Assim, o autor pode “surfar a onda” desses elementos, ou mesmo quebrar suas expectativas. Sobre a ambientação, Ian levanta certas sugestões: “Nota-se, porém, que apesar de apresentar coesão temática em seu início, a ambientação do projeto poderia ser ainda mais explorada. A tensão com o desconhecido também poderia ter sido refletida, por exemplo, na reação de Ana com o repentino ganido de Thor. Ou, ainda, mais tempo antes de Ana finalmente decidir colocar o bebê na cadeirinha e pegar uma faca na cozinha. Outra ideia, se estiver de acordo com o futuro do projeto, é apresentar rastros de sangue em direção ao milharal quando Ana sai de sua casa à procura de Carlos”. De qualquer forma, “'Ocultos', segundo Perlungieri, é “um projeto maduro, que usa bem o silêncio, construindo uma atmosfera tensa e escolhendo, com sabedoria, as informações que irá ceder aos espectadores”. Falando em elementos atmosféricos que dialogam com questões do imaginário popular, Ian também comenta “Sara”, roteiro de Barbara Balian. “Nas cinco primeiras páginas de Sara, de Barbara Balian, conhecemos Sara, uma freira cuja exaustão é palpável, tanto por suas olheiras quanto por suas ações, como o ‘respirar fundo’ e a ‘recuperação do fôlego’, começa Perlugieri, que segue seu comentário: “Em sua cela, Sara liga um rock em seu aparelho de som e dança sozinha até se lembrar de algo. Essa repentina lembrança, no entanto, pode soar artificial. Por que ela se lembraria de algo naquele exato momento? Talvez uma ação externa desperte a lembrança nela, como uma palavra da música ou um barulho diferente. De qualquer maneira, Sara se dirige a entrada do convento para trancar uma última porta, mas encontra uma mala por lá. Ao abrir a mala, surpreende-se com um cadáver em seu interior. O susto de Sara é o mesmo que o do espectador, o que é muito bem-vindo. Afinal, as cinco primeiras páginas de Sara são bem eficientes em nos colocar lado a lado com a protagonista. Sugere-se, porém, plantar a ideia do suspense de modo sutil focando, por exemplo, no sangue da imagem de Cristo. Dessa maneira, se cria um prenúncio do que está por vir”. Ian Perlungieri faz algumas sugestões e reflexões que podem ajudar o roteiro: “Ademais, talvez possa somar ao projeto o acréscimo de descrições. Ou, ainda, detalhar o tamanho da mala, uma vez que não se trata de uma mala pequena, mas sim grande o suficiente para caber um cadáver em seu interior. Além disso, se no início estamos próximos do rosto de Sara e no fim das cinco páginas é ela quem pega o telefone e roda os números, por que nos separamos de Sara quando ela vai buscar a morfina para a Madre Superiora? Talvez seja interessante estarmos com ela nesse momento também, já que a personagem é o nosso primeiro contato com o projeto e estamos com ela na maior parte do tempo". Perlungieri reforça que o projeto "acerta ao tridimensionalisar rapidamente a protagonista". Como sempre mencionamos, personagens densas conferem a trama uma potência única. Em "Sara", acompanhamos contradições e tensões muito bem apresentadas para as 5 primeiras páginas. Não deixe a "regra" limitar a criatividade Como em qualquer outro tema, há muito mais que poderíamos citar sobre construção de atmosfera. Queremos ampliar esses e tantos outros assuntos em novas entrevistas e artigos para o portal. Dito isso, queremos deixar um recado final sobre o assunto: "regras" são importantes, mas cuidado para não perder "o sabor das palavras". Um roteiro é escrito para ser filmado - ele não é uma obra final. É por isso que ele precisa atender a algumas regras de formatação e escrita. Independente disso, é preciso mencionar que a "carreira" de um projeto no mercado não costuma ser assim tão curta. Isso significa que muito provavelmente seu roteiro vai passar por diversas mãos e olhares críticos antes de ter qualquer oportunidade de ser gravado. Essas pessoas precisam se sentir cativadas, convidadas a imaginar seu universo, construir suas cenas com o uso da imaginação. São pessoas que precisam captar o tom da obra apenas através de palavras, que precisam entender o ritmo para saber onde o projeto melhor se encaixa. A atmosfera é muito útil nesse momento. Por isso não basta descrever - é preciso encantar. Por mais "marqueteiro" que isso pareça, acredite - é real. Às vezes vale mais "deslizar um pouco" nas regras de escrita para passar a atmosfera necessária. Não esqueça: escrever roteiro não é uma prova do ENEM. Você nunca vai ver uma pessoa falando: "muito bom o roteiro, mas vi três erros de formatação, então ele tá fora". Tenha bom senso, mas lembre-se que é o enredo que faz a diferença na hora de um projeto ir para frente ou não. #roteiro #audiovisual #cinema #desafiodas5páginas #roteirista
- Como trabalhar duplo protagonismo no roteiro?
Como melhor trabalhar com mais de um protagonista em seu filme ou série? Trazemos um texto da Creative Screenwriting cheio de dicas e reflexões sobre o assunto A protagonista é a personagem principal da história. É a força motriz central da narrativa e passa pela maior transformação física, emocional, intelectual e espiritual. O universo da história é revelado por meio de sua perspectiva e o envolvimento do público cresce na medida em que os conflitos e obstáculos são resolvidos. E quando queremos tratar de dois protagonistas em nossa história? Quais estratégias considerar? Quais opções criativas existem à nossa disposição? Traduzimos e adaptamos o texto do Creative Screenwriting sobre isso, para ajudar na construção do duplo protagonismo de maneira mais interessante. Acompanhe! Primeiras questões a se considerar O caso de ter dois protagonistas é um daqueles tópicos de escrita de roteiros que divide opiniões e é inteiramente determinado pelas preferências estilísticas de quem escreve. Várias protagonistas podem complicar a história, mas isso foi feito com sucesso muitas vezes ao longo da história do cinema. Ao considerar se você deve ou não usar duas protagonistas, questione se a narrativa seria ou não mais forte e simplificada com um único protagonista. Por que a necessidade de vários protagonistas? Essa escolha estilística tem uma função prática? Tem função simbólica? A história transita suavemente entre as perspectivas? Com a mudança de perspectivas, a coerência é a chave. Seu público pode perder a conexão com a narrativa se o foco mudar muito. Quando feitas corretamente, as narrativas devem se entrelaçar perfeitamente. Costure os mistérios, levando à próxima cena. Faça o público questionar o que vem a seguir, mas nunca permita que eles parem por estarem completamente perdidos. Isso vai estragar o fluxo. Dito isso, uma história fascinante pode ser contada alternando entre a pessoa que é o objeto do mistério e a pessoa que o resolve, por meio de dois pontos de vista que ilustram esse determinado elemento de mistério. É importante pensar sobre como os protagonistas se cruzam e se relacionam em termos de tema. Eles estão na mesma jornada ou em seus próprios caminhos únicos? De qualquer forma, a transformação de uma personagem deve coincidir com a do outro de alguma forma significativa. Saiba diferenciar as estratégias narrativas de protagonismo O roteirista Scott Myers defende a diferença entre protagonistas duplos e co-protagonistas. Co-protagonistas: duas personagens iguais compartilham uma jornada. Protagonistas duplos: duas personagens iguais têm sua própria transformação única. O exemplo mais claro de co-protagonistas no cinema pode ser encontrado nas duplas de comédias do cinema mudo, como Laurel e Hardy ("O Gordo e o Magro"). Cada roteiro tem vários enredos com narrativas paralelas. É mais comum na televisão, porque seus arcos de história precisam ser concluídos dentro de um episódio único, ao mesmo tempo que se ligam aos arcos gerais da temporada/série. Sem mencionar todas as linhas de personagens individuais dentro desses sistemas. Por enquanto, vamos nos concentrar nos recursos. Quando se trata de narrativas paralelas, são geralmente apontadas seis categorias principais - três das quais se aplicam aqui. 1. Narrativas paralelas Essas narrativas são frequentemente contadas por meio de enredos de personagens individuais igualmente importantes (micro-enredos). Várias protagonistas têm suas próprias histórias que servem ao macro-enredo - o enredo abrangente que as une. As histórias são geralmente truncadas, o que significa que são quebradas em intervalos claros de atos ou partes separadas - embora sejam conectadas por temática direta. Exemplos de narrativas paralelas são as obras de Alejandro González Iñárritu e Guillermo Arriaga - "Amores Brutos", "21 Gramas" e "Babel"; "Pulp Fiction: Tempo de Violência", "Simplesmente Amor", para citar alguns. 2. Múltiplos protagonistas Um grupo de personagens trabalha junto para completar uma jornada ou objetivo. O número mais comum de personagens para o grupo é quatro, mas conjuntos maiores ou menores podem se unir para algumas batalhas épicas. Os exemplos incluem "Os Vingadores - The Avengers", "Se Beber, Não Case" e "Viagem das Garotas". 3. Jornadas duplas Quando duas protagonistas igualmente importantes se aproximam, se afastam ou encontram paralelos fisicamente, emocionalmente ou ambos. Essas jornadas duplas geralmente têm um conjunto de histórias A, B e C. A - Personagem 1 B - personagem 2 C - Jornada compartilhada. Em "O Segredo de Brokeback Mountain", vemos dois protagonistas em oposição aos co-protagonistas, porque Ennis e Jack têm suas próprias histórias que convergem, se separam, correm paralelamente e, em seguida, convergem novamente. A: Ennis Del Mar - casa-se com Alma e tem duas filhas. B: Jack Twist - muda-se para o Texas e casa-se com Lureen. Mas o amor que eles compartilham um pelo outro sempre os traz de volta, mesmo que apenas por um breve momento doloroso. C: Seu amor reprimido. Esta é a força motriz de cada personagem e que informa as vidas separadas que eles fazem para si próprios. A gravidade os fez colidir. A colisão de sua paixão e a força na repelência imediata de seus verdadeiros desejos os conduzem a um amor não realizado. "Os Suspeitos", escrito por Aaron Guzikowski, é outro grande exemplo de duplo protagonismo, abordando o caso de uma criança desaparecida de diferentes ângulos desse tema central: os dois lados da justiça. Dover recorre à justiça dos vigilantes, fazendo justiça com as próprias mãos, enquanto Loki anda na linha tênue da legalidade. Objetivos internos x objetivos externos Frequentemente, em narrativas duplas e com co-protagonistas, uma personagem tem um objetivo externo, enquanto a outra tem um objetivo interno. Em "Toy Story", o ciúme de Woody de ser substituído pelo novo brinquedo de Andy, Buzz Lightyear, faz com que os dois fiquem presos. O objetivo de Woody é não ser substituído. Buzz precisa perceber que ele é um brinquedo e não um cadete espacial real. Seu objetivo em comum é voltar para seu dono. O uso de protagonistas duplos permite que roteiristas explorem uma visão mais detalhada e matizada da história a partir de diferentes perspectivas. Isso abre muitas possibilidades narrativas. E aí, o objetivo é fazer isso sem que o público esteja 100% ciente. Encontrar uma maneira de suas narrativas ou mundos se conectarem de alguma forma é vital para criar um enredo coeso.
- Escrevendo Documentário com Michel Carvalho
Conversamos com o roteirista Michel Carvalho ("Torre das Donzelas", "Mussum - Um Filme do Cacildis" e “Prazer em Conhecer”) para entender como é construído um roteiro de documentário Há algum tempo recebemos perguntas sobre como desenvolver um roteiro de documentário. Como escrever? O quanto podemos prever do filme em si? Que etapas e reflexões fazem parte do processo? Para entender melhor esse importante assunto conversamos com o roteirista, pesquisador e antropólogo Michel Carvalho, responsável por projetos documentais como "Torre das Donzelas", "Mussum - Um Filme do Cacildis" e “Prazer em Conhecer”, entre tantos outros. Michel Carvalho divide com a gente questões essenciais para o seu processo de desenvolvimento de documentários e imagens exclusivas de alguns dos seus roteiros. Ficou curioso? Não perca as dicas e informações a seguir! Quem é Michel Carvalho? Graduado, Mestre e Doutorando em Antropologia pela UFRJ, Michel pesquisa questões relacionadas a gênero, raça e sexualidade no cinema. Estudou roteiro com Patrick Vanetti, diretor do Conservatório Europeu de Escrita Audiovisual, cursou a Oficina de Roteiristas e a Oficina de Escrita de Humor da Rede Globo de Televisão. Segundo suas próprias palavras, “foi a pesquisa que me levou ao audiovisual, foi assim que comecei a construir a minha carreira”. Estudar Antropologia certamente trouxe a Michel Carvalho ferramentas muito úteis para o documentário e mesmo a ficção. “Acho essencial a base que a pesquisa nos dá para qualquer coisa. Quando fazemos uma obra audiovisual, possivelmente não estamos falando da gente, estamos falando de um outro. Até quando falamos de nós, precisamos fazer o exercício de ‘nos tornar personagem’. Como a gente acessa o outro? Uma das possíveis respostas para isso é a pesquisa. A pesquisa é você sair literalmente do seu lugar e fazer um exercício de escuta - que é primordial - e um exercício de entendimento acerca de como o outro pensa”. - Michel Carvalho Com mais de 20 projetos desenvolvidos (como roteirista e pesquisador), seu primeiro trabalho no audiovisual veio através da pesquisa. Carvalho trabalhou em uma série chamada “Mulheres em Luta”, sobre o mesmo universo do que depois veio a se tornar o documentário “Torre das Donzelas” (Premiado como Melhor Filme em festivais no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Uruguai), filme dirigido pela sua parceira de trabalho Susanna Lira, que apresenta as experiências cruéis a que as mulheres prisioneiras foram sujeitas durante o período da Ditadura Militar brasileira. A partir daí Michel trabalhou em diversos projetos documentais, mas também na ficção, algo que ele se dedica cada vez mais agora; onde se destacam as séries "Perrengue" (MTV), "Matches" (Warner Channel) e "Temporada de Verão" (Netflix); os longa-metragens documentais "Mussum - Um Filme do Cacildis" (Amazon Prime) e "Prazer em Conhecer" (Festival Mix Brasil, Indie Doc Pro, Festival For Rainbow, AtlantiDoc e Festival Internacional de Cine Independiente) e a série documental "Favela Gay - Periferias LGBTQI" (Canal Brasil). Michel Carvalho também se dedica à narrativa ficcional autoral, principalmente com seu projeto de longa “A Mais Forte”, contemplado em edital do Ministério da Cultura e também na adaptação de um romance para o cinema. Além de tudo isso, o autor também faz parte da equipe de roteiristas de uma das próximas novelas da Rede Globo e dá aulas de Cinema e Diversidade na Roteiraria. O papel da pesquisa “No documentário a gente não consegue começar um projeto sem a pesquisa”, comenta Michel Carvalho. Isso é verdade: pesquisa é fundamental. Afinal, documentário envolve recortes de realidades que partem do domínio sobre determinado assunto. Durante muitos anos, Michel Carvalho trabalhou com a diretora Susanna Lira desenvolvendo diversos projetos e utilizando a internet como primeira fonte de pesquisa. “Às vezes a gente tinha prazo de edital, então não tínhamos tempo de ir a campo. A internet é muito útil nessas horas”. Quando falamos em pesquisa, o que está envolvido nisso? Carvalho responde: “Eu lembro que eu falava com pessoas do Brasil inteiro - desde levantar informações, até trocar contatos. Não dá para construir um projeto de documentário para qualquer objetivo - do edital às buscar por parcerias com produtoras - sem essa pesquisa inicial”. Um projeto de documentário não depende apenas de informações levantadas. É preciso pensar na sua condução, principalmente para quem está em fase de desenvolvimento e em busca de parceiros que viabilizem o seu projeto. É aqui que entramos em outro assunto essencial levantado por Carvalho: os dispositivos narrativos. Encontrando os dispositivos narrativos “O que me fascina no documentário é a forma como você conta”, revela Carvalho, que dá continuidade ao raciocínio: “o assunto pode até ser banal, mas a forma como você conta é capaz de transfigurar totalmente a narrativa”. É através da forma que o documentário apresenta o seu potencial narrativo. Michel Carvalho divide conosco que durante toda a sua parceria com Susanna Lira, eles mantém sempre o desejo de “experimentar um novo formato”. Esses formatos dependem muito de encontrar dispositivos narrativos para o desenvolvimento da trama. “O roteiro de documentário é construído muito a partir de dispositivos narrativos. Como você vai contar aquela história? Em ‘Torre das Donzelas’ a gente foi construindo formas de acessar a memória daquelas mulheres”. - Michel Carvalho Em “Torre das Donzelas” Michel Carvalho atuou como pesquisador, assistente de direção e colaborador de roteiro, tendo acesso a diferentes perspectivas sobre o mesmo processo de feitura. Durante o processo de desenvolvimento do roteiro “era muito importante para o projeto entender o que levava essas mulheres à luta armada, o que levava essas mulheres a enfrentar aquele status quo”, responde. Encontrar dispositivos narrativos eficientes para evocar as memórias dessas personagens passou necessariamente por uma pesquisa muito bem direcionada. “O que essa pesquisa traz? Elas passavam por uma dupla revolução. A revolução dos costumes - a chegada na pílula anticoncepcional, o feminismo chegando com muita força, essas mulheres entendendo os seus corpos no campo social - e ao mesmo tempo elas queriam fazer frente ou se opor àquele regime de opressão do Regime Militar”. - Michel Carvalho Antes da pesquisa com personagens, Michel não fazia ideia da amplitude do tema. “Essas mulheres me trouxeram essa dupla revolução. Só fazia sentido pensar na vida delas a partir dessas duas coisas. Elas não eram apenas revolucionárias, elas eram mulheres revolucionárias”, reforça o roteirista. Para acessar as memórias, Michel, Susanna e equipe recriaram o espaço onde aquelas mulheres estiveram presas por tanto tempo - uma verdadeira “torre”. Objetos emprestados por personagens também fizeram parte dessa construção material das suas memórias, transportando-as (junto do espectador) a um outro tempo, disparando a narrativa para os caminhos propostos pelo documentário. “Tudo o que a gente tinha no set era das décadas de 60 e 70”, confirma Carvalho. “Quando elas entraram no ambiente, elas foram catapultadas para aquele lugar. Eu conversava com cada uma delas, ia na casa delas, fazia um inventário de tudo o que elas iam emprestar para a gente”. Não apenas elementos materiais, como outros dispositivos musicais e televisivos foram utilizados para guiar as entrevistas: “A gente provocava também. A gente colocava músicas que elas ouviam na época, a gente colocava a Copa do Mundo que elas acompanharam, a novela ‘Irmãos Coragem’ que elas assistiam. O que a gente construía no roteiro era como essa série de provocações poderia fazer aquelas personagens falar sobre suas vivências”. - Michel Carvalho Mesmo com o melhor dos roteiros, nem tudo pode ser previsto em um documentário. Ou melhor: nem tudo deve ser previsto, uma vez que o documentarista precisa exercitar sua atenção ao material sensível devolvido pelas personagens. Sobre isso, Michel Carvalho comenta: “a gente também precisa ouvir o que as personagens estão dizendo”. Dispositivos narrativos não servem para controlar a realidade capturada, mas para criar provocações que permitam que ela se desenvolva da melhor forma, dentro das suas expectativas narrativas. “A última coisa que o Coutinho perguntava às personagens era: tem alguma coisa que você queira falar que eu não perguntei? O que você quer falar? Ele tinha essa generosidade de perguntar para a pessoa. Às vezes a gente vem com toda a nossa pauta, com toda a nossa agenda e a pessoa fala: ‘cara, sério?’. A realidade é soberana e as personagens vão trazer suas questões”. - Michel Carvalho “Mussum - Um Filme do Cacildis” e o humor no documentário “Quando o projeto chegou para a gente, era só a ideia - um documentário sobre o Mussum”, Michel Carvalho comenta sobre o início do projeto que viria a se tornar o filme “Mussum - Um Filme do Cacildis”, que retrata a trajetória do humorista e sambista Antônio Carlos Bernardes Gomes, o eterno Mussum. “Eu e o Bruno [Passeri] decidimos que tínhamos que fazer um documentário engraçado, mas como fazer um documentário engraçado?” Assim, Michel Carvalho afirma que iniciou um longo trabalho de pesquisa para buscar referências que incorporam humor à linguagem documental. Que mecanismos existem por trás do humor? Que técnicas poderiam ser aplicadas para fazer jus à história do grande humorista brasileiro Mussum? O projeto partiu de uma biografia do artista, o livro "Mussum Forévis: Samba, Mé e Trapalhões", do jornalista Juliano Barreto, mas assume várias liberdades artísticas durante o processo. “A gente fez uma sala de roteiro junto com o Bruno Passeri, o outro roteirista, literalmente - nos encontrávamos todos os dias durante mais ou menos um mês”, revela. Durante os encontros, muitas referências foram absorvidas com intuito de montar esse quebra-cabeças da vida do Mussum. “A gente decidiu: vamos colocar esse desafio - cada página precisa ter pelo menos uma piada. As pessoas precisam sair da sessão rindo, a gente não quer que as pessoas saiam tristes”. Como foram definidos os artifícios de linguagem? Michel Carvalho comenta um pouco sobre o processo: “a gente queria usar muita imagem de arquivo com um tratamento diferenciado. Então a gente chegou nessa ideia de cinejornais. Estávamos fazendo pesquisa para outro projeto documental, então chegamos naqueles cinejornais que existiam na época da Ditadura Militar que eram usados como propaganda do governo”. A estética própria desses cinejornais inspirou a pegada mockumentary utilizada pelo filme para tratar alguns elementos. “A gente queria tratar de coisa séria, a gente queria falar de racismo, a gente queria falar de pessoas negras ascendendo a cargos de poder também”, afirma Carvalho, que completa: “mas a gente não queria ficar só na entrevista, queríamos encontrar outra forma de narrar”. “Ilha das Flores”, curta-metragem icônico do cineasta Jorge Furtado, foi outra referência que influenciou bastante certos aspectos estilísticos e narrativos do documentário. Michel Carvalho salienta que o primeiro tratamento do roteiro era “gigantesco” - “cem páginas mais ou menos”, mas lança um recado importante: “O que me dá muito orgulho no ‘Mussum…’ é saber que 80% do que a gente escreveu tá lá na tela”. - Michel Carvalho “Prazer em Conhecer” e o recorte de vida “É o primeiro projeto que eu criei da ideia inicial até o último dia de montagem”, comenta Michel Carvalho sobre “Prazer em Conhecer”, filme que aborda a sexualidade e o HIV através de um olhar sensível que perpassa aplicativos de encontro, espaços de pegação, formas de prevenção e uma pluralidade de vivências na cidade de São Paulo. “Tem algo de ‘Mrs. Dalloway’. É um dia só - se você perceber começa pela manhã e termina de madrugada. Tem uma idéia cíclica de eterno retorno, meio nietzschiana. Um dia na vida daquelas pessoas e naquele dia toda a sua vida”, Carvalho discorre sobre sua obra. Michel Carvalho afirma que “Prazer em Conhecer” é seu último documentário (ao menos por enquanto), pois agora seu grande foco está nos projetos de ficção que o autor vem desenvolvendo. No filme, Carvalho comenta sobre a busca por dispositivos para tratar do sexo como um dos assuntos centrais. “Como a gente conta a história a partir desse frenesi? A partir dessas imagens”, reflete o autor. A resposta veio de muita pesquisa de campo com intuito de entender as diferentes dinâmicas que compõem o universo do filme. O resultado? Um roteiro repleto de estímulos e referências para construir uma narrativa palpável e visual. “Eu construí um roteiro muito imagético, um roteiro que tem música, um roteiro que literalmente leva a sério a concepção do áudio e do visual. Eu tinha muitas referências e resolvi escrever um roteiro com as minhas referências”. A série de documentários “In Their Room”, do diretor Travis Mathews, surge como uma grande referência para a concepção do filme, onde personagens falam abertamente sobre a sua relação com o próprio corpo. Segundo Carvalho, a potência do filme se apoia muito “no dispositivo dos encontros”. “Prazer em Conhecer” é um filme que não cai em recursos tradicionais como a entrevista direta (talking heads), mas aposta em diálogos abertos entre personagens que se encontram em um lugar de troca. O autor reforça que “o filme só poderia existir através desse contato”. “No documentário é essencial construir em parceria. A Susanna [Lira] tem uma frase que eu gosto muito, que acabei adaptando um pouco: o documentário é um encontro entre a equipe e as personagens”. - Michel Carvalho Michel Carvalho reforça que além de um encontro, o ponto da parceria é essencial para a confecção de um documentário. Até então tratamos do documentário a partir do momento da sua construção, mas e quando é preciso apresentá-lo como projeto em busca de financiamento? Michel Carvalho também divide alguns toques e reflexões sobre esse processo. Trabalhando documentários para editais e fundos “A realidade às vezes não faz sentido nenhum”, começa Carvalho, apontando para o caos natural da nossa existência. “Pela realidade ser tão soberana, os players precisam ser convencidos de que aquela realidade é palpável, que você não a inventou. Às vezes a realidade é tão maluca que você precisa mostrar que aquilo de fato existe”. Por conta disso, muitas vezes conquistar meios de produção de um documentário pode envolver grandes desafios, como a confecção de um teaser sobre aquele determinado universo. Afinal, é preciso apresentar o que o roteirista chama de “prova de verdade”. “Tem uma espécie de prova de verdade que às vezes torna muito mais difícil de você apresentar um projeto”, reflete Carvalho, acostumado a desenvolver projetos documentais há muitos anos. “Talvez seja um pouco injusto - tudo isso é trabalhoso. Ir atrás, pesquisar, conhecer, registrar, tudo isso a ‘fundo perdido’, na promessa de conquistar um apoio, um fundo”. O que tiramos como conclusão disso tudo? Um projeto de documentário não pode ser apenas uma ideia e uma promessa. É preciso apresentar uma pesquisa ampla, mas também bem direcionada. Não adianta contar com uma enciclopédia de informações, mas nenhum recorte ou proposta de condução narrativa. É importante salientar a forma de narrar e o porquê você é a pessoa mais indicada para contar aquela história. Uma maneira de encontrar esse recorte pode envolver justamente a busca por referências. Assista a documentários que inspirem você e reflita sobre seus dispositivos. O que esses projetos utilizam como meio condutor da narrativa? É tudo costurado através de entrevistas? Ou quem sabe são os espaços, os sons, o choque entre as personagens, etc.? O mercado audiovisual O desenvolvimento de qualquer projeto audiovisual depende de alguma inserção no mercado. Por isso, não podemos deixar de lado esse tão importante tema. Michel Carvalho divide conosco algumas das suas opiniões sobre a relação entre roteiristas e o mercado de trabalho: “a gente precisa entender os mecanismos, como eles funcionam, assim como em qualquer outra profissão”. Sobre o assunto, Carvalho completa: “tem o tempo do estudo, tem o tempo do amadurecimento, tem o tempo de dar com a cara na porta, tem o tempo de receber ‘não’. Isso tudo é muito importante”. O que observamos muitas vezes é que a ansiedade do criador é colocada à frente do seu amadurecimento. Como Carvalho comenta, é “preciso ter repertório, vivência para construir um projeto seu”. E isso não tem relação necessariamente com idade, mas “em termos da relação que você estabelece com o mercado e com seu próprio projeto”. O tempo de amadurecimento e de desenvolvimento de um projeto podem muito bem andar juntos. Assim como as ideias, o profissional também sofre transformações, precisa se adaptar e encontrar seus próprios meios de inserção no mercado. O que não pode é ter pressa, pois como mencionamos em outros textos - os projetos normalmente são lidos uma vez só. #cinema #audiovisual #documentário #roteiro
- Como ser seu próprio consultor de roteiro, com a diretora Ela Thier
Confira as 5 dicas que a cineasta compartilhou com o No Film School sobre como fortalecer a versão final do seu próprio roteiro Todos conhecemos aquela sensação incrível de alívio e satisfação ao finalizar um roteiro. Mas e agora? Como revisá-lo? Como deixá-lo ainda mais intrigante? Por onde começar a analisar os pontos fortes e os mais fracos? Revisar um roteiro não precisa ser um processo estressante, cheio de insônia e angústia existencial. Ao invés de gastar muito dinheiro com consultorias caríssimas ou script doctors que prometem maravilhas por muita grana, existem algumas etapas específicas que você mesmo pode seguir para revisar seu próprio trabalho antes de levá-lo para um núcleo criativo, inscrever em laboratórios ou dividir com alguém de confiança. Sabendo que cada processo é diferente, existem algumas reflexões e práticas que podem ajudar na hora de reescrever qualquer tipo de roteiro. Por isso, traduzimos e adaptamos o texto que a diretora, roteirista, produtora e professora Ela Thier escreveu para o No Film School, onde ela elabora 5 questões importantíssimas para qualquer processo de revisão e reescrita. Leia a seguir! 1. Identifique o que você realmente adora no roteiro Faça uma lista completa do que você gosta em seu roteiro. Não pule esta etapa e não economize. Na minha experiência, é o aspecto mais importante do processo de revisão. Você não pode gostar de temperar uma sopa se você odiar a sopa. O que você ama no seu roteiro? Pode ser algo muito geral ou super específico: 'gosto que mostra uma mulher sendo genial; Eu gosto que mostra um cara sendo vulnerável ao invés de machista; Gosto de uma personagem; Eu gosto que a página 40 me faz rir; Gosto dessa linha de diálogo quando ele pergunta a ela que horas são'. Se você se perder nessa reflexão, pode sempre observar a excelente intenção por trás do roteiro: “Gosto do fato que tentei escrever um cara vulnerável” e seguir nisso. Não vá pelo caminho de “Eu gosto da personagem de Mandy, mas os outros personagens são uma porcaria”. A crítica é um vício que torna o processo de revisão impossível. Apenas continue gostando de Mandy. Muitos de nós cometem o erro de pensar que o processo de revisão trata apenas de consertar problemas. Uma boa reescrita geralmente envolve explorar por completo o que é ótimo em um roteiro. Você deseja encontrar os elementos que brilham e, em seguida, expandir esses elementos. De volta à faculdade, quando escrevi um dos meus primeiros roteiros de longa-metragem e pedi ao meu namorado na época para lê-lo, tudo o que ele disse foi: “Gosto da relação entre Jake e Dora”. Em retrospecto, percebo o quão generoso ele foi. Era um roteiro mal escrito e ele deve ter ficado entediado de tanto ler. Mas sim, essa personagem muito secundária, Dora, era a parte mais interessante. Ela foi a personagem com a qual me identifiquei e foi a mais fácil de escrever. Quando ele fez esse comentário, fiquei animada em me livrar de todo o resto naquele roteiro e escrevê-lo do zero, focando apenas em Jake e Dora. A escrita se tornou muito mais divertida e as coisas começaram a se encaixar. Acabei optando por esse roteiro e, quando foi vendido, paguei com ele os empréstimos da faculdade. O que você adora em um roteiro é sua melhor orientação. Um problema comum do primeiro rascunho é não maximizar totalmente os aspectos mais divertidos e emocionantes dele. 2. Evite criar uma longa lista de problemas Essa lista inútil de tudo que há de errado com seu roteiro não levará a um esboço melhor, mas sim a lugar algum. Realizar muitas críticas não é sinal de inteligência e gosto exigente, é sinal de um bloqueio criativo e não há nada de inteligente nisso. A abordagem de lista de problemas é um exercício de futilidade porque a maioria dos problemas em um roteiro geralmente resulta de um único problema de abordagem, seja este qual for. O que interessa é o esforço de identificar aquele problema-chave que, quando resolvido, faz com que a maioria dos outros problemas menores desapareça. O único momento em que a lista de problemas é solicitada é quando um roteiro está quase concluído e você está na fase de polimento. As sequências estão todas no lugar. Cada personagem, local e cena existe por uma razão. Você mal pode esperar para filmar essa história. Agora você pode ajustar os detalhes de acordo com seus desejos. Quando se trata de realizar uma consultoria em seu próprio roteiro, tenho boas notícias: o que é ótimo em um roteiro varia de roteiro para roteiro. Mas o que não está funcionando é quase sempre o mesmo. Então, vamos ver qual é provavelmente o “problema principal” em seu trabalho, a seguir. 3. Faça sua personagem suar Em 95% dos roteiros que vejo que ainda não funcionam, o problema é a falta de conflito. Quando digo conflito, não quero dizer que coisas ruins acontecem. Não me refiro a pessoas se odiando, discordando ou gritando umas com as outras. Por conflito, quero dizer que alguém quer algo, mas outra coisa está no caminho. Se eu ando pela rua e um caminhão passa e respinga em mim, isso não é conflito. Isso é apenas uma coisa ruim que aconteceu. Se eu andar pela rua a caminho de uma entrevista para o emprego dos meus sonhos e um caminhão passar e respingar em mim: temos conflito. Eu tenho um objetivo e algo me atrapalhou. Se eu tenho três filhos famintos e gastei até o último centavo na minha roupa para esta entrevista, um caminhão me respinga de lama, agora temos um filme! O conflito nem precisa significar que algo ruim está acontecendo. Se meu namorado e eu estamos empolgados em passar minha noite de aniversário sozinhos e meu melhor amigo aparece sem avisar com 30 pessoas para a festa surpresa que eles estão planejando, temos conflito. Eu queria algo e um obstáculo está no meu caminho. Há conflito aqui, embora duas coisas totalmente incríveis estejam acontecendo. Se uma cena em particular não estiver funcionando, ou o roteiro em geral não dê aquela vontade de virar a página, verifique se a narrativa está sofrendo uma falta de conflito. Alguém claramente quer algo? Eles estão tomando medidas para alcançá-lo? Eles querem muito? Há algo que você possa fazer para aumentar as apostas, de modo que eles tenham que agir e não demorem mais? Gosto de pensar em meu personagem como o último tantinho de pasta de dente no tubo. Aperte-os para que eles tenham que sair. Talvez aquele meu namorado deixe o país na manhã seguinte, então eu tenho que fazer meu melhor amigo aquelas 30 pessoas irem embora, mesmo que fiquem com o coração partido. Quanto mais seu personagem tiver de suar, mais engajado seu leitor e público ficarão. 4. Corrija um roteiro "de enredo" O segundo problema mais comum na maioria dos roteiros é ser excessivamente complicado. Claro, o incidente incitante está na página certa e tudo mais, mas fica parecendo um negócio de ligar os pontinhos. Você pode corrigir esse problema concentrando-se no relacionamento principal da história. As melhores partes da maioria dos filmes são seus relacionamentos essenciais. Se "Homem-Aranha" fosse sobre o Duende Verde, teríamos um videogame. "Homem-Aranha" é sobre Mary Jane. Os maiores filmes, que são mais espalhafatosos e mais cheios de ação, no fundo, tratam de um relacionamento. Examine seu roteiro e descubra como o relacionamento-chave avançou a cada dez páginas ou mais. Você pode até mesmo criar um esboço que ignore o enredo e apenas traçar a progressão dessa relação chave. Exemplo: Pág. 10 - Sam e Lisa se encontram quando ambos são trancados do lado de fora da lavanderia e suas roupas estão dentro. Eles se odeiam. Pág. 20 - Eles estão presos tendo que trabalhar juntos. Eles vão engolir e lidar. Pág. 30 - Lisa encobre Sam quando o chefe percebe um erro. Pág. 40 - Sam revela seu grande segredo e Lisa agora entende porque ele trabalha lá. Pág. 50 - Eles têm a oportunidade de se dividir e trabalhar separadamente, mas escolhem trabalhar juntos. Pág. 60 - Sam descobre que Lisa está grávida de um ex-namorado e está com nojo dela. Pág. 70 - Sam, mascarando sua dor no coração, deixa o emprego e eles se separam para sempre. Pág. 80 - Sam implora que ela não faça um aborto e se oferece para ser pai com ela. Ou Sam descobre que Lisa é uma alienígena e torna-se protetor com ela. Ou o Duende Verde vem raptá-la... Você entendeu. Concentre-se no relacionamento. Toda boa história é, em última análise, sobre um relacionamento. Se o relacionamento-chave continuar atingindo a mesma nota ao invés de evoluir, certifique-se de que ele evolua. Isso vai transformar um roteiro "de enredo" em uma história guiada pela personagem, o que geralmente contribui para um filme mais bem-sucedido. Sua grande e importante decisão no final da história pode ser enorme ou pequena em escopo, mas sempre é enorme em significado. 5. Crie um final significativo Quando um roteiro é bem escrito, intuitivamente percebemos o “problema” da sua personagem (ou o problema que ela enfrenta e que outra personagem encarna) no momento em que a conhecemos. Sabemos instintivamente que estamos prestes a assistir a um drama se desenrolar, no qual sua personagem muda. Se elas têm medo de se comprometer, vamos vê-las se comprometer. Se evitam lutar, precisamos vê-las lutar. Não nos importa se ganham ou perdem. Não nos importa se ficarão com a pessoa com quem finalmente decidiram se comprometer, mas precisamos vê-las assumir esse compromisso. Sua grande e importante decisão no final da história pode ser enorme ou pequena em escopo, mas sempre será enorme em significado. Agora que escolheu lutar, a personagem poderá destruir uma cidade inteira para salvar alguém do monstro. Também pode ser tão simples quanto uma personagem pegar o telefone e finalmente ligar para sua mãe. O que torna um final chamativo é o quão significativa é sua “Grande Decisão” no final da história. Boa reescrita!
- Escrevendo Drama Policial com Davi Kolb
Roteirista de “Bom Dia, Verônica” (Netflix) e "Impuros" (Fox Premium) divide experiências e inspirações para escrever Graças às novas plataformas de streaming e o fomento à produção audiovisual que testemunhados em um passado não tão distante assim, hoje vemos uma diversidade de títulos brasileiros ganhando muita atenção no mercado. Títulos esses que cada vez mais se voltam a diferentes gêneros e subgêneros narrativos. Pensando nisso, hoje inauguramos uma nova série de entrevistas no Writer’s Room 51 - voltada exclusivamente a conversar com roteiristas de destaque no mercado audiovisual brasileiro para refletir sobre a escrita em diferentes gêneros. O assunto de hoje, como o próprio título revela, é o Drama Policial. Para entender melhor os desafios e prazeres de desenvolver obras do tipo, falamos com o roteirista Davi Kolb, que escreveu séries como “Impuros” (Fox Premium) e o sucesso “Bom Dia, Verônica” (Netflix), que teve sua segunda temporada confirmada pela plataforma. Kolb dividiu com a gente várias dicas de escrita, mas também conselhos sobre o mercado e um pouco sobre os bastidores de “Bom Dia, Verônica”. Veja a seguir a matéria completa! Quem é Davi Kolb? Davi é roteirista formado em Cinema e Vídeo pela Universidade Federal Fluminense (UFF), fundador da produtora Segunda-Feira Filmes, onde atuou como roteirista e diretor, tendo vídeos para empresas como: Facebook, Instagram, Petrobras, entre outras. Atuou como roteirista-chefe em salas de roteiro de projetos como “Corumbá”, desenvolvida para Fox Premium, e na minissérie “Jungle Pilot”, que estreou em 2019 na Universal TV. Também escreveu a segunda temporada de “Impuros”, para Fox Premium, e de “Bom-Dia, Verônica”, para Netflix. Atualmente, Davi Kolb está envolvido em projetos que se encontram em pré-produção além de estar em nova sala de roteiro de um projeto de ficção para a Netflix. O convite para “Bom Dia, Verônica” A ponte para a sala de roteiro de “Bom Dia, Verônica” veio a partir do roteirista Gustavo Bragança, colega de faculdade e criador de séries como Mandrake (HBO). Gustavo já conhecia Raphael Montes, co-autor do livro homônimo que deu origem à série, escrito junto com a escritora e criminóloga Ilana Casoy. “Eu fui uma das pessoas entrevistadas, acabei indo para o Rio fazer entrevista, conversar com eles”. Segundo Kolb, a identificação com o livro já existia: “Eu já tinha lido alguns livros do Raphael, sabia quem era a Ilana. O universo deles combina um pouco com o meu universo”. Essa identificação é muito importante para determinar os rumos do trabalho, uma vez que ajuda a manter a equipe integrada aos objetivos da série. Sobre a apresentação profissional no mercado, Davi reforça a importância de ter samples, exemplos de roteiros que você envia para produtoras e possíveis parceiros com intuito de apresentar suas afinidades e competências narrativas. A sala de roteiro de “Bom Dia, Verônica” “Eu nunca tinha participado de um processo assim”, comenta Davi Kolb, destacando alguns pontos sobre a sala de roteiro da série: “O Raphael é um cara muito da estrutura, você vê pelos livros dele. Ele já vendeu a série como uma série que é para ser viciante, é para você assistir, ficar grudado e maratonar - com muito gancho, muita virada”. Completa: “e ele entregou isso”. Se de um lado existia o apreço estrutural de Raphael, do outro havia um profundo estudo de personagem por parte da Ilana. “A Ilana era muito da personagem, até pela formação dela de criminóloga”. Com uma vida dedicada a dissecar os mais famosos crimes brasileiros, Ilana já publicou uma dezena de livros como “A Prova é a Testemunha”, um relato inédico do Caso Nardoni, além de “O Quinto Mandamento - Caso de Polícia”, dedicado ao assassinato do casal Richthofen. “É bom você ter um time de roteiristas na sala que seja plural, que tenha habilidades que se completem". - Davi Kolb Kolb aborda um assunto muito interessante: as habilidades complementares em uma sala de roteiro. Escrever em conjunto envolve muito equilíbrio e divisão de tarefas. Naturalmente, o trabalho tem muito a ganhar quando existem perfis diferentes que funcionam melhor de forma colaborativa. “A Carol [Garcia], por exemplo, é uma tremenda dialoguista. Ela escreveu comédias, já. O Raphael e a Ilana trouxeram a Carol porque viram que depois de terminar toda a estrutura, nos tratamentos 2, 3 dos roteiros, a Carol ia trazer uma mão que ninguém na sala tinha", completa. O roteirista se refere à comicidade e coloquialismo que marcam os diálogos da série em certos momentos, agregando à construção de personagens tridimensionais e reforçando a proximidade entre o público e a trama. Construindo investigações inteligentes Ao falar em maiores detalhes sobre o seu trabalho em “Bom Dia, Verônica”, Davi destaca seu apreço por escrever sequências de ação, comentando que Raphael, showrunner da série, preferia trabalhar em cenas onde o foco está no suspense. “O Raphael é muito bom em quase tudo, mas ele mesmo fala que não gosta muito de escrever sequência de ação, de fazer o beat a beat da sequência de ação... E eu adoro!”, responde Kolb. Como “Bom Dia, Verônica” é uma adaptação literária, já partimos de personagens, tramas e investigações muito bem descritas no material original. Afinal, esse fator auxilia os roteiristas, ou também traz alguns desafios? Davi Kolb responde: “No livro você tem focos narrativos diferentes, narradores diferentes, capítulos… A Verônica tá em uma investigação, mas acabou o capítulo e ela vai para outra investigação”. Como solução, Kolb conta que a melhor opção foi “blocar mais os casos”, justamente para que as investigações não criassem mais confusão ao espectador, mantendo o clima de tensão que hoje vemos na tela. Além do livro, outras referências fazem parte do repertório de Davi Kolb e foram importantes durante a construção da série, como é o caso de “True Detective” (HBO). Kolb destaca principalmente a sutileza na apresentação das pistas durante o seriado americano. “A série policial, de mistério, tem uma coisa de você ser meio mágico. Você faz o movimento maior aqui, que é onde o público tá olhando, mas você está fazendo um outro movimento menor aqui, que é onde está acontecendo a mágica de fato". - Davi Kolb “É um jogo de ilusionismo”, completa Kolb, ressaltando seu gosto por “desvendar a máquina por trás dos mistérios”. A jornada emocional da trama policial Nem tudo é ação em uma série policial. Não podemos nunca esquecer um ponto de extrema importância: independente da série, nós acompanhamos personagens. Acompanhamos suas dores, seus desejos, suas transformações. Os recursos próprios do gênero, assim, servem para estes principais objetivos. “Você não quer saber tanto os detalhes - se o carro vai para a direita, se vai para a esquerda… Você tem que acompanhar a personagem. No fim das contas o que está na tela é menos do que a gente escreveu, que era muito detalhado, e mais acompanhar a personagem emocionalmente mesmo”. - Davi Kolb É fácil se perder nos detalhes da ação quando construímos sequências de muita tensão, mas Kolb reforça a importância de não romper o elo emocional entre espectador e personagem. Mais do que a expectativa de “capturar o criminoso” ou “se safar da morte”, buscamos o que há de transformador na jornada das nossas personagens em cada cena. A construção das personagens Com essa deixa anterior, entramos em um novo tópico: a construção de personagens. Em um drama policial há muitos clichês que podemos evitar, ou mesmo apresentar por uma nova ótica. Kolb usa o exemplo da série “Impuros” para tratar do assunto. A dualidade entre as personagens Morello e Evandro, uma herança criativa dos roteiristas da primeira temporada da série, chamou a atenção de Kolb: “Em ‘Impuros’, o Morello é o cara que está do lado da lei fazendo as coisas erradas. O Evandro está do lado errado, do crime, mas fazendo as coisas certas. A série cria uma dualidade, duas personagens que são fortes e tem uma contradição em si que é boa”. - Davi Kolb “Bom Dia, Verônica”, por sua vez, traz outras peculiaridades. “As personagens já tinham uma voz bem definida” - Davi comenta que quando a sala de roteiro começou, Raphael e Ilana já tinham alguns tratamentos do piloto escritos, além do livro de onde a série parte. Por outro lado, Davi afirma que os próprios autores o estimularam a “esquecer um pouco do livro”. Na literatura, construir personagens densos tem outros artifícios, como o acesso a sua subjetividade. A transposição para a tela traz desafios próprios. “A gente às vezes fica encantado pelo plot, por uma virada muito boa, que é muito esperta, mas para isso você precisa dar uma ‘torcida’ na personagem, em características dela para caber no plot. A Ilana não deixava a gente fazer isso, mantinha a gente com os pés no chão para não perder o caráter das personagens”. - Davi Kolb Com exemplos como a figura sombria de Brandão, interpretado pelo ator Eduardo Moscovis, Kolb nos aponta uma questão essencial: apresentar personagem não é sempre o caso de criar mais e mais camadas dramáticas. Às vezes é exatamente o contrário. É preciso ter um poder de síntese e entender até onde o backstory trabalha a favor da história e quando os elementos começam a prejudicá-la. “Foi muito difícil ‘limpar’ as histórias, como o Brandão. O Brandão no livro tinha muito mais camadas. O que ficou na série acho que tá na conta certa, porque não tinha mais tempo de tela para apresentar outras camadas do Brandão”, responde, acrescentando que esse não é um processo óbvio. “É aquela coisa - você precisa ‘tirar tudo o que não é cavalo’, mas até você encontrar uma forma… É difícil”. “A Janice, irmã da Janete, por exemplo, é uma adaptação. A delegada Anita também é uma adaptação. Adaptações foram feitas para a série para o produto audiovisual funcionar”. - Davi Kolb A própria Verônica, segundo Kolb, é “muito mais heavy metal no livro e faz certas coisas questionáveis”. Na adaptação, Verônica se tornou uma figura mais empática. Recado para os roteiristas Vendo o sucesso de séries como “Impuros” e “Bom Dia, Verônica”, resta uma pergunta: como trabalhar em projetos desse calibre? No próprio Writer’s Room 51 recebemos muitas perguntas sobre “apresentar projetos à Netflix”. “Geralmente você é contratado por uma produtora. Então os roteiristas que estão tentando se inserir no mercado precisam procurar as produtoras e os próprios roteiristas e diretores”, explica Kolb. “Essas são as pessoas que vão te chamar para uma sala de roteiro, vão te contratar e te indicar - não vai ser a Netflix. A Netflix vai ser uma consequência do seu trabalho”. Mesmo assim ser um roteirista que trabalha em séries da Netflix vem com o tempo e através de muita dedicação. Davi Kolb dá um recado final: “Você precisa ter um peso, um nome, para conseguir chegar e apresentar projetos diretamente para a Netflix”. Sendo assim, podemos entender que por trás de um sucesso como “Bom Dia, Verônica”, há muito tempo de dedicação a uma carreira sólida e em fazer importantes contatos. #roteiro #roteiristas #netflix #streaming #bomdiaverônica #impuros #foxpremium #série #audiovisual