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  • Nossos destaques de 2021: Serie_Lab, Ventana Sur, LAB 51

    Quer saber nossas rápidas impressões sobre os destaques deste ano? Confira! Com mais um ano chegando ao fim, nós, do WR51 resolvemos trazer alguns highlights do nosso 2021. Neste ano, participamos de alguns eventos online, estivemos em rodadas de negócios, oferecemos cursos online e duas edições do LAB 51, desenvolvido junto com a TDC Conteúdo. Aqui, separamos apenas alguns destaques de tudo o que passamos e adoraríamos saber como foi o seu ano também. Vamos trocar experiências? Comente com a gente os pontos altos do 2021! Destaques Serie_lab Inspirado pelo formato do FRAPA, o Serie_lab se tornou rapidamente um dos eventos mais importantes voltados especialmente para roteiristas brasileiros. Em 2021, o Série_lab ocorreu novamente em plataforma própria e totalmente online, entre os dias 29/11 a 03/12 (mesas e oficinas) e 06/12 a 10/12 (rodadas de negócio). O evento trouxe convidados mais do que espeicais do meio audiovisual, entre Doctoring Sessions, Sala Aberta de programas de sucesso, Mesas de discussão, Raio-X com análise de séries amadas pelo público e muito mais! A programação foi excelente, combinando muito bem os diferentes formatos apresentados ao público. Um dos pontos que mais gostamos desta edição foi o Raio-X - Lovecraft Country, ministrado pelo roteirista e professor Michel Carvalho. Lá, Carvalho fez uma verdadeira imersão narrativa no sucesso da HBO, dividindo impressões e análises importantíssimas. O formato “Sala Aberta” também nos agrada muito. Nele, podemos nos sentir um pouco parte das salas de roteiro de séries que gostamos muito, entendendo um pouco do processo através dos seus roteiristas. Nosso destaque vai para a Sala Aberta do “Desalma” (Globoplay), um suspense sobrenatural que trouxe um frescor para as produções nacionais. Reinaldo Cardenuto, mediador, e Ana Paula Maia, criadora da série, nos conduziram por esse importante debate sobre a construção de um suspense nacional que apresenta um Brasil fora do eixo Rio-São Paulo. Ana Paula Maia dividiu seu processo de pesquisa para escrever Desalma, sua visão sobre a universalidade da trama e a reconstrução mitológica e cultural dos povos ucranianos no Brasil. Tal debate mostra o real interesse do mercado em explorar outras regiões, além da abertura para gêneros como suspense e terror. Outra grande destaque da programação foi a Mesa de Discussão - Estrutura: Qual é o ponto de equilíbrio entre aspectos episódicos e serializados? Com mediação de Paula Knudsen, a mesa foi composta por Higia Ikeda, Camila Raffanti (Mixer), Mini Kerti (Conspiração). Essa linha entre as séries procedurais e episódicas sempre nos atraiu como tema, ainda mais na era do binge-watching. Aliás, falamos bastante sobre isso com a roteirista Paula Knudsen na nossa entrevista! Com ajuda das convidadas da mesa, entendemos melhor os pontos cruciais deste tema. A relação entre os temas gerais, o arco longo da temporada e o arco de cada episódio nunca foi tão importante quanto agora, considerando o público de hoje. Compreendemos o valor da construção de ganchos sólidos em mais de uma linha temporal - tanto no presente, quanto no passado. Afinal, série é sobre ligar pontos e fechar tramas. Para o público que espera o binge-watching, também foi falado sobre a necessidade de se pensar cliffhangers em cada episódio. levando sempre ao próximo clique, ao próximo capítulo. Para além das nossas mesas preferidas, tivemos o prazer de marcar três reuniões em rodadas de negócios no Serie_lab. Mesmo com o desafio do online, percebemos o papel da organização em manter os horários e a estabilidade dos encontros. Vinte minutos de reunião certamente passa rápido, mas um tempo precioso para quem consegue organizá-lo bem. Quer umas dicas mais do que especiais para aproveitar ao máximo as rodadas de negócio? Confira nossa entrevista com o pessoal do Podcast Primeiro Tratamento! Nossos destaques do Ventana Sur Organizado pelo Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA) e pelo Marché du Film – Festival de Cannes, o Ventana Sur, que ocorre em Buenos Aires, reúne grandes nomes do audiovisual internacional em mesas, mostras de cinema e portas para coproduções. Guilherme Soares Zanella, cocriador do Writer’s Room 51, participou do evento na modalidade online, entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro e divide suas impressões. A edição de 2021 trouxe muitas mesas com foco em séries e narrativas em games, um mercado que vem crescendo cada vez mais. O roteiro nos games Com a pergunta “em que ponto a narrativa dos games encontra o audiovisual?”, a mesa The Script in Video Games and Films reuniu expoentes do ramo para discutir as possibilidades da dramaturgia nesse novo horizonte. Em meio ao debate, a mesa, que contou com profissionais de desenvolvimento de games e Narrative Designers, apontam a qualidade estética atual dos games em comparação direta com a experiência de assistir um filme de arte. “Os jogos foram da narrativa simples de resolver uma solução, para aos poucos agregar potências dramáticas”, afirma o escritor Patricio Saiz Valenzuela. Para além da narrativa convencional, aquela que impulsiona a jornada da protagonista no game, falou-se muito da experiência do usuário. Com o advento de jogos de mundo aberto, onde o jogador conduz sua própria linha narrativa, a experiência da gameplay em si já oferece uma nova curva narrativa. Pensar a jogabilidade como uma ferramenta a serviço da narrativa e não apenas da mecânica traz uma importante mudança de perspectiva. O showrunner na era das plataformas Outra mesa a ser destacada foi Being a Showrunner in the Age of Platforms: Auteur or Orchestrator?, reunindo showrunners e CEOs para falar sobre as responsabilidades do ofício, mas também a sua realidade em sistemas fora de Hollywood. O Showrunner ainda é tratado como uma figura incerta no Brasil, uma vez que muitos roteiristas acreditam que ainda não temos esse cargo da forma como ele funciona nos Estados Unidos, com responsabilidades executivas muito além da sala de roteiro. Com experiência em outros países, como Argentina, Peru e Espanha, os convidados da mesa não demonstraram insegurança em mostrar que a função de showrunner é uma realidade, mesmo fora do meio hollywoodiano. “As plataformas diferenciam as pessoas que vão tocar um negócio das que vão contar uma história”, comenta Érika, showrunner argentina. Apesar disso, fica evidente que a função é ainda muito nova na América Latina. Estamos ainda na fase de entender como adaptá-las às nossas próprias condições. Uma delas, segundo os convidados, é entender o equilíbrio entre essa nova leva de profissionais focados em televisão e streamings e os tantos artistas formados pelo cinema a partir de mecanismos de incentivo. Foi extremamente enriquecedor compreender a visão global da função de showrunner e como, embora padronizada, é preciso adaptar suas funções às necessidades de cada país. Projeto Paradiso em Ventana Sur Com a participação de Rachel do Valle (representante do Projeto Paradiso), Antônio Gonçalves Júnior (Programador do Olhar de Cinema) e Thiago Macêdo (Produtor na Filmes de Plástico), o Projeto Paradiso abriu uma mesa para debater os objetivos do projeto filantrópico que já auxiliou mais de 100 profissionais do audiovisual no financiamento de projetos, participação em festivais e laboratórios de desenvolvimento. Um ponto muito interessante do debate envolveu a internacionalização da carreira do roteirista. O Projeto Paradiso entende o estado deplorável dos nossos mecanismos de incentivo ao audiovisual no Brasil. Assim, há um verdadeiro déficit no nosso mercado, onde diversos profissionais encontram pouca ou quase nenhuma oportunidade para prosperar em sua profissão. Pensando nisso, o Projeto Paradiso foca muito do seu apoio na internacionalização da carreira dos roteiristas, seja através da participação em laboratórios de desenvolvimento internacionais, em festivais representando seu filme ou mesmo eventos de mercado, onde é possível criar conexões com fundos. Antônio e Thiago compartilharam suas experiências após vencer o Prêmio WIP, que possibilitou o financiamento de projetos e impulsionou suas carreiras lá fora. “Se fosse um edital, seria o edital mais eficaz do país inteiro”, resume Thiago, salientando que o próprio anúncio do Prêmio WIP já acabou gerando publicidade muito positiva para o seu projeto “Marte 1”. O Projeto Paradiso também demonstrou interesse em flexibilizar suas iniciativas, entendendo que talvez cada projeto tenha uma necessidade diferente. Alguns podem usufruir bem de recursos para finalização, enquanto outros precisam muito mais de uma consultoria especializada. Há a possibilidade real de adaptar-se os prêmios à realidade de cada um. LAB 51: 2 edições em 2021 2021 também foi o ano do LAB 51, iniciativa criada em parceria com a TDC Conteúdo. No formato laboratório de desenvolvimento online, o LAB oferece aulas ministradas pela roteirista Bia Crespo, além de consultoria individual e a possibilidade dos selecionados assinarem contrato com a TDC, após análise de ambas as partes. Tivemos duas ótimas edições em 2021, onde 12 projetos (6 longas e 6 séries) passaram por um processo intenso de desenvolvimento e acompanhamento artístico. O resultado foi muito positivo: vemos um futuro promissor para os projetos selecionados e entendemos que o formato realmente funciona. Em breve, anunciaremos outras iniciativas! Por um 2022 mais participativo Encerramos um novo ciclo em 2021, com participação em eventos, trabalhos fechados, laboratórios, matérias, entrevistas e muita parceria! Para 2022, acreditamos na força do coletivo. Por mais parcerias, mais projetos coletivos, mais participação. Para além das nossas iniciativas abertas, também mantemos um grupo fechado no Facebook, onde profissionais do roteiro trocam experiências, matérias, materiais e muito mais! Nos reunimos mensalmente em encontros virtuais para praticar pitching e trocar informações. Em 2021 também abrimos nossas portas para parcerias em nossos artigos e publicamos textos de alguns seguidores. O resultado foi muito positivo e esperamos por novas parcerias em 2022 nesse sentido. No mais, no último dia do ano, desejamos o melhor para 2022. Sabemos que todo processo de crescimento é parte de uma rede. Queremos fazer o nosso papel nessa rede de apoio do audiovisual brasileiro. Com essa perspectiva, entramos em um novo ano! #roteiro #roteirista #audiovisual #Feliz2022

  • 7 dicas indispensáveis para escrever anti-heróis mais interessantes

    Quer entender melhor o que é um anti-herói? Está escrevendo aquele protagonista charmoso, mas cruel? Leia nossas dicas para construir caminhos narrativos cativantes por Jessica Gonzatto Transgressoras, excêntricas, maldosas e até criminosas. As personagens no estilo anti-heróis são as favoritas de muita gente - e não é por acaso! A ficção nos dá liberdade para imaginar histórias que não viveríamos na vida real. E, nisso, entra a nossa curiosidade sobre como seria viver uma vida diferente da nossa, ou tomar decisões muito distantes da nossa própria moral. Algumas personagens acabam se destacando nesse contexto, como Tony Soprano, Coringa, a família Roy, Selina Meyer, Dexter e muitas outras. Mas como escrever um anti-herói interessante, que capture a atenção? Como entender os limites de seu caráter? Quais as diferenças entre esse e outros tipos de personagem? Confira nosso texto e capture algumas dicas para a sua narrativa! Herói, Anti-herói ou Vilão? Primeiro de tudo, é preciso entender o básico: o que difere o anti-herói do ( já bem conhecido herói) e do vilão (ou antagonista). O "herói" narrativo, no geral, seria aquele que sacrifica a si mesmo, abrindo mão de seus próprios desejos em benefício de outras pessoas ou do aprimoramento pessoal. É uma personagem arquetípica que supera sua própria "humanidade" e aprende atributos necessários para aniquilar um determinado problema, geralmente de dimensão épica. Hoje em dia, essa dimensão compreende também o mundo cotidiano em suas diversas perspectivas, abordando outros tipos de aprendizados e mesmo jornadas. Mas, o herói sempre precisará aprender algo que o melhore como ser humano, melhorando também sua relação com os outros. Por exemplo, a Marvel tem um universo inteiro dedicado a esse tipo de personagem. Nessa lógica, temos também o vilão, que é o antagonista personificado da história do herói - ou, então, o "herói deturpado de sua própria história". Hoje em dia, temos personagens vilanescas muito mais complexas e interessantes, que se aproximam bastante da ideia de anti-heroísmo que vamos discutir aqui. Porém, o vilão é, geralmente, movido por pulsões que irão favorecer a si mesmo - ao contrário do herói. É um arquétipo, portanto, que tem sua vilania em relação a algum tipo de heroísmo (mesmo que esteja deslocado em seu próprio filme, como "Cruella" ou "Drácula"). Muitas vezes, seu objetivo principal pode ser causar discórdia. Outras, pode ser se vingar de uma injustiça que julga ter sofrido. Outro ponto interessante é que muitos vilões modernos bem-sucedidos têm exatamente o mesmo objetivo do protagonista, mas maneiras e motivos "piores" para chegarem lá. Sua jornada também exibe pontos distintos e opostos ao do herói, como alienação, regressão e destruição. Exemplos? Darth Vader, Voldemort, Cruella De Vil, Hannibal Lecter e a nossa Nazaré Tedesco. LEIA MAIS: 7 dicas fundamentais para escrever grandes vilões Mas e a personagem anti-heroína? Podemos dizer que se encontra numa área cinzenta entre esses dois últimos. Não é um arquétipo tão estudado, e, por sua complexidade, pode ser mais complicado de construir. Podemos dizer que é uma atualização do herói trágico e, para além de outras coisas, o anti-herói une a "luz" do herói e a "sombra" de seu vilão, tudo num corpinho só. Exatamente como na vida real! É uma personagem protagonista constituída de características ou objetivos "incomuns" num herói, muitas vezes contraditórios, mas que tem suas falhas de caráter muito bem delineadas e baseadas nas de pessoas reais. Também podem ocupar espaços de personagens coadjuvantes, mas geralmente têm mais impacto quando lideram sua própria jornada. Além disso, anti-heróis possuem um código moral próprio, mesmo que destoe do conhecido e utilizado pela sociedade. Geralmente, são personagens autocentradas; podem ter motivos até nobres e compreensíveis, mas tomam decisões imorais e vão por caminhos muitas vezes fora da lei. Parte da nossa identificação com "pessoas difíceis" ou mesmo "horríveis" vem daí: suas nuances, reações menos que ideais e uma trajetória "imperfeita", cheio de altos e baixos - às vezes, parecidas com as nossas próprias. Contudo, não é só porque a personagem é "complexa" e "multidimensional" que ela automaticamente será uma anti-heroína. Observe o que o autor Robert McKee diz sobre isso: As pessoas usam a palavra “herói” para qualquer coisa. A maioria dos personagens principais ou principais não são heróicos. Eles estão apenas lutando para passar o dia com o melhor que a vida lhes deu. Um herói significa literalmente alguém que arrisca ou até sacrifica voluntariamente sua vida pela vida de outras pessoas. Isso é um herói. [Ele] é, por definição, muito desprovido em termos de dimensionalidade. Já o anti-herói [...] tem uma dinâmica clara entre o bem e o mal. São pessoas boas e más, ao mesmo tempo. Eles vão e voltam entre o positivo e o negativo em termos de moralidade. E essas personagens não são principalmente anti-heroínas no sentido tradicional. O anti-herói é alguém que [...] tem um código moral privado e pessoal. O personagem Mike, em Breaking Bad e agora em Better Call Saul, é um anti-herói, porque tem um código pessoal. Ele é um criminoso. Ele vai matar pessoas se necessário. Mas também mantém seu código gangster ao qual é leal. - Robert McKee Em entrevista, o autor John Truby concorda: Essas personagens não são apenas ruins - isso é simplista e não poderia produzir grandes histórias por muito tempo. Elas são complexas, o que produz histórias muito melhores. Agora, a palavra "complexa" é frequentemente lançada no meio da escrita, mas ninguém se preocupa em defini-la estruturalmente. A maioria das pessoas pensa que se refere a contradições psicológicas, que todas essas personagens certamente possuem. Mas o que realmente significa é que essas personagens têm contradições morais. Portanto, todas têm um código moral altamente compartimentado que as testa constantemente, até as profundezas de seu ser. - John Truby Outra característica do anti-herói é que sua jornada narrativa não vai necessariamente ser de superação, mas uma cheia de objetivos e conquistas ambíguas. É muito comum esse tipo de protagonista viver um arco trágico, pois já comentamos que é uma espécie de herói trágico moderno com desdobramentos maiores. Ou então, um arco que não traz mudanças a si, mas ao seu redor. A identificação de uma personagem como sendo anti-heroína também depende do estilo, tema e formato da narrativa. O Coringa é um ótimo exemplo disso: inserido em "Batman, o Cavaleiro das Trevas" (2008), ele é o grande vilão da história. Já em "Joker" (2019), torna-se um anti-herói justamente pelo estilo narrativo empregado - o estudo de personagem, que visa entender sua formação como pessoa e suas ações póstumas. Saiba mais sobre isso. Outros exemplos notáveis de anti-heróis são: Daniel Plainview, Tony Soprano, Selina Meyer, Harley Quinn, Macunaíma, Bonnie & Clyde, Morticia Addams, Jack Sparrow, Dexter, Máiquel e Amy Dunne. Por que nos identificamos com anti-heróis? A família inteira de "Succession" - bem como sua comitiva de agregados - é formada por pessoas mesquinhas, cruéis, manipulativas e imorais. Mesmo assim (ou talvez, por causa disso), essa é uma das séries de maior sucesso da atualidade e suas personagens arrecadaram verdadeiros fãs por aí. Por quê? Grande parte do motivo vem da qualidade impecável da série, mas outra parte com certeza é a construção meticulosa das personagens anti-heroínas. O apelo e a popularidade delas pode ser atribuída, dentre outras coisas, à identificação por parte do público com personagens imperfeitas, com defeitos narrativos e realistas. Mas isso quer dizer que somos de fato tão depravados quanto Roman Roy? Não! Pelo menos, não todos nós. Sigmund Freud, o pai da Psicanálise, tem uma teoria do inconsciente humano que pode ajudar a refletir sobre essa questão. Em seu mapa do Aparelho Psíquico, ele dividia nossa psique em três instâncias: o ID, o ego e o superego. O ID corresponde à impulsividade, sem limites. O superego representa os pensamentos éticos e morais que introjetamos, o que inibiria esses impulsos desenfreados de acordo com comportamentos aceitos pela sociedade. Já o ego, dentre outros fatores, acaba ficando entre essas duas instâncias, equilibrando nosso lado mais primitivo e o socialmente correto. Por isso, quando gostamos de anti-heróis que cometem atos questionáveis, isso seria como um "espelho" do nosso ID projetado na ficção. Nossa identificação não significa que almejamos ser e agir como eles, mas que também possuímos desejos irracionais que estariam sendo concretizados ficcionalmente. Aqui, entram como exemplos personagens como Kendall Roy, Arya Stark, Thomas Shelby, Travis Bickle, Lisbeth Salander e Ellie (da nova série "The Last of Us"). As personagens mais divertidas de se trabalhar são as que são mais complicadas. – Drew Goddard (Perdido em Marte; Maus Momentos no Hotel Royale) Hoje em dia, os anti-heróis representam as lutas e medos de pessoas reais, mas num contexto muito diferente do seu e através de ações também muito diferentes. Seriam, então, muito mais do que "escapes" fictícios, mas quase projeções de cenários que temos dentro de nossa cabeça e nunca poderíamos realizar na vida real (...ou pelo menos não deveríamos). São personagens que aquietam nossas curiosidades: "como seria minha vida se eu fizesse isso?" "para onde minha trajetória iria se tomasse essa decisão?" e por aí vai. A importância do tema e das relações entre personagens John Truby, em sua obra essencial "The Anatomy of Story", traz um conceito fundamental para que as personagens encontrem e concretizem conflitos narrativos: a character web, ou Teia de Personagens. Essa questão já existe desde muito antes dele (por exemplo, com o estudo de papéis actanciais), mas Truby se utiliza disso para comentar sobre narrativas modernas: Ainda que usem essas personagens principais complexas, embora cruciais para a evolução da história, não poderiam produzir programas de alta qualidade em tantos episódios e temporadas. Isso vem da teia de personagens da história, provavelmente o fator mais importante na criação de uma boa série. Simplificando, a teia de personagens tem a ver com como todas as personagens em uma história se entrelaçam como um único tecido, tanto se conectando quanto se contrastando. Uma série com uma teia de personagem única - em que cada personagem é definida em oposição estrutural adequada aos outros - é a única maneira que escritores podem criar grandes histórias por vários anos. - John Truby Ou seja, ao construir seu anti-herói, é fundamental que você construa outras personagens opostas dentro do tema de sua série. Novamente, "Succession" é o exemplo perfeito: dentro do tema "sucessão do trono do império familiar", vemos como diferentes personagens articulam suas ações, estratégias e reações. É através do contraste que entendemos melhor o caráter (ou falta de) dessas diversas facetas do mesmo objetivo. Isso fica ainda mais evidente quando falamos de séries. Quando os seriados [...] aumentaram radicalmente o número de personagens que poderiam conduzir as histórias, mostraram ao público uma mini-sociedade. [...] Isso representa um fardo enorme para os criadores do programa e traz outro ponto crítico: o público ficará completamente perdido, a menos que a rede de personagens seja altamente organizada. A necessidade de organizar os personagens aumenta a qualidade dos seriados porque significa que cada mini-sociedade é determinada por algum tipo de sistema que controla as pessoas sob a superfície e até as escraviza. Em Família Soprano, era a Máfia. Em Mad Men, é uma cultura de consumo que glorifica um falso sonho americano. Em Game of Thrones e Downton Abbey, é uma estrutura de classe patriarcal rígida. - John Truby Percebe como é necessário encontrar um tema e uma unidade dramática que evidencie a necessidade de outras personagens diferentes de seu anti-herói? Isso pode valer para outros tipos de história, mas quando tratamos de anti-heróis, estamos tratando de alguém que foge dos padrões da sociedade em algum nível. Daí, a importância de complementares e opositores, para criarmos conflitos mais interessantes não só na tela como também dentro da cabeça do público. Como "julgar" aquela personagem que adoramos, mas que é uma assassina prolífica? 3 tipos de anti-heróis De acordo com um artigo do Masterclass, geralmente podemos encontrar três tipos - ou níveis - de anti-heróis na ficção moderna: O rebelde pragmático: o anti-herói pragmático é um realista. Essa personagem se associa com os "mocinhos'' e os "bandidos" à sua maneira, tomando medidas que considerem necessárias para cumprir seus objetivos. Sua moral é, na maior parte, boa, mas eles não hesitarão em fazer o que for necessário para serem ou sentirem-se heróicos - mesmo que isso signifique matar ou roubar. Não vão cruzar limites intencionalmente, a menos que seja para um bem maior, podendo seguir alguns dos passos da clássica Jornada do Herói. Aqui, podemos citar Deadpool. O anti-herói inescrupuloso: é aquele cuja moral cai em uma zona cinzenta. Têm boas intenções, mas são movidos muito mais por interesse próprio do que pelo bem maior. Podem ser cínicos, ter uma visão cansada do mundo e suas ações são frequentemente ditadas por traumas passados ​​e conflitos internos, revelados por meio de uma backstory. Muitas vezes, até gostam do seu lado mais obscuro. Annalise Keating, a anti-heroína interpretada por Viola Davis na série "Como Defender um Assassino" (How to Get Away With Murder), é implacável e moralmente duvidosa, mas seus motivos começam a fazer sentido à medida que o público conhece mais profundamente sua vida. Anti-herói por necessidade existencial: o protagonista anti-herói titular da série "Dexter" está no limiar de ser um vilão. Anti-heróis como Dexter Morgan justificam seu comportamento porque acreditam que resulta em algo benéfico à sociedade, embora suas ações sejam questionáveis ​​e, às vezes, criminosas. Por exemplo, Dexter pode ter "boas intenções" como um assassino em série que mata outros assassinos, mas seus feitos são aqueles normalmente associados aos de um antagonista. O interessante é que podemos mesclar e construir outros tipo de personagens anti-heroínas. Qual o seu? Não tem certeza e precisa de ajuda? Então confira nossas dicas a seguir! 7 dicas para escrever "bons" anti-heróis 1. Capriche nas contradições da personagem Esse é o primeiro passo nessa construção: fazer com que sua personagem anti-heroína seja multidimensional. Dê a ela um conflito externo - e temático - para acompanhar seus conflitos internos. Dê a ela características distintas, uma voz clara e um código moral bem original. Talvez, construa uma pessoa que é egoísta e teimosa, ao mesmo tempo que age de forma pontualmente caridosa ou compreensiva. Ela deve mostrar quem é através de ações, tomando decisões que avançam no enredo, mas também revelam coisas sobre sua mentalidade. O fato é que, quando você pinta alguém com todas as suas cores, nunca fica totalmente ruim ou bom. Mesmo a pior pessoa tem humanidade em algum lugar. –Terence Winter (Família Soprano, O Lobo de Wall Street) 2. Não exagere nas qualidades "difíceis" "Difícil" é intrigante, mas também pode ser um grande tiro no pé. Anti-heróis podem fazer coisas terríveis, mas precisam ser simpáticos o suficiente para que espectadores queiram acompanhar sua jornada. Portanto, é preciso equilibrá-lo com algumas qualidades mais positivas para nos manter do lado deles. Pense na Fleabag: ela é uma pessoa que julga as outras, mas ao mesmo tempo é engraçada e ácida consigo mesma. Todo mundo já foi crítico consigo mesmo - logo, já temos um possível ponto de identificação. Qual a parte de nós que irá se conectar com a sua personagem, mesmo que inconscientemente? 3. Crie um objetivo irresistível Se fizéssemos parte da família Roy, é extremamente provável que também agíssemos de forma repreensível para proteger nosso poder e herança trilhardária a todo custo. Isso tem muito a ver com o objetivo em comum daquelas personagens: algo que, na maioria das vezes, nós como indivíduos reais também pudéssemos desejar. Aposte na identificação universal desse objetivo (dinheiro, aceitação, vingança, amor incondicional), mas também na coerência com a personagem que você construiu. Alguém como ela iria mesmo ter esse objetivo? 4. Conheça bem o universo da personagem Você já tem uma ideia de como essa pessoa seria e agiria. E aí? Como ela vai atingir seus objetivos? Com quem ela vai lidar? Como toda narrativa, é essencial se utilizar de pesquisa de universo para enriquecer suas reações e circunstâncias. Jack Sparrow vive num universo bem diferente de Selina Meyer, mas os dois são anti-heróis e possuem personalidades bem excêntricas. É essa riqueza de especificidade que vai engrandecer ainda mais o interesse do público na sua personagem. LEIA MAIS: Representatividade feminina na série "As Seguidoras", com Manuela Cantuária 5. Aposte na surpresa A surpresa é um elemento maravilhoso em qualquer narrativa. Mas, quando se trata de anti-heróis, nós queremos muito que essa personagem nos surpreenda com seus recursos criativos ou ideias fora da caixa. Isso fideliza e traz ao público uma sensação de "segurança" de que a personagem sempre irá conseguir se safar da situação, ou então nos surpreender com uma reação diferente das que já tenhamos visto - justamente por se tratar de uma personagem complexa. É como se ela estivesse sempre um (ou vários) passos à frente de nós. Por isso que a dica número 1 é tão importante! 6. Não tome decisões fáceis Isso vale também para qualquer tipo de protagonista, mas funciona muito bem no anti-heroísmo. Nós queremos nos identificar com as falhas da personagem e seus dramas, sem necessariamente virar um filme da Disney. Se você achar que é preciso matar o melhor amigo da protagonista e trazê-la para o fundo do poço, faça isso! Esse é um bom modo também de diferenciar o tipo de reação que você, como pessoa, acha "correto" e o que não acha, dentro do tema. Por exemplo: a personagem sofre uma perda por causa da ação da Personagem X e sofre muito. Até aí tudo bem - é compreensível para nós. Mas talvez ela vá além e assassine toda a família da Personagem X, a que matou seu amigo - inclusive, talvez, matando um personagem muito bem quisto pelo público ou por ela mesma. Esse passo "a mais" é o que destaca ela como anti-heroína, já que isso faz parte de sua jornada pessoal mas não é necessariamente o que um herói faria. Pense em todas as decisões difíceis que Tony Soprano precisou tomar ao longo da série. 7. Compreenda bem o formato narrativo de sua história A visão que temos de um anti-herói em um longa-metragem é diferente da que temos em uma série. As escolhas, payoffs e subtextos são diferentes dependendo do ritmo, formato e tempo narrativo. "Coringa" precisou plantar algumas dores e rapidamente colher as consequências. Já em "Veep", Selina Meyer tem bastante espaço e diversas situações para mostrar as dificuldades que é ser uma mulher na política - ainda mais rodeadas de outras pessoas com 'aptidões duvidosas', segundo ela. Em "The Americans", temos a oportunidade de entender a vida inteira dos agentes Elizabeth e Phillip Jennings, conhecendo bem os motivos por trás de suas escolhas. Pense nisso na hora de decidir o formato de sua história. Saiba mais sobre anti-heróis: "Para não ter mais dúvida: as diferenças entre herói, anti-herói e vilão nas narrativas" "What is an Anti Hero? Definition, Examples in Film & Literature" "Female Anti-Heroes in Contemporary Literature, Film, and Television" "Como escrever anti-heróis?" Curtiu as dicas? Aproveite para discutir mais sobre o assunto em nosso Grupo Fechado WR51 no Facebook! Apoie nosso Catarse e obtenha acesso. #personagem #roteiro #antiheroi #protagonista #dicas

  • 5 séries essenciais para quem ama ou quer estudar audiovisual, com Rafael Lessa

    Roteirista de "Samantha!" (Netflix) conta um pouco da sua trajetória no audiovisual, fala sobre tudo aquilo que o inspira a criar e divide as 5 séries essenciais para roteiristas em formação Todo roteirista traz suas próprias referências consigo. Afinal, esta é uma área normalmente composta por pessoas apaixonadas pela arte. Com um mercado cada vez mais focado no desenvolvimento de séries, é preciso entender melhor quais produtos audiovisuais podem ajudar você a se tornar um roteirista melhor. Inspirados por este importante tema, conversamos com Rafael Lessa, roteirista de projetos como “Samantha!” (Netflix) e “Lov3”, série a ser lançada pela Amazon Prime Video em breve. Para além do ofício como roteirista, Lessa atualmente estuda no programa de MBA da University of Southern California (USC). Rafael Lessa conta um pouco da sua trajetória no audiovisual, fala sobre tudo aquilo que o inspira a criar e divide suas 5 séries favoritas! Quem é Rafael Lessa? “Meus pais tinham muito orgulho quando eu escrevia, ainda na época da escola. Percebi que escrever era uma ferramenta para me aproximar dos outros”, revela Lessa, que se formou em Jornalismo antes de ingressar no mercado audiovisual. O roteirista comenta que foi em uma aula com o cineasta João Moreira Salles que ele entendeu melhor o norte da sua carreira. “Ele [João Moreira Salles] foi bem receptivo e me aconselhou a estudar cinema nos EUA”, contextualiza. Rafael Lessa, carioca de 39 anos, é roteirista, diretor e produtor formado em Jornalismo pela PUC-Rio e Mestre em Direção e Roteiro pela Columbia University, em Nova York. Ele produz conteúdo diverso, de forma leve e divertida, com toque humorístico. “É meio clichê, mas desde pequeno eu gostava de contar histórias. Eu era bem tímido quando criança e uma maneira de me comunicar com os outros era contando histórias porque assim eu não precisava ser ‘eu’ e sim uma pessoa contando uma história. Claro que na época eu não tinha noção disso, mas hoje em dia, olhando pra trás, eu percebo que era isso, era minha maneira de interagir com os outros. E eram histórias bem visuais, muito ‘descritas.’” - Rafael Lessa Começou sua carreira como roteirista com o filme “Tá”, em 2008, de Felipe Sholl, que fala sobre dois amigos que estão descobrindo sua sexualidade e foi o vencedor do “Prêmio Teddy de Melhor Curta LGBTQ”, no Festival de Berlim. Escreveu o documentário “Francisco Brennand”, em 2012, que conta a história do artista plástico de 85 anos que mora e trabalha em sua oficina no Recife e foi premiado como "Melhor Filme”, na Mostra de São Paulo do mesmo ano. Escreveu para programas de humor como “Vai que Cola” e “Tudo pela Audiência”, do canal Multishow; foi roteirista das duas temporadas da série “Samantha!”, da Netflix, que conta a história de uma ex-celebridade mirim e recentemente foi o roteirista-chefe e co-produtor executivo da série “Lov3”, que será lançada em breve pela Amazon Prime Video. Também chefiou a sala de roteiristas da série “As Aventuras de José e Durval”, que conta a história de Chitãozinho e Xororó, com a produtora O2 para o Globoplay. Amante do cinema desde criança, Rafael tem paixão por contar histórias de pessoas que por alguma razão foram excluídas por algum círculo social. “Eu gosto muito de personagens que são o ‘underdog’, pessoas marginalizadas por diversas razões. Seja a coisa mais direta de histórias LGBTQIA+ porque sou gay e naturalmente me identifico com esses personagens, mas também histórias de gente como Chitãozinho e Xororó que vieram de um pedaço completamente esquecido do Brasil e superaram milhões de problemas para virar os astros que viraram.” - Rafael Lessa Além de sua carreira como roteirista, seu trabalho em curtas-metragem LGBTQIA+ como “The Yellow Tent”, que atuou como diretor, roteirista e produtor, foi exibido no festival de cinema Outfest e no Toronto Gay Film Fest. O curta “Jiboia”, em que foi diretor e roteirista, recebeu o prêmio Canal Brasil, assim como “Melhor Curta” no festival Lume, participou da competição no Festival de Cinema de Tiradentes e foi exibido também em Tel Aviv, Copenhagen, Guadalajara, entre outros. Já “Love Snaps”, em que foi o produtor, fotógrafo, diretor, ator e roteirista, foi premiado como “Melhor Curta” no prêmio Felix no Festival do Rio, e também como “Melhor Roteiro” no Mix Festival. Em 2016, foi um dos 20 cineastas perfilados no livro “O Cinema que Ousa Dizer Seu Nome”, de Lufe Steffen, Editora Giostri. Rafael agora está em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde vai passar dois anos estudando no programa de MBA da University of Southern California (USC) com foco em entretenimento. “Em 2020 a minha carreira nunca esteve tão bem, mas eu tinha muita vontade de voltar para os Estados Unidos para estudar. Tinha muito interesse em entender melhor o lado executivo do ofício”, responde. 5 séries essenciais para quem ama ou quer estudar audiovisual “Minha avó era praticamente a Odete Roitman! Eu comecei a me identificar nas novelas do Gilberto Braga. Tinha esse olhar de classe, sobretudo no Rio e eu sempre fui muito atento a isso”, explica Lessa, deixando bem claro que Gilberto Braga, falecido em outubro de 2021, sempre exerceu uma grande influência na sua vida. Por ter crescido na zona sul do Rio de Janeiro, Lessa via muitas relações entre as tramas das novelas do autor e as situações que testemunhava em seu entorno. Outra importante referência é Pedro Almodóvar, algo que também vem da sua infância. “É uma referência gigante para mim até hoje. Eu fui crescendo e entendendo que era importante ter esse olhar para a minha família”, resume. No Brasil, além de Gilberto Braga, Lessa também menciona Nelson Rodrigues, trazendo a literatura policial e narrativas que dialogam com o sensacionalismo e as bizarrices da vida como fonte de inspiração. Fora do ambiente ficcional, Lessa afirma que pessoas também o inspiram, destacando a atriz Gilda Nomace, com quem já trabalhou algumas vezes. “Tudo o que envolve pessoas meio erradas, fora do padrão da sociedade, me fascina muito”, completa Lessa. Dentro e fora das salas de roteiro, Lessa busca sempre encarar o mundo através dos olhos de personagens “quebradas”, capazes de testar nossa empatia e ao mesmo tempo complexificar temas difíceis. Por fim, Rafael Lessa divide conosco as 5 séries essenciais para quem ama ou quer estudar cinema: Seinfeld (1989-1998) “Seinfeld é sobre essas pessoas pouco ‘gostáveis’, pessoas que cometem muitos erros. Não só pelo humor em si, mas eu achava muito engraçado acompanhar aquelas pessoas histéricas com questões muito mínimas, idiossincráticas”, explica Lessa. Em “Seinfeld”, acompanhamos o dia a dia de 4 amigos em Nova York lidando com problemas mínimos, sempre derivados dos seus próprios desvios de caráter. A série é protagonizada por Jerry Seinfeld, comediante stand up cheio de opiniões cômicas sobre as mais variadas futilidades da vida. Conhecida como “uma série sobre nada”, Seinfeld foi um dos maiores hits dos anos 1990 e certamente um dos sitcoms mais aclamados até hoje. “É uma comédia clássica, multicâmera, gravada em estúdio, mas que consegue ser muito mais inteligente que muitas séries que vieram depois. Ela é uma aula de comédia, onde você vê personagens muito bem escritas, com várias dimensões.” - Rafael Lessa The Comeback (2005-2014) “The Comeback pra mim é uma obra de arte. É esse humor cringe, do constrangimento, que lembra um pouco The Office, mas que foi feito antes do próprio The Office”, contextualiza Lessa, especificando que esta é uma série que ele maratona até hoje. Cocriada e protagonizada pela atriz Lisa Kudrow, que atingiu o sucesso ao interpretar a carismática Phoebe em “Friends", “The Comeback” é uma dramédia produzida pela HBO que narra as aventuras de Valerie Cherish, uma atriz de sitcom lidando com os desafios da sua badalada e conturbada vida em Los Angeles. “Alguns momentos são bem constrangedores mesmo. E saber que ela [Lisa Kudrow] escreveu, criou, e protagonizou a série… Eu acho admirável”, comenta Lessa, que completa: “Além de ter todo esse humor do constrangimento, a série também traz um coração muito grande sem ficar forçado. Acho tecnicamente impecável. Cenas tem começo, meio e fim, é bem escrito. Já é single camera, vem nessa safra de 2004”. Rafael Lessa acredita que a série “não recebe todo o amor que ela merece”, citando a utilização precursora da metalinguagem para acentuar o “humor do constrangimento” como pontos inovadores para a época. Veep (2012-2019) “Julia Louis-Dreyfus e Lisa Kudrow, eu as considero as duas maiores gênias da comédia. A Julia Louis-Dreyfus entende muito bem qual é o humor dela”, comenta Lessa. Criada por Armando Iannucci, “Veep” na verdade é uma adaptação do seu próprio sitcom “The Thick of It”, desenvolvido e televisionado no Reino Unido. Na versão norte-americana, acompanhamos a vida nada glamurosa de Selina Meyer, vice-presidente dos Estados Unidos. Com sua comitiva formada por ambiciosos e atrapalhados profissionais, Selina transita em ambientes de poder, sempre da forma mais desajeitada possível. “O Veep é essa série sobre bastidores, que tem essa câmera de mockumentary sempre acompanhando as personagens. São personagens muito complexas, bizarras, muito fascinantes. É uma das poucas séries que eu rio de cair no chão.” - Rafael Lessa Lessa também aponta para o “coração da série”. “É sobre o universo da política, mas ao mesmo tempo com pessoas muito humanas. Pessoas que estão pensando muito nelas o tempo todo”, resume. Schitt's Creek (2015-2020) “Schitt’s Creek também é uma dessas séries que tem um coração muito forte, com personagens muito egoístas. Me interessa muito isso, pessoas que são capazes de tudo por aquilo que elas querem”, explica Lessa, trazendo a abordagem sobre o universo LGBTQIA+ como um ponto super positivo. “Sobre o fenômeno LGBTQIA+, essa é uma série que consegue convidar muitas pessoas para a discussão de uma forma afetuosa. É sobre conseguir construir histórias simples, humanas, com personagens que cometem ações condenáveis, mas que tem um amor muito forte.” - Rafael Lessa Criada por Dan Levy e Eugene Levy, “Schitt’s Creek” é um sitcom canadense sobre uma família de classe alta que sofre o seu maior baque financeiro e precisa se mudar às pressas para Schitt’s Creek, cidade que no passado eles compraram como uma forma de piada. Vivendo em um pequeno quarto de motel, Johnny, Moira e seus filhos David e Alexis precisam aprender a conviver entre si e lidar com um novo estilo de vida. Succession (2018-) “Não podia deixar de indicar Succession, um fenômeno bem atual. Quando você soma tudo: atores de qualidade, texto de qualidade e dinheiro suficiente para fazer aquilo que você quer, o resultado é Succession”, comenta Lessa. Succession é a mais recente sensação da HBO, sendo comparada a sucessos como “Sopranos”. De forma engraçada e provocativa, Succession nos mostra os bastidores de uma das famílias mais ricas e influentes do mundo. Embora ficcional, os “Roy” são um perfeito reflexo de famílias reais que dominam a indústria do entretenimento e jornalismo internacional. Como o próprio título indica, a razão de ser da série envolve uma urgente tomada de decisão sobre o sucessor da empresa bilionária Waystar Royco e os difíceis obstáculos desse competitivo mundo dos negócios. “Cada episódio é um grande acontecimento. Eu queria muito estar numa sala de roteiro de Succession para entender como é feito. Sei que tem um criador muito forte por trás, atores geniais e dinheiro infinito! É importante falar do dinheiro, faz toda a diferença para ficar muito bom.” - Rafael Lessa Como destaques, Lessa menciona as personagens Greg (Nicholas Braun) e Tom (Matthew Macfadyen). Segundo o roteirista, são personagens extremamente difíceis de escrever “naquele nível de qualidade e verossimilhança”. “Succession também traz muito do que eu gostava no Gilberto Braga. Aquelas famílias riquíssimas, a sensação de adentrar esse universo como uma mosca, observando tudo”, explica. Referências são importantes para a criação, mas também se tornam ferramentas essenciais na hora de apresentar o seu projeto. De onde vem a sua inspiração? Que produtos audiovisuais se aproximam daquilo que você está criando? Por isso, não deixe de conferir a lista de indicações do roteirista Rafael Lessa e formar a sua própria. E claro, não deixe de vir aqui dividir suas referências com a gente! #roteiro #roteiristas #série #audiovisual

  • Representatividade feminina na série "As Seguidoras", com Manuela Cantuária

    Como vender gêneros híbridos? Como desenvolver personagens complexas, que carreguem discussões? Conheça o processo da roteirista-chefe Manuela Cantuária na série com o Porta dos Fundos e Paramount+ Roteiristas de todo o Brasil sonham com sua série original produzida do jeito que imagina. Muitos também têm a ambição de chefiar a sala do próprio projeto, ou então, conseguir negociar um projeto com elementos híbridos ou fora do esperado. Mas como viabilizar tudo isso? Quais as melhores estratégias? É aí que entra o processo da roteirista Manuela Cantuária, que terá sua série original "As Seguidoras" produzida pela VIS, uma divisão da ViacomCBS, e o Porta dos Fundos - o primeiro conteúdo original do Paramount+ no Brasil. A série segue a história de Liv (Maria Bopp), uma influenciadora digital que leva sua obsessão por ganhar seguidores às últimas consequências e se transforma em uma serial killer acima de qualquer suspeita. João Vicente de Castro é o produtor e a série conta com a direção de Mariana Youssef e Mariana Bastos. A criação e roteiro são de Manuela Cantuária, a sala também contou com Nina Kopko, Pedro Perazzo, Beatriz Leal e Tainá Mühringer e a consultoria foi de Camila Agustini. Conversamos com Manuela sobre seu trabalho com viés feminista, atual e irreverente, bem como sobre o processo de venda e desenvolvimento de "As Seguidoras". Acompanhe e confira as dicas da autora para desenvolver melhor sua bíblia de venda, saber a importância da pesquisa, da comunicação e mais! Quem é Manuela Cantuária? Manuela Cantuária trabalha com desenvolvimento e roteiro de projetos para TV, cinema e internet. Seu projeto mais recente é o roteiro de "As Seguidoras", primeira série do Porta dos Fundos para a Paramount+. No cinema, Manuela foi corroteirista do longa "Cedo Demais", com direção de José Lavigne, e assistente de roteiro do filme "Palavras Queimadas", de Ruy Guerra. Na TV, Manuela escreveu episódios nas séries "Nós", do Canal Brasil, "Escola de Gênios", do Gloob, e "A Garota da Moto", do SBT, entre outras. Experiência com esquetes no Porta dos Fundos O foco da escrita de Manuela sempre foi sala de roteiro e séries. Até quando escreve longa-metragens, a roteirista gosta de ter colaboradores. "Passei por várias salas de roteiro - seja canal por assinatura, TV aberta - até o momento em que vim pro Porta dos Fundos. Aí, a demanda principal eram esquetes de humor", conta. É um formato diferente do de série. Eu costumo dizer que é um processo contrário: na série, primeiro você pensa no conceito, no universo, no personagem, até chegar na cena. Mas na esquete de humor, você já parte de uma situação. - Manuela Cantuária Ela conta que o processo de trabalhar no Porta dos Fundos foi muito interessante porque sempre teve "uma acidez no humor que combinava com o Porta". Lá, Manuela conta sobre um dos privilégios de trabalhar com o formato de esquetes: "Fiquei muito impressionada com a visibilidade que você tem como roteirista, porque é muito louco você ver as coisas sendo filmadas tão rápido". Além disso, a roteirista fala sobre a crescente demanda por conteúdos femininos dentro da produtora. "Foi muito legal explorar esse espaço para trazer discussões feministas. É um ambiente onde você se sente livre para criar e abordar assuntos mais polêmicos.", afirma. "Nesse processo, entrei pro time da Folha de colunistas, onde exercito esse mesmo pensamento de ver o que anda acontecendo atualmente e extrair humor disso", continua. A roteirista afirma que isso acabou também ajudando a construir a sua linguagem como roteirista e criadora - não só de comédia, mas também dramédia, outros gêneros e outros formatos. E quanto a "As Seguidoras", seu último projeto? "O Porta é uma produtora de conteúdo que também trabalha com séries. Essa demanda surgiu e então eu comecei a desenvolver séries lá dentro", explica. Do conceito ao greenlight, passando pela pauta feminista De acordo com Manuela, o projeto da série "As Seguidoras" passou por várias etapas. Como tudo começou? "Fiz um pitching interno, para os sócios e CEO do Porta, etc. Depois, fizemos pitching para a Viacom e acabamos vendendo para a Paramount+", conta ela. Desenvolvi uma bíblia, com perfis dos personagens, universo, justificativa. Quando você começa no mercado, não imagina que vai vender o projeto logo de cara , até porque isso não acontece com frequência. Depois, registrei e usei a série como um projeto de portfólio, para ter na manga, pronto pra quando surgisse uma oportunidade. Quatro anos depois, fiz o pitching desse projeto e ele foi bem recebido, e aí parti pra fazer uma bíblia de venda mesmo, aprofundando ainda mais o conteúdo. - Manuela Cantuária A roteirista explica que a partir daí houve um investimento do Porta como produtora e que a bíblia de venda da série foi desenvolvida junto da roteirista Tainá Mühringer, que depois entrou na sala de roteiro. "Fizemos sinopses mais consistentes e focamos no que o projeto tem de mais interessante", diz. Para quem tem projeto na gaveta, é importante ir aprimorando ele de tempos em tempos. A partir do momento que você tiver um tempo, é importante investir. Quando o projeto chega consistente, já faz uma diferença enorme para quem lê. - Manuela Cantuária Portanto, fica fácil entender os motivos de se desenvolver a série para além da premissa já na hora da venda ou reunião de negócios. A premissa pode ser o ponto de partida, mas é preciso já ter em mente o arco geral da temporada e seu desfecho, bem como os rumos para as próximas temporadas. Isso deixa bem claro que você tem controle da sua narrativa e entende a demanda por conteúdos vendáveis e que precisam "lucrar" mais temporadas. Para Manuela, "A bíblia precisa fazer jus à premissa, desenvolver o miolo. Nisso, me ajuda fazer parcerias para levantar arco de temporada, de personagem. É muito importante essa criação em conjunto, o projeto cresce muito". Outro ponto essencial que envolve a trajetória de "As Seguidoras" é a temática e vivência feminista. "Quando entrei nesse mercado, era uma época que já começavam a discutir a representatividade feminina nas salas de roteiro, etc.", conta Manuela. "Em Hollywood, isso já estava acontecendo, várias protagonistas mulheres começaram a surgir. Mas as principais referências ainda eram os Homens Difíceis - anti heróis, protagonistas difíceis, com falhas, vilanescos, etc. A partir disso comecei a pensar: 'Está na hora das mulheres difíceis, cadê elas?'", afirma a roteirista. Para Manuela, essa mistura de urgência, interesse e reflexão foi uma das sementes de "As Seguidoras". Fui me apaixonando por séries como 'Fleabag'; já tinha a referência da Fernanda Young, que me mostrou que dá pra ser roteirista de humor, ser ácida, estar à frente das pautas. Nessa época, minha vontade era criar um projeto sobre como as redes sociais enlouquecem as pessoas. Eu mesma estava viciada em Instagram e via as blogueiras que lucravam com um discurso de autoestima, mas que faziam você se sentir mal! Foi aí que comecei a refletir sobre a positividade tóxica. Então, pensei: 'Imagina uma blogueira que é uma farsa, que se diz good vibes e 'pura vida'.. O que seria o oposto disso na vida real? Bom, só poderia ser a morte. …' Foi aí que nossa heroína virou uma serial killer. - Manuela Cantuária Mas não foram só essas as fontes de inspiração. "A cultura do cancelamento também influenciou bastante o conceito da série. O medo de ser cancelada é o gatilho que faz a personagem andar com a história", conta ela. "E, claro, há o desafio de fazer um projeto no Brasil em que a protagonista é uma anti-heroína, uma assassina em série. Tivemos que construir vários desafios para ela e aí surgiu nossa segunda protagonista, que é a personagem Antônia, a podcaster que investiga os assassinatos que ela comete", explica. "Para a gente defender essas personagens femininas e uma série que também fala sobre autoestima, sobre ser uma mulher no mundo, sobre como você é subestimada por ser mulher, tivemos que montar uma equipe majoritariamente feminina", afirma Manuela. Portanto, a sala de roteiro foi composta também por Nina Kopko, Beatriz Leal, Tainá Mühringer e Pedro Perazzo, com consultoria de Camila Agustini. Eventualmente, surgiram outros desafios: equipe e elenco. "Precisávamos de uma protagonista com muito carisma que pudesse defender essa personagem que é uma assassina. O público pode até amar odiá-la, mas tem que entender as motivações e traumas do passado dela. A Maria [Bopp] conseguiu trazer uma ironia perfeita pra isso", opina Manuela. "Aí, entraram também as diretoras maravilhosas que deram o sangue pelo projeto: Mariana Youssef e Mariana Bastos", fala a roteirista. "Elas encararam o desafio de saber como olhar esse tipo de projeto, na hora de filmar a violência, não trazer aquele sadismo tipicamente masculino. Acho que a sutileza nesse olhar é até mais dilacerante mesmo. Elas brilharam muito e eu não conseguiria imaginar essa série sendo dirigida por um homem, até para que as atrizes se sentissem à vontade no set", comenta. Além disso, outra preocupação foi a diversidade de elenco e equipe, algo que toda a produção lidou com muita atenção desde o início do processo. Processo de pesquisa: uma etapa fundamental Manuela também dividiu um pouco sobre o universo de quem cria conteúdos com questões específicas, como investigação criminal. "Se você pesquisar o processo investigativo de homicídios no Brasil, é muito diferente daquele clichê americano que é uma dupla de policiais, etc. Tem muita gente envolvida e é mais confuso", explica. "Então [na série], temos uma pessoa aparentemente comum cometendo crimes e uma pessoa aparentemente comum investigando esses assassinatos." Para Manuela, os interesses e referências do true crime vieram com tudo na hora de discutir a narrativa na sala de roteiro. "Adorei 'Serial' e 'Praia dos Ossos', entendendo que era um recurso narrativo genial para a gente, já que é um 'voice over chique'. Outra referência muito boa que ajudou muito na estética foi 'Don't F**k with Cats: Uma Caçada Online', já que é uma caçada virtual. Temos muito da estética de tela de computador na nossa série, algo que é bem desafiador", conta. Para poder entender como deixar mais claro para quem assiste, é preciso conhecer bem a linguagem do screen life. Comece lendo nossa matéria sobre isso! O processo de pesquisa na construção de "As Seguidoras" foi extremamente importante e realizado pela pesquisadora Suzane Jardim - "uma excelente profissional que foi a fundo nas coisas", de acordo com Manuela. "Ela mapeou todas as influencers desse nicho, podcasters de true crime, informações sobre o passado que construímos pras personagens. Uma pesquisa muito completa nesse sentido, que serviu como uma bússola para a gente". Você não pode criar um projeto sem entender as especificidades daquele universo. Senão, fica uma coisa meio mundo das fadas e a série vai perdendo a verdade. - Manuela Cantuária A pesquisa sobre serial killers também foi fundamental. "Tem que entender que tipo de assassina ela é, qual o Modus Operandi, o perfil das vítimas, o gatilho, o trauma. A gente teve que construir uma personagem blogueira serial killer e entender onde se cruzava esse delírio dessa pessoa", conta ela. "Esse foi um momento muito importante da pesquisa, porque às vezes a protagonista fazia coisas que, no entendimento do roteiro, parecia não fazer muito sentido, mas que era fiel ao perfil psicológico do serial killer". Chefiando a sala de roteiro de "As Seguidoras" Essa foi a primeira experiência de Manuela como roteirista-chefe. "Achei muito interessante o processo de chefia de sala", conta. "Foi muito enriquecedor porque sempre fui uma roteirista que entrou muito de cabeça nos projetos". Quando você tem oportunidade de criar a série e também chefiar a sala, é muito mais cansativo, mas você confia no processo, nos rumos que a história está tomando. Como roteirista, você tem que se adaptar à visão do roteirista-chefe da sala mas, às vezes, a gente passa por processos em que não se identifica com os caminhos propostos e isso pode ser mais cansativo do que chefiar uma sala na qual você acredita no conteúdo. - Manuela Cantuária Além de ter sido uma sala de roteiro virtual, um dos principais desafios foi a concomitância com a pré-produção, já que o tempo desde o greenlight e a finalização de "As Seguidoras" foi de um ano. "Não é muito comum e foi a primeira vez que passei por um processo tão agilizado", divide Manuela. "Por isso, essa equipe - tanto da sala quanto da produção e pós - foi extremamente especial e comprometida com o projeto, trabalhando para entregar o melhor produto possível", finaliza. Gêneros híbridos e personagens anti heroínas: abertura e desafios Todx roteirista já teve aquele momento de construir a sua série perfeita, misturando ou não diversos gêneros, influências e tipos de personagem. Mas como o mercado enxerga isso? Manuela oferece a sua experiência: "Quando criei o projeto, eu gostei, me serviu de portfólio. Mas, como roteiristas, acabamos sendo absorvidas por convite de terceiros. Então, 4 anos depois, eu continuava trabalhando e o projeto já tinha ficado sólido", conta. O processo de 4 anos [de desenvolvimento próprio] foi importante, porque, talvez, se essa série vingasse lá atrás, eu não teria experiência nem maturidade para tocar essa sala de roteiro. - Manuela Cantuária "As Seguidoras" é uma série de dramédia, com um hibridismo de outros gêneros. "Foi desafiador'', pontua a roteirista. "É difícil levantar um projeto híbrido de gêneros, com poucas referências aqui no Brasil desse tipo de produto. Bebi muito na fonte de 'Fargo', 'Barry' e 'Killing Eve', que ficam nesse limiar de gêneros também", diz. Sobre o processo de venda, Manuela concorda que esse hibridismo é difícil de comunicar. Além disso, ela já estava ciente do desafio que seria defender esse tipo de protagonista e de saga. "Desde o primeiro momento, tentei deixar claro que o projeto não ia ter aquela sanguinolência tarantinesca", comenta. "A gente vai construindo as coisas, já que ser 'clean' tem tudo a ver com a estética da série.” Ela pontua: "Eu acho que essa série tem uma premissa matadora [risos]. Então, a série já tinha isso a favor dela e foi um processo de venda relativamente 'rápido'". Outro ponto positivo foi a relação com a Paramount+ que, de acordo com Manuela, "foi ótima". "A gente se reunia periodicamente e teve a oportunidade de afinar todas as questões e sensibilidades do projeto. Havia também a empolgação do canal com a série", afirma. Claro que, como sempre, existiram preocupações com o conteúdo de ambos os lados. "Recebemos notas, que fazem parte do processo de reescrita normal da sala de roteiro, tudo para o projeto melhorar", conta. Acho muito importante que o roteirista tenha um vínculo periódico com o canal para que todo mundo esteja sempre na mesma página e não atravancar o processo. Assim, não vem nenhuma 'surpresinha'. Quando chega a entrega, está todo mundo alinhado. - Manuela Cantuária Aqui fica claro que a comunicação é chave para que o processo flua não só dentro da sala de roteiro como fora dela - com a produtora, com o canal e até com equipe, se precisar. E o futuro para Manuela Cantuária? Ela afirma que está com mais projetos por aí, inclusive um sobre sexualidade feminina, outros que também envolvem crimes e feminismo, um podcast e muitos outros que irão conversar com o público feminino através da dramédia e da linguagem "ácida" típica da roteirista. Não deixe de apoiar nosso Catarse para ter acesso a conteúdo extra desta e de outras matérias, além de encontros periódicos, rede de networking e compartilhamento de material! #roteiro #roteirista #saladeroteiro #entrevista #ManuelaCantuária #Paramount #Portadosfundos #série

  • Como identificar uma estrutura narrativa atemporal a partir da teoria de Vladimir Propp

    A escritora e cineasta Madu Moreschi explica as 31 funções gerais contidas em 7 esferas de ações para analisar uma história atemporal para qualquer mídia, segundo os estudos do folclorista Vladimir Propp (1896-1970) Por Madu Moreschi Para entendermos melhor o que significam essas funções e esferas de ação, bem como, como elas podem ajudar a aperfeiçoar a sua obra pelo viés tanto crítico, quanto literário e audiovisual; primeiro vamos entender de onde surgiu essa teoria narrativa. Quais argumentos e ferramentas foram elaboradas por Vladimir Propp para chegar aos finalmente que culminou no livro ensaio “Morfologia do Conto” publicado pela primeira vez em 1928. Esse tendo influenciado posteriormente outros teóricos da narrativa como, por exemplo, Claude Lévi-Strauss e Roland Barthes. Vladimir Propp (1895-1970) era um homem advindo de uma classe de estudiosos, poetas, escritores e pensadores russos que desenvolveram um grupo formal de pensadores denominados “formalistas russos”. Estes se formaram com o intuito de divulgar na altura o pensamento teórico em relação ao desenvolvimento narrativo nacional, de forma mais profissional e acadêmica. Nesse sentido, Vladmir, um entusiasta do folclore russo e sua estrutura fixa, analisou por volta de cem contos clássicos para chegar a uma fórmula de contar histórias que vingasse, assim como, os contos clássicos que sobreviveram como lendas passadas de geração para geração a centenas de anos sem perder a sua essência fundamental. Pode-se apresentar neste campo uma pergunta que diz respeito aos esquemas típicos... esquemas que, transmitidos de geração em geração como fórmulas fixas, são capazes de se animarem com um novo sentido, engendrando novas formulações? A literatura narrativa contemporânea, com sua complexidade de enredos e representação fotográfica da realidade, parece descartar a possibilidade desta pergunta; mas quando ela estiver diante dos olhos das gerações futuras, numa perspectiva tão longínqua quanto para nós a Antigüidade, da Pré-história à Idade Média, quando a síntese do tempo, esse grande simplificador, tenha passado sobre a complexidade dos fenômenos, reduzindo-os ao tamanho de um ponto que se perde na imensidão, suas linhas se fundirão com aquelas que nós descobrimos agora, ao olharmos para trás contemplando aquela longínqua criação poética - e os fenômenos do esquematismo e da repetição irão se impor em toda a sua grandeza. - Trecho da conclusão de Vladimir Propp em “Morfologia do Conto” Durante a análise dos cem contos, Propp percebeu certos padrões de estrutura e personagens. De fato, nem todas as histórias possuíam todas as funções e esferas de ação as quais o folclorista desenhou como um caminho geral. No entanto, é entendido por narratologos e estudiosos modernos, que havendo metade das funções e esferas de ação, um conto que segue a teoria de Propp já pode ser considerado como parte de uma estrutura clássica, como os contos atemporais estudados. Para categorizar e entender minuciosamente a estrutura dos contos clássicos estudados, o narratologo desenvolveu uma linguagem de códigos, ou símbolos, que juntos indicam as 31 funções ou fórmula ideal. Juntas elas são representadas por: α β γ δ ξ ζ η θ A B C ↑ D E F G H I J K ↓ Pr Rs O L M N Q Ex T U W Dessa forma, o teórico poderia analisar as centenas de páginas dos contos que lia e criticamente categorizá-las de forma mais objetiva e prática de serem percebidos. O que são as funções no trabalho de Propp? A função em si, aplicada à teoria de Propp, representa a base morfológica dos contos fantásticos no geral. Nesse sentido, os contos começam pela exposição de uma situação inicial, representada pela função α, e assim por diante. Nesse sentido, as 31 funções são: α Situação Inicial - uma personagem se encontra estável/confortável; β 1. Afastamento - essa personagem afasta-se do seu local familiar, seguro; γ 2. Interdição - existe algo que a personagem não deve fazer, um aviso, ou então uma intimação, algo que deve fazer. Não cumprir pode levar a uma pena ou castigo – mas geralmente leva ao problema apresentado na história; δ 3. Transgressão - a personagem desobedece; ξ 4. Interrogação - um antagonista ou um agressor que procura encontrar meios para atacar a personagem – geralmente interrogando a própria vítima; ζ 5. Informação - a personagem informa o agressor sobre quem ela é, fornecendo-lhe assim também os meios pelos quais o antagonista procurará atacá-la. η 6. Engano - o agressor tenta enganar a vítima; θ 7. Cumplicidade - de forma inocente, a personagem deixa-se enganar pelo agressor; A 8. Dano/malfeitoria - surge o problema, o cerne da narrativa; B. 9. Mediação - o herói entra em cena para corrigir o dano; C. 10. Início da ação contrária - o herói aceita ir contra o agressor; ↑ 11. Partida - o herói sai "do seu lar" para cumprir sua missão; D 12. Função do doador - surge uma personagem atuante, na forma de doador, que ajudará o herói de alguma maneira. Para isso, o herói precisa de passar por alguma prova; E 13. Reação do herói - o herói supera a prova e é ajudado pelo doador; F 14. Recepção do objeto mágico - não é necessariamente um objeto mágico, pode ser um conselho, etc. É o prémio da prova superada; G. 15. Deslocamento - o herói dirige-se para o local do conflito; H 16. Luta/combate - o herói confronta o agressor; I 17. Marca - durante a luta, o agressor deixa uma marca no herói. ( esta marca será importante para o reconhecimento (27); J 18. Vitória - o bem vence o mal; K. 19. Reparação - o dano é corrigido; ↓ 20. Regresso - o herói regressa para casa; Pr 21. Perseguição - o herói é perseguido pelo agressor ou pelo/s seu/s ajudante/s; Rs 22. Socorro - o herói salva-se ou é salvo por alguém; O 23. Chegada incógnita - o herói regressa sem se identificar / sem ser reconhecido; L 24. Pretensões falsas - alguém se faz passar pelo herói; M 25. Tarefa difícil - o herói tem de cumprir uma prova que mostre que ele é realmente quem diz ser; N 26. Tarefa cumprida - o herói supera a prova; Q 27. Reconhecimento - o herói é identificado – por vezes, graças à marca deixada pelo agressor; Ex 28. Desmascaramento - o pretenso herói é desmascarado; T 29. Transfiguração - o herói é encoberto por uma aura que o muda fisicamente. ( não será o mesmo do início...); U 30. Punição - o agressor, seus ajudantes e/ou o pretenso herói são punidos; W 31. Casamento - o herói casa-se, geralmente com a personagem envolvida no dano, ou outro tipo de recompensa. E o que são as esferas de ação dentro das funções de Propp? As esferas de ação são movimentos iniciados especificamente por um dos tipos dos sete personagens encontrados dentro da estrutura. Isso porque para Propp as funções só ocorrem devido ao personagem, o personagem é a espera de ação que move a função. Os sete personagens ou esferas de ação são: Antagonista: 4, 5, 6, 7, 8, 16, 18, 21, 30; Doador: 12, 13, 14; Princesa: 25, 27 ,31; Auxiliar Mágico: 14, 15, 22; Mediador: 9, 25, 27, 29; Herói: todas, menos 24, (25), 28 e 30; Falso herói: 24, 25, 28, 3. Entendido as funções e as esferas de ação dentro da teoria de Vladimir Propp, assim como o que significa cada uma delas em termos de símbolo/signo; partimos agora para exemplos práticos. 1. Análise de um conto simples, de uma só sequência, cujo desenvolvimento transcorre entre os motivos do combate e da vitória (H - J) Funções encontradas no conto: α β δ A B C ↑ H − J K ↓ w Resumo: O czar e suas três filhas (situação inicial - α ). As filhas saem para passear (afastamento dos mais novos - 3 β ), demoram-se no jardim (rudimento de proibição, transgrediu - 1 δ ). Um dragão as rapta (nó da intriga - A). O czar pede ajuda (apelo - B). Três heróis partem para procurá-las (C ↑). Três combates contra o dragão e vitória (H - J), libertação das jovens (reparação do dano - K4). Regresso (↓ ). Recompensa (w3). 2. Adentrando ao mundo do cinema, nada mais propício para explorarmos a teoria de Vladimir Propp nessa altura do ano do que o clássico de terror, “Phenomena” do diretor Dario Argento de 1985 Um clássico filme dos anos oitenta, do famoso cineasta italiano Dario Argento, trata da história de uma jovem americana chamada Jennifer Corvino, que descobre possuir duas personalidades, uma enquanto está acordada e a outra enquanto passa as noites em claro devido ao seu sonambulismo. Ao ser mandada para um colégio interno feminino na Suíça, ela começa a aprender a controlar as suas habilidades, incluindo se comunicar com insetos. No entanto, um assassino misterioso começa a matar as jovens da região do colégio, tendo Jennifer como uma das testemunhas enquanto vagava sonâmbula. *Contém spoilers* Funções encontradas no filme: α β γ δ ξ ζ η θ A B C ↑ D E F J K ↓ Pr Rs M N T U W 1. Afastamento β - Jennifer parte dos Estados Unidos e chega à Suíça, num colégio. 2. Interdição γ - Frau Bruckner diz-lhe que é proibido entrar nos prédios antigos e decadentes do colégio. 3. Transgressão δ - durante um episódio de sonambulismo, Jennifer chega a uma varanda de um dos prédios proibidos do colégio. Aqui é testemunha inconsciente do brutal homicídio de uma rapariga que fugia para se esconder do assassino. 6. Engano ξ - Frau Bruckner propõe a Jennifer de passar a última noite dela na Suíça na sua mansão. 7. Cumplicidade θ - Jennifer mostra confiar na Frau Bruckner, indo também dormir na sua casa na última parte do filme. 8. Dano A - Sophie, a única amiga de Jennifer no colégio, é assassinada. 9. Mediação B - Jennifer quer descobrir mais coisas sobre a morte da amiga entregando ao professor de entomologia John MacGregor uma luva de um dos dois assassinos cheia de larvas. 10. Início da ação contrária C - Jennifer aceita indagar por um sentido de justiça para com Sophie. 11. Partida ↑ - Jennifer decide ir à procura de algum esconderijo do assassino vasculhando de autocarro uma zona de vale perto de Zurique. 12. Função do doador D - O doador é o entomólogo amigo de Jennifer. 13. Reação do herói E - Jennifer demonstra ao entomólogo a sua capacidade de comunicar telepaticamente com os bichos conseguindo perturbar aqueles que estão na casa do homem apenas com o seu estado mental preocupado por causa da morte da sua amiga. 14. Recepção do objeto mágico D - o entomólogo doa a Jennifer uma mosca muito particular capaz de individuar de longe a presença de carne humana podre, que muito provavelmente é guardada pelos assassinos, os quais são necrófilos. 15. Deslocamento G - Jennifer vai à casa de Frau Bruckner e do filho deformado e louco (o assassino principal), na qual poderá passar a noite à espera do avião que tem de apanhar no dia seguinte, sem ainda saber que os dois são os serial killers. 16. Luta F - Jennifer combate contra o filho de Frau Bruckner numa lancha, tentando fugir pelo lago ao lado da casa. 18. Victória J - chamando telepaticamente um enxame de moscas agressivas e carnívoras, Jennifer fere gravemente o filho de Frau Bruckner, que logo morre num incêndio causado pelo combustível da lancha, que começa a arder por uma cintila provocada pelo motor danificado com um golpe da lança do assassino durante a luta com a mulher. 19. Reparação K - O filho de Frau Bruckner, o principal responsável dos homicídios, já não pode causar mais danos. 20. Regresso ↓ - Jennifer nada até a praia do lago, intencionada a ir embora daquele lugar. 21. Perseguição Pr - Jennifer é perseguida, antes pelo filho de Frau Bruckner e logo por ela mesma, que a quer matar decapitando-a com uma chapa metálica para vingar a morte do filho. 22. Socorro Rs - chega Inga, a chimpanzé de estimação do entomólogo, que corta a garganta da assassina com uma navalha. 25. Tarefa difícil M - poucos segundos antes da chegada de Inga, Frau Bruckner, com tom de desafio, grita a Jennifer para chamar os bichos para a ajudar. 26. Tarefa Cumprida N - a chegada da Inga que, para além de socorrer Jennifer e vingar John, demonstra também que a rapariga é capaz de comunicar não apenas com os bichos mas também com outros animais. 29. Transfiguração T - no fim do filme, Jennifer revelou-se capaz de contactar com a telepatia também outros tipos de animais. 30. Punição U - os assassinos são mortos. 31. Casamento W - terminado este inferno, Jennifer fica com a sua única amiga ainda viva, a chimpanzé Inga. As duas abraçam-se e o filme acaba logo. 3. De modo a podermos avançar no nosso balanço, agora vamos aplicar na prática o sistema de Vladimir Propp para o cinema contemporâneo, a partir da análise do filme “Mommy” do premiado diretor canadense Xavier Dolan Escrito e dirigido pelo cineasta franco-canadense Xavier Dolan, que veio ao estrelato após seu primeiro longa “I killed my mother”, “Mommy”, 2014, traz a mesma temática o qual o cineasta gosta de abordar na maioria de seus filmes, a relação parenteral entre mãe e filho. Os personagens principais de Dolan são sempre muito explosivos e detentores de muita personalidade dúbia e bastante vulnerável. Assim acontece com Steve, um rapaz com distúrbio comportamental violento, e sua mãe, Diane Després, uma mulher viúva e desempregada, que acaba encontrando em uma vizinha com uma suposta vida perfeita uma amiga, ou para Steve, uma segunda mãe, com quem podem contar. É interessante analisarmos esse filme, pois ele possui uma estrutura um pouco mais complexa, com dois heróis. Ou um herói e um anti-herói, à medida que o filme vai se desenrolando. Portanto, a dinâmica clássica aplicada por Propp ganha mais dimensão. Nesse sentido, veremos as funções aplicadas ao filme por um ângulo de dimensões reorganizadas em termos de funções, ou seja, a ordem é modificada, mas a essência da história continua. *Contém spoilers* Funções encontradas no filme: α β γ δ ζ η θ A D ξ I E F G Pr Q Ex T M W 1- Afastamento β - Diane Després é mãe solteira de Steve, um rapaz com distúrbios de comportamento. Ela não aceita a condição do filho. 2- Interdição γ - a Sra. Després não consegue cuidar do filho em crise, mas também não quer acionar a lei S-14 e internar Steve. A assistente social Jacqueline a intima a acionar a lei. Aqui encontramos o problema apresentado na história: Diane terá que cuidar do filho sozinha. 3- Transgressão δ - Diane desobedece a intimação de Jacqueline e, mesmo sem condições, tira o filho do centro de acolhimento e leva-o para casa. 5- Informação ζ - Diana cede a informação de que não tem emprego e que ninguém a aceita por não ter formação. 6- Engano η - Steve, ao saber dessa informação diz que vai mudar e ajudá-la. 7- Cumplicidade θ - abalada, Diana cede à promessa de seu filho. 8- Dano/Malfeitoria A - Steve chega em casa com um carrinho de mercado com compras e um colar escrito “Mommy” de presente para Diana. Todos roubados. Ela o questiona. Começa uma discussão e Steve tenta enforcá-la. Para se defender, Diana o acerta com um quadro da parede. O problema permanece. 12- Função do Doador D - Kyla, a vizinha de Diana e Steve (mãe e filho), intervém na situação da briga violenta. Ela é uma mãe oposto a Diana. Faz um curativo em Steve. 4- Interrogação ξ - Diana chama Kyla para jantar em sua casa depois do incidente com Steve. Lá Diana conta sobre a dificuldade de cuidar do filho e seu transtorno de comportamento. Algo que Kyla (dupla função) mais a frente usa para atingir Steve. 17- Marca I - Diana pede para que Kyla cuide de Steve enquanto tenta uma entrevista de emprego. No papel de antagonista de Steve, Kyla, com a previa informação da situação do transtorno de Steve, tenta corrigi-lo, tendo uma atitude pior do que a dele (que a provoca com tapas na cara). Durante a luta, Steve mija-se. Fica marcado pela primeira vez. 13- Reação do herói E_- Steve (suposto herói) desculpa-se com Kyla, ambos percebem que estavam exaltados. Kyla (doadora), como professora, ajuda Steve com os deveres da escola, a arrumar a casa e a preparar uma festa surpresa para Diana. Formação de uma amizade. 14- Recepção do objeto mágico F_- Diane conhece um vizinho que se interessa por ela. Em uma reunião entre amigas, Kyla aconselha Diane a dar uma chance para um novo homem em sua vida. O objeto mágico é a amizade de Kyla e sua presença. 15- Deslocamento G - Diane recebe uma intimação em sua casa. A carta pede uma indenização para um rapaz chamado Kevin Julien que sofreu queimaduras por causa de Steve (discussão apresentada no começo do filme no centro de acolhimento), no valor de $75mil. Diane é empregada doméstica e não consegue pagar. Ela tem que escolher se aciona a lei S-14 ou se procura outra solução. 21- Perseguição Pr_- Diane(herói) sai para um encontro com o vizinho que é advogado e está interessado nela. Ela tem a pretensão de pedir sua ajuda sobre o caso da intimação judicial. Steve(antagonista) vai ao encontro junto com eles e atrapalha Diane, provocando uma discussão violenta e enciumada. 27- Reconhecimento Q_- após confrontar Diane, Steve toma uma atitude drástica como antagonista e esfaqueia-se dentro de um mercado. Diana choca-se com a quase perda do filho e percebe que está em uma situação cada vez mais complicada, a qual ela tem que tomar uma decisão. 28. Desmascaramento Ex_- Steve deixa de ser o suposto herói principal do filme, suas atitudes não concentram-se na mudança, mas no problema. 29- Transfiguração T_- Diane depara-se com a situação sem solução do filho, bem como, com seu desejo de vê-lo um adulto realizado. Desse modo, ela tem uma epifania desse desejo (uma visão) durante uma viagem que decide fazer com Steve e Kyla, onde vê o filho feliz. Lá toma uma decisão. Sua aura muda. 25- Tarefa difícil M_- Diane hesita, e com muito sofrimento cumpri a difícil tarefa de acionar a lei e internar o filho. 30- Punição W_- Steve é preso dentro do centro de acolhimento para jovens com transtornos mentais. Conclusão: há um herói e um suposto herói (personagens principais) no filme Mommy. Respectivamente, Diane e Steve Després. Os dois sofrem dilemas e conflitos. Steve é o antagonista de Diana e a atrapalha sem demonstrar querer mudança e é desmascarado. Kyla (coadjuvante), tem um papel terciário, complexo e interessante, que doa para Diana e Steve, mas combate Steve. Isso é o que torna o filme, “Mommy” genial e único. A sua marca. Para o encerramento, é interessante salientar que a narratologia também é uma ciência, e portanto, está em constante estudo e mudanças. É visível na análise do filme de Xavier Dolan, aplicada a teoria de Vladimir Propp, que a estrutura ganhou novas dimensões, mais complexas. No entanto, também é notável que a maioria de suas funções permanecem em algum momento, antes ou depois do convencional. Algumas delas não são usadas, outras são usadas em momentos diferentes. O mais importante e o que foi visto na análise é ser honesto com seus personagens, focar-se nas esferas de ação e entender que o personagem é quem decide as funções a partir da sua necessidade. Não esquecendo de entender a relação entre as esferas de ação e as funções, para que sua história não se perca e o seu significado. Trazendo ao público aquilo que realmente se quer dizer. Madu Moreschi (Maria Eduarda Rodrigues Camargo) é uma escritora e cineasta paranaense com alma carioca. Em 2019 publicou seu primeiro livro de alta fantasia entitulado "As Crônicas do Mundo Escondido - Volume I. Castelo Branco: a herança", de forma independente pela Amazon Brasil. Em 2020 participou e ganhou de um concurso de contos com temática feminista pela Editora Fora da Caixa, intitulado "A Queima dos Punhos", sobre a primeira pugilista Londrina e seu desaparecimento dos registros históricos. Também é colunista de cinema e escreve para a revista independente Perpétua. Hoje está a cursar o último ano da faculdade de cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, enquanto prepara o lançamento do meu primeiro curta metragem promocional voltado a área literária, e se prepara para terminar os estudos em cinema na Universität Hildesheim na Alemanha.

  • A autoralidade na era dos streamings, com Pedro Coutinho

    Roteirista e diretor de “Todas As Razões Para Esquecer” (2018), Pedro Coutinho fala sobre o processo de construir uma carreira autoral no cenário brasileiro atual Sabemos que a jornada de formação de um roteirista pode ser tão múltipla quanto as novas oportunidades de produção e exibição dos seus primeiros trabalhos. O que não significa que os desafios são pequenos - pelo contrário! Mesmo com um mercado aquecido graças a uma grande leva de plataformas de streaming investindo no Brasil, hoje testemunhamos uma grande queda nas produções independentes por conta da paralisação das políticas públicas voltados ao audiovisual. Assim, parece evidente apontar os dois caminhos que restaram aos talentos do audiovisual: atender às demandas das plataformas ou penar para financiar suas obras de forma completamente independente. Como desenvolver sua voz em um mercado cada vez mais concentrado nas plataformas de streaming e com raros financiamentos públicos? Para tratar desse e outros assuntos, batemos um super papo com o roteirista, diretor e crítico de cinema Pedro Coutinho. Desenvolvendo sua voz ao trabalhar temas do cotidiano, sempre com bom humor, Coutinho divide os desafios e as vitórias que surgiram no seu caminho, além de apresentar seu processo de criação e alternativas de financiamento de suas obras. Quem é Pedro Coutinho? Pedro Coutinho, carioca de 39 anos, é roteirista, diretor e crítico de cinema, se formou em Comunicação Social pela PUC-Rio e também fez Mestrado em Cinema pela Columbia University, em Nova York. Ele produz conteúdos que falam sobre o cotidiano das pessoas, com um toque de humor e situações inusitadas, que abrilhantam seu repertório. Amante do cinema desde novo, Pedro começou a desenvolver projetos no meio audiovisual quando trabalhou como estagiário de assistente de direção do longa-metragem "O Casamento de Romeu e Julieta", de Bruno Barreto, em 2004. Seu primeiro curta-metragem como diretor foi o "O Nome do Gato", em 2009. Seu primeiro longa-metragem como roteirista e diretor, “Todas As Razões Para Esquecer”, lançado em 2018, foi indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de “Melhor Comédia do Ano” e selecionado para vários festivais ao redor do mundo, incluindo São Francisco, Havana, Rio e São Paulo. Dois de seus curtas-metragens, “O Nome do Gato” (2009) e “O Jogo” (2013), foram selecionados para mais de 60 festivais e premiados em diversos países como Brasil, EUA, Inglaterra, Croácia, Espanha, Suíça, Índia, entre outros. Já a segunda temporada da série de televisão “Elmiro Miranda Show” (TBS, 2014), em que foi diretor, foi indicada ao Prêmio Monet de “Melhor Programa Humorístico por Assinatura”. Coutinho escreveu o piloto e foi headwriter da série “Eu, Ela e 1 Milhão de Seguidores”, do Multishow em 2017. Também participou como roteirista da série “Meu Passado Me Condena”, em 2014. Colaborou no roteiro do longa-metragem “O Homem Perfeito”, em 2018, e esteve nos núcleos criativos das produtoras Damasco Filmes e O2 Filmes. Também roteirizou projetos para os cineastas Bruno Barreto e José Henrique Fonseca, assim como desenvolveu séries para Fox e Globoplay. Mesmo durante a pandemia, teve a oportunidade de escrever e dirigir remotamente o curta-metragem “Call”, para o Instituto Maria da Penha, que fala sobre violência doméstica durante o isolamento e teve mais de 35 milhões de views. No decorrer desse período de isolamento, dirigiu e escreveu o episódio “Sem Saída”, da série "5x Comédia”, para a Amazon, que conta a história de um casal que vai para lados completamente opostos na forma como lidam com o primeiro mês de confinamento. Primeiros passos na carreira Com o foco em adquirir experiências e desenvolver sua própria voz autoral, Pedro Coutinho começou como estagiário de direção e, posteriormente, assumiu a função de assistente de direção em diversos filmes publicitários e projetos para o cinema. “Em 2018 eu ganhei um edital para fazer um curta. Era o meu primeiro curta, ‘O Nome do Gato’”, comenta Coutinho, deixando claro que o instinto teve um papel muito importante nessa primeira experiência cinematográfica. Para o roteirista, ganhar uma bolsa de mestrado para estudar na Columbia University (Nova York) foi “a chance de aprofundar os estudos no cinema”. “Entre 2012 e 2013 eu voltei para o Brasil e por ter uma relação já com a publicidade, voltei dirigindo filmes publicitários. Só que em paralelo eu também trabalhava como roteirista para diversos cineastas”, explica Coutinho, que entende bem os hiatos que envolvem o desenvolvimento de projetos próprios no Brasil. Cinema no Brasil tem aquela coisa: você faz projeto e nem sempre sabe quando vai acontecer. - Pedro Coutinho O primeiro longa: do micro-orçamento à Netflix Para quem sonha em desenvolver o seu próprio longa-metragem, mas acredita que as barreiras atuais de produção são grandes demais para serem superadas, Pedro Coutinho tem uma história para contar. Uma história que mostra que existem muitas oportunidades no mercado para quem deseja apresentar, na prática, a sua própria voz. Quando voltei para o Brasil, eu já tinha a vontade de dirigir um longa meu. Acabei juntando vários amigos, pegando um pouco de dinheiro, com apoio da produtora onde eu trabalhava na época com publicidade, a Paranoid. Escrevi um roteiro pensando muito em como fazer ele da maneira mais simples possível e que ao mesmo tempo fosse algo que eu me identificasse. - Pedro Coutinho “Todas as Razões para Esquecer” levou mais ou menos um ano para ser escrito. Coutinho conta que o plano de desenvolver o longa com investimento próprio e “um micro-orçamento" influenciou bastante o processo de escrita. “Foi muito bem pensado em termos de locação e produção. Usei a minha própria casa, gravamos um pouco na produtora também, tudo para que o filme pudesse ser realizado”, explica. A produção independente trilhou caminhos frutíferos. Após o lançamento no cinema, o filme teve sua estreia na Netflix, atingindo um público ainda maior. Sobre essa segunda janela de exibição, Coutinho comenta: “nunca recebi tanta mensagem!”. Protagonizado por Jhonny Massaro e Bianca Comparato, “Todas as Razões para Esquecer” é uma comédia romântica que narra a história do término do relacionamento entre Antônio e Sofia depois de 3 anos juntos. Procurando a cura desse término nas alternativas mais improváveis, Antônio transita entre momentos cômicos e agridoces, entendendo a difícil missão de seguir em frente. A gente teve a sorte de fechar o licenciamento com a Netflix antes do filme ir para o cinema. Mostramos o corte, eles gostaram e já tinha um acordo estabelecido de ir para a Netflix depois do cinema. Então teve esse retorno financeiro, o filme se pagou e ainda tivemos certo lucro. - Pedro Coutinho Coutinho destaca o papel que o seu primeiro longa exerceu em sua carreira como diretor e roteirista. “Com certeza isso me colocou em outro patamar”, inicia Coutinho, que completa: “Um patamar de chegar em outras pessoas e oferecer novos projetos. O leque abriu”. Para o autor, produzir seu primeiro longa com os recursos disponíveis no momento foi essencial. “O mercado audiovisual tem muito essa coisa de ‘será que essa pessoa consegue entregar?’. Ter um longa próprio é uma prova de que eu consigo”, comenta. A voz autoral em tempos de crise Coutinho, que se considera muito mais diretor do que roteirista, sabe dos obstáculos que encontramos no mercado audiovisual atual, ainda mais quando buscamos dirigir ideias próprias. O autor, que também coleciona experiências colaborativas em plataformas de streamings, explica um pouco melhor o novo status da nossa indústria e como ele influencia o seu processo de concepção de uma ideia nova. A gente está em um momento complexo de entender o audiovisual hoje em dia. Não existem muitos recursos públicos, a Ancine está lá estagnada. Ao mesmo tempo, a gente percebe que muitos longas estão sendo lançados pelas plataformas. A questão é que as plataformas, tirando uma exceção ou outra, ditam exatamente o que elas querem. Tem que ser aquele tipo de filme, aquele tipo de formato, daquele gênero. Isso acaba limitando os estilos de filmes que vemos no mercado hoje. - Pedro Coutinho Apesar disso, o autor deixa claro que o mercado audiovisual brasileiro está bem aquecido, principalmente para aqueles que se dispõe a adquirir experiência trabalhar coletivamente em projetos que estão em desenvolvimento. “Diversas séries estão rolando, as pessoas que trabalham no mercado estão trabalhando. Nossa indústria continua operacional. A indústria continua”, completa, com um tom otimista. Entre o congelamento de recursos e uma pandemia global, muitas são as oportunidades de surtar, ainda mais se você é um roteirista independente tentando desenvolver seus projetos no Brasil de hoje. Como todo esse cenário influencia o processo criativo? Coutinho explica que se sentiu muito ansioso durante a pandemia, considerando desenvolver um projeto enxuto para produzir com recursos reduzidos, recriando a experiência do filme “Todas as Razões para Esquecer”. Por outro lado, Coutinho afirma que está desenvolvendo dois projetos ficcionais inéditos mais ambiciosos que o seu primeiro longa. Um deles foi selecionado para o Script Revision Lab do Cine Qua Non Lab (México), onde ele pode entender o seu roteiro através de novos olhares. Quando você escreve um roteiro e coloca ele na roda, você está se expondo. Ao mesmo tempo em que você está se expondo, você tem que entender bem o foco da história que você quer contar. Ter a certeza do tipo de história, do tipo de tema que você quer trabalhar, até para você direcionar as pessoas quando elas estiverem lendo, para que elas também possam direcionar seus comentários nesse sentido. Às vezes a gente pensa que está no controle e às vezes a narrativa vai para um outro lugar, ainda mais quando você tem uma liberdade total. - Pedro Coutinho Criação, processos e autoconhecimento “Essa minha busca por uma certa linguagem autoral é um processo em amadurecimento que está em constante transformação”, comenta Coutinho, afirmando que sua prioridade sempre será “contar boas histórias que se sustentem do começo ao fim, com personagens que sejam interessantes e engajem a audiência”. Ciente de que o mundo também passa por uma constante evolução, há novos temas, novas pautas a serem discutidas. O desafio, aqui, é aproximar esses novos temas do estilo que Coutinho vem desenvolvendo durante sua carreira. Hoje em dia, quando eu vou contar uma história com liberdade, uma história minha, já vem embutido uma coisa própria. Um tipo de humor, que bate com a ironia, com o sarcasmo, mas que ao mesmo tempo traz um drama inserido. - Pedro Coutinho Aqui é importante destacar um ponto: o desenvolvimento da sua voz. “A gente adora ficar se comparando - ‘vou fazer uma coisa meio Tarantino’. Gente, Tarantino é o Tarantino. Entender o seu perfil é um processo de autoconhecimento”, Coutinho comenta. “Hoje em dia eu tenho consciência dos meus limites e eu sei o que eu posso agregar no roteiro, no que eu sou bom, no que eu preciso melhorar”, explica Coutinho. Como autores-roteiristas em um mercado inquieto, em constante transformação, não podemos perder o foco no desenvolvimento da nossa voz e em maneiras criativas de viabilizar os projetos pessoais. #roteirista #autor #PedroCoutinho #Netflix #diretor

  • Encontrando sua voz no mercado audiovisual, com Teodoro Poppovic

    Com projetos como “Comédia MTV”, “Segredos de Justiça” e “Ninguém tá Olhando” em sua carreira, o roteirista e diretor Teodoro Poppovic fala sobre a difícil arte de desenvolver uma voz própria no mercado audiovisual = A vontade de se tornar roteirista normalmente nasce a partir de um sonho. É no encantamento diante de cenas emblemáticas do cinema e televisão que concluímos: “é isso que eu quero fazer da minha vida”. Dificilmente encontramos roteiristas por aí que soltam frases como: “minha decisão foi pragmática, queria ganhar dinheiro”. Sendo assim, é fácil compreender o choque que encontramos no nosso trajeto no mercado audiovisual. O choque entre a “decisão do coração” e o “planejamento de uma carreira sólida”. Para quem se formou em Cinema nas universidades, esse choque pode ser ainda mais forte, dependendo das portas que se abrirão. Afinal, com exceção de alguns cursos técnicos que assumem premissas diferentes, a faculdade de Cinema sempre foi um espaço de formação de artistas com voz autoral e visão própria da sua arte. O que acontece quando esse ou essa artista encontra todos os desafios de um mercado centralizado por plataformas de streaming e com pouco fomento ao cinema independente? É preciso desistir da sua veia artística e se camuflar no estilo vigente de desenvolvimento? Há um meio termo? É sobre isso tudo e muito mais que conversamos com o roteirista e diretor Teodoro Poppovic, que iniciou sua carreira na MTV e hoje é criador e showrunner de projetos próprios em grandes streamings. Poppovic deixa claro: “eu me vejo como roteirista, mas cada vez menos como roteirista que consegue trabalhar em qualquer projeto”. Segundo o roteirista, com o tempo Poppovic adquiriu a consciência de que gostar de cinema de arte não o afasta do comercial. Pelo contrário, é possível se beneficiar de ambos os lados dessa equação. Confira! Quem é Teodoro Poppovic? Teodoro é roteirista e diretor formado em cinema, iniciando sua carreira na MTV Brasil. Foi um dos redatores responsáveis pelos programas de humor da emissora, como o "Comédia MTV" e o "15 Minutos", ganhadores do prêmio APCA. Com Cao Hamburger fez o programa "No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais" e criou mais três séries: "Família Imperial", "Pedro e Bianca" e "Que Monstro te Mordeu?". Por esses projetos ganhou prêmios internacionais como o Prix Jeunesse e o Emmy. Em 2017, estreou seu primeiro longa, "Transtornada Obsessiva Compulsiva", dirigido em parceria com Paulo Caruso. O filme foi exibido em festivais como SXSW, PÖFF Tallinn e o Transilvânia Film Festival. Como roteirista, Teodoro já trabalhou com a O2 Filmes, RT Features, Gaumont, Boutique, Gullane, Conspiração e co-criou e escreveu as séries "Destino SP/RJ" (HBO), "Segredos de Justiça" (Globo) e "Ninguém Tá Olhando" (Netflix), série vencedora do Emmy Internacional em 2020. Em 2019, lançou sua série "Feras" (MTV/Globoplay) como diretor geral e roteirista. Eu não acho que seja um roteirista que consegue fazer tudo da forma que já está encomendada previamente. Eu preciso colocar um tanto da minha personalidade nos projetos para que eles funcionem. - Teodoro Poppovic Poppovic conta que ao sair da faculdade, rapidamente se tornou “a pessoa que desenvolvia as ideias de outras pessoas”. Assim, entre seus objetivos próprios e muita colaboração, iniciava sua carreira no audiovisual. O espaço do autor na produção comercial Depois de se formar na universidade, Poppovic encontrou suas primeiras oportunidades na MTV, um espaço de formação e experimentação para muitos jovens talentos da época. Na época eu tinha bem claro na minha cabeça a diferença entre o que era cinema comercial e o que era cinema autoral. E eu achava que tinha que fazer um cinema tarkoviskyano, denso... Por outro lado, eu já trabalhava na MTV Brasil, editando os clipes do Cine MTV. Eu me divertia muito trabalhando lá. Eu fazia meus próprios textos, fazia narrações às vezes, botava o meu humor. Mas na faculdade eu era um cara meio arrogante e achava que tinha que fazer um cinema sem concessões. Eu esquecia que eu também era um comunicador profissionalmente e pensava que tinha de inventar a própria linguagem. - Teodoro Poppovic Segundo Poppovic, demorou um tempo ainda para ele entender que havia espaço para sua autoralidade, mesmo nas produções comerciais. Sua voz se desenvolveu principalmente para o lado do humor, característica forte em seus projetos. “Sempre vi o mundo através do humor. O humor sempre foi uma espécie de refúgio onde eu conseguia quebrar essa quarta parede ou criar um certo alívio da tensão”, comenta Poppovic, que traz o filme “Parasita” como um bom exemplo de obra que transita muito bem entre o suspense de tirar o fôlego e os alívios cômicos de arrancar risadas. O papel da MTV na formação de Poppovic “A MTV tinha essa liberdade onde você podia escrever e produzir suas próprias coisas e você ia de estagiário a produtor muito rápido. Existia um senso de solidariedade. Muita gente legal passou por lá e existia a chance de fazer suas próprias coisas, com esse espírito do Hermes e Renato”, contextualiza o roteirista, explicando que a própria MTV tinha “duas faces”. De um lado, existia a MTV dos acústicos muito bem produzidos. Do outro, a MTV das pequenas produções e apostas experimentais, como o caso do “Hermes e Renato”. De repente eu tive a chance de fazer o ‘Então Tá, Vamos Falar de Música’, um programa onde eu assumia a direção, a locução e ainda fazia as entrevistas. Esse programa trouxe uma identidade muito minha, com uma pegada de almanaque digital. - Teodoro Poppovic O “Então Tá, Vamos Falar de Música”, como o próprio Poppovic descreve, era uma espécie de "Wikipédia" sobre os diversos gêneros musicais. Um verdadeiro almanaque, mesclando informação com entrevistas e, é claro, trechos icônicos de videoclipes. Teodoro destaca a importância do programa na sua carreira como diretor, já fora da MTV: “Eu entendi que ali existia um traço da minha personalidade. Eu estava falando de música e fazendo um pouco o que o Donald Glover chama de Cavalo de Tróia: vendendo um projeto a partir de uma demanda, mas fazendo do meu jeito”, explica. A liberdade e o espaço que encontrou na MTV exerceu um papel muito importante na carreira de Poppovic, que, além de assumir o “Então Tá, Vamos Falar de Música”, também trabalhou em programas de sucesso como “15 Minutos” e “Comédia MTV”, onde iniciou sua parceria com talentos como Marcelo Adnet e Tatá Werneck. Onde o autoral encontra o comercial Depois da MTV, Teodoro Poppovic ressalta a importância que duas grandes produtoras brasileiras exerceram em sua carreira: a O2 e a Primo Filmes. Entre os projetos realizados na O2, está a série “Destino São Paulo” (HBO), criada em parceria com Fábio Mendonça. Junto da Primo Filmes e o Cao Hamburger, Poppovic desenvolveu a série “No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais” (Futura), onde ele assinou o roteiro e a direção com Paulinho Caruso, mas também a narração - como fazia em “Então Tá, Vamos Falar de Música”. Eduardo Coutinho, Fernando Meirelles, Esmir Filho e Zé do Caixão foram alguns dos nomes entrevistados para a série, entre entrevistas e esquetes de humor que exploravam as múltiplas possibilidades do audiovisual. Como resultado da sua carreira até então, Poppovic afirma que “percebeu que era inegável a ligação entre seu trabalho e o humor”. “Apesar de ter aquela minha versão da faculdade ainda, daquele cara que só queria ser levado a sério… Achava que se eu fosse fazer uma comédia, não seria um trabalho autoral. Era uma visão ultrapassada”, resume Poppovic. Eu achava que no Brasil existia um estigma sobre fazer comédia. Até pode existir, mas o estigma tá muito mais na nossa cabeça, na maneira que a gente se percebe. Você tem que fazer o que gosta de fazer. - Teodoro Poppovic Em seu primeiro longa-metragem, "Transtornada Obsessiva Compulsiva", outra parceria com o diretor Paulo Caruso, o objetivo, segundo Poppovic, era “fazer público e entregar algo de autoral ao mesmo tempo”. Protagonizado por Tatá Werneck, o filme conta a história de Kika, uma atriz de novelas e campanhas publicitárias que vive o auge da sua carreira. Mesmo assim, por trás das câmeras, ainda precisa lidar com crises pessoais, profissionais e todas as limitações que envolvem o seu transtorno obsessivo compulsivo. Sempre estive nesse lugar de já ter alguma experiência, mas também ter uma vontade de inovação. Em fazer coisas que não caíssem em uma repetição. - Teodoro Poppovic Na busca por conciliar o autoral com o comercial, Poppovic conta que já recusou propostas de canais que ofereciam estabilidade financeira para se dedicar a projetos pessoais. Esse foi o caso de “Feras”, série que criou junto com Felipe Sant'Angelo para a MTV graças a políticas públicas, uma coprodução com o Fundo Setorial do Audiovisual. Considerado o seu “projeto mais autoral construído por muitas vozes”, “Feras”, produzida pela Primo Filmes, apresenta os desafios dos relacionamentos modernos pela ótica de Ciro, um rapaz que acaba de se tornar solteiro novamente e tenta navegar nesse novo mundo guiado pelo olhar parcial e duvidoso dos seus amigos. Sobre sua experiência em “Feras”, Poppovic afirma: “eu acreditava que existia um grande espaço para fazer TV autoral no Brasil - e acho que talvez ainda exista”. Apesar desse espaço, o roteirista deixa claro que “retrocedemos como indústria em oportunidades com o desgaste das políticas públicas e o desmonte da Ancine”. Existe esse espaço autoral na TV, mas o cinema ainda é o fundamental nesse sentido. O espaço de experimentação, de fazer essa comunhão com o seu projeto de fato, sem ter pressão das diretrizes de canal, é no cinema. - Teodoro Poppovic Desenvolvendo a própria voz no mercado de séries “O melhor para o filme é o melhor para o filme. Na série, o melhor para a série passa por muitas pessoas, por muitas coisas. Não é só a sua obra audiovisual, envolve toda uma lógica de mercado. Você não é autor, você é uma peça da engrenagem que pode até mesmo ser trocada de temporada em temporada”, explica Poppovic, que aponta na “imperfeição do cinema” uma grande qualidade do formato. Na TV, segundo ele, é preciso amarrar muito mais as tramas. Para mim, o roteiro é o lugar onde o autor melhor se comunica. Quando você passa a dirigir, passa a envolver mais dinheiro - ou algum dinheiro - e as coisas mudam. - Teodoro Poppovic Para Poppovic, o mercado audiovisual brasileiro vem se expandindo, mesmo com algumas limitações recentes, mas “existem novas regras”. “É mais difícil se colocar. Se a gente quer um trabalho para pagar as contas, ou se a gente quer um trabalho mais autoral, que vai levar mais tempo para se desenvolver”, explica Poppovic, deixando claro que o pensamento estratégico faz parte da vida do roteirista. Parte do nosso trabalho, hoje, é produzir a própria carreira. Sobre esses espaços para novas vozes, o roteirista deixa claro que existem, sim, iniciativas de inclusão vindas de canais e plataformas. “Mas isso não pode vir só dos canais privados. Os autores, as autoras hoje em dia tem uma percepção muito grande de si e do mundo, das suas prioridades, faltas, nortes autorais”, esclarece Poppovic. O roteirista que produz Quando nossas ambições artísticas não coincidem com as demandas do mercado, a resposta muitas vezes é assumir o papel de roteirista-produtor. Poppovic afirma que sempre tenta entrar como produtor das suas próprias obras. “Eu tenho projetos que faço por demanda, para garantir o sustento, mas também projetos onde a zona de risco é maior, que desenvolvo por conta própria ou com parceiros criativos”, resume. Como produtor da minha própria ideia, quando a gente vai apresentar para um certo canal, a gente já tem algum poder de entrada. Já tem uma outra interlocução. Mas para ter isso, você precisa ter alguma independência financeira. - Teodoro Poppovic O que não dá é para ficar parado, mesmo diante de um cenário tão desafiador. Poppovic aconselha que os artistas independentes sigam buscando formas de produzir suas ideias, seja por crowdfunding, editais regionais, parcerias, etc. “É importantíssimo que você conheça a obra de alguém através de uma obra audiovisual filmada. A conversa é um ótimo jeito de conhecer alguém, mas quando eu vou ver o curta de uma pessoa, a experiência é inegavelmente potente”, conta Poppovic. Talvez você encontre dificuldades em produzir aquele seu longa-metragem complexo, que exigiria 1, 2, 3 milhões ou mais. A resposta não pode ser “deixar de produzir”. Como classe, precisamos resistir, seguir forçando o nosso olhar, mesmo que seja através de uma cena, de um curta-metragem de 5 ou 10 minutos. Se você busca desenvolver sua voz ou mesmo encontrar um espaço na engrenagem da indústria audiovisual, é muito importante procurar plataformas para aprimorar sua arte. Ou seja, “mostrar a sua cara”. #audiovisual #roteiro #roteirista #MTV #Netflix

  • "As criações de Aaron Sorkin", no podcast Estúdio SEA

    Ouça a conversa de Guilherme Soares Zanella com o Estúdio SEA sobre as inspirações e narrativas do roteirista e diretor norte-americano Aaron Sorkin Um dos roteiristas mais famosos e respeitados, Aaron Sorkin virou sinônimo de bons diálogos, ótimas biopics e personagens intrigantes. Séries como "The West Wing" e "The Newsroom", assim como filmes como "A Rede Social" e "O Homem que Mudou o Jogo" mostram as grandes habilidades de Sorkin em contar histórias. Na direção, ele surpreende com sua habilidade de condução em "A Grande Jogada" e "Os 7 de Chicago", sempre retratando pessoas reais com objetivos extremamente narrativos. No episódio #6 do Podcast Estúdio SEA, Gui de Lucca fala com o roteirista Guilherme Soares Zanella, co-criador do Writer’s Room 51, trazendo reflexões e insights para quem escreve, dirige, produz ou curte os bastidores do processo de criação dos filmes. Confira! Ouça no Spotify Ouça no Apple Podcasts #roteiro #autor #AaronSorkin #diretor #direção #podcast #entrevista

  • Descobrindo talentos, com Laura Fazoli

    Laura Fazoli, do Departamento de Aquisição e Desenvolvimento de Talentos Criativos da Globo, divide suas experiências e dá dicas para roteiristas iniciantes Além de maior rede de mídia do Brasil, a Globo sempre foi conhecida como o “lugar do autor”. Isso significa que, de modo geral, entende-se o valor de um bom texto e por isso o investimento em buscar novos talentos pelo Brasil é bem forte. Uma dessas pessoas que dedica sua carreira a conectar talentos a projetos da casa é Laura Fazoli. Acostumada a rodar o Brasil participando de eventos e festivais diversos, Fazoli dividiu um pouco da sua história, dicas para roteiristas e como seu trabalho vem se adaptando em tempos de pandemia. Quem é Laura Fazoli? “Isso eu falo pra todo mundo que tá querendo entrar no audiovisual: apareceu uma oportunidade de trabalho voluntário em uma mostra? Vai! Você vai ter moeda de troca, vai poder marcar um café, vai conversar com profissionais incríveis”, aconselha Fazoli. Segundo Fazoli, sua chegada na Globo é um resultado disso tudo. Fazoli mantém ativo o acompanhamento de novas produções audiovisuais, atuando como jurada de alguns festivais para fomento como os da SPCine e o próprio Emmy (Sir Peter Ustinov), onde também já foi jurada da categoria Novelas Internacionais. Com todo esse backstory e tendo iniciado nas artes aos 10 anos, quando começou a fazer teatro, faz todo o sentido que Laura Fazoli, hoje, desempenhe essa importante missão de encontrar talentos. “Essa porta do mercado sempre esteve um pouco aberta, mas o que temos de diferente hoje é que a gente não fica mais esperando uma demanda para chamar uma pessoa”, revela Fazoli, acendendo aquela chama de esperança nos nossos corações de roteirista. Antes de sair enviando CV e marcando reunião, que tal pegar algumas dicas que a própria Fazoli divide para quem sonha em trabalhar no audiovisual? A difícil arte de se apresentar (principalmente para iniciantes) “Eu gosto muito de trocar ideia”, começa Fazoli, que não perde tempo em deixar claro que o seu negócio é compreender a pessoa como um todo. Quem espera que a reunião com a Laura Fazoli funcione quase como um grande questionário sobre carreira e a Globo, pode mudar logo essa impressão. “O que um roteirista faz? Ele conta histórias. O que diferencia alguém que não tem nada feito, que eu não posso provar a capacidade na prática é a pessoa ser no mínimo curiosa, criativa, com bons insights” - Laura Fazoli Fazoli destaca que não precisa ser "tagarela'', mas é interessante ter repertório. O que isso significa? Se você tem pouca ou quase nenhuma experiência na área, é preciso entender, antes de mais nada, quais são as suas referências, tanto na arte quanto na vida. Quem é você, afinal? Pode parecer quase um processo psicanalítico, mas são informações vitais para certos matchs com projetos da casa. Afinal, se parte da sua história é ser uma mãe solo com dois filhos, faria todo sentido Fazoli te indicar para uma sala de roteiro que necessite dessa vivência. “Isso de ser interessante não tá ligado a quantos cursos de roteiro você faz. Uma curiosidade que seja cinéfila, literária, por exemplo. É preciso ter uma sintonia com a realidade, a pessoa não pode ser completamente alienada. Brasilidades, pluralidades, jeito de falar que não estamos tão acostumados - eu costumo reparar muito nisso”, resume Fazoli. Outro ponto que surgiu bastante durante a conversa com Laura Fazoli é a questão de buscar “a universalidade no particular”, citando uma convicção trazida pelo escritor russo Leon Tolstói. Segundo Fazoli, é falando do seu quintal que você conversa com o mundo. Isso mostra o quão interessante é abraçar suas vivências, suas origens, sua própria voz, se desenvolvendo como roteirista a partir destes pontos. Cuidado com o genérico: pessoas contratam pessoas. Em um mundo onde formamos cada vez mais profissionais experts na técnica, o que vai realmente diferenciar você? Onde estão os talentos? Como a própria Laura Fazoli comenta, hoje ela e seus colegas da área não precisam de uma demanda específica para procurar novos talentos. Pelo contrário. “A gente vai lançando uma luz e encontrando novas pessoas. Mas quando eu vou buscar talentos, eu já tenho que ter feito um mapeamento, caso contrário não fica legítimo. Tenho que estar com esse radar ligado, assim como meu parceiro de trabalho William Hinestrosa”, comenta Fazoli. Compreendendo sua função como “a construção de uma cartografia artística”, Fazoli sabe que não se pode depender de apenas uma frente quando queremos justamente uma pluralidade de vozes. Que lugares estão no seu radar, afinal? “Primeiramente festivais de cinema. De todos os tamanhos!”, comenta Fazoli, destacando o Festival Internacional de Cinema de Gramado, o Festival do Rio, a Mostra de Cinema de São Paulo, a Mostra de Cinema de Tiradentes, o Kinoforum, o É Tudo Verdade, entre tantos outros. Apesar de ter as grandes mostras e festivais em seu radar, Fazoli destaca a importância de fomentos como a Lei Aldir Blanc para o surgimento de novas plataformas de exibição. “Com a pandemia, diversos pequenos festivais surgiram. Isso foi bom para assistirmos filmes que talvez a gente não fosse conhecer”, destaca. Além dos festivais, Fazoli comenta que, em tempos “normais”, exposições, teatro e eventos de literatura também faziam parte da sua rotina profissional, mas com um adendo: para quem vem da literatura, é sempre bom buscar um desenvolvimento específico para a narrativa do roteiro. E a faculdade? Formamos diversos profissionais ano após ano - pessoas qualificadas que, segundo a própria Fazoli, “vêm com uma pegada mais técnica”. “A faculdade não é um celeiro ruim, mas nem sempre é na faculdade que você vai descobrir o novo [José Luiz] Villamarim”, completa Fazoli, destacando a importância de procurar talentos dentro e fora das faculdades, pois muita gente encontra seu caminho no audiovisual de forma paralela. Laura Fazoli sabe muito bem como a vida pode nos levar a múltiplas formações e experiências. Atriz desde os 10 anos de idade, Fazoli comenta que nunca se sentiu boa o suficiente para o ofício, mas sabia que gostaria de continuar no “ambiente artístico”. Nesse meio tempo, já atuou no teatro, operou som, trabalhou em bilheteria e em diversas produções de peças, até encontrar definitivamente o seu rumo. Formada em Administração, logo Fazoli compreendeu que sua expertise organizacional cairia muito bem no meio audiovisual. Afinal, é preciso “produzir” as ideias. Graças a essa base e também a sua própria cinefilia, Fazoli dedicou-se por muito tempo a trabalhar em mostras e festivais pelo Brasil, onde aproveitou para assistir a diversos filmes e formar uma sólida base de contatos no audiovisual. Nada disso foi por acaso - tudo isso faz sentido na sua carreira. A vitrine audiovisual em tempos de pandemia Festivais, exposições, mostras, teatro… Hoje, em 2021, parece um sonho distante, antigo, que ficou no passado ou para um futuro (próximo, esperamos). Em tempos de pandemia, como se colocar no mercado? Ainda mais se você está no início de carreira! A jornada de Laura Fazoli não parou: “durante a pandemia passei a ficar ainda mais de olho nas redes sociais, principalmente Instagram. Comecei a mapear muita gente a partir do Instagram”. O que significa isso? Número de seguidores? Fotos bombadas? Altas hashtags? Nada disso (embora exista um valor, sim, na construção de um bom público online). O lance é a criatividade. Fazoli explica o que observa nas redes sociais: “Tem um pessoal incrível que a gente descobre em lives do Instagram: jornalistas fazendo talk show, por exemplo, criadores de novas narrativas”, responde. Para mostrar o que entende como “ser criativo nas redes sociais”, Fazoli dá como exemplo a conta do Instagram @eva.stories. Através de posts e stories, acompanhamos, como se fossem compartilhadas em tempo real, as memórias da personagem Eva, uma menina judia vivendo durante a Segunda Guerra Mundial. Com os recursos que você tem, como você pode apresentar-se ao mercado e continuar se desenvolvendo como roteirista? Se Laura Fazoli trabalha buscando talentos, é preciso entender que parte desse trabalho é responsabilidade sua! O que significa isso? “Apareça, faça os seus roteiros, os seus formatos, as suas ideias, jogue as ideias no mercado, bata na porta de produtora”, aconselha Fazoli. O que você tem aí? Um celular, acesso a internet e alguns amigos? O que te impede de construir a sua versão de um @eva.stories. O que te impede de fazer o seu talk show, com a liberdade de colocar a sua visão e vivência nesse formato? Prefere desenvolver seus roteiros, mas não está tão disposto assim para produzir as ideias? Existem outros caminhos. “Faça seus roteiros, mas saiba que se você tiver passado por algum laboratório de roteiro, por exemplo, seu nome já circula.” - Laura Fazoli São muitos os roteiros, projetos, argumentos, sinopses, o que for, que circulam por aí. Cada festival, cada laboratório de desenvolvimento que seleciona o seu projeto, é um carimbo a mais, além de manter o seu nome circulando pelo mercado. “Quando existia o PRODAV de desenvolvimento pelo Fundo Setorial do Audiovisual, já era uma chancela. Significava que aquele talento era minimamente interessante, afinal esteve em uma sala de roteiro trabalhando”, responde Fazoli. Mesmo sem esse incentivo do Fundo Setorial, temos laboratórios de desenvolvimento espalhados pelo Brasil e o mundo. Para quem não dispõe de recursos para viajar internacionalmente e participar destes eventos, é sempre bom ficar de olho em bolsas de estudos. O que entendemos com tudo isso? Que roteirista nenhum se desenvolve sozinho, trancado no seu canto. É preciso trabalhar seu estilo e sua “marca” no mercado. Você está começando e sente que não tem muito a oferecer para recrutadores como a Laura Fazoli? Saiba que trocar uma boa ideia, apresentar repertório e estar disposto a continuar se desenvolvendo profissionalmente já é um belo de um passo. #Globo #roteiro #roteiristas #desenvolvimento

  • A personagem através do diálogo: a ação verbal em “O Lobo Atrás da Porta”

    Lucas Andries e Kethleen Formigon analisam a construção das personagens principais através de sua expressão verbal Este artigo foi originalmente publicado no livro "Roteiro X: The X Script" (2020) - DAVINO, Glaucia e BELLICIERI, Fernanda (orgs). A partir do lançamento e do sucesso de público do “talkie” “O Cantor de Jazz” (1927), o cinema passou a também compreender dentro de sua banda sonora o diálogo falado. Tal fato não só alterou a maneira como os filmes eram consumidos, como modificou também o processo de produção cinematográfica como um todo. Nada podia fazer barulho dentro do set: o diretor não podia dirigir como dirigia, falando durante as gravações; equipamentos de luz barulhentos tiveram de ser repensados; atores e atrizes cujas vozes eram consideradas como ruins estavam fora; até a câmera teve de ser colocada dentro de uma “caixa” – ou blimp – para não atrapalhar. O processo de se pensar um roteiro de ficção para o cinema não ficou para trás e teve que ser alterado – ele teria de contar agora com a comunicação verbal por meio da linguagem oral. Havia, então, a possibilidade de as histórias serem agora contadas, ditas. Com o tempo e com a evolução das narrativas, o diálogo tornou-se um dos muitos meios de se fazer progredir a história e de aprofundar seu desenvolvimento. Como afirma Robert McKee, o diálogo pode ser – em um nível superficial – dividido em texto e subtexto. O texto corresponde ao que é de fato dito, ao passo que o subtexto é o que há por baixo dessa superfície. Essa camada mais profunda de informação proporciona um melhor desenvolvimento das personagens, a maior nitidez desses seres ficcionais para o espectador e, consequentemente, um maior nível de empatia é estabelecido entre personagem e público. O diálogo ganha, desse modo, meios de se tornar um campo de prática e estudo quase à parte dentro da roteirização de ficção para produtos audiovisuais. Busca-se com este artigo perceber como se dá a construção desses seres ficcionais a partir de sua expressão verbal, de sua ação verbal. Entender, ademais, como o diálogo é utilizado com fins não apenas expositivos, mas também de desenvolvimento – dentro e fora da estrutura fílmica – de personagem. Para isso, o longa- -metragem brasileiro “O Lobo Atrás da Porta” (2013), de Fernando Coimbra, foi escolhido para análise, uma vez que toda sua narrativa é baseada na elucubração das personagens e na tentativa do público em compreender o porquê de as protagonistas tomarem as atitudes que tomam. O filme, além disso, faz parte de uma nova e importante fase do cinema nacional. *As imagens do roteiro presentes no artigo são transcrições do filme, já que o roteiro não foi disponibilizado ao público. O filme e as personagens “O Lobo Atrás da Porta” (2013), longa-metragem escrito e dirigido por Fernando Coimbra, narra a história de dois amantes, Bernardo e Rosa. Quando Clarinha, a filha de Bernardo com sua esposa – Sylvia –, é sequestrada da escola em que estuda, uma investigação é iniciada pela polícia. Assim, Bernardo, Sylvia e Rosa são interrogados pelo Delegado. Os depoimentos dos três passam, então, a tecer a trama de amor passional dos amantes. Descobre-se, através de flashbacks, toda a trama anterior: Bernardo, descontente com seu casamento, conhece Rosa e eles começam a “namorar”. Rosa não fazia ideia de que o homem era casado. O relacionamento começa a durar e Bernardo tenta equilibrar as duas mulheres, mantendo-as sem que uma tenha conhecimento da outra. Rosa, apaixonada, decide fazer uma visita a Bernardo em seu trabalho. Não o encontra lá, então pede informação a um trabalhador – ele afirma que Bernardo estava fora, com a mulher e com a filha. O universo de Rosa vira de ponta cabeça em um instante: há um segundo, ela estava ficando com Bernardo; agora, ela era amante. Ela confronta Bernardo, que se esquiva, prometendo que não mentirá mais dessa maneira e pedindo para mesmo assim continuarem juntos. Ela assente, mesmo sem gostar, e aceita permanecer como amante. Por enquanto. A partir de então, Rosa tenta se aproximar da família de Bernardo, Sylvia e Clarinha – fingindo ser Sílvia, com “i”. Quando o homem descobre que isto estava a acontecer, confronta Rosa. Ele age violentamente, ameaçando – inclusive – a estuprá-la. Bernardo não o faz, mas se afasta dela. Depois de algum tempo, Rosa descobre que está grávida dele, que não aceita a situação. Briga com Rosa e comenta que ela teria que abortar se isso fosse mesmo verdade (e não uma loucura motivada pelo ciúme). Rosa decide que terá o bebê, Bernardo querendo ou não, assumindo ou não. Ao saber disso, Bernardo dirige até a casa da amante, convidando-a a acompanhá-lo a um médico, alegando que queria apenas checar se estava tudo certo com a criança; ele promete não a machucar, ele não mentiria para ela. Aquilo era para o bem do filho dos dois. Ela aceita. Era, porém, mentira. Em conluio com Bernardo, o médico dopa Rosa e aborta o bebê. Quando volta para casa, Rosa está destruída, até as bases. Como vingança, Rosa sequestra Clarinha – a filha de Bernardo e Sylvia –, utilizando sua proximidade com a menina para tal. Usando um revólver, Rosa atira na menina e, horas depois, é presa. O filme acaba aí. É importante para a análise que se segue que tenhamos em mente dois aspectos: O primeiro deles é o apresentado por Anatol Rosenfeld (2009). O estudioso distingue as personagens, seres ficcionais, das pessoas, seres reais. Tal distinção se daria, consoante o autor, uma vez que o meio é limitado. Ou seja, as personagens são limitadas pela oração (no caso do cinema, pela imagem e pelo som – cujas construções e potenciações são finitas), ao passo que os seres reais não são restringidos pela vida, que conta com possibilidades surpreendentes e sem conta. A personagem é ainda delimitada por ser recorte de situações – que provêm da vida – determinadas pelo intelecto finito de um escritor. Desse modo – e com as informações expositivas sobre os seres ficcionais estrategicamente posicionadas na estrutura do roteiro –, a personagem torna-se muito mais coerente (e, consequentemente, mais nítida) ao espectador – ainda mais quando comparada a qualquer outro ser real (ROSENFELD, 2009). O segundo aspecto diz respeito à distinção entre a Personagem e sua Caracterização, abordada por Robert McKee (2006). Segundo ele, a Caracterização pode ser definida como “a soma de todas as qualidades observáveis de um ser humano, tudo o que pode ser descoberto através de um escrutínio cuidadoso” (MCKEE, 2006, p.105). De forma geral, tudo aquilo que forma externamente o ser ficcional: gênero, sexualidade, aparência física, sotaque, em qual casa optou viver, qual carro escolheu para dirigir, qual trabalho tomou para si, sua personalidade, história pregressa, entre outros. Basicamente, “todos os aspectos da humanidade que podem ser conhecidos quando tomamos nota sobre alguém todo dia” (MCKEE, 2006, p.105). Já a Personagem é o que está “sob a superfície da caracterização” (MCKEE, 2006, p.106) – quem esta “pessoa” realmente é. Ela é gentil ou manipuladora? Sincera ou mentirosa? Leal ou traiçoeira? Para o autor, a Personagem só submerge de fato quando é forçada a tomar uma atitude ou decisão – sob pressão – a fim de atingir sua necessidade dramática, seu objetivo. A pressão é importante. Decisões sem risco pouco significam. Assim, quanto maior for a pressão, maior também será o conhecimento que o público ganhará acerca da verdadeira face da personagem – e ela se tornará, consequentemente, mais autêntica, mais coerente em relação a si mesma (MCKEE, 2006). Com estes dois conceitos em mente (e com a visão “privilegiada”, mais nítida, sobre as personagens), podemos nos aprofundar um pouco mais nos seres ficcionais que permeiam “O Lobo Atrás da Porta” (2013). Inicialmente, a caracterização que possuímos de Bernardo é a do “pai de família” – frase que sintetiza bem seu exterior. Ele é o típico “chefe” de uma humilde família carioca. É fiscal em empresa de transporte público. Essa caracterização de Bernardo é desconstruída ao longo do filme. Rosa também tem sua caracterização. É solteira, desempregada (mas trabalhou algum tempo como atendente de telemarketing), mora com os pais. Quando conheceu Bernardo, disse que se chamava Dália – tentando alterar um pouco sua caracterização a fim de não revelar a verdade ao então desconhecido –, mas desmentiu logo depois. Percebemos, com o passar do longa-metragem, que Bernardo e Rosa são construídos – por baixo da caracterização – como mentirosos, manipuladores e ciumentos. O homem gosta de Rosa, mas a obriga a abortar (acabando com a vida do próprio filho); Rosa ama Bernardo, mas para se vingar sequestra Clarinha e a assassina. Por baixo da caracterização, é quase como se esses dois fossem a mesma personagem… Quase. Outros dois seres ficcionais (de menor magnitude, porém que contribuem para o avanço da narrativa) estão presentes na história – Sylvia e o Delegado que comanda a investigação. O desenvolvimento deles é menor e quase não possuímos a chance de saber muito mais sobre eles; podemos, porém, observar suas caracterizações. Sylvia encontra-se na situação de esposa de Bernardo, desempregada e cheia de incertezas em relação a si mesma e ao que acontece dentro de sua família (principalmente no que se refere ao marido). O Delegado, por sua vez, pode ser considerado quase como um artifício de roteiro. Ele avança, sim, a história (é ele quem força as outras personagens a narrarem seus pontos de vista dos eventos, desencadeando os flashbacks – que, em última análise, são o filme), porém quase não possui desenvolvimento próprio. Seu propósito é mediar e ligar, no presente, as outras personagens. O Delegado não sofre nenhuma mudança durante a trama, nem qualquer parte da narrativa lhe diz respeito diretamente, porém seu olhar é o mesmo do ponto de vista do público, tentando desvendar o sequestro da menina e entender o que se passa, de fato, entre Bernardo, Rosa e Sylvia. Ele, entretanto, possui uma voz própria – o que McKee (2018) considera importante, durante a escritura de roteiros, para que as personagens não se tornem unidimensionais durante a ação verbal e não percam sua credibilidade (inerente ao contrato da suspensão voluntária da descrença) com o espectador. A ação verbal Mas como podemos perceber quem as personagens são através do diálogo? Primeiro, é mister compreender que a ação, em roteirismo, pode ser dividida em três tipos: a física, a verbal e a mental. A ação verbal (o diálogo/monólogo) é concretizada como reação à pressão de uma ação anterior – e gerará uma nova reação, posterior. Diálogo é ação e reação (MCKEE, 2018). Por conseguinte, o diálogo pode auxiliar a entender melhor, pela análise do texto e do subtexto, quem a personagem é. Esses dois termos, provenientes do teatro, são também explorados por Robert McKee, que os sintetiza muito bem: Texto significa a superfície sensorial de uma obra de arte. No cinema, isso significa as imagens na tela e a trilha sonora de diálogos, música e efeitos sonoros. O que vemos. O que ouvimos. O que as pessoas dizem. O que as pessoas fazem. Subtexto é a vida sob essa superfície – pensamentos e sentimentos tanto conscientes quanto inconscientes, escondidos pelo comportamento. Nada é o que parece. O princípio pede a ciência constante do roteirista sobre a duplicidade da vida, seu reconhecimento de que tudo existe em pelo menos dois níveis e que, portanto, ele deve escrever uma dualidade simultânea: primeiro, ele deve criar uma descrição verbal da superfície sensorial da vida, visão e som, atividade e conversa. Segundo, ele deve criar o mundo interno do desejo consciente e inconsciente, ação e reação, impulso e id, imperativos genéticos e experimentais. Como na realidade, agora na ficção: ele deve encobrir a verdade com uma máscara viva, os verdadeiros pensamentos e sentimentos dos personagens sob o que dizem ou fazem. (MCKEE, 2006, p.239-240) McKee (2018) aprofunda, ainda, estes termos referentes ao diálogo, transcendendo-os em Dito, Não Dito e Indizível. O Dito corresponderia ao texto: evidentemente, aquilo que as personagens dizem – seja para elas mesmas, para outras personagens ou para o espectador –, a camada mais superficial do diálogo. Já o Não Dito relaciona-se com o subtexto consciente: aquilo que as personagens, devido às diversas situações em que podem se encontrar, conscientemente calam – aquilo que escolhem não dizer. O Indizível, por fim, faz referência ao subtexto inconsciente: tão profundo e escondido, quase ao nível dos sentimentos, que as personagens não possuem ciência que calam (MCKEE, 2018). O autor divide o Dito, Não Dito e Indizível na figura a seguir: O Dito corresponde à camada mais superficial; o Não Dito, à camada do meio; o Indizível, por sua vez, à camada mais interior (MCKEE, 2018). A fim de compreender como esses conceitos estão presentes em “O Lobo Atrás da Porta” (2013) e como auxiliam na construção – para o espectador – de Bernardo e de Rosa, uma cena foi analisada. É importante destacar que, a fim de se manter a formatação Master Scenes, escolheu-se adicionar os trechos em forma de imagem, escrito como está no filme (como o roteiro original não foi encontrado, escolheu-se escrever o trecho como está no filme e colocá-lo em imagens, a fim de se manter a formatação Master Scenes, no artigo). Decidiu-se, além disso, calcar a análise em uma aplicação mais direta dos conceitos, já explicitados, de Robert McKee acerca do Dito e do Não Dito, buscando perceber como se deu a construção desses seres ficcionais através de seu expressar verbal. Tal cena, por fim, foi escolhida por funcionar em certo sentido como uma anunciação. Nela, há o primeiro confronto entre as protagonistas do longa-metragem – é onde o conflito entre os dois torna-se melhor visível, plantando as sementes de desenvolvimento de personagem que ressoarão pelo resto da narrativa e culminarão no clímax. Ainda assim, é apenas uma cena. Outras poderiam ser analisadas e resultados semelhantes poderiam ser atingidos. É imprescindível, também, entender primeiro em que pé eles estão antes de essa cena ter início. Na cena anterior, Rosa vai fazer a Bernardo uma visita em seu trabalho. Ela encontra um dos colegas de trabalho de Bernardo, que a informa que o homem não se encontra – está com a esposa e com a filha. Até então, Rosa não sabia que ele era casado. Rosa possuía uma expectativa, que é quebrada quando descobre a realidade. Isto abre para a mulher uma brecha, levando seu valor relacionamento do positivo (de “namorada” de Bernardo) para o negativo (amante dele). Esse é um evento que desequilibra a vida de Rosa. É uma pressão: agora, para manter (ou retornar a) o equilíbrio, Rosa deve tomar uma atitude (uma ação, seja ela física, mental ou verbal). A fim de atingir sua necessidade dramática, a mulher toma a decisão que, no momento, a obriga a gastar menos energia – proporcional à pressão que teve – e confronta verbalmente Bernardo (MCKEE, 2006). A seguir a análise da cena: Rosa confronta Bernardo perguntando: “Por que tu mentiu pra mim?”. Ela se expressa dessa maneira por evidentemente sentir-se usada pelo homem, por conta das mentiras dele. Sua sentença “Ia ficar me comendo, né?” poderia muito bem ser substituída por “Ia ficar me usando, né?” ou “Ia ficar me enganando, né?”. O sentido permaneceria o mesmo; não permaneceria, contudo, o subtexto. O não dito se transformaria em dito, tornando o diálogo superficial e vazio, sem a personalidade de Rosa. Ter sido usada de tal modo por Bernardo demonstra, ainda, que ele possui pouca consideração por ela. Rosa não significa o que acreditava significar. Talvez ela até não signifique coisa alguma… e Rosa não gosta disso. Ela não aprecia nem um pouco ser a amante. Bernardo, então, nega a acusação da amante, buscando contornar a situação que o exila de seu próprio equilíbrio. Para ele, estava tudo bem com Rosa momentos atrás. O homem a chama ainda de Dália, invocando a identidade que Rosa fingiu ter quando os dois se conheceram, em uma situação de flerte, mais instigante do que o momento que passam agora. “E a tua mulher?” – é o tema que realmente importa a Rosa. Bernardo conta, então, uma meia verdade à amante. Ele é parcialmente sincero – é, inclusive, interessante que fisicamente o homem deixa o quadro, afastando-se de Rosa, que fica sozinha por um momento. É como ela se sente. Sozinha. Em dúvida em relação à fidelidade de Bernardo. O homem, porém, retorna para o quadro, tentando não perder nem a amante, nem a esposa. Ele é uma personagem que McKee (2006) chama de complexa: possui duas esferas de objetivo, de desejo. A primeira delas é consciente – manter a esposa, o casamento e o equilíbrio que sua vida possui. Ele deseja a manutenção de sua Caracterização como “pai de família”. O homem possui, entretanto, um desejo que é inconsciente –contraditório ao desejo consciente –, manter a amante. Ter outra pessoa é, em um nível mais profundo, acabar com o próprio casamento. Sem saber, Bernardo procura desfazer sua relação com Sylvia, mesmo que por alguns momentos. Seus desejos são contraditórios e, por isso, ele se mantém pacífico nesse momento. Bernardo não nega amar a esposa (e realmente ama, o que é negativo para Rosa), porém também não dispensa a amante (ele afirma querer ficar com ela, positivo para Rosa). “Vamos ficar juntos”, ele pede; porém, acrescenta “eu não sei o futuro, eu não sei nada disso”. Com essa resposta de Bernardo, Rosa decide esperar que Bernardo tome uma atitude em relação ao triângulo amoroso no qual se encontram. A amante afirma: “Eu não gosto de mentira”. Em seu subtexto, porém, ela diz: “Eu não gostei que você tenha mentido para mim, Bernardo”. O roteirista utiliza, então, o que McKee (2018) intitula triálogo – ou seja, o diálogo (entre duas pessoas) ancorado por um terceiro (tri-) elemento. A mentira, nessa cena, consiste em um elemento que triangulará o diálogo de Bernardo e Rosa. Enquanto eles textualmente falam sobre a mentira, “subtextualmente” dizem sobre si mesmos. Podemos inferir que Rosa não aprecia nem um pouco que Bernardo tenha mentido para ela, não aprecia ter sido enganada por ele e muito menos gosta de estar na posição de amante. Bernardo, por sua vez, não necessariamente preza ter mentido… mas o fez assim mesmo. Talvez a amante não signifique mesmo o que imaginava significar para ele. Bernardo gosta de Rosa, porém não necessariamente a ama. Ao confrontar Bernardo, como já foi explicitado, Rosa escolhe agir da maneira que mais conserve suas energias. Essa sua ação prevê uma reação do amante, Rosa espera um certo tipo de reação. A resposta que Bernardo dá, contudo, certamente não atende às expectativas da mulher. Tal diferença entre a expectativa da personagem e a realidade é o que McKee (2006) chama de Brecha. A brecha que se abre para Rosa quando Bernardo não a assume e a posição de amante é mantida força a mulher a tomar, então, uma segunda atitude (uma outra ação que requererá da personagem um esforço um pouco maior do que a anterior para atingir sua necessidade dramática). Rosa decide, desse modo, que esperará por Bernardo – até ele (possivelmente) resolver, no futuro, qual das duas mulheres vai escolher. Rosa afirma: “Eu não me importo em ser tua amante”, porém evidentemente importa-se. Ela quer, na realidade, dizer que vai aceitar tudo isso, que “a gente vai continuar junto”, uma vez que não quer perder Bernardo. Isso tudo “por enquanto”. O “por enquanto” explicita para Bernardo e para o público que a posição de não-mulher-de-Bernardo se tornará, mais cedo ou mais tarde, insustentável para ela. No nível mais profundo, no indizível, Rosa ama Bernardo… e o quer para ela. Rosa tenta ainda provocar o homem, testando-o. Ela diz: “Depois eu não sei o que vai acontecer… se eu ainda vou querer…”. Bernardo reage, testando de volta, com um “É?”. Isso subtextualmente remete a “É assim que vai ser?”. Rosa retruca: “É” – “É assim que vai ser”. “Tu não vai mais mentir pra mim”, Rosa pede. Uma vez mais temos o triálogo, enriquecendo o subtexto da cena: quando conversam sobre mentiras dizem, em um nível mais profundo, de si mesmos. Rosa busca extrair do homem um compromisso (necessidade sintomática de Rosa não desejar ser apenas amante). Rosa precisa ter de Bernardo a certeza de que ele não “mentirá” para ela novamente. Ou seja, o compromisso de que Bernardo não mais proporcionará qualquer evento na narrativa que levará de novo o valor relacionamento dos dois para o negativo – no caso, o valor cairia, inclusive, para o duplo negativo. Bernardo cede e entrega a Rosa seu compromisso, o que ela deseja… porém, ele mente. Rosa tenta, depois disso, ter relações sexuais sem proteção com Bernardo. Ele hesita, porém acaba aceitando. É uma atitude da amante, que – talvez consciente, talvez inconsciente – busca engravidar do homem e, assim, preencher uma outra caracterização (que não é a dela) – a de mulher de Bernardo. Significa ainda, psicanaliticamente, que a barreira que os afastava de uma relação séria (não mais a casual, onde não há plena confiança um no outro) é retirada. A personagem atrás da caracterização Através da análise feita, podemos inferir que as personagens Bernardo e Rosa – por baixo de suas respectivas caracterizações – são grandemente parecidos. Sob pressão, ambos tomam, no final, as mesmas atitudes (apesar de as motivações ainda serem distintas): Bernardo sequestra Rosa e a força a abortar, ao passo que Rosa sequestra a filha de Bernardo e a assassina. É quase como se os amantes fossem dois lados da mesma moeda, duas forças de igual valor que colidem durante o longa-metragem, seja para o bem ou para o mal. É interessante, ainda, aprofundarmos em como funcionam as caracterizações deles: Bernardo mostra-se como “pai de família”, como honesto trabalhador, para Sylvia e para o Delegado e para o espectador. Porém, quando conhece a amante, mostra-se carinhoso, sorridente – solteiro. Com o tempo (e com os problemas em manter as duas relações), acaba tornando-se violento e abusivo. Conhecemos durante o filme pelo menos três Bernardos – ou três variações distintas de caracterização para a mesma personagem, que aparecem de acordo com os sentimentos, interesses e necessidades dele (ou seja, umas caracterizações são mais próximas da verdadeira personagem em relação a outras). Com Rosa o mesmo ocorre, em um nível ainda mais latente. Ao conhecer Bernardo, a mulher finge se chamar Dália e só depois passa a ser para ele Rosa, seu verdadeiro nome. Quando tenta aproximar-se de Sylvia, Rosa transveste-se de Sílvia – o nome que escolhe corrobora com a interpretação de que ela tenta também aproximar-se da caracterização de esposa de Bernardo. Rosa literalmente muda seu nome, juntamente com sua caracterização, ao longo do filme. Suas caracterizações são bastante voláteis. Por isso, é complicado para o espectador e para as outras personagens que rodeiam Bernardo e Rosa entenderem quem esses dois realmente são e onde suas fidelidades estão, apesar de ainda manterem-se nítidos. Eles expressam energias do arquétipo que Christopher Vogler (2007) intitula Camaleão. Tal arquétipo, consoante o autor, é marcado pela mudança “de aparência e humor, e é difícil para o herói e para o público defini-los. Eles podem enganar o herói ou mantê-lo em dúvida, e sua lealdade ou sinceridade sempre é questionável” (VOGLER, 2007, p.104). Acrescenta ainda que “Os heróis com frequência encontram figuras, muitas vezes do sexo oposto, cuja característica principal é que parecem mudar constantemente a partir do ponto de vista do herói” (VOGLER, 2007, p.103). As energias citadas, quando combinadas, provocam nas protagonistas de “O Lobo Atrás da Porta” (2013) outras energias, a do animus e da anima. Esses conceitos, explorados por Vogler, são provenientes das teorias psicológicas do suíço Carl Gustav Jung. Segundo Vogler, o animus corresponderia ao “elemento masculino no inconsciente feminino, o conjunto de imagens positivas e negativas de masculinidade nos sonhos e fantasias de uma mulher” (VOGLER, 2007, p.104). Já a anima seria o correspondente feminino no inconsciente masculino. Também podemos nos deparar com animus e anima na realidade. Normalmente, procuramos pessoas que se combinem com nossa imagem interna do sexo oposto. Com frequência, imaginamos a semelhança e PROJETAMOS em alguma pessoa inocente nosso desejo de uni-lo com anima ou animus. Podemos cair em relacionamentos nos quais não enxergamos o parceiro claramente. Em vez disso, vemos anima ou animus, nossa noção interna do parceiro ideal projetada em outra pessoa. Com frequência passamos relacionamentos inteiros tentando forçar o parceiro a se encaixar em nossa PROJEÇÃO. (VOGLER, 2007, p.105) Por serem assim tão similares, Bernardo e Rosa podem ser considerados, por conseguinte, como animus e anima um do outro. Bernardo corresponderia ao masculino de Rosa e Rosa ao feminino de Bernardo… exatamente como dois lados de uma mesma moeda. Eles vivem, se atraem, colidem e se destroem com a mesma potência. Conclui-se que o roteiro de “O Lobo Atrás da Porta” (2013) explora ao longo da estrutura fílmica a dualidade de personagens que, dentro da narrativa proposta, não poderiam existir um sem outro. Assim, através do diálogo, as personagens são construídas e os conflitos avançam de forma potente, sequência a sequência, cena a cena. Considerações O estudo de um filme brasileiro, à luz das considerações e conceitos de Robert McKee, buscou perceber como se dá a construção e o desenvolvimento das personagens no roteiro cinematográfico através do diálogo – da ação que se dá verbalmente –, apontando ainda a complexidade presente nos principais seres ficcionais de “O Lobo Atrás da Porta” (2013), de Fernando Coimbra. De maneira geral, acreditamos que o diálogo é, nesse filme, essencial para a melhor compreensão das personagens por parte do espectador. Acreditamos também que o diálogo possui, de forma geral, importante papel para o desenvolvimento das personagens durante o processo da escritura de um roteiro de ficção. Inclusive, porque podemos perceber o quanto a elucubração de seres ficcionais pode estar intrincada ao estudo da psicologia, de seres reais. A cena escolhida para a análise é representativa porque marca o primeiro confronto entre Bernardo e Rosa, as protagonistas do longa-metragem – é onde o conflito entre dois torna-se proeminente. É apenas uma cena, porém outras poderiam ser analisadas e conclusões semelhantes poderiam ser encontradas. Há a possibilidade, ainda, de a análise aqui presente ser estendida a inúmeros outros produtos audiovisuais, respeitando as especificidades de seus formatos e narrativas propostas, de modo a auxiliar o conhecimento na roteirização de diálogos e na criação de seres ficcionais. Referências FIELD, Syd. Roteiro: os Fundamentos do Roteirismo. Curitiba: Arte & Letra, 2014. MCKEE, Robert. Diálogo: a Arte da Ação Verbal na Página, no Palco e na Tela. Curitiba: Arte & Letra, 2018. MCKEE, Robert. Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro. Curitiba: Arte e Letra, 2006. O LOBO Atrás da Porta. Direção de Fernando Coimbra. Rio de Janeiro: Gullane, 2013. DVD (101 min). ROSENFELD, Anatol. Literatura e personagem. In: CANDIDO, Antonio et al. 11.ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor: estrutura mítica para escritores. São Paulo: Aleph, 2007. Lucas Andries é apaixonado por contar histórias! É graduando em Rádio, TV e Internet pela UFJF e possui formação livre em roteiro pela Roteiraria. Hoje, atua como roteirista da revista digital Torta e do projeto multiplataforma Não Contém Glúten. Além disso, é roteirista e diretor do curta-metragem documental "Tal Pai, Tal Filho" (2020) e realizador do minicurso "A Narrativa Clássica e o Roteiro" (2021). Kethleen Formigon é graduanda em Rádio, TV e Internet pela UFJF e criadora do projeto multiplataforma Não Contém Glúten.

  • O processo de construção do plot twist

    Foreshadowing? Arma de Chekhov? Red Herring? Você conhece essas ferramentas narrativas? Aprenda como utilizá-las para construir bons plot twists! por Priscila de Souza Irmão Atenção: esse texto contém spoilers dos filmes "Tubarão", "Entre Facas e Segredos" e "O Sexto Sentido". A escrita de um plot twist pode ser desafiadora até mesmo para um roteirista experiente, e o motivo é simples: a sua construção requer um planejamento gigantesco para garantir que ele atinja o efeito esperado. Isso porquê, ao escrever um plot twist, você não quer que seu público pense "mas de onde vem isso?" mas sim "como eu não percebi isso antes?". E essa reação é alcançada apenas quando todas as informações necessárias para chegar àquele desfecho inesperado foram dadas ao público ao longo do filme, mesmo que o público não tenha percebido isso ao assistir à obra pela primeira vez. Mas como deixar esses rastros, essas dicas, de forma eficiente e discreta na história? É aí que entram dois elementos essenciais para qualquer narrativa: O Foreshadowing e a Arma de Chekhov Comecemos pela definição de cada um. O foreshadowing é uma ferramenta utilizada para dar dicas do que virá a acontecer na história; para plantar informações que virão a ser úteis na história em algum momento, podendo ser, entre outras coisas, uma habilidade que uma personagem aprende em algum momento ou um objeto que parece não ter muita utilidade. A Arma de Chekhov é um princípio criado por Anton Chekhov e que tem uma premissa muito simples: todos os elementos presentes em uma história devem ser úteis à narrativa, ou seja, tudo que não é essencial deve ser descartado, evitando dessa forma a criação de falsas expectativas no público. A arma de Chekhov é uma forma de foreshadowing, já que, se todos os elementos em cena são essenciais, todos eles dão dicas do que acontecerá na história. Um exemplo de foreshadowing e da Arma de Chekhov é o tanque de oxigênio em "Tubarão" (Jaws, 1975). O tanque é apresentado como inflamável, e é utilizado na resolução do filme para matar o tubarão, que, ao morder o tanque, explode junto a ele. Uma série de outros exemplos estão presentes no filme "Entre Facas e Segredos" (Knives Out, 2019), como o vômito de Marta que acontece quando ela mente, a poltrona feita de facas, a bola de beisebol que aparece toda vez que a infidelidade de uma das personagens é citada. Outro caso, que falaremos mais a fundo, é o de "O Sexto Sentido" (The Sixth Sense, 1999), que constrói brilhantemente toda a sua história, culminando em uma das revelações mais surpreendentes do cinema. A construção do plot twist Como dito anteriormente, os elementos necessários para se chegar ao plot twist devem estar o tempo todo presentes na história, mas devem também passar despercebidos na primeira vez que se assiste ao filme. É nessa quantidade de vezes que a obra será assistida em que eu quero focar agora. Imagine que você, enquanto roteirista, está traçando uma rota que será seguida por seu público ao longo do filme. Essa rota deve conter todas as informações necessárias para que seu público entenda o destino final da história, certo? Mas quando você quer surpreender seu público, você não pode apenas criar uma curva fechada e levá-los em outra direção, ou o público se sentirá perdido. Na construção de um plot twist, você deve criar uma rota pela qual o público seguirá na primeira vez que assistir ao filme, mas que não será a mesma que ele seguirá na segunda ou terceira vez que assistir à obra. Você quer que o público perceba, a princípio, apenas os sinais "errados" da narrativa. Para ficar mais claro, usemos o exemplo de "O Sexto Sentido". Malcolm Crowe, personagem de Bruce Willis, é baleado no início do filme, e ao longo da história, ele tenta se comunicar com sua esposa, que o ignora repetidamente. O público experiencia o filme pelo ponto de vista da protagonista, neste caso, Malcolm, que não sabe estar morto, fazendo com que o público também não saiba e, acredite na mesma narrativa em que Malcolm acredita, seguindo a rota traçada para quem assiste ao filme pela primeira vez. Acreditamos que sua esposa o ignora em seu jantar e que ela não aceita que ele pague a conta, e tudo isso faz sentido com a informação que já temos: sua esposa não se sente como uma prioridade na vida de Malcolm. Mas ao chegar ao final do filme, quando descobrimos que Malcolm morreu com o tiro que levou no início da história, todas as interações entre ele e sua esposa ganham um novo significado: ela não o ignorava, ela apenas não sabia que ele estava ali com ela. Temos então a rota "correta" a ser seguida, a que percorremos na segunda vez que vemos o filme e nos leva sem surpresas ao final da história: Malcolm está morto. Esta rota é completamente diferente da que seguimos na primeira vez que assistimos ao filme: a de que a esposa de Malcolm está ressentida com ele e seu casamento está ruindo. Com essa construção, Shyamalan nos conta a história real o tempo todo. Nós é que não percebemos, pois ele desvia nossa atenção do que está, de fato, acontecendo. Para isso, ele usa outro elemento narrativo que pode ser extremamente útil se utilizado da forma correta: o Red Herring. Red Herring é uma pista falsa, algo que colocamos na narrativa para levar o público aos caminhos errados. Se usado da forma errada, ele quebra a premissa da Arma de Chekhov, de que tudo que vemos é essencial a narrativa, mas, se usado de forma correta, como no exemplo que vimos, ele não engana o público, mas sim o distrai do que é a real história, sem causar a sensação de que o roteirista traiu quem acompanhava o filme. É como se o roteirista dissesse: "Eu nunca enganei você, os indícios estavam ali o tempo todo, você que prestou atenção nas pistas falsas". A escrita é complexa O que entendemos até agora é que, para surpreender, não podemos mentir, apenas desviar a atenção do público para a narrativa paralela que está sendo contada. Dê indícios do que está de fato acontecendo, como em "Entre Facas e Segredos", no qual todos falam o tempo todo sobre como Marta é uma ótima enfermeira, e descobrimos depois que ela na verdade não confundiu os medicamentos de Harlan por conhecer bem cada medicamento, mesmo com as etiquetas trocadas . Mas também crie uma narrativa paralela à essa, que justifique o caminho que você quer que o público siga na primeira vez que assistir ao filme, como fazer Marta acreditar que ela de fato confundiu os frascos. A falta de indícios, de dicas do que está por vir, causa a sensação de traição no público, a sensação de que o autor acredita que o público não se interessa por uma narrativa complexa e bem amarrada, mas sim por reviravoltas que tem como única finalidade a surpresa. Não é fácil levar o público com constância ao longo de uma única história, imagine então de duas ao mesmo tempo? Contar uma história para quem está vendo pela primeira vez, e com a mesma obra, contar outra história para quem já conhece o filme. Esse é o ponto central, criar uma experiência que seja honesta, porém surpreendente. #foreshadowing #armadechekov #roteiro #dicasderoteiro Priscila de Souza Irmão é roteirista, revisora e tradutora de roteiros. Formanda em Cinema e Audiovisual, estuda roteiro desde 2016 e foi semifinalista do Laboratório de Projetos de Série do V ROTA. Na faculdade já escreveu e revisou roteiros, além de participar de salas de roteiro com colegas de turma. Trabalha atualmente em seu TCC, um curta-metragem de suspense.

  • Criando séries originais, com Bia Crespo

    A roteirista explica sobre o processo de venda de séries autorais, dando dicas de desenvolvimento, caminhos e gêneros em alta Assinar o roteiro de uma série original é o sonho de muita gente do audiovisual - e com razão! Uma narrativa seriada dá espaço para vários pontos de vista, personagens interessantes e discussões duradouras. Mas não é tão fácil assim. A ideia de desenvolver um universo original inteiramente por si só pode não ser o melhor caminho a se seguir, principalmente quando se fala em séries comerciais. Mas então, como começar a pensar em séries originais? O que desenvolver? No quê apostar? Conversamos novamente com a roteirista Bia Crespo sobre isso, que agrega experiências em canais como Globoplay e HBO. Bia explica quais as melhores abordagens para criar séries com viés popular, quais materiais desenvolver e muito mais. Além disso, ao final da matéria, você já fica sabendo mais sobre nossa próxima edição do LAB 51 com a TDC Conteúdo. Confira! As séries na carreira de Bia Crespo Bia Crespo é roteirista, co-fundadora da TDC Conteúdo e já trabalhou como produtora em várias séries (como "O Negócio" e "PSI", por exemplo). Ela afirma que começou sua carreira de roteirista no FRAPA 2019 com uma série, tentando vender a série "Robin", em co-autoria com Ray Tavares. Essa foi a primeira experiência autoral de fato. Antes disso, Crespo participou como colaboradora na série "O Doutrinador", da Paris Entretenimento, numa sala de roteiro com Mirna Nogueira e Denis Nielsen. Em 2021, integrou a sala de roteiro da série inédita "Rensga Hits!", prevista para estrear em 2022 na Globoplay. "Foi uma sala incrível e maravilhosa, que gosto muito", comenta. Crespo trabalhou na sala junto de Renata Corrêa, Otávio Chamorro, Vitor Rodrigues e Nathália Cruz. Além disso, Bia Crespo trabalhou em uma ideia de série original junto de Ray Tavares com a Conspiração, onde assina co-criação e desenvolvimento da bíblia. Outros trabalhos atuais dela são séries para PBA Buenos Aires e Chatrone. Saiba mais sobre Bia Crespo clicando aqui. Da idéia à venda Frequentemente, surge a pergunta: "É mais fácil vender uma série adaptada ou original?" Enquanto não há resposta absoluta, Crespo opina: "Acho que é mais certeiro apostar em IP [propriedade intelectual], mas é muito raro ter dinheiro para comprar os direitos. A corrida por obra literária está absurda, as produtoras sabem que é mais fácil vender uma obra adaptada. Então, para conseguir encontrar um livro que seja comercial mas ninguém comprou ainda, é difícil". E foi assim que Crespo, inclusive, começou a entrar no mercado das séries autorais. Seu projeto seriado "Robin" foi desenvolvido junto da autora Ray Tavares, a partir de um conto de Ray. Portanto, Crespo apostou numa parceria. E para quem pensa em fazer isso, ela dá a dica: Eu recomendo fazer o que eu fiz com a Ray: muitos autores têm vontade de ir para o roteiro. Muitos deles têm muitos conhecimento de como funciona o mercado e o feedback do público. Sinto que os escritores são um pouco menos sensíveis que roteiristas para receber feedback e adaptar narrativa. Aí, a dica é: se você conhece autores que querem adaptar suas obras, faça uma parceria! Encontre algo que fique bom para os dois. - Bia Crespo No entanto, séries originais são muito interessantes também - tanto para roteiristas quanto para o mercado. Mas, nesse caso, Crespo afirma que existe um trabalho bem complexo que feitura de bíblia, já que é preciso colocar "todas as regras, todos os arcos de personagem" e só daí partir para os roteiros. Em "Rensga Hits!", o trabalho de Crespo e da sala de roteiro começou a partir de uma bíblia de venda, por exemplo. Então, você decidiu desenvolver uma série original. Ótimo! Mas é preciso saber de algumas coisas de antemão. Por exemplo, quais as diferenças entre vender um longa e uma série para um player? Quando vamos apresentar um longa, as pessoas estão mais dispostas a comprar uma ideia, uma premissa. Porque a gente sabe que é menos trabalhoso desenvolver uma premissa para longa do que para série. Já consegui vender longas que não tinham necessariamente muito 'meio', porque depois isso muda. Com séries, não vejo isso acontecer. As pessoas são muito criteriosas com a história. Elas querem ter certeza de que tem um arco bem sólido, que os personagens são exploráveis e têm veias dramáticas e, principalmente, se vai ter fôlego para mais temporadas. É o que mais escuto. - Bia Crespo Nisso, Crespo afirma que um problema muito comum é se empolgar e criar toda a história da primeira temporada, esgotando tramas e personagens, sem pensar muito além. Ou então, criar uma história de longa-metragem "esticada" no formato de série. "Fica na nossa cabeça essa ideia de fazer uma série e às vezes não tem história pra isso", diz. "É algo muito complexo, com muitos personagens. É preciso perguntar: esse personagem gera uma série?" Quer um exemplo? Bia Crespo oferece: "Temos que tomar muito cuidado com o tipo de série 'Crônicas da vida real'. Deve ter ficado aquele legado de 'Friends' e de 'Seinfeld'. É legal retratar o dia a dia, mas é um pouco ultrapassado quando é simplesmente 'a vida de 3 amigos de 30 anos no bairro tal'. Não dá, tem que ter um diferencial". Crespo elabora: "Temos séries como 'Special', 'Please Like Me' e 'Atypical', que são mais ou menos isso, têm elementos parecidos mas tem coisas nos protagonistas que se diferenciam muito do que já vimos. Acho que a gente precisa pensar muito no que os nossos personagens têm de diferente para ter uma série". E, para ajudar nisso, nada melhor do que apostar em histórias da nossa própria vida, ou então apostar fundo na pesquisa para entender como construir personagens interessantes que não estão sendo exploradas no mundo das séries. Mas e as minisséries, como ficam? O audiovisual brasileiro já conhece muito bem o formato de minisséries. Porém, recentemente, esse formato andou ganhando o coração da audiência - e também dos players, que perceberam o enorme sucesso da minissérie "O Gambito da Rainha" (The Queen's Gambit, 2020/Netflix). E aí, como vender uma minissérie? É sorte? É uma boa aposta? "Quando eu estava fazendo 'Robin', em 2019, a regra era: 'não fazemos minisséries. Passar longe'", conta Crespo. "Minissérie era algo que só tinha na Globo, depois das 23h, só autores famosos faziam. Mas o que aconteceu? 'O Gambito da Rainha'. Então, agora, fazemos minisséries e sim, tem demanda por isso". Que ótima notícia! Mas a roteirista atenta: "Aí, a competição é grande e não tem tanto espaço. Por que? Porque quando a gente monta o circo que é uma primeira temporada, o player está investindo em algo que é pra gerar várias temporadas, para ganhar dinheiro a longo prazo", explica. "Se ele está investindo aquele dinheiro para fazer uma só temporada, precisa ser 'A TEMPORADA', um negócio que todo mundo vai assistir e comentar. Ou, por exemplo, essas séries documentais, de true crime, que são minisséries populares". Então, dá para perceber que os streamings têm muito mais abertura hoje em dia (inclusive de gênero), mas é preciso cautela. "Tem muito mais demanda por séries ainda", afirma Crespo. É preciso refletir por que é uma minissérie e não um longa. Como os dois têm um arco fechado, tem que pensar muito bem por que essa história precisa de episódios para ser contada. - Bia Crespo Os públicos da série Já sabemos que, tanto para escrever quanto para vender um longa-metragem comercial, é fundamental conhecer nosso público. Mas como funciona com séries? "Vamos pensar nos conflitos da grande maioria das pessoas do país", oferece Crespo. Isso quer dizer que basear uma série inteira apenas em privilégios de certas classes não é necessariamente ideal para o público. Principalmente se a série tem o propósito de ser assistida por milhares de pessoas. "Série é um pouco mais nichada que filme. Filme comercial é para o maior número possível de pessoas assistirem. Com séries, as pessoas vão procurar o tipo de série que elas querem ver", explica Crespo. Isso quer dizer que temos um pouco mais de liberdade para contar histórias, mas também existe muito mais competição por temas, linguagens e espaço no mercado. Ela continua: "É bom saber que o público-alvo existe e saber quais séries esse público assiste, que têm relação com a sua. De preferência, use casos de sucesso". Ou seja, nada de colocar referências de séries canceladas ou que fizeram pouquíssimo público, pois isso não ajuda em nada a sua tentativa de venda. Além disso, na hora de montar seus materiais de venda, pode ser que seja mais fácil indicar um público-alvo por interesse. Bia Crespo exemplifica: "Pode ser fãs de suspense, fãs de true crime, etc. Pode também pegar informações e dados fora da TV para reforçar", sugere. Ficou na dúvida se sua série é comercial ou não? Séries comerciais geralmente lidam com temas variados e apostam em salas de roteiro, não tanto em autoralidade única - principalmente de autores iniciantes. Portanto, não tente mirar fora da realidade "e apostar todas as fichas na HBO de primeira", sugere a roteirista. Pensar no orçamento e feitura de sua série também é importante. "Assista as séries que estão sendo feitas e opere dentro dessa realidade do mercado brasileiro. É legal ousar em um ou outro aspecto, mas é fundamental focar nos personagens. São eles que carregam a trama", diz Crespo. As personagens e os materiais de venda de séries Personagens parecem ser a alma da narrativa moderna, carregando transformações, temas e visões importantes. E isso não é diferente na série - pelo contrário, essa ideia é elevada à última potência. Para mim, o que diferencia mesmo um material do outro é a descrição de personagens. Porque o personagem é o que vai dar o caldo da série. Quando desgasta o protagonista, tem que ter outro personagem pra tocar a história, ficar variando as tramas. E, em longas, geralmente nem coloco descrição de personagem para vender. - Bia Crespo Portanto, é fundamental dedicar um grande tempo de seu desenvolvimento para suas personagens. Isso vai fazer toda a diferença na sua trama e também em como você apresenta sua série. Quanto mais claro o trajeto de sua personagem, mais chances de seu pitch ser bem sucedido. Mas como exatamente apresentar sua bíblia para uma produtora ou player? O que é legal de desenvolver e o que não é necessário? Bia Crespo explica. "Bíblia de série é: arco de temporada, personagens e justificativa, em linhas gerais. Explique por que fazer a série, por que você e por que agora. Isso ajuda muito a vender, também no pitch. Dá uma diferença, pois o mercado de série está bem competitivo, então tem que convencer o player ou produtora com a relevância e sua relação com a história", diz. E se não tiver? "Sempre tem!", afirma. "E é bom ser honesto. Vejo uma herança dos editais, um texto de justificativa muito acadêmico, tudo fica meio igual. Não é isso que estou falando, falo sobre um texto quase livre, onde você conta porque quer fazer a série e deixa vir do coração. Então, quanto mais honesto, melhor", finaliza. Qual a diferença entre bíblia de venda e de desenvolvimento? Veja bem: para fazer sua série, não precisa sair escrevendo 8 temporadas e esperar vender tudo assim. "A maioria das pessoas do mercado não lêem materiais grandes ou longos. De todos os lugares que eu mandei o piloto, ninguém nunca leu. Não existe isso", afirma Crespo. Por que? "Porque, geralmente, quando produtoras e players entram no projeto, eles vão pedir para mudar um milhão de coisas. Então, de que adianta você parar a sua vida para escrever um piloto que vai precisar ter a colaboração de várias pessoas depois?" É ótimo escrever pilotos para testar e ter na manga, caso seja necessário enviar um sample para alguma vaga ou mesmo sugerir um arco de piloto na hora de vender seu projeto de série. Mas não é essencial. O longa-metragem é uma coisa mais individual mesmo. É mais fácil escrever um roteiro de longa sozinho. Agora, a série é por si própria uma coisa coletiva. Não dá pra escrever ou desenvolver uma série inteira sozinho, não tem como. Não deve ter tanta coisa na cabeça de vocês. A sala de roteiro é a principal parte de uma série, porque se a gente tá tendo uma história guiada pela diversidade de personagens, nada mais certo do que ter diversidade de vozes. E é isso que uma sala de roteiro traz para uma série. - Bia Crespo Quer a dica de ouro do que desenvolver para a sua série original? Para Crespo, a Bíblia de Venda é, "geralmente, um documento sucinto, trabalhado no design gráfico com atmosfera e referências. Não é para mandar .word!", afirma. [Bíblia de venda] Geralmente, tem o cabeçalho com título, nome dxs autorxs, episódios e duração (sem número de temporadas) e gênero. Daí, logline, sinopse de 1 página, breve descrição de personagens principais e essenciais (sem detalhes supérfluos), temporadas futuras, justificativa e uma breve biografia, com seus contatos. - Bia Crespo Uma dúvida comum é: e se pedirem sinopses dos episódios? Crespo responde: "Eu acho que se você tem o arco da temporada, já tem os episódios pensados. Não faz sentido mandar os dois, é a mesma coisa". Além disso, algumas pessoas acham interessante colocar um argumento sucinto do piloto que desenvolveu. É uma boa pedida, mas lembre-se que isso já pode ser trabalhado no texto da sinopse ou do arco de temporada (que é um texto mais desenvolvido). Crespo afirma que o tamanho ideal seriam 5 a 8 páginas de texto. "Primeiro, porque você vai ter que retrabalhar depois. Segundo, porque a gente deve ser pago para desenvolver além disso", diz. Já a Bíblia de Desenvolvimento é outra história. É um documento geralmente feito depois da série vendida, "na sala de roteiro, com feedback de produtora, player e daí já chega a 60, 80 páginas. Um trabalho muito mais complexo", afirma Crespo. Sabendo disso, você já pode parar de trabalhar exaustivamente e de graça, pois não vai valer muito a pena. Lembre-se que a força da série está na premissa, nas personagens e na justificativa. O que o mercado de séries precisa? Com tantas opções, gêneros e formatos diferentes sendo feitos, é fácil se perder quando se pensa no tipo de série que vende mais, ou que precisa ser mais produzida. "Eu queria ver mais histórias solares, otimistas, pra cima", divide Crespo. "E você pode fazer várias temporadas com conflito e ainda ser otimista. 'Parks and Recreation', por exemplo, é super otimista e pra cima, mas com ganchos entre as temporadas", exemplifica ela. Quando pensamos nessa questão, precisamos nos colocar na posição de espectadores. O que queremos assistir depois de um dia de trabalho? Quais histórias nos cativam, mas não estão sendo contadas nesse formato? Para Bia Crespo, "não é sempre que quero pensar demais. Mas não precisa ser superficial no tema! Você pode trazer um monte de questões e lidar de forma mais leve". Ela traz como exemplos séries bem atuais que trazem exatamente essa abordagem: "Hacks" (2021) e "Maravilhosa Sra. Maisel" (2017). Além disso, os gêneros mais requisitados pelos players ainda giram em torno da comédia - tanto adulta, quanto infanto-juvenil. Crespo afirma que gostaria de ver mais sitcoms brasileiros, já que são divertidos, possuem poucos cenários e um grupo de personagens diferenciadas, com questões inusitadas entre si. Outros gêneros interessantes para o mercado são thriller e terror, já que, de acordo com ela, "o legal da série é que tem mais espaço para gêneros além da comédia e drama". Temas esportivos, como "Ted Lasso" (2020), ou então séries "estilo novela", também. Um bom exemplo é "Coisa Mais Linda", da Netflix (2019). Essas séries possuem episódios com trama focada num núcleo reconhecível de personagens (muitas vezes, de família), possuindo tantos episódios quanto uma série convencional. Bia Crespo traz uma mensagem final otimista: "O legal é se libertar das amarras da complexidade. Série pode ser simples, desde que seja interessante e que entretenha". Portanto, não desanime! O mercado de séries está em constante crescimento e a sua ideia pode ter um espaço nele também. Quer uma ajudinha? Então inscreva-se no LAB 51 - Séries, a 2ª edição de nosso laboratório de desenvolvimento em parceria com a TDC Conteúdo. Serão 6 projetos selecionados para terem acesso (online) a aulas, discussões e consultorias com Bia Crespo. Outros 6 semifinalistas terão acesso a aula inaugural com importantes reflexões sobre a criação de séries no Brasil. Para todo mundo que se inscrever (selecionados ou não), temos um presente mais do que especial para ajudar na formação - anunciaremos em breve! O LAB 51 é focado em séries com apelo comercial e as inscrições vão de 27/09/21 a 15/10/21. Leia o regulamento e prepare seus projetos! #série #séries #entrevista #mercadoaudiovisual #dicas #players #venda

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