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Os donos do conteúdo

Co-fundador da Dédalo, produtora de desenvolvimento, Rafael Leal explica a importância do roteirista-produtor e o papel dos núcleos criativos no mercado audiovisual


Frame da série "30 Rock" - Imagem: Screenwriting U Magazine

Existe ainda muito forte a figura do "escritor solitário" em nosso imaginário. Ele vira noites no seu apartamento escrevendo páginas e mais páginas da sua obra, pesquisando obsessivamente na internet e tomando litros de café.


Muitos roteiristas iniciantes ainda acreditam nesse modelo de trabalho, onde o roteirista é responsável por lapidar sua brilhante ideia para, então, procurar parceiros para a produção. A verdade é que isso está longe de refletir a realidade do mercado criativo.


O audiovisual depende da construção coletiva e o processo de desenvolvimento do roteiro não é diferente. Além de suprir demandas criativas, os núcleos de desenvolvimento também possibilitam muitas vezes uma melhor inserção no mercado e até mudam as regras do jogo.


Para refletir sobre o papel dos núcleos de desenvolvimento no mercado audiovisual, chamamos o roteirista e produtor Rafael Leal, co-fundador da Dédalo, produtora de conteúdo dedicada à criação e ao desenvolvimento de produtos de ficção para televisão aberta e fechada, responsável por projetos como "A Dona da Banca", "Paixão Futebol Clube" e tantos outros.


Um pouco da trajetória de Rafael Leal

Registro das filmagens da série "A Dona da Banca". Em ordem: Samir Kuraiem, Rafa Abreu, Naira Martins e Rafael Leal. - Imagem: Elisa Bessa

Formado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Rafael Leal também seguiu na carreira acadêmica. Além de desenvolver projetos para cinema e TV, ele dá aula de roteiro na PUC-Rio, se dedica atualmente ao doutorado e foi eleito para o Comitê Executivo do Screenwriting Research Network, principal associação internacional de pesquisa acadêmica em Roteiro.

“Entrei na faculdade de cinema crente que seria diretor, mas quando eu cheguei naquele movimento de ‘bom, agora eu quero fazer o meu filme de final de curso’ não tinha roteirista, não tinha roteiro, ninguém queria fazer roteiro”, explica Leal.


De lá para cá, foram mais de 15 anos atuando no audiovisual. Nesse percurso, Rafael Leal já trabalhou em diferentes áreas do audiovisual: foi assistente de direção na Rede Globo, fez traduções, revisões, entre outras funções. Para fazer a transição para o roteiro, Rafael utilizou a sua já formada rede de contatos. Por muitos anos Rafael se dedicou a trabalhar com roteiro em diferentes formatos, do institucional à campanha política, sempre focado em "viver dos próprios projetos".

Foi a partir do ano de 2013 que, em suas palavras, “os trabalhos de ficção começaram a superar os outros” e Leal pôde se dedicar mais ao desenvolvimento de projetos para cinema e TV. Em paralelo a essa trajetória individual, a parceria entre Rafael Leal e o também roteirista Marton Olympio foi se consolidando, levando à criação da Dédalo.


A Dédalo

Registro das filmagens da série "A Dona da Banca". Em ordem: Rafael leal e Marton Olympio. - Imagem: Elisa Bessa

Leal conta que a sua parceria com Marton Olympio vem desde 2009, quando eles começaram a escrever juntos em um coletivo que levava o nome de “Matadores”.

“Eu pedi para um amigo que tinha muitos contatos na Record para ver se ele podia levar um currículo lá. Ele falou ‘cara, vou fazer melhor, eu estou reunindo uns amigos e eu vou levar uns projetos lá’. Aí nós começamos a nos reunir na casa dele e isso foi o embrião da Dédalo” - Rafael Leal

No ano de 2014, Rafael e Marton passaram a oficialmente se apresentar como uma produtora de desenvolvimento. Desde então, seu foco é na construção de parcerias com produtoras, distribuidoras e canais, desenvolvendo conceitos, argumentos e roteiros para TV e cinema. “Com o tempo nós fomos descobrindo que como donos do conteúdo nós podíamos trabalhar em parceria com as produtoras em coprodução e não como funcionários da nossa própria criação”, explica Leal sobre o seu plano de negócios para a Dédalo.


Com um modelo voltado para a coprodução, produtoras de desenvolvimento como a Dédalo apostam em uma participação mais ativa em seus projetos, da criação da ideia aos meios de exibição.


Como funciona uma produtora de desenvolvimento?

Jon Stewart e sua equipe. - Imagem: ew York Magazine

Sobre o modelo de trabalho da Dédalo, Rafael Leal comenta: “a gente presta serviços de desenvolvimento para produtoras que tenham uma propriedade intelectual que nos interessa trabalhar, ou a gente trabalha em parceria com essas produtoras, em coprodução, como é o caso da ‘Dona da Banca’, com a Raccord Produções".


Para o mercado norte-americano, o investimento em propriedade intelectual se tornou um negócio lucrativo. A Marvel, como maior exemplo da atualidade, transformou suas propriedades intelectuais dos quadrinhos em franquias de sucesso para o cinema, TV e streaming.


Com um histórico muito voltado ao desenvolvimento de autores-diretores, o Brasil entrou um pouco depois nesse jogo, mas já vemos há alguns anos núcleos criativos e produtoras de desenvolvimento voltadas à criação de produtos audiovisuais sólidos e com intuito de atrair grandes públicos (assim como gerar franquias de sucesso).


“Muitas vezes, produtoras e canais nos procuram querendo desenvolver uma ideia que eles já têm ou que eles compraram - um livro, um filme que eles querem transformar em série, etc. - ou então nós mesmos procuramos os canais e produtoras parcerias”, comenta Leal.


A regra é clara: a Dédalo só começa uma sala de roteiro com dinheiro destinado ao seu desenvolvimento. Por isso mesmo Leal explica que o seu foco é nessa relação direta com canais: "primeiro, eu quero um contrato de desenvolvimento com o canal. Depois, na hora de produzir, eu procuro a produtora grande, um parceiro”, Depois de 10 Rio2C consecutivos e participação em tantos outros eventos voltados para o mercado audiovisual, a Dédalo já adquiriu contato direto com boa parte dos players. Isso possibilita a criação de um canal mais fácil de comunicação, sem precisar de pessoas ou empresas intermediárias.


“Para quem não tem esse contato direto e precisa construir isso, o caminho são os eventos”. - Rafael Leal

Se a participação em um núcleo de desenvolvimento de projetos já traz vantagens na hora do roteirista se inserir no mercado, os benefícios para o processo criativo em si são ainda maiores.


O que um núcleo de criação agrega ao processo criativo?

Imagem: Shutter Stock

Muito antes de qualquer contrato ser assinado, a importância dessa rede de criação já é revelada no próprio processo de desenvolvimento. Um núcleo criativo confere ao autor um distanciamento crítico da sua obra através do olhar do outro, além de enriquecer o projeto proporcionando debates construtivos (idealmente, é claro). “A gente sempre dá muito feedback no trabalho do outro, temos uma rede de roteiristas que estão sempre lendo nossos projetos… Essa circulação das ideias, esse trabalho coletivo é muito importante”, comenta Leal.


Audiovisual é um processo criativo coletivo. Essa ideia do roteirista genial, lobo solitário, que pega a sua ideia brilhante e vence todas as dificuldades da vida para fazer o filme dos seus sonhos é do campo da ficção. Ter uma rede por onde os seus projetos podem circular é extremamente importante na carreira de um roteirista”. - Rafael Leal

Em entrevista recente concedida ao podcast Primeiro Tratamento, Paulo Barata, executivo com passagem por canais como Globosat e NBCU – Universal, ressalta o importante papel dos núcleos criativos principalmente para a carreira do roteirista iniciante.


Segundo Barata, além da experiência envolvida nesse processo, o iniciante se beneficia do peso que uma carteira de projetos mais recheada garante a ele. Barata explica: "num coletivo você tem a chance de construir um portfólio de projetos que tem mais competitividade do que um ou dois projetos isoladamente".


Segundo o executivo, esse portfólio de projetos então é endossado por roteiristas com especialidades complementares, agregando bastante ao currículo do próprio iniciante. Se você se interessar pela entrevista, clique aqui e ouça o conteúdo completo.

É preciso dizer também que se apresentar como empresa não anula a trajetória individual dos roteiristas. Rafael cita outros casos de núcleos voltados ao desenvolvimento dos projetos, como o Maquinário Narrativo. Embora eles se apresentem como um coletivo, cada profissional tem também suas experiências particulares no mercado audiovisual.


“Assim como há produtoras focadas em pós-produção, há também produtoras de desenvolvimento. É uma área que sempre foi internalizada pelas grandes produtoras, mas agora há opções de empresas para as quais elas podem terceirizar essa parte e adquirir com isso uma experiência muito maior” - Rafael Leal

Essa terceirização do desenvolvimento de projetos possibilita, em tese, a construção de produtos audiovisuais narrativamente mais bem preparados, pois conta com uma equipe especializada e dedicada integralmente àquilo. Para que esse negócio funcione, não basta ser apenas um roteirista talentoso. É preciso assumir um perfil profissional diferente do roteirista que acredita na ideia pela ideia, no processo como algo derivado apenas da sua vontade artística. É preciso entender o papel da produção na carreira do roteirista.


A figura do roteirista-produtor

Rafael Leal acredita que, para ocupar esse nicho de mercado, o roteirista precisa ter muito mais do que o domínio das ferramentas dramáticas de criação. É preciso assumir também a produção e entender os seus direitos dentro do sistema de produção e participação de lucros. “Eu tenho experiência de cronograma, de metodologia, de orçamento de desenvolvimento que uma produtora maior do que a Dédalo talvez não tenha”, explica Leal, que reforça a importância do roteirista também "vestir a camisa do produtor" resgatando os ensinamentos do teórico alemão Walter Benjamin:


“Tem um texto do Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt, que eu gosto bastante, que me ajudou a pensar esse papel do roteirista como produtor. Ele diz que não tem como você alterar as regras do jogo burguês se você não detiver os meios de produção. Foi isso que me fez constatar que o roteirista precisa ser produtor”. - Rafael Leal

Isso significa, nas palavras de Leal, "entender que a relação dele com o outro produtor é uma relação de coprodução, não uma relação assalariada". Em empresas como a Rede Globo, é claro, a história é diferente: você recebe um salário, um plano de saúde, então "tudo o que você escreve pertence a ela".


"Não é o caso da relação da maior parte dos produtores freelancers", justifica. "Eles pedem uma Nota Fiscal. Eles querem ter uma relação de empresa, então é preciso que seja uma relação de coprodução, uma vez que eu sou o dono da ideia".

“Uma vez um produtor me falou ‘mas você não pode querer ficar com 50%’. Eu falei para ele: mas eu não quero nada, eu já tenho 100%, quem quer é você”. - Rafael Leal

Assim, Rafael Leal não nos deixa esquecer que a criação, no fim, pertence ao roteirista. "Se for uma criação de qualidade e se for uma relação em que todo mundo pode ganhar, eu acredito que a coprodução seja a principal ferramenta de condução da carreira de roteirista-produtor”. Graças ao trajeto do Rafael como roteirista e o desenvolvimento da Dédalo no mercado, nos últimos anos eles conseguem entrar como coprodutores dos projetos com seus parceiros comerciais.


A coprodução internacional como caminho para o desenvolvimento

European Film Market - Imagem: EFM

Quando pensamos em coprodução internacional, normalmente imaginamos modelos de distribuição e produção em si. Diante disso, surgem algumas dúvidas: o Brasil tem potencial para exportar mais os seus produtos audiovisuais? Como pensar caminhos internacionais ainda no desenvolvimento da ideia?

“Durante muitos anos houve a mítica no Brasil de que a gente não exportava produtos audiovisuais além da telenovela por causa da língua portuguesa. Daí a gente começa a ver países como Dinamarca, Coréia do Sul e Israel exportando série até não poder mais. É preciso rever esses velhos chavões que sempre impediram uma expansão maior do Brasil nesse panorama internacional”. - Rafael Leal

Para quebrar essa ideia, Rafael fala sobre caminhos internacionais para fomento em desenvolvimento de projetos: "existem muitos fundos internacionais de acesso a desenvolvimento. O Hubert Bals Fund, por exemplo, do Festival de Rotterdam, a Fundação Carolina… Existem vários fundos internacionais, vários laboratórios internacionais, existem produtoras e redes na América Latina, nos EUA, na Europa, existem redes de pesquisa acadêmica em roteiro, por exemplo”.


Pensar as parcerias e recursos internacionais já na criação da ideia não só é um caminho para financiar a obra posteriormente, como pode agregar no processo criativo. A Dédalo, por exemplo, trabalha bastante com consultores internacionais em seus projetos.


Esses profissionais avaliam a qualidade dos roteiros, mas também fazem uma leitura da obra dentro de um panorama mais amplo, como possível produto para exportação. “Se a gente tá conseguindo transmitir a mensagem, se tem um material atraente para uma audiência culturalmente diversa”, completa Leal.


Núcleo de criação Writer's Room 51


Além de disponibilizar artigos sobre roteiro, que visam abordar assuntos que vão dos métodos de criação às questões de mercado, a Writer's Room 51 também é uma produtora de desenvolvimento com projetos autorais e serviços de consultoria.


Nos últimos meses, decidimos ampliar um pouco mais a nossa missão, agregando profissionais parceiros para formar o nosso próprio Núcleo de Criação, com objetivo de consolidar nosso método de trabalho e formar uma carteira de projetos mais rica e com olhares diversos.


Em breve vamos apresentar os roteiristas que compõem o nosso núcleo e alguns dos projetos em desenvolvimento. Fique atento! Como sempre, se gostou do conteúdo ou mesmo tem alguma sugestão para a nossa equipe, deixe um comentário aqui ou nos envie um e-mail através da aba "contato".


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